Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1596/17.3PBFUN-B.L1-3
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: LEITURA DA DECISÃO POR APONTAMENTO
PRAZO PARA ARGUIR NULIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Tendo a leitura da decisão instrutória sido feita por apontamento, a sua sindicância por parte dos sujeitos processuais apenas pode ser realizada, por comparação com a acusação pública, o que implica necessariamente o conhecimento de toda a decisão.
Não tendo o tribunal a quo feito constar qual a parte da decisão instrutória que foi lida não é possível concluir que o arguido se encontrava em condições mínimas de poder suscitar as irregularidades que aponta à decisão instrutória.
Deste modo, é de elementar justiça que o prazo para que os intervenientes processuais pudessem invocar nulidades e ou irregularidades da decisão instrutória apenas se iniciasse aquando da verificação das circunstâncias que lhes permitissem o seu conhecimento.
Iniciando-se  o prazo no dia seguinte à data da leitura parcial da decisão e entrega de cópia da decisão, está em tempo a invocação das irregularidades dado que se mostra paga a multa devida pela prática do acto após o termo do prazo.
Outro entendimento consubstancia uma denegação do exercício dos direitos de defesa do arguido .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

FPFA_________, arguido nos autos veio recorrer da decisão do Juiz de Instrução que considerou extemporâneo o requerimento apresentado pelo mesmo em que invocava a irregularidade da decisão instrutória com fundamento na alteração não substancial dos factos sem observância do disposto no art.º 303.º do CPP.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, datado de 05.02.2021, que indeferiu o requerimento em que o Arguido invocou a irregularidade da Decisão Instrutória proferida nos autos, em 23.11.2020 com fundamento na sua alegada extemporaneidade ("Despacho Recorrido").
2. Deve o presente recurso subir em separado, imediatamente e com efeito suspensivo da decisão recorrida, de acordo com o disposto nos artigos 406.9, n.9 2, 407.9, n.9 1 e 408.9, n.9 3, todos do CPP
Com efeito, nos termos da alínea b), do n.9 1 do artigo 408.5 do CPP, a improcedência da irregularidade suscitada pelo Arguido, determina a remessa dos autos ao tribunal competente para a fase de julgamento, sem que o mesmo tenha tido a oportunidade de se pronunciar quanto à alteração não substancial dos factos operada na fase de instrução, tendo o processo de recuar a esta fase se - como se espera - vier a ser dado provimento a este recurso.
3. Está em causa a seguinte factualidade:
(i) em 23.11.2020, foi proferida Decisão Instrutória, composta por 108 páginas e em cujo texto não é identificada nem mencionada qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na Acusação, nem é mencionado sequer o artigo 303.5 do CPP;
(ii) como decorrência, durante a leitura da Decisão Instrutória não foi identificada qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na Acusação;
(iii) porém, comparando a Acusação com a Decisão Instrutória, constata-se que esta contém numerosas alterações aos factos descritos naquela Acusação;
(iv) a deteção dessa alteração só foi possível após a entrega do respetivo texto ao Arguido mediante comparação dos factos descritos na Acusação com os factos descritos na Decisão Instrutória, e não era possível ser detetada antes;
(v) 3 dias (com multa) após a leitura pública da Decisão Instrutória, o Arguido invocou, ao abrigo do artigo 123.5 do CPP, a irregularidade da Decisão Instrutória com fundamento na violação do artigo 303.9 n.9 1 do CPP.
4. O Despacho Recorrido viola o artigo 303.9 n.9 1 do CPP, devendo ser revogado, porquanto o Tribunal o quo promoveu uma extensa alteração de factos sem a comunicar previamente ao Arguido ou aos seus defensores, sem interrogar o Arguido sobre a mesma e sem conceder um prazo para o Arguido se pronunciar sobre as referidas alterações.
5. O Despacho Recorrido viola o artigo 123.9 n.9 1 do CPP, devendo ser revogado, porquanto:
(i) o momento relevante para o início do prazo de arguição de qualquer vício só pode ser o da respetiva cognoscibilidade;
(ii) em nenhuma sessão de instrução foi comunicada qualquer alteração dos factos da Acusação;
 (iii) durante a leitura da decisão não foi comunicada qualquer alteração dos factos da Acusação;
(iv) o Arguido só pôde conhecer as alterações de factos em causa através da análise da Decisão Instrutória e respetiva comparação com a Acusação;
(v) o Arguido apresentou, junto do Tribunal a quo, requerimento de arguição de irregularidade no terceiro dia de multa após a leitura pública da Decisão Instrutória, ou seja em 02.12.2020, i.e., tempestiva mente e até cautelarmente atendendo ao momento do efetivo conhecimento do vício.
A norma resultante do artigo 123.9, n.9 1 do CPP, conjugado com o artigo 303.9, n.9 1 do mesmo diploma, interpretada no sentido de impor a arguição, no próprio ato, de irregularidade motivada pela alteração não substancial dos factos constantes da acusação e que não tenha sido comunicada previamente ao Arguido, quando a decisão instrutória não tenha sido lida na íntegra, dela não conste referência à existência de alterações nos factos e quando a sua cognoscibilidade só seja possível com a leitura integral da Decisão Instrutória fazendo a comparação com a Acusação é materialmente inconstitucional por violação das garantias do processo criminal, consagradas constitucionalmente nos artigos 20.9 n.9 4 e 32.9, n.9 1 da CRP.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso procedente, por provado, e, em consequência, se dignem:
(i) admitir o presente recurso com subida em separado, imediatamente e com efeito suspensivo da decisão recorrida, de acordo com o disposto nos artigos 406.9, n.a 2, 407.2, n.9 1 e 408.2, n.2 3, todos do CPP;
(ii) revogar o Despacho Recorrido por violação dos artigos 303.9 n.2 1 e 123.2, ambos do CPP, com as devidas consequências legais, nomeadamente, o conhecimento de mérito da irregularidade suscitada pelo Arguido;
(iii)  conhecer a inconstitucionalidade suscitada.
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Recebido o recurso o MP na primeira instância respondeu pugnando pela sua improcedência concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
I - O recurso pretende que se revogue o despacho que considerou intempestiva a arguição de uma irregularidade apresentada dias depois de ter sido lido o despacho de pronúncia a que o recorrente e os seus mandatários assistiram, sendo que o texto da decisão foi de imediato disponibilizado aos presentes. 
2 - No que o arguido não tem razão, conforme decorre do disposto no art° 123°, n° 1, do CPP e porque antes de mais nada não há nenhuma irregularidade.
3 - Trata este recurso de uma suposta alteração não substancial de factos no despacho de pronúncia, que se baseia na circunstância de, quando comparados dois artigos da acusação com os dois artigos equivalentes do despacho de pronúncia notarem-se diferenças de redação.
4 - Tais diferenças consistem na deslocação de meia frase de um artigo para o outro, na eliminação de um adjetivo e de um substantivo, na eliminação à referência a um dos meios de prova juntos com a acusação e na introdução de parte do teor de um documento que igualmente foi junto como meio de prova na acusação.
5 - Ora, as diferenças de redação entre a acusação destes autos e o despacho de pronúncia não integram qualquer alteração de factos, considerada (como deve ser) em termos técnicos - nem substancial nem não substancial - porquanto tais alterações não têm nenhum relevo para a decisão da causa.
6 - Veja-se que o relevo para a decisão da causa é uma característica requerida pelo art° 358°, n° 1, do CPP sendo uma exigência para a concessão de prazo estritamente necessário para a preparação da defesa relativamente a esses novos factos.
7 - Já o STJ em Acórdão de 1991 com o n° JST 8873, considerou que não havia qualquer nulidade da sentença quando as divergências entre esta e o despacho de acusação não respeitam a factos essenciais mas meramente instrumentais ou explicativos dos factos essenciais.
8 - Assim, no caso que nos ocupa, aquando da leitura da decisão instrutória não foi comunicada qualquer alteração não substancial porque a mesma não existia, não tendo ocorrido qualquer irregularidade.
9 - O arguido e seus mandatários, presentes na leitura, não detetaram quaisquer divergências, porque as mesmas eram de mero pormenor, sem qualquer importância para o desfecho da instrução, pelo que nada arguiram nessa data por nada haver a arguir, vindo à posteriori a invocar uma irregularidade inexistente, fora do tempo próprio da sua arguição, com o fito estratégico de ganhos para a defesa.
10 - Pelo exposto, deve o despacho de indeferimento ser mantido, assim se fazendo a costumada, 
Justiça
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O Sr. PGA junto desta Relação emitiu o parecer que se reproduz:
1.O Recurso
O arguido FPFA_________ interpôs recurso do despacho de rejeição do requerimento por si apresentado, em que invocou a irregularidade da decisão instrutória, proferido pelo Juiz do Juízo de Instrução Criminal do Funchal, em 05/02/2021, fundado na sua extemporaneidade.
Naquele requerimento, o ora Recorrente invocou a alteração não substancial dos factos constantes da decisão instrutória, o não cumprimento do disposto do art. 303.°, n.° 1, do CPP e a consequente irregularidade da decisão instrutória de acordo com o art. 123.°, n.° 1, do CPP.
O Tribunal a quo decidiu ser tal requerimento extemporâneo por não ter sido observado o prazo do art. 123.°, n.° 1, do CPP, tendo em conta que o Recorrente e a sua mandatária estiveram presentes aquando da leitura da decisão, tendo- lhes sido entregue cópia da mesma nesse ato.
O Recorrente pretende estar em tempo para apresentar o requerimento em causa, porquanto o momento relevante para a contagem do prazo a que se refere o art. 123.°, n.° 1, do CPP é o momento em que se toma conhecimento da irregularidade e da mesma só tomou conhecimento depois de ter lido integralmente a decisão instrutória e procedido à sua comparação com a acusação, uma vez que não foi cumprido o disposto no art. 303.°, n.° 1, do CPP, nem na decisão instrutória é mencionada essa alteração.
Nesta continuidade, o Recorrente pretende ser materialmente inconstitucional a norma constante do art. 123.°, n.° 1, do CPP, conjugado com o art. 303.°, n.° 1, do CPP, quando interpretada no sentido de impor a arguição da irregularidade no próprio ato em que se esteve presente quando, como foi o caso, não foi dado cumprimento, no momento oportuno, ao disposto no art. 303.°, n.° 1 do CPP, a decisão instrutória não foi lida na íntegra, dela não consta qualquer alusão à alteração dos factos e o conhecimento da irregularidade advém da leitura da decisão por confronto com a acusação.
Conclui pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que conheça da irregularidade e bem assim que este Tribunal conheça da suscitada questão de inconstitucionalidade.
2. Posição do Ministério Público na 1.a Instância
O Ministério Público, na 1.a Instância, apresentou Resposta ao recurso pugnando pela confirmação do despacho recorrido e improcedência do Recurso.
3. Posição do Ministério Público no TRL
Concordamos com os fundamentos de facto e de direito utilizados pela Exma. Magistrada do Ministério Público na 1 .a instância para rebater os fundamentos do Recorrente quer porque o art. 123.°, n.° 1, do CPP é taxativo quanto ao prazo para arguição da irregularidade, quer porque não se verifica qualquer irregularidade na decisão instrutória, ou seja, não tinha que ser cumprido o disposto no art. 303.°, n.° 1, do CPP, por não existir uma alteração não substancial dos factos tal como definida no art. 358.°, n.° 1, do CPP.
Com efeito, como refere a Exma. Colega, na decisão instrutória apenas se ordenaram os factos de forma diversa da constante da acusação e no art. 24 da decisão, correspondente ao art. 27.° da acusação, aditou-se uma parte da transcrição do parecer do IFCN.
Ora, este parecer foi obtido pelos arguidos, onde se inclui o Recorrente, pelo que, para além de ser do seu conhecimento, o documento em que está exarado encontra-se junto aos autos, constituindo prova documental, nada trazendo de novo ao processo nem com relevo para a decisão da causa (veja-se a este propósito o Ac. do TRC de 20/03/2018, disponível em www.dgsi.pt).
Quanto à questão de inconstitucionalidade, a mesma não se chega a colocar, pois que inexistindo a invocada irregularidade não há lugar à reação processual contemplada no art. 123.°, n.° 1, do CPP.
3.1. Pelo exposto,
Entendemos que o despacho em crise se deve manter nos seus precisos termos, julgando-se o recurso improcedente.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP.
O arguido veio responder ao parecer do MP neste TRL, rebatendo o defendido pelo MP, terminando como no seu recurso.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Tendo em conta as conclusões apresentadas há que analisar e decidir no presente recurso:
- Se o requerimento do arguido em que invoca irregularidade da decisão instrutória é extemporâneo ou, como defende o arguido, está em tempo.
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Para decisão do recurso importa ter presentes os seguintes factos:
1 - No dia 23.11.2020, foi proferida Decisão Instrutória, composta por 108 páginas.
2 - Na decisão Instrutória não mencionada qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na Acusação, nem é mencionado o artigo 303.5 do CPP;
3 – A decisão Instrutória não foi integralmente lida.
4 – No dia da leitura da Decisão Instrutória, 23.11.2020 foi entregue cópia da dita decisão aos intervenientes processuais.
5 - Comparando a Acusação com a Decisão Instrutória, constata-se que esta contém numerosas alterações pelo menos em termos linguísticos dos factos descritos naquela Acusação;
6 – Os 3 dias acrescidos de 3 dias de multa após a leitura pública da Decisão Instrutória contados a partir do dia seguinte ao da leitura da decisão instrutória terminava no dia 2 de dezembro de 2020.
7 – O requerimento do arguido invocando irregularidade da decisão instrtutória com fundamento na violação do disposto no art.º 303.º do CPP deu entrada em juízo no dia 2 de dezembro de 2020.
8 – No dia 5 de fevereiro de 2021 foi proferido despacho em que se julgou extemporâneo o requerimento do arguido, apresentado no dia 2 de dezembro, em que invocava a irregularidade da decisão instrutória, com o seguinte teor:
Por requerimento de 2 de Dezembro de 2021, o arguido FPFA_________ veio invocar irregularidade consubstanciada na omissão de comunicação de alteração não substancial de factos nos termos do art. 303.º do Código de Processo Penal.
Alegou que aquando da leitura da decisão a mesma não foi integralmente lida nessa parte, pelo que só aquando da sua leitura tomou conhecimento do referido vício.
Conforme resulta dos autos, a leitura da decisão instrutória ocorreu em 23 de Novembro de 2020 e, efectivamente, dada a sua extensão, a mesma não foi integralmente lida, não se oferecendo dúvidas de que, só pela leitura integral do texto da mesma, tivessem os intervenientes em condições de invocar qualquer vício da mesma.
Porém, conforme foi consignado nos autos, na data da leitura foi entregue o texto integral da mesma, quer ao arguido, quer à mandatária presente.
Nos termos do disposto no art. 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Assim, e tendo em conta que o arguido e a sua mandatária (com substabelecimento junto) estiveram presentes os actos instrutórios, o requerimento apresentado é extemporâneo, fundamento com o qual o indefiro.
Notifique.
No mais, aguardem os autos o decurso integral do prazo de recurso.
9 – Após o termo do acto de leitura da decisão instrutória foi exarado o seguinte termo:
Em cumprimento do despacho que antecede informo que, na data da realização da leitura da decisão instrutória, foi entregue, pela secção, cópia da decisão instrutória a todos os intervenientes processuais presentes na mesma.
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Apreciando e decidindo:
Está apenas em causa saber se o requerimento do arguido em que o mesmo invoca a irregularidade da decisão instrutória por violação do disposto no art.º 303.º está ou não em tempo.
As nulidades principais estão expressamente previstas no art.º 119.º do CPP e nelas não se encontra nem a falta de nomeação de perito nem de juramento nem a nulidade decorrente da perícia por falta de ajuramentação de algum dos seus subscritores.
Igualmente esta situação não encontra previsão no art.º 120.º, nulidades dependentes de arguição, nem se encontra prevista em qualquer outra norma que seja aplicável a este meio de prova.
Finalmente, o art.º 303.º igualmente não qualifica a situação como nulidade.
Daqui resulta que, a existir alguma ilegalidade, incidente sobre a decisão instrutória, ela teria que se reconduzir a mera irregularidade, cfr art.º 123.º do CPP.
Determina este preceito legal que:
1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Analisados os factos apurados e a decisão recorrida concluímos que esta última se baseou numa na leitura literal da situação – o facto de o arguido e sua mandatária terem estado presentes do dia da leitura da decisão instrutória.
Embora não se consiga descortinar do termo constante dos autos se a entrega foi feita durante o acto de leitura ou após o seu termo, o certo é que está na disponibilidade do juiz encerrar a diligência e não é exigível, ante a dimensão do decidido, que o arguido se aperceba de uma eventual irregularidade, apenas percetível por comparação entre a acusação e a decisão instrutória, e que tenha a capacidade de a invocar de imediato, especialmente quando a decisão instrutória não foi lida e foram entregues ao mandatário do arguido 108 páginas para ler.
Os arguidos não têm de desconfiar dos Tribunais. Pelo contrário devem confiar nos mesmos e se estes nada referem quanto a uma alteração não substancial de factos devem crer que a mesma não existe. Se, ponderadas as questões, concluírem pela mesma, devem e podem suscitar a questão pois que, ainda que formalmente hajam recebido a decisão no acto da leitura era impossível, em tempo, suscitarem qualquer irregularidade para além daquelas que fossem flagrantemente óbvias, o que não é o caso da suscitada
Ora, no caso, como se verifica da análise da acta da leitura e da decisão instrutória não se verifica que nela se mostre exarada qualquer alteração dos factos, substancial ou não substancial, pelo que a sua sindicância por parte dos sujeitos processuais apenas pode ser realizada, como bem afirma o recorrente, por comparação com a acusação pública, o que implica necessariamente o conhecimento de toda a decisão instrutória.
Não tendo o tribunal a quo feito constar qual a parte da decisão instrutória que foi lida não é possível concluir que o arguido se encontrava em condições mínimas de poder suscitar as irregularidades que aponta à decisão instrutória.
Deste modo, é de elementar justiça que o prazo para que os intervenientes processuais pudessem invocar nulidades e ou irregularidades da decisão instrutória apenas se iniciasse aquando da verificação das circunstâncias que lhes permitissem o seu conhecimento e no caso, dado que o próprio tribunal a quo reconheceu que a decisão instrutória não foi integralmente lida e dada a conhecer.
Resta-nos apenas exarar que não está em causa saber se a decisão instrutória enferma ou não das irregularidades apontadas, mas sim se a sua invocação foi atempada. Deste modo, iniciando-se o prazo no dia seguinte à data da leitura parcial da decisão e entrega de cópia da decisão, está em tempo a invocação das irregularidades dado que se mostra paga a multa devida pela prática do acto após o termo do prazo.
Outro entendimento consubstancia uma denegação do exercício dos direitos de defesa do arguido, sendo, pois, totalmente procedente o recurso interposto.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa, em:
Julgar PROVIDO o recurso interposto por FPFA_________ devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que admita o requerimento apresentado e conheça das irregularidades suscitadas.
a) Sem custas.

Lisboa, 29 de setembro de 2021
Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Rui Miguel Teixeira
Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.