Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14867/23.0T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: ARRESTO
PERDA DE GARANTIA PATRIMONIAL
JUSTO RECEIO
IMÓVEIS HIPOTECADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Não é de decretar o arresto relativamente a bens que já se encontram hipotecados a favor da Requerente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A (“Caixa … Bancária, S.A.”) deduziu o presente procedimento cautelar de arresto contra B (…. Companhia, Lda) , pedindo que se proceda ao arresto de 29 fracções autónomas do prédio urbano sito na Avenida …, nºs 8, 8-A, 8-B, 10, A, 10-B, 10-C, 10-D, 10-E, 10-F, 10-G, 10-H, 10-1, tornejando para a Rua …, nºs 7 e 7-A, ….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de São Paulo e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº ….
Produzida a prova testemunhal requerida, foi decretado o arresto daqueles bens nos termos constantes da decisão de 13/07/2023.
Citada, a Requerida deduziu oposição ao arresto, peticionando o respectivo levantamento.
Produzida a prova testemunhal requerida, foi proferida decisão em 05/01/2024, que julgou improcedente a oposição e manteve o arresto ordenado.
Inconformada com tal decisão, veio a Requerida dela interpor recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões (por facilidade de exposição, as notas de rodapé no original serão transcritas, entre parêntesis, no próprio texto):
“INTRODUÇÃO E OBJETO DO RECURSO
1. A Recorrente centrou o objeto do recurso em dois aspetos da sentença recorrida, porque, com o devido respeito, crê serem os mais criticáveis, embora haja outros com os quais também está em desacordo.
2. A sua crítica mais primordial é à decisão da matéria de direito, na medida em que lhe parece claro que o arresto é pura e simplesmente inútil para a posição da Recorrida, nada lhe acrescentando, razão pela qual jamais devia ter sido decretado, mesmo logo na fase prévia ao contraditório.
3. Esta inutilidade reflete-se nos pressupostos legais do arresto, porque o caso é um vazio absoluto quanto ao periculum in mora e de uma grande desproporcionalidade entre o proveito para a Recorrida e o sacrifício da Recorrente.
4. Para além disso, quanto à decisão da matéria de facto, pensa-se que pelo menos 9(Entre outros) o ponto V dos factos não provados não foi adequadamente apreciado, porque devia ter sido julgado em parte, com reflexos também na decisão da matéria de direito, quanto ao fumus boni iuris do caso.
Como se passa a expor:
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
5. Fruto do segmento supra citado do depoimento da testemunha, arrolada na oposição, JA (Depoimento e segmento supra identificados em conformidade com o artigo 640 n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do CPC), deve ser julgado provada a seguinte parte do ponto V dos factos não provados:
A requerente do arresto não cumpriu o rácio de 15% de capitais próprios estabelecido entre as partes.
DECISÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:
Em primeiro lugar,
6. A alteração à decisão da matéria de facto que se acabou de expor dá, também, azo à alteração da decisão da matéria de direito quanto ao fumus boni iuris do caso, porque o direito de crédito que a Recorrida alegou e o Tribunal a quo reconheceu é posto em crise, porque a Recorrida incumpriu o rácio de financiamento acordado com a Recorrente, bem como porque reclamar esse crédito nessas circunstâncias é um abuso de direito nos termos do artigo 334 do CC.
Em segundo lugar e sobretudo,
7. De acordo com os artigos 619 n.º 1 do CC e 391 n.º 1 do CPC, o arresto é uma providência cautelar que se destina a acautelar a garantia patrimonial de um crédito, pelo que só se justifica se for capaz disso mesmo.
8. A capacidade do arresto para tanto é definida no artigo 622 do CC, segundo o qual o efeito útil do arresto é tornar ineficazes, em relação ao seu requerente e de acordo com as regras próprias da penhora, atos de disposição dos bens visados.
9. Esse efeito é absolutamente inútil no caso vertente, porque:
9.1. A Recorrida tem constituídas em seu favor nada mais nada menos que seis 11(Conforme pontos 6 a 18 e 22 da matéria de facto provada na sentença que decretou o arresto na fase anterior ao Contraditório) hipotecas sobre as frações autónomas arrestadas;
9.2. A garantia da Recorrida não está no arresto e sim nas hipotecas, porque estas acompanhariam sempre as frações em caso de alienação;
9.3. E o arresto nada obsta ao direito de retenção dos promitentes-compradores das frações, previsto no artigo 755 n.º 1 al. f) do CC, porque este é prevalecente por ser anterior.
11 Conforme pontos 6 a 18 e 22 da matéria de facto provada na sentença que decretou o arresto na fase anterior ao contraditório.
Em suma e em virtude do exposto,
10. O caso não reúne os pressupostos, por um lado, do periculum in mora, no sentido de que o arresto nada traz à Recorrida, e por outro, da proporcionalidade, por ser desproporcional impor à Recorrente um sacrifício que nada beneficia a Recorrida, sendo este último critério aplicado ao arresto pela jurisprudência supra citada, como princípio fundamental do Estado de Direito.”
A apelada apresentou contra-alegações onde defendeu a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam.
Nestes termos, neste recurso, as questões a decidir são:
- impugnação da matéria de facto;
- existência dos requisitos para o decretamento do arresto.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão que decretou o arresto foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos (rectificando-se o lapso existente na numeração feita na decisão do tribunal a quo quanto aos factos nºs 17-18, que correspondem a uma única factualidade, pelo que, aqui, serão, ambos, descritos sob o nº 17, seguindo-se a numeração nos demais factos):
1. A A é uma instituição financeira que se dedica à actividade bancária, praticando operações activas e passivas de crédito.
2. A B desenvolve a sua actividade principal no âmbito de compra e venda, bem como revenda ou outro modo de aquisição ou alienação, exploração, administração e gestão, de imóveis, construção civil e consultadoria de imóveis e demais destas áreas.
3. No exercício da sua actividade, em 21 de Julho de 2017, a A celebrou com a B, um contrato de abertura de crédito com hipoteca, ao qual foi atribuída a numeração 000.30.100236-6 destinado ao fomento à construção .
4. Nos termos do referido contrato, o Banco creditou na conta daquela empresa a quantia global de €11.500.000,00 (onze milhões e quinhentos mil euros), da qual aquela empresa se confessou devedora e destinada (cláusula 1ª do contrato).
5. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de três anos, prorrogável nos termos da cláusula 2ª.
6. Para garantia das obrigações assumidas no supra referido Contrato, a B constituiu primeira hipoteca voluntária a favor da A, pelo montante máximo de capital e acessórios de €19.175.215,00 (dezanove milhões cento e setenta e cinco mil duzentos e quinze euros), sobre o prédio urbano composto por terreno para construção, com uma passagem pública de peões à superfície, com a área de duzentos e noventa e cinco vírgula onze metros quadrados, entre as cotas três vírgula quinze metros e nove vírgula quinze metros, referidas ao nivelamento geral do passeio, localizado na Avenida … e Rua …, a confrontar, do norte com Câmara Municipal de Lisboa e Rua …, do sul com Avenida …, do nascente e do poente com Câmara Municipal de Lisboa e Administração do Porto de Lisboa, S.A., freguesia da …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da extinta freguesia de São Paulo, inscrito na respectiva matriz do 3.º Serviço de Finanças de Lisboa sob o número …, da mencionada freguesia da …, com o valor patrimonial tributável de €3.309.362,15 e ao qual foi atribuído, depois da conclusão das obras, o valor de €34.968.200,00 (trinta e quatro milhões novecentos e sessenta e oito mil e duzentos euros).
7. A referida hipoteca abrange, não apenas o imóvel, mas todas as construções, edificações, melhoramentos e benfeitorias que no mesmo venham a ser implantadas e ou averbadas no registo predial.
8. Em 25 de Maio de 2018, a A e a B celebraram um Adicional ao contrato de abertura de crédito com hipoteca, nos termos do qual o limite de crédito aberto em conta corrente inicialmente contratado, do indicado montante inicial de €11.500.000,00, foi aumentado para o valor total de €30.076.987,08 (trinta milhões setenta e seis mil novecentos e oitenta e sete euros e oito cêntimos), sendo o aumento do financiamento do montante de €18.576.987,08 (dezoito milhões quinhentos e setenta e seis mil novecentos e oitenta e sete euros e oito cêntimos) – cláusula 1ª do Adicional .
9. Para garantia do reforço das obrigações assumidas pela B, esta constitui a favor da A, em ampliação da hipoteca mencionada em 6., segunda hipoteca voluntária sobre o acima identificado imóvel, pelo montante máximo de capital e acessórios de €30.973.782,10 (trinta milhões novecentos e setenta e três mil setecentos e oitenta e dois euros e dez cêntimos).
10. A referida hipoteca abrange o imóvel e todas as construções, edificações, melhoramentos e benfeitorias que no mesmo venham a ser implantadas e ou averbadas no registo predial.
11. No mencionado contrato ficou definido que: a. A B deveria afectar o produto da venda do imóvel hipotecado, ou das suas futuras fracções, à amortização das responsabilidades assumidas no contrato, bem como, até ao montante de €2.000.000,00 (dois milhões de euros), à amortização do contrato n.º 000.36.100515-0, - cláusula 4ª do Adicional; b. Todos os montantes recebidos pela B a título de sinal e princípio de pagamento do preço no âmbito de contratos-promessa de compra e venda das fracções a construir contratados após a celebração do Adicional seriam obrigatoriamente depositados na conta de depósitos à ordem n.º 000.10.589080-0 - n.º 1 da cláusula 5ª do Adicional; c. A B deveria apresentar à A todos os contratos-promessa de compra e venda celebrados, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a sua celebração, bem como todos os contratos-promessa de compra e venda formalizados em data anterior ao “Adicional” -n.º 2 da cláusula 5ª do Adicional; e d. A B deveria transferir para a conta n.º 000.10.592656-2 o montante correspondente a trinta por cento (30%) de cada verba recebida a título de sinal e princípio de pagamento do preço - cláusula 5ª do Adicional.
12. No dia 30 de Novembro de 2018 foi constituída terceira hipoteca voluntária sobre os seguintes imóveis, propriedade da B : a. Prédio urbano composto de terreno para construção, com passagem pública de peões à superfície, com a área total de dois mil setecentos e quatro vírgula cinquenta e sete metros quadrados, situado em São Paulo, Avenida … e Rua …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de São Paulo, registado a favor da sua representada pela Ap. …, de três de Julho de dois mil e dezassete, inscrito na matriz da freguesia da … sob o artigo …; b. Prédio urbano, composto de terreno para construção, com a área de trezentos e quatro vírgula zero cinco metros quadrados, situado em São Paulo, Avenida …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de São Paulo, registado a favor da sua representada pela Ap. …, de dezoito de Junho de dois mil dezoito, inscrito na matriz da freguesia da … sob o artigo …; c. Prédio urbano composto de terreno para construção, com a área de sessenta e um metros e noventa e quatro decímetros, situado em São Paulo, Rua …, freguesia da …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de São Paulo, registado a favor da sua representada pela Ap. …, de dezoito de Junho de dois mil dezoito, inscrito na matriz da freguesia da … sob o artigo ….
13. A referida hipoteca foi constituída para garantia do pagamento da quantia de dois milhões de euros, que a A emprestou à AM48, proveniente do contrato de mútuo com hipoteca e fiança número 000-36.100515-0, celebrado por escritura pública em sete de Março de dois mil e dezasseis, lavrado de folhas trinta e nove a folhas quarenta e três, do livro número cento e setenta e seis J, do Cartório Notarial da Notária CS, no montante de seis milhões e quinhentos mil euros, à taxa anual efectiva de dois vírgula quinhentos e oitenta e seis por cento ao ano, pelo prazo de quarenta e oito meses, nos demais termos e condições nela estipulados, cujo montante em dívida é, na presente data, de quatro milhões, oitocentos e setenta e três mil, novecentos e quarenta euros, assim como do pagamento de juros à taxa anual de dezanove vírgula duzentos e cinquenta e um por cento, pelo período de três anos, determinada para efeitos de registo de hipoteca, acrescida de uma sobretaxa de três por cento ao ano, em caso de mora.
14. O montante máximo de capital e acessórios garantido pela terceira hipoteca é de três milhões trezentos e trinta e cinco mil e sessenta euros.
15. Em 23 de Novembro de 2021, a A e a B celebraram novo Adicional ao contrato de abertura de crédito com hipoteca, nos termos do qual as Partes acordaram que, a partir da data da celebração do Adicional, o limite de crédito aberto em conta corrente seria aumentado para o valor total de €33.325.000,00 (trinta e três milhões, trezentos e vinte e cinco mil euros), sendo o aumento do financiamento no montante de €3.248.012,92 (três milhões, duzentos e quarenta e oito mil e doze euros e noventa e dois cêntimos).
16. Os novos montantes concedidos tiveram por exclusiva finalidade o financiamento parcial dos custos de construção do imóvel relativo ao “Projeto Promenade” (denominação do empreendimento que viria a ser construído no prédio urbano melhor identificado em 6.), sendo que a B se comprometeu a utilizar tais montantes exclusivamente para aquele propósito e em total concordância com as condições de utilização ali definidas.
17. A B, com o propósito de garantir o integral e atempado cumprimento das obrigações decorrentes do contrato celebrado, constituiu a favor da A, em ampliação da hipoteca mencionada em 6., quarta hipoteca voluntária sobre o Imóvel (abrangendo todas as suas fracções, construções, edificações, acessões naturais, melhoramentos e benfeitorias), nela se incluindo: a. O reembolso do capital mutuado, até ao limite do capital de € 3.248.012,92 (três milhões, duzentos e quarenta e oito mil e doze euros e noventa e dois cêntimos); b. O pagamento dos juros remuneratórios que forem devidos nos termos do Contrato Alterado; c. O pagamento dos juros de mora que forem devidos nos termos do Contrato Alterado; e d. O pagamento das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores, que A haja de fazer para manter, assegurar ou haver os seus créditos e o cumprimento das cláusulas do Contrato Alterado, fixando-se estas despesas, exclusivamente para efeitos de registo predial em €150.000,00 (cento e cinquenta mil), tudo no montante máximo garantido de capital e acessórios de €5.536.147,35 (cinco milhões, quinhentos e trinta e seis mil, cento e quarenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos).
18. À data da celebração deste último Adicional, o imóvel hipotecado correspondia já ao prédio urbano com uma área total de três mil e setenta vírgula cinquenta e seis metros quadrados e área coberta de mil trezentos e noventa vírgula trinta metros quadrados, denominado “Promenade”, situado na Avenida …, números, 8, 8-A, 8-B, 10, A, 10-B, 10-C, 10-D, 10-E, 10-F, 10-G, 10-H, 10-1 tornejando para a Rua …, números 7 e 7-A, freguesia da … concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … da freguesia de São Paulo, registado a favor da B, pelas Ap. … de 3/7/2017, e Ap. 1378, de 18/6/2018, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da Ap. …, de 14/1/2019, e seus averbamentos, inscrito na respetiva matriz predial urbana o número ….
19. O prédio hipotecado é actualmente composto por oito pisos, dois pisos abaixo de solo (duas caves) e seis pisos acima do solo (piso zero e primeiro a quinto andares) e desenvolve-se em quatro blocos, designados por A, B, C e D, o bloco D com acesso directo através da Avenida …, nº 8 e os blocos A, B e C com acesso através da Avenida …, e a partir desse acesso, através do percurso pedonal que ladeia estes blocos, pelo lado nascente dos mesmos, onde se localizam as respectivas portas de entrada, número 10-1 para o Bloco A, número 10-F para o Bloco B, e número 10 para o Bloco C..
20. O prédio hipotecado é composto pelas seguintes fracções: “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”, “R”, “S”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “Y”, “Z”, “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AJ”, “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AQ”, “AR”, “AS”, “AT” e “AU”.
21. Requerente tem registadas a seu favor as seguintes hipotecas:
A) AP. … de 2017/07/25 11:33:57 UTC - Hipoteca Voluntária
CRÉDITO: 11.500.000,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 19.175.215,00 Euros
B) AP. … de 2018/05/25 11:34:33 UTC - Hipoteca Voluntária
CRÉDITO: 18.576.987,08 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 30.973.782,10 Euros
C) AP. … de 2018/12/05 11:32:32 UTC - Hipoteca Voluntária
CAPITAL: 11.500.000,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 19.175.215,00 Euros
D) AP. … de 2018/12/05 11:33:03 UTC - Hipoteca Voluntária
CAPITAL: 18.576.987,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 30.973.782,10 Euros
E) AP. … de 2018/12/05 11:33:31 UTC - Hipoteca Voluntária
CAPITAL: 2.000.000,00 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 3.235.060,00 Euros
F) AP. … de 2021/11/23 18:10:57 UTC - Hipoteca Voluntária
CAPITAL: 3.248.012,92 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 5.536.147,35 Euros
22. Para garantia do cumprimento integral e atempado das obrigações decorrentes do Contrato Alterado, a B constituiu a favor da A um penhor financeiro de primeiro grau sobre a Conta Escrow n.º 000.10.592656-2, nos mais amplos termos em direito permitidos, sobre o saldo que, a qualquer momento, esteja creditado na referida conta.
23. No âmbito do Adicional celebrado em 23 de Novembro de 2021, ficou ainda definido que, a B deveria: a. Assegurar o pagamento integral das facturas ao empreiteiro da obra (Mota - Engil, Engenharia e Construção, S.A.), utilizando para esse efeito os novos montantes financiados; b. Assegurar, por toda a vigência do Contrato Alterado, e até que o capital utilizado, juros e demais encargos se encontrem devidamente pagos, que as garantias prestadas a favor da A continuam em vigor e com a graduação que lhe é atribuída segundo o Contrato Alterado; c. Garantir e, adicionalmente, envidar todos os seus esforços de forma que não haja, em qualquer momento, qualquer dívida que gradue à frente dos créditos que a A detém em virtude do Contrato Alterado; d. A percentagem de retenção de futuros sinais e reforços de sinal, independentemente da data em que tenha sido celebrado o contrato-promessa de compra e venda, de acordo com o Adicional celebrado em 23 de Novembro de 2021, será definida em função da seguinte fórmula: a = (d-c) / b, em que: “a” = % de sinais a cativar (sempre superior a 30%); “b” = valor de sinais previsto no respetivo contrato-promessa de compra e venda de cada fração; “c” = valor a receber na escritura, segundo o respetivo contrato-promessa de compra e venda de cada fração; e “d” = valor de distrate.
24. E que a B não deveria entregar a posse de qualquer fração do imóvel a quaisquer pessoas, incluindo, sem limitar, aos promitentes-compradores que consigo já tenham celebrado contratos-promessa de compra e venda atinentes a qualquer ou quaisquer fracção/fracções, antes da celebração da escritura e da emissão dos competentes distrates pela A –cláusula 11, a), ii).
25. Obrigação esta última que não foi objecto de qualquer alteração subsequente ou revogada por acordo das partes.
26. Nos termos do Adicional celebrado em 23 de Novembro de 2021 (Anexo I), foi elaborado um mapa de distrates.
27. De acordo com aquele mapa na data de 23 de Novembro de 2021, não havia qualquer contrato-promessa celebrado relativamente à fracção “AO”.
28. No dia 12 de Maio de 2023, a A recebeu uma carta enviada por MAJ, na qual afirma o seguinte:
“No dia 4 de junho de 2020 foram assinados dois contratos-promessa de compra e venda ("os contratos") de duas frações autónomas inseridas no empreendimento Promenade, localizado na Av. …, Lisboa, no qual assumo a posição de Promitente Comprador de uma fração e os meus filhos, NH e SH assumem a posição de Promitentes Compradores de uma segunda fração, ambas adquiridas pelo preço global de 3,060,000.00€ (três milhões e sessenta mil euros), o qual, como adiante se demonstrará, se encontra totalmente pago.
Face ao conhecimento recente de que a Promitente Vendedora se encontra em situação económica difícil e, inclusivamente, em potencial situação de incumprimento das suas obrigações, vêm os Promitentes Compradores desde já informar:
(i) Os imóveis, objeto dos contratos acima identificados e em anexo, encontram-se devida e totalmente pagos.
No que respeita à fração autónoma designada pela letra "AO" reconhece-se, na cláusula terceira, conforme print screen que segue, expressamente o pagamento e recebimento pela promitente vendedora de 1.659.000,00€ (…)
A este valor, somam-se 401.000,00€ (quatrocentos e um mil euros) pagos nos dias 4 de junho e 10 de agosto de 2020, conforme, aliás, estipulado no referido contrato (cfr. Doc. 2 — comprovativos de pagamento).
Relativamente à fração autónoma designada pela letra "AP" a totalidade do preço acordado foi paga de imediato na data de assinatura do contrato, i.e., a 4 de junho de 2020, (cfr. Doc. 3 — comprovativos de pagamento).
(ii) Face à demora para realização e execução da escritura pública de compra e venda, as Partes (i.e., a B, Lda e os nossos Clientes) acordaram que, face à verificação do pagamento integral dos Imóveis, justificar-se-ia a transferência da posse dos mesmos para os Promitentes Compradores, o que sucedeu no dia 30 de Novembro de 2021 (cfr. Doc. 4 — conforme declaração e comprovativo de morada).
Face ao exposto, e tendo em consideração a situação económica difícil em que se encontra a Promitente Vendedora, venho na posição de credor face à B, Lda, solicitar a realização da escritura pública de compra e venda dos imóveis.”
29. Com a referida carta foi enviado à requerente um documento denominado “DECLARAÇÃO ENTREGA DE CHAVE PROVISÓRIA”, relativamente às fracções “AO” e “AP”, com data de 30.11.2021,uma factura da MEO, de Abril de 2023, relativa a fracção “AO” relativa à utilização do serviço entre Março e Abril de 2023.
30. Foi disponibilizada à requerente a guia de pagamento do IMT das fracções “AO” e “AP”, no valor de € 60.000,00 e € 154.500,00, respectivamente, onde consta no item “Facto Tributário” “Contrato Promessa com tradição” e os comprovativos do pagamento efectuado a 15 de Maio de 2023.
31. A solicitação da requerente foi elaborado por agente de execução um Auto de Constatação, nos termos do qual este atestou, no período compreendido entre os dias 2 e 5 de Junho de 2023:
a. No dia 02 de junho de 2023, na fração “T”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob ficha número … da freguesia de São Paulo, inscrito na matriz sob o número … da freguesia de …, localizada no piso dois do bloco B, correspondente ao segundo andar direito, destinada a habitação, do tipo T- três, com acesso direto pela Avenida …, n.º 10-F - varanda com 14,85 m2 - dois lugares de estacionamento com os números 5 e 6 localizados no piso menos dois - uma arrecadação identificada com o número 14 localizada no piso menos dois, foi efetuada a abordagem através do toque da campainha referente ao segundo andar direito, da porta de acesso direto pela Avenida …, n.º 10-F.
Foi possível falar com o ocupante do imóvel, o Senhor André, que declarou ser o residente do segundo andar direito do n.º 10-F, correspondente à fração “T” e que está a residir naquele imóvel desde meados de dezembro de 2022.
Mais declarou já ter realizado o pagamento do preço para aquisição da fração na sua totalidade e que terá a escritura marcada para o mês de julho, embora não tenha indicado qualquer data em concreto.
b. Às vinte horas e trinta minutos do dia 02 de junho de 2023, na fração “AM”, correspondente ao quarto andar esquerdo, com três lugares de estacionamento, identificados com os números 43, 44, 45, foi possível contactar a Senhora LA que, embora sem fornecer documento de identificação, declarou ser residente no imóvel identificado desde novembro de 2022. Declarou, ainda, já ter sido pago a totalidade do preço do imóvel, embora tal pagamento tenha sido realizado pelo pai.
Foi possível, igualmente, verificar e constatar através da visão, sem aceder ao interior, que o imóvel se encontra mobilado.
Acedendo ao lugar de estacionamento, foi possível verificar que se encontravam estacionadas nos lugares de parqueamento n.º 43, o veículo marca Smart, com a matrícula ..-UC-.. e, no n.º 44, o veículo marca Mercedes, com a matrícula espanhola ..-..-LMV.
c. Às vinte horas e trinta minutos do dia 02 de junho de 2023, na fração “AR”, correspondente ao quinto andar designado por Penthouse A (PH A) com quatro lugares de estacionamento, com os números 21 a 24, foi possível constatar que as luzes do imóvel em questão se encontravam ligadas.
No exterior foi possível constatar que exista a presença de pessoas no imóvel, embora sem conseguir chegar à fala com as mesmas. Foi ainda possível verificar no exterior da varanda referente à fração identificada, a existência de luzes que por sensor e na presença destas pessoas se verificavam ativadas, assim como a existência de vasos decorativos e plantas.
Foi, por fim, possível verificar que no lugar de estacionamento n.º 21 se encontrava estacionado um veículo de marca Audi, com a matrícula ..-..-AZ.
d. Às dezanove horas e quarenta minutos do dia 05 de junho de 2023, na fração “AO”, localizada no piso quatro do bloco C, correspondente ao quarto andar esquerdo, destinada a habitação, do tipo T-três, com acesso direto pela Avenida …, n.º 10 - três varandas com 44,65 m2 - três lugares de estacionamento com os números 14, 15 e 16 localizados no piso menos um - uma arrecadação identificada com o número 24 localizada no piso menos dois, foi efetuada a abordagem através do toque da campainha referente ao quarto andar esquerdo, da porta de acesso direto pela Avenida …, n.º 10.
Foi possível falar com o ocupante do imóvel, que informou em língua inglesa, que reside no local, não querendo identificar-se nem dizer o nome, tendo informado que não iria abrir a porta e que, para obter alguma informação, teria de contactar o seu mandatário.”
32. Do referido Auto fazem parte diversos registos fotográficos.
33. A requerente recebeu da requerida uma carta com data de 4 de Outubro de 2022 com o seguinte teor:
“Tal como é do conhecimento do Banco, que está na posse dos cpcv celebrados, não existem condições contratuais ou legais (falta de escritura e outras), para a transmissão da posse aos promitentes-compradores.
Que fique claro e inequívoco que não foi transmitida a posse de qualquer fração.
Questão diferente consiste em permitir aos promitentes-compradores que instalem móveis comprados há muito tempo, alguns guardados em armazéns e a gerar custos adicionais para aqueles.
Como compreenderão há uma relação comercial a gerir com os compradores e, em vários casos, com os seus Advogados, num quadro de atraso significativo na emissão da LU, com impacto na inviabilização das escrituras. Existe, da parte da AM 48, uma conduta pautada pela cordialidade, com a qual se amenizam os efeitos de uma espera significativa. Daí deixarmos as pessoas irem mobilando e preparando as suas futuras casas, mas sem que isso, em caso algum, signifique que lhes haja sido transmitida a posse.
A probabilidade de existirem pessoas a entrar e sair ou até luzes acesas é muito certa, até nós próprios em sede de comercialização das unidades em falta, fazemos muitas visitas ao imóvel, com mediadores e potenciais clientes. Trata-se de algo próprio da dinâmica de venda, relativamente a que nada haverá a estranhar.”.
34. Os promitentes compradores das fracções “AO” e “AP” ali tomam as suas refeições, pernoitam e convivem familiar e socialmente de forma permanente.
35. Na data da propositura desta providência do total das 47 fracções, já tinham sido alienadas e distratadas as hipotecas relativas a 18 fracções, a saber: “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “K”, “O”, “S”, “Y”, “Z”, “AC”, “AD”, “AJ”, “AQ”, “AT” e “AU”.
36. E encontravam-se por vender 29 fracções, a saber: “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “P”, “Q”, “R”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “AA”, “AB”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AR” e “AS”.
37. Pela B foram facultados à requerente cópias de contratos promessa de fracções ainda por vender, a saber: “H”, “I”,“M”, “N”, “P”, “Q”, “R”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “AA”, “AB”, “AE”, “AF”, “AH”, “AI”, “AK”, “AM”, “AN”, “AP”.
38. Até à data da propositura da providência, na conta Escrow n.º 000.10.592656-2, encontra-se retida a quantia global de € 3.883.822,35 (três milhões oitocentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e dois euros e trinta e cinco cêntimos).
39. E na conta Escrow n.º 000.10.592656-2, encontra-se retida a quantia global de €n3.883.822,35 (três milhões oitocentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte e dois euros e trinta e cinco cêntimos).
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Na decisão que decretou o arresto, foi consignado que:
Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa., revelando-se o mais alegado conclusivo ou matéria de direito.”
*
A decisão sob recurso considerou indiciariamente provados os factos da seguinte forma:
“A.
Na decisão que decretou o arresto - Do requerimento inicial:
Os que foram dados como assentes nos pontos 1 a 40 da decisão de 13.7.2023.-
B.
Da oposição:
a. A Requerida é uma sociedade comercial constituída em 27 de Setembro de 2006, dedicada à promoção imobiliária e que tem como objeto social a atividade de compra e venda, bem como revenda ou outro modo de aquisição ou alienação, exploração, administração e gestão, de imóveis, construção civil e consultadoria de imóveis .
b. A requerida A VOLUME MÁXIMO, COMPANHIA, LDA, foi anteriormente designada “Volume Máximo, Unipessoal, Lda.”, “B, Unipessoal, Lda. e “B, Lda.”.
c. Por requerimento datado de 7.7.2023 a A Volume Máximo Companhia, Lda, apresentou-se a processo especial de revitalização.
d. Processo que corre termos no J1 dos Juízos de Comércio de Lisboa, com o nº 17410/23.8T8LSB.
e. Por despacho datado de 14.8.2023 foi naquele processo declarado iniciado o processo especial de revitalização e nomeado administrador judicial
f. A 11.9.2023 o administrador nomeado apresentou a lista provisória de créditos reconhecidos, neles se incluindo o credor B Holding, SA. e a A .-
g. Listando a A com um crédito no montante total de €13.049.672,2
h. O edifício Promenade está construído, a licença de utilização foi emitida e a maioria das suas frações autónomas já estão prometidas vender.
i. O Banco Montepio, por carta datada de 12.6.2023, resolveu os contratos de abertura de crédito com hipoteca nºs. 000.36.100515-0 e 000.30.100236-6.
j. Nas duas cartas de resolução dos contratos não se explicita os poderes dos signatários para a representação da A
Não se provou:
I. Que haja um "conflito" entre os "atuais responsáveis da Requerente e outras entidades ao Eng.º AM." ou que tenha havido o "armistício" a que se refere o requerimento de oposição.
Estas afirmações são, antes de tudo, conclusivas e destituídas de alegação de factos concretos; mais, que a eventual existência de qualquer "conflito" pessoal entre os representantes ou elementos da empresas partes em nada releva para o destino da providência cautelar.-
II. Que o Eng.º AM seja um "reputado empresário, licenciado em Engenharia Civil, que dedicou toda a sua vida profissional ao ramo da promoção imobiliária." "E com diversos projetos premiados e edificados em geografias diversas, que incluem Portugal, África e a América Latina" Estas, e outras qualidades apontadas aquela pessoa concreta, além de não assentarem em factos concretos, são também inócuas ao destino a dar ao arresto.-
III. Que "À data da resolução a Requerida estava a cumprir, os contratos-promessa estavam a ser celebrados, os sinais e princípios de pagamento estavam a ser depositados na conta escrow na proporção devida, as amortizações estavam a ser feitas nos prazos previstos e nada estava por cumprir nos dois contratos."
IV. Que os compradores que os promitentes-compradores que disso necessitaram puderam aceder às fracções apenas para nelas deixarem bens pessoais enquanto não se podiam mudar fruto dos atrasos na emissão da licença de utilização.
Na verdade, o que ficou demonstrado no arresto e não foi posto em causa nesta fase, é houve promitentes compradores a quem foi entregue a chave do respectivo apartamento sem limitações a dar ao seu uso e que nele passaram a fazer a sua vida.-
V. Que a requerente do arresto não tenha cumprido o rácio de 15% de capitais próprios estabelecido entre as partes, que em reforços de capital mutuado tenha "imposto" à Requerida valores suplementares de amortização para emitir os distrates de hipoteca, que tenha "atrasado" a emissão da licença de utilização e em consequência a celebração das escrituras públicas de compra e venda de frações autónomas, e "arrastado" a emissão de uma garantia bancária em favor da Câmara Municipal de Lisboa,.
*
Não há outros factos provados ou não, com interesse para a decisão da causa, revelando-se o mais alegado conclusivo ou matéria de direito.-
Nestes que não revestem interesse para a presente decisão, além dos acima mencionados, apontam-se, a título exemplificativo, os relativos à origem da dívida da requerida (do arresto) para com a requerente; que a requerida a 6 de junho de 2023 tenha apresentado uma exposição ao Banco de Portugal; que a requerida tenha de conhecer ou sindicar os poderes dos representantes do Montepio que tenham tomado a decisão e dos que assinaram as missivas de resolução dos contratos; a eventual constituição ou "libertação" de uma fiança.
Note-se que o articulado de oposição tem incluso vários artigos de cariz conclusivo e de natureza estranha aos fundamentos do arresto, nele não se pondo em causa a existência do crédito referido no requerimento inicial.”
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da impugnação da matéria de facto
A apelante impugna a decisão do tribunal recorrido sobre a factualidade não provada. Tendo dado suficiente cumprimento ao disposto no art.º 640º do Cód. Proc. Civil, cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art.º 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Tem sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art.º 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art.º 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., Almedina, 2018, p. 283 e ss.
Importa, aqui, realçar a circunstância de se manterem em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr. Acórdão do TRG de 10/01/2019, relatora Maria João Matos; e de 21/11/2019, relator Jorge Teixeira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).” – citado Acórdão do TRG de 10/01/2019, relatora Maria João Matos; e, ainda, o também já citado Acórdão do TRG de 16/11/2017, relator José Alberto Moreira Dias, onde ainda se explicita: “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art.º 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.”.
Por outro lado, como é sabido, no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art.º 607º do Cód. Proc. Civil). Neste sistema, o tribunal aprecia livremente os meios de prova, atribuindo, pois, a cada um o valor probatório que julgue conforme a uma apreciação crítica do mesmo (à luz das regras da experiência, da lógica e da ciência), não estando esse valor probatório prévia e legalmente fixado.
Especificamente no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas, dispõe o art.º 396º do Cód. Civil, na esteira do art.º 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que a mesma se encontra sujeita à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-la em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência. Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. Toda a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr.Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, p. 435/436.
É à luz destas considerações que iremos apreciar a impugnação da matéria de facto.
Entende a apelante que deve ser dada como provada parte da factualidade inserta nos factos não provados sob o ponto V., nomeadamente que: “A requerente do arresto não cumpriu o rácio de 15% de capitais próprios estabelecido entre as partes”. Para este efeito, valoriza o depoimento da testemunha JA, transcrevendo os trechos do depoimento em que alicerça a sua convicção (a p. 4-6 das alegações).
A apelada defende a improcedência desta pretensão.
O tribunal a quo fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
“A matéria de facto dada por assente e não assente tem por fundamento, em primeira linha, os depoimentos recolhidos aquando da determinação do arresto e os documentos juntos.
Tiveram-se em conta também os documentos juntos na fase de oposição, bem como a consulta na plataforma citius do processo de revitalização que pende nos Juízos de Comércio de Lisboa.
No que concerne à única testemunha ouvida na oposição, decorre que a mesma não tem qualquer conhecimento de factos trazidos ao conhecimento do tribunal e que digam respeito aos fundamentos da decisão de arresto.
Na verdade, e quanto ao incumprimento dos contratos celebrados com o Montepio no que respeita à não comunicação de contratos promessa, à ausência de depósito dos sinais na conta escrow e à permissão, por parte da requerida do arresto, para que os promitentes compradores utilizassem as fracções prometidas comprar, a testemunha disse nada saber, afirmando que as decisões e a verificação do cumprimento do contrato no que respeita a essa matéria não se compreende nas funções que lhe estão distribuídas; por consequência, nada disse sobre aqueles factos.
Por outro lado, pese embora a testemunha tivesse afirmado a capacidade financeira da requerida no arresto para solver as dívidas para com a requerente – pelo menos até ao início do processo de revitalização – e tivesse referido o que motivou a existência da dívida, bem como alegado a sua diminuição no tempo, não conseguiu precisar o conteúdo de qualquer reunião havida entre as partes, nem o resultado dessas reuniões.
Não pode deixar de notar-se que é de admitir o desconhecimento por parte da testemunha, uma vez que a mesma se encontrou ausente do exercício das suas funções em parte do ano de 2022 e durante dois meses de 2023, em período contínuo.”
Cumpre, desde já, notar que as asserções contidas nos factos não provados sob o nº V. na parte colocada em crise pela apelante – “Que a requerente do arresto não tenha cumprido o rácio de 15% de capitais próprios estabelecido entre as partes” - traduzem-se em enunciados de cariz exclusivamente conclusivo e não a enunciação de factos concretos.
Como é sabido, aquilo que deve constar da fundamentação de facto de uma sentença não são juízos valorativos, conclusivos ou de direito, mas verdadeiros enunciados de facto, no sentido de factos jurídicos ou juridicamente relevantes atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 406-407, e RLJ, Ano 122, nº 3784, p. 219, a ocorrências concretas da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas. Os termos e condições em que tais factos assumem relevo no processo civil é decorrência da tipologia com que são delineados na fattispecie do quadro normativo que serve de fundamento à pretensão deduzida em juízo.
Donde, desde logo por esta razão – tratar-se de asserções conclusivas -, não poderiam os factos em causa ser considerados provados.
Porém, sempre se dirá, que, quanto à testemunha convocada a este propósito pela apelante, nem dos trechos do respectivo depoimento que foram transcritos pela apelante nas alegações, nem de nenhuma outra parte do seu depoimento (tendo nós procedido à audição integral do registo áudio do respectivo depoimento), resulta a prova inequívoca da factualidade em causa.
Na verdade, no trecho citado nas alegações correspondente aos minutos 00:07:18 e ss da gravação áudio, a testemunha não se refere ao financiamento destes autos e, mesmo a propósito do financiamento a que alude, a testemunha “pensa” que existia um compromisso do “Montepio” garantir 85% do financiamento. Dos outros trechos do depoimento da testemunha transcritos nas alegações, resulta apenas a menção, feita de uma forma muito geral, a valores que a apelante teria despendido com a aquisição do “terreno” e da “construção”.
Face ao teor destas declarações e ao modo genérico com que foram prestadas, e na ausência de qualquer outro elemento probatório (máxime, documental), de onde resulte sequer a existência de um acordo estabelecido entre as partes de um “rácio de 15% de capitais próprios”, não vemos motivos para não acolher a convicção do tribunal a quo quanto a considerar não provados os factos em referência.
É certo que a apelante não concorda com o decidido quanto à valoração feita sobre o depoimento da testemunha, mas não carreou para os autos prova que imponha decisão diversa; e, também é certo que, não basta o que é afirmado pela testemunha para o tribunal formar a sua convicção nesse depoimento, tendo tais afirmações de ser ponderadas e conjugadas de forma objectiva, crítica e conjuntamente, segundo as regras da lógica e da experiência comum, com todos os demais elementos de prova produzida ou não produzida, para se aquilatar da sua veracidade e credibilidade - tendo essa análise conjugada, objectiva e crítica de todos os elementos probatórios sido feita nestes autos.
Destarte, porquanto, como acima já evidenciámos, em sede de julgamento da impugnação da decisão de facto, há-de o Tribunal da Relação evitar introduzir alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados, e porquanto a argumentação invocada pela apelante em sede deste recurso é improcedente, não apresentando valor suficiente para conduzir e forçar este Tribunal a introduzir alterações na decisão de facto, inevitável é manter a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto em referência.
Pelo exposto, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos factos não provados sob o ponto V. que foram postos em causa neste recurso.
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Do mérito da decisão recorrida
O arresto preventivo visa garantir ao credor a possibilidade de cobrança do seu crédito através do património do devedor quando exista receio de perda desse património.
Constituem requisitos de procedência do arresto preventivo, de acordo com os arts. 391º, nº 1 e 392º, nº 1 do Código de Processo Civil:
a) provável existência do crédito (fumus boni iuris) segundo um juízo de probabilidade ou verosimilhança (é preciso que haja elementos para prever ou conjecturar que a decisão definitiva venha a ser favorável ao requerente), não se exigindo a certeza ou indiscutibilidade do mesmo.
A propósito deste requisito, refere Ana Carolina dos Santos Sequeira, in “Do Arresto Como Meio de Conservação da Garantia Patrimonial”, Almedina, 2020, p. 240: “O arresto não pressupõe a exigibilidade do crédito, sendo perfeitamente legítimo o arresto antes do vencimento do crédito invocado. O arresto não pressupõe o incumprimento da obrigação (sob a forma de mora ou incumprimento definitivo), pois a sua finalidade é tão-só preservar a garantir patrimonial do crédito, que existe, latente, desde a constituição da relação obrigacional, perante um perigo concreto de perda. Esta interpretação é corroborada pelo elemento sistemático, atendendo ao disposto nos arts. 607º e 614º, nº1, do CC para a sub-rogação e para a impugnação pauliana: se estes meios de conservação da garantia patrimonial não são prejudicados pelo facto de o crédito ainda não ser exigível, também o arresto não deve ser, por maioria de razão. / O ónus da prova deste pressuposto legal cabe naturalmente ao requerente; como já se disse, não se lhe exige que demonstra a existência efetiva do crédito, mas também não basta a sua mera possibilidade, havendo que se afirmar a sua aparência ou verosimilhança.”.
b) perigo de insatisfação do direito de crédito do requerente segundo um juízo de certeza (periculum in mora), isto é, o Tribunal deve certificar-se da existência de condições de facto capazes de tornar difícil ou impossível a satisfação do crédito aparente, ou seja, qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património.
A este propósito menciona Ana Carolina dos Santos Sequeira, in ob. cit., p. 261-262: “(…) o requisito do justo receio de perda da garantia patrimonial envolve uma avaliação global dos factos e circunstâncias concretos relativos à situação objetiva e subjetiva do devedor, só podendo considerar-se preenchido quando, perante os elementos fácticos provados, o juiz adquira a convicção de que existe um perigo objetivo, real e concreto, de o crédito não venha a ser satisfeito em sede executiva por falta ou insuficiência de bens penhoráveis (ou sem que essa satisfação exija esforços consideráveis e desproporcionados por parte do credor).”; sendo que “(…) na apreciação dos factos que sustentam o justo receio, o juiz terá de formar um juízo de certeza acerca da sua verificação, e não de mera probabilidade, ainda que o grau de certeza possa ser reduzido, em função das limitações naturalmente decorrentes da urgência e tramitação do procedimento cautelar” (in ob. cit., p. 274).
O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos subjectivos do juiz ou do credor (em simples conjecturas), mas, antes, em factos concretos que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva – cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Vol., 3ª edição revista e actualizada, Almedina, p. 193. “O receio é justificado ou compreensível, se assentar em factos concretos suscetíveis de provocar num homem normal, medianamente sagaz e diligente, colocado na posição do credor, o receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito. (…) O justo receio de perda da garantia patrimonial pode definir-se, então, como o conjunto de circunstâncias de facto suscetíveis de, à luz de uma prudente apreciação, fazer prever a incobrabilidade do crédito” – Ana Carolina Sequeira, in ob. cit., p. 250.
No que se refere ao primeiro requisito do arresto acima enunciado - a existência de um crédito da Requerente/ora apelada, concluiu o tribunal a quo pela sua verificação, tendo expendido as seguintes considerações na decisão que decretou o arresto:
“No caso dos autos, a requerente alegou e provou factos de onde se conclui pela existência da relação creditícia.
Concretamente, está assente que entre a requerente e a requerida foram celebrados contratos de mútuo, um designadamente para aquisição de terreno e posterior construção de um edifício que veio a ser designado por “Promenade”.
Demonstrou também a requerente que o capital mutuado e juros não se mostra liquidado na data em que foi produzida a prova testemunhal.”
A decisão que manteve o arresto decretado fundamenta, a este propósito, que:
“Como resulta do despacho que determinou o arresto, a requerente do arresto alegou e demonstrou factos que demonstram a existência de uma relação creditícia.
Aliás, no âmbito do processo de revitalização da requerida, a requerente viu o seu crédito listado pelo administrador nomeado.-
Na oposição, a requerida do arresto não pôs em causa a existência daquela relação.”.
Invoca a apelante, a propósito da existência deste crédito, que a apelada não teria cumprido o acordado com a apelante e por isso “reclamar o seu crédito nessas circunstâncias descamba num abuso de direito, tal como definido pelo artigo 334 do CC.”.
Porém, como resulta do decidido supra, não logrou a apelante provar os factos por si impugnados e que, na sua versão, seriam susceptíveis de afastar os fundamentos da providência, a saber: “A requerente do arresto não cumpriu o rácio de 15% de capitais próprios estabelecido entre as partes.” – sendo certo que, o ónus da prova da existência de factos não tidos em conta pelo tribunal e susceptíveis de afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (cfr. art.º 372º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil) recaía sobre si, como requerida da providência (cfr., a este propósito: António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 2ª ed. revista e ampliada, Almedina, 2000, p. 263-264; e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado Parte Geral e Processo de Declaração”, Vol. I, Almedina, 2019, p. 438).
Desta forma, e face à factualidade provada, entende-se que neste procedimento cautelar, ao menos indiciariamente, se tenha de concluir pela aparente existência de um direito de crédito nos termos definidos pela Requerente/ora apelada, tal como mencionado pelo tribunal a quo, considerando-se, pois, verificado o primeiro requisito para o decretamento da providência.
A propósito do justo receio de perda da garantia patrimonial, resulta da factualidade provada na decisão que decretou o arresto e na decisão recorrida, um circunstancialismo fáctico que indicia, de acordo com as regras da experiência, a existência de um perigo objectivo, real e concreto de o crédito da Requerente/apelada não vir a ser satisfeito de forma plena em sede executiva por falta ou insuficiência de bens penhoráveis, ou, no mínimo, sem que essa satisfação exija esforços consideráveis e desproporcionados por parte da credora/Requerente/apelada.
Na verdade, os factos indiciariamente provados: (i) revelam a existência de um perigo de uma maior dificuldade na cobrança coerciva do crédito por parte da Requerente, credora hipotecária, pela possibilidade de invocação de direitos de retenção por parte dos promitentes compradores a quem foi concedida pela Requerida/ora apelante – à revelia da Requerente/ora apelada - a posse das fracções autónomas, sendo certo que tais direitos, mesmo posteriores ao registo das hipotecas de que beneficia a Requerente, prevalecem, em sede executiva, sobre tais hipotecas – art.º 759º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil; (ii) não se conhece à Requerida/apelada a propriedade de outros bens para além das fracções dos autos; (iii) a pendência de um processo especial de revitalização de empresa, onde foram reclamados diversos créditos, para além do da Requerente/apelada.
Ora, como escreve Ana Carolina dos Santos Sequeira, in ob. cit., p. 244: “(…) o arresto pode ser justamente decretado quando os factos revelem uma maior dificuldade na cobrança coerciva do crédito (por existência de obstáculos ou complicações legais ou de facto). À impossibilidade deve ser, então, equiparada a dificuldade na execução dos bens do património do devedor, desde que seja considerável, em termos de exigir um grande esforço ao credor; essa dificuldade emerge de circunstâncias relativas aos bens que compõem a garantia patrimonial, por exemplo, se o devedor troca bens por outros de mais fácil ocultação (móveis não sujeitos a registo, dinheiro…) ou cuja alienação coativa é praticamente mais difícil (direitos e posições contratuais), ou se o devedor deslocaliza os seus bens para o estrangeiro (mesmo que parte certa, pois será muito mais difícil executar os bens noutro país), ou ainda se constitui ónus reais a favor de terceiro sobre os seus bens, incluindo garantias reais (fictícias ou não) para garantia de créditos de montante elevado”.
Donde, considerar-se justificado o receio da ora apelada de perda da garantia patrimonial do seu crédito.
Aqui chegados, confrontamo-nos com a questão de a Requerente/apelada ter peticionado o arresto de 29 fracções autónomas relativamente às quais beneficia de – várias – hipotecas devidamente registadas, sendo estes os bens relativamente aos quais foi decretado o arresto pelo tribunal a quo.
A Requerida/apelante contesta o efeito jurídico útil do arresto decretado sobre aquelas fracções, relativamente às quais a Requerente/apelada já beneficia da garantia especial dada pelas hipotecas registadas, porquanto (em suma): “nos termos do artigo 622 do CC, o efeito útil do arresto é tornar ineficazes, em relação à Recorrida, potenciais atos de disposição das frações hipotecas, de acordo com as regras próprias da penhora”; no caso, “as hipotecas acompanhariam sempre as frações se fossem alienadas e por isso a garantia está nas hipotecas e não no arresto”; e, quanto ao direito de retenção dos promitentes-compradores das fracções, tais direitos estão assegurados nos termos do art.º 759º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil, e “também a isto, o arresto não põe nem tira. É prévio e prevalece inexoravelmente, sobre hipotecas, arrestos e penhoras”; pelo que, o arresto é “de uma absoluta inutilidade como garantia para a Recorrida” face à “sua total incapacidade para contrariar o direito de retenção e, por isso, para aportar o que quer que seja mais à garantia hipotecária da Recorrida.”.
E, afigura-se-nos que, aqui, tem razão a apelante.
Senão, vejamos.
Resulta da conjugação dos arts. 601º, 1ª parte, do Cód. Civil e 735º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, que, como regra, todos os bens do devedor, isto é, todos os que constituem o seu património, respondem pelo cumprimento da obrigação. O que significa que o património do devedor, susceptível de penhora, é garantia geral das obrigações, a qual se torna efectiva por meio da execução.
O arresto constitui um meio conservatório de garantia geral e patrimonial do credor de natureza creditícia.
O arresto apresenta, nas palavras de Rita Barbosa da Cruz, in “O Arresto”, Revista “O Direito”, Ano 132º, 2000, I-II (Janeiro-Junho), p. 180, o efeito de individualizar, dentro do património do devedor que constitui, na sua universalidade, a garantia dos credores, aqueles bens (os que são objecto de arresto) que, no momento da execução, servirão para a satisfação do seu crédito. Constitui “uma penhora antecipada, exercendo uma função meramente instrumental relativamente ao processo de execução. Tal como ocorre com os bens penhorados, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao credor (art.º 622.º do CC), derivando da apreensão uma situação de indisponibilidade relativa.” – Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Vol., 3ª edição revista e actualizada, Almedina, p. 208.
No caso dos autos, as fracções autónomas, por força das hipotecas registadas a favor da Requerente/apelada, já estão afectas especialmente ao pagamento do crédito por esta invocado, de acordo com o disposto no art.º 752º, nº 1 do Cód. Proc. Civil (cfr., ainda, art.º 697º do Cód. Civil); sendo certo, ainda, que, como é sabido, também por força daquelas hipotecas, a Requerente/apelada tem o direito de ser paga pelo valor daqueles bens com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art.º 686º, nº 1 do Cód. Civil).
Ora, perante este circunstancialismo fáctico e jurídico, é de concluir que, por manifesta falta de interesse, o arresto não pode incidir sobre os próprios bens que constituem a garantia real, considerando que a medida em nada viria reforçar a preservação da garantia patrimonial que esta providência visa alcançar, uma vez que, de acordo com o disposto no art.º 752º, nº 1, existindo garantia real, a penhora deve incidir desde logo sobre esses bens – cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Vol., 3ª edição revista e actualizada, Almedina, p. 195.
Invoca a Requerente o receio de a Requerida continuar a conferir a posse a outros promitentes compradores, que, desta forma, poderão ver constituídos em seu benefício um direito de retenção com preferência sobre as hipotecas registadas a favor da Requerente, nos termos do art.º 759º do Cód. Civil.
Porém, o arresto não se configura como providência susceptível de acautelar tal efeito, porquanto, e como decorre do nº 2 do art.º 822º, aplicável ao arresto por força do nº 2 do art.º 622º, ambos do Cód. Civil, o arresto apenas confere à Requerente a preferência em relação aos outros credores da Requerida que não tenham garantia real anterior, ou seja, a preferência da penhora - relativamente à qual o direito de retenção sempre prevalece, como resulta do já citado art.º 759º, nº 1 daquele diploma.
É que não podemos perder de vista que “a função do arresto é, portanto, a mesma da penhora; e na penhora se há-de converter o arresto quando chegar o momento da execução (…). Quer dizer, o arresto é nem mais nem menos do que uma penhora antecipada ou uma penhora preventiva, efectuada antes de o credor estar munido de título executivo, mas na expectativa ou na pressuposição de que virá obter esse título.” – Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 3ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 37.
Aliás, a este propósito, sempre se dirá, ainda, que, dentro da lógica da Requerente, não se compreende sequer o pedido de arresto das cinco fracções (AO; AP; AM; AR; e T) cuja posse já foi entregue aos promitentes compradores, como a própria Requerente alegou na petição inicial.
Pelo exposto, não é de decretar o arresto na medida em que as 29 fracções autónomas em causa já se encontram hipotecadas a favor da Requerente.
Procede, assim, a apelação, com a necessária revogação da decisão recorrida e levantamento do arresto.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelada – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar o levantamento do arresto (que incidiu sobre as fracções “H”, “I”, “J”, “L”, “M”, “N”, “P”, “Q”, “R”, “T”, “U”, “V”, “W”, “X”, “AA”, “AB”, “AE”, “AF”, “AG”, “AH”, “AI”, “AK”, “AL”, “AM”, “AN”, “AO”, “AP”, “AR” e “AS”, do prédio urbano sito na Avenida …, nºs 8, 8-A, 8-B, 10, A, 10-B, 10-C, 10-D, 10-E, 10-F, 10-G, 10-H, 10-1 tornejando para a Rua …, nºs 7 e 7-A, freguesia da …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de São Paulo, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o nº …).
Custas pela apelada.
Após trânsito, comunique ao Ex.mo Sr. Agente de Execução.
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Lisboa, 5 de Março de 2024
Cristina Silva Maximiano
Cristina Coelho
Edgar Taborda Lopes