Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2002/16.6TXLSB-I.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: LICENÇA DE SAÍDA JURISDICIONAL
CONSELHO TÉCNICO
PARECER DESFAVORÁVEL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- O tribunal "a quo" omitiu, totalmente, os fundamentos da decisão que concedeu a licença de saída jurisdicional ao recluso, pois não só não especificou os motivos de facto, como, também, em termos de direito, limitou-se a invocar, sem mais, "os requisitos e critérios legais previstos nos art°s. 78.° e 79.° do C.E.P.M.P.L.".
II-Assim "a fundamentação exarada apresenta-se insuficiente e não permite conhecer o efectivo juízo decisório, factos que se acolheram e interpretação de direito";
III-Poder-se-ia relevar, contudo, a remissão feita pelo tribunal "a quo" para "o parecer do Conselho Técnico e para os demais elementos juntos aos autos", à luz, designadamente, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 684/2015, de 15/12, publicado no D.R. n.° 42, 2.a Série, de 01/3/2016, no entanto “in casu”, não só o referido "parecer" foi contrário (por unanimidade) à concessão da pretendida licença de saída jurisdicional, como os invocados mais "elementos" constantes dos autos não permitem, de todo, sustentar a decisão em causa, pelo que haverá que revogar a decisão recorrida por manifesta falta de fundamentação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 — No Processo n.° 2002/16.6TXLSB-H, do Juízo de Execução das Penas de Lisboa ­Juiz 1, para Concessão de Licença de Saída Jurisdicional, onde é recluso AA e recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO, requereu aquele a referida concessão de Licença de Saída Jurisdicional, no cumprimento sucessivo que está de uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão, à ordem do Proc. n.° 633/15.0PZLSB e de uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão à ordem do Proc. n.° 687/14.7PZLSB.
Verificados que se mostravam os requisitos cumulativos descritos no art.° 79.° do C.E.P.M.P.L., reuniu-se o Conselho Técnico, conforme o previsto no art.° 191.° do mesmo diploma, o qual, por unanimidade, emitiu parecer desfavorável à concessão da solicitada saída jurisdicional.
Seguidamente proferiu o Mm.° Juiz "a quo" a seguinte decisão:
Veio o recluso AA, requerer a concessão de uma licença de saída jurisdicional, nos termos do artigo 189.°, n. °s 1 e 2 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).
O requerimento foi instruído com os elementos previstos no n.° 3 do art. 189° do CEPMPL.
Foi designado dia e hora para a reunião do Conselho Técnico e o despacho foi notificado ao Ministério Público e comunicado ao Estabelecimento Prisional e aos serviços de Reinserção Social (art. 190.° do CEPMPL).
Realizou-se a reunião do Conselho Técnico, onde foram prestados os esclarecimentos necessários à apreciação do pedido.
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e mostra-se isento de nulidades, exceções ou quaisquer
questões prévias que obstem ao conhecimento do pedido formulado pelo Requerente.
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Discutido o pedido de saída jurisdicional apresentado, pelo Conselho Técnico foi emitido parecer: Desfavorável, por unanimidade;
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Tendo em conta o parecer do Conselho Técnico, os elementos juntos aos autos, os esclarecimentos prestados e os requisitos e critérios legais previstos nos arts. 78. ° e 79. ° do CEPMPL, decide-se:
Conceder a licença de saída jurisdicional ao recluso pelo período de 3 dias, a executar de uma só vez, os quais só poderão ser efectivamente gozados desde que, até ao momento do gozo desta LSJ, o recluso não pratique quaisquer factos susceptíveis de integrar infracção disciplinar, caso em que a mesma saída fica desde já sem efeito.
Esta licença fica subordinada ao cumprimento pelo recluso das seguintes obrigações:
a) Residir, durante o período da licença jurisdicional, na morada que indicou no seu requerimento;
b) Regressar ao Estabelecimento Prisional dentro do prazo determinado;
c) Manter conduta social adequada, com observância dos padrões normativos vigentes, nomeadamente sem incorrer na prática de quaisquer crimes;
d) Não frequentar zonas ou locais conotados com atividades delituosas, nem acompanhar com pessoas relacionadas com tais atividades;
e) Não consumir estupefacientes e não ingerir bebidas alcoólicas em excesso;
j) Não sair, durante o tempo da concessão, da área do concelho onde se situa a
morada indicada, salvo se for por motivo, ponderoso e justificado;
g) Proibição de contactos com a vítima. (...)".
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Com esta decisão não se conformou o Ministério Público, pelo que dela interpôs o presente recurso, o qual sustentou na nulidade da mesma, por insuficiente fundamentação, nos termos dos art°s. 146.° e 154.° do C.E.P.M.P.L., 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1, al. a), estes do
C.P.P., e, bem assim, na violação do disposto nos art°s. 78.° e 79.° do citado C.E.P.M.P.L.
Da respectiva motivação extraiu o recorrente as seguintes conclusões:
I. A fundamentação exarada na decisão sob recurso apresenta-se insuficiente e não permite conhecer o efetivo juízo decisório, factos que se acolheram, e interpretação de direito perfilhada.
2. Não explicita em concreto qual a relevância que cada elemento valorado teve na decisão em referência, elemento que se torna mais premente quando, como se verifica, a decisão é alicerçada " no parecer do Conselho Técnico" e, como se constata, o mesmo é unanimemente desfavorável à concessão de LSJ
3. Não se mostrando especificados os motivos de facto da decisão sub-júdice, deve a mesma ser declarada nula, por violação do disposto no art.° 146.°, n.° 1 do CEPMPL.
Assim não se entendendo, e à cautela:
4. O regime de concessão de licenças de saída jurisdicional mostra-se regulado nos art.° 76. ° e ss do CEPMPL, estando em causa, neste recurso, a violação do disposto no art.° 78.° do CEPMPL, norma à luz da qual se impõe apurar se as circunstâncias do caso concreto permitem ou não considerar preenchidos os requisitos materiais de concessão da LSI
5. O condenado AA cumpre sucessivamente as seguintes penas:
A- De 4 anos e 3 meses de prisão à ordem do processo 633/15. O PZ LSB pela prática dos seguintes crimes:
- Um de violência doméstica p.p. pelo art.° 152.°, n.° 1, a) e n.° 2 do CP;
- Um de resistência e coação sobre funcionário, p.p. pelo art.° 347.° do CP;
- Três de injúrias agravadas p.p. pelo art.° 181.° e 184.° do CP;
- Um de dano qualificado pp pelos art°s. 212.°, n.° I e 213.°, n.° 1, c) do CP.
B - De 3 anos e 3 meses de prisão (inicialmente suspensa na sua execução) à ordem do
processo 687/14. 7 PZ LSB, pela prática dos seguintes crimes:
- Um de violência doméstica, p.p. pelo art.° 152.°, n.° 1, a) e d) do CP;
- Um de ofensa à integridade física na forma qualificada, p.p. pelos art°s. 143.°, n.° 1, 145.°, n.°1, a) e 132.°, n.°1, i) do CP;
- Um de resistência e coação sobre funcionário p.p. pelo art.° 147.°, n.° 1 do CP.
6. Atingiu o cumprimento do meio das penas em 28-4-2019, e tem previsto atingir os 2/3, 5/6 e termo das penas, respetivamente, em 28-7-2020, 28-10-2021 e 28-1-2023.
7. Por sentença muito recentemente proferida (em 9-7-2019), foi decidido não conceder a liberdade condicional ao recluso, por se considerar manterem-se elevadas as necessidades, quer de prevenção especial quer de prevenção geral a acautelar, tendo-se sopesado de forma acentuada a ausência de evolução ao nível da consciência crítica e subsistência de elevado risco de reincidência criminal, bem como o alarme social decorrente da sua libertação.
8. Após essa recente decisão de não concessão de liberdade condicional, o condenado não registou qualquer evolução no seu percurso prisional.
9. Consequentemente, inexistem elementos que alterem os fundamentos determinantes da conclusão recentemente (9-7-2019) ponderada e assertivamente fundamentada, de que a saída do recluso "é incompatível com a defesa e ordem da paz social", pelo que, ancorando-nos agora nesses fundamentos, que se revelam fundados e se mantêm, impõe-se concluir não estar verificado o requisito legal previsto no art. ° 78.°, n. ° 1, b).
10. Idêntico raciocínio se tem quanto à falta de verificação do requisito legal da `fundada expetativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes", previsto no art.° 78.°, n.° 1, a) do CEPMPL.
11. Consequentemente, mostra-se ainda prematuro o gozo de licenças de saída quando, apenas em Abril do corrente ano o recluso atingiu o cumprimento do meio das penas e não regista evolução consistente no seu percurso prisional, que leve a considerar estrem verificados os pressupostos materiais de concessão de LSJ.
12. Sendo certo também que importa ponderar ainda, tal como resulta do n.° 2 do art.° 78.° do CEPMPL, a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade, as necessidades de protecção da vítima, o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar, as circunstâncias do caso e os antecedentes conhecidos da vida do recluso, circunstâncias que estão intrinsecamente ligadas com o requisito legal, previsto na al. a) do n.° 1 do art.° 78.° do CEPMPL e supra analisado.
13. Os pareceres escritos do Serviço de Vigilância e Segurança, da Área e de Tratamento Penitenciário, do Serviço de Reinserção Social e da Direção do Estabelecimento Prisional que acompanharam o requerimento do recluso a solicitar a licença de saída jurisdicional e os emitidos em Conselho Técnico, foram unanimemente desfavoráveis à concessão da LSJ, aqui sobressaindo a conclusão expressa pela Reinserção Social que refere: "AA foi condenado a pena acessória de proibições de contacto com a vítima, com afastamento da residência e do local de trabalho pelo período de 18 meses e o cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância".
14. Ainda que o recluso beneficie de bom comportamento prisional e do apoio familiar das irmãs e de um vizinho, são muito elevadas as necessidades de protecção da vítima, que assumem acrescida relevância negativa, atenta a natureza e gravidade do crime de violência doméstica, bem como a condenação em pena acessória de proibição de contactos com a vítima com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
15. Não se ignorando que neste momento a DGRSP não logrou localizar a ofendida, também não se pode ignorar que esse facto não é excludente da possibilidade de o recluso, por terceiras pessoas, ter tomado conhecimento do seu atual paradeiro e, sem fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, poder aproximar-se da vítima e reincidir na actuação criminosa, quando ainda não evoluiu consistentemente ao nível da consciência crítica e subsiste, nos termos expostos, elevado risco de reincidência criminal.
16. Quanto às circunstâncias do caso e aos antecedentes conhecidos da vida do recluso, mantêm-se as considerações tecidas na decisão de não concessão de liberdade condicional, aqui se realçando que uma das penas que está a cumprir é resultado de decisão de revogação de suspensão de execução da pena por, no decurso da suspensão, ter praticado crimes de idêntica natureza, um deles, o de violência doméstica, cometido contra a mesma ofendida, elementos que, como antes ponderado, traduzem um acrescido desvalor normativo a impor uma consolidação - patentemente não alcançada- de interiorização do desvalor da conduta criminal, de forma a prevenir a sua reincidência.
17.Analisados e ponderados todos estes elementos, à luz do disposto no art.° 78.° do CEPMPL. impõe-se concluir que é prematura a concessão de uma licença de saída ao recluso.
18.As licenças de saída (furisdicionais ou outras) integram uma fase muito relevante da execução da própria medida privativa de liberdade e carecem de uma cuidada avaliação dos seus pressupostos para serem concedidas, pelo que a sua concessão têm de ser fundamentada nos requisitos e critérios legais antes referidos.
19.Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, no caso dos autos verifica-se que a decisão judicial ora recorrida não fez uma avaliação correta de tais requisitos e critérios legais, não se descortinando o motivo conducente a um voto de confiança ao recluso neste momento de execução da pena, quando afinal a gravidade da sua conduta criminosa se revela muito elevada, e dos autos não resultam elementos probatórios que revelam que tenha tido uma grande evolução ao nível da sua atitude face ao crime, e quando também as razões de prevenção geral se apresentam muito elevadas.
A decisão recorrida, ao conceder ao recluso AA uma licença de saída jurisdicional pelo período de 3 dias, incorreu em violação do disposto nos
ares. 146.0, n.° 1 do CEPMPL e 78.°,                1 e 2 do CEPMPL, pelo que, não sendo declarada
nula, deve ser revogada e substituída por outra que não conceda tal licença. (...)".

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
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Notificado da interposição do recurso, não apresentou o arguido qualquer "resposta".
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Neste Tribunal a Exm.a Sr.a Procurador-Geral Adjunta apôs o seu "visto".
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, ao qual foram correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
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2 - Cumpre apreciar e decidir:
É o objecto do recurso em causa, à luz das conclusões formuladas pelo recorrente, a nulidade da decisão recorrida, por insuficiente fundamentação da mesma e a violação do disposto nos ares. 78.° e 79.° do C.E.P.M.P.L..
Conhecendo-se da arguida nulidade da decisão recorrida, começa-se por dizer que a existência da mesma é por demais evidente à luz do que se dispõe nos ares. 78.°, 79.°, 146.° e 154.° do C.E.P.M.P.L., 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1, al. a), estes do C.P.P..
Vejamos:
Preceitua a C.R.P. no seu art.° 205.°, n.° 1, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Por outro lado, na materialização do referido preceito constitucional, também o art.° 97.°, n.° 5 do Cód. Proc. Penal dispõe que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
Eduardo Correia, por sua vez, in Revista do Direito e de Estudos Sociais, ano XIV, diz que "(...) a motivação da decisão é também imprescindível, entre outras razões, para favorecer o auto-controle dos juízes, designadamente, obrigando-os a analisar, à luz da razão, as impressões recolhidas no decurso da produção da prova, bem como para estimular a recolha jurisprudencial de regras objectivas de experiência e o respeito pela lógica e pelas leis da psicologia judiciária na apreciação das mesmas. (...) A fundamentação de facto e de direito da decisão judicial visa, primeiramente, garantir uma mais adequada ponderação da prova produzida, bem como do direito aplicável".
E justifica o mesmo decano penalista a necessidade de fundamentação, ainda, pela garantia assim dada à ponderação dos argumentos da defesa, do mesmo modo que constitui, também, um elemento imprescindível ao exercício efectivo do direito ao recurso.
Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", III Vol., prevendo, igualmente, a necessidade de fundamentação das respectivas decisões, diz que "é hoje entendimento generalizado que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com decisões que hajam de impor-se, apenas, em razão da autoridade de quem as profere, mas, antes, pela razão que lhes subjaz ou argumentos que a sustentam.
(...) A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controle da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é, ainda, um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso, como meio de autocontrole.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a um maior controle por parte da colectividade e é, também, consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, provando".
Todavia, atendo-nos aos requisitos da sentença, onde, por razões que são óbvias, o rigor e a exigência são maiores, o art.° 374.°, n.° 2, basta-se, ainda assim, com uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, embora tão completa quanto possível.
Por outro lado, também foi entendido pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.° 27/2007 (Proc. n.° 784/05), publicado no D.R. n.° 39, 2.a Série, de 23 de Fevereiro de 2007, que "a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética, (...), nem, por outro lado, a fundamentação tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal.
Com o dever de fundamentação das decisões judiciais a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos do arguido e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas, antes, de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou (...)".
Assim, reportados ao caso dos autos, enferma a decisão recorrida, manifestamente, da falta da necessária fundamentação, a qual é imposta, também, de forma inequívoca, pelo art.° 146.°, n.° 1 do C.E.P.M.P.L., quando diz que "os actos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
Ora, o tribunal "a quo" omitiu, totalmente, os fundamentos da decisão que concedeu a licença de saída jurisdicional ao recluso AA. Não só não especificou os motivos de facto, como, também, em termos de direito, limitou-se a invocar, sem mais, "os requisitos e critérios legais previstos nos art°s. 78.° e 79.° do C.E.P.M.P.L.".
Deste modo, como bem diz o Ministério Público na sua motivação de recurso, "a fundamentação exarada apresenta-se insuficiente e não permite conhecer o efectivo juízo decisório, factos que se acolheram e interpretação de direito".
Poder-se-ia relevar, contudo, a remissão feita pelo tribunal "a quo" para "o parecer do Conselho Técnico e para os demais elementos juntos aos autos", à luz, designadamente, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 684/2015, de 15/12, publicado no D.R. n.° 42, 2.a Série, de 01/3/2016.
Todavia, não só o referido "parecer" foi contrário (por unanimidade) à concessão da pretendida licença de saída jurisdicional, como os invocados mais "elementos" constantes dos autos não permitem, de todo, sustentar a decisão em causa. Vejam-se os fundamentos da não concessão da Liberdade Condicional, cuja decisão fora proferida cerca de um mês antes e o entendimento dos Serviços de Reinserção Social, segundo o qual o recluso, uma vez em liberdade, "haverá de ser fiscalizado pelos meios técnicos de controlo à distância".
Assim, a decisão em causa, para além de omissa nos fundamentos que sempre haveriam de existir, ignorando, designadamente, a análise crítica dos pressupostos/requisitos constantes do art.° 78.° do C.E.P.M.P.L., remete, também, para elementos processuais que são manifestamente contraditórios com a mesma decisão, isto é, o tribunal "a quo" "sustenta-se" em argumentos que preconizam, exactamente, uma decisão contrária àquela que veio a tomar,
fazendo-o, assim, incorrer, também, em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício este previsto no art.° 410.°, n.° 2, al. b) do C.P.P..
Verifica-se o mesmo, segundo Tolda Pinto, in "A Tramitação Processual Penal", 1058, "quando, de acordo com um raciocínio lógico, na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal", ou, ainda, segundo Simas Santos e Leal Henriques, em anotação ao preceito em causa, há "contradição insanável da fundamentação" quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva, precisamente, a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há "contradição entre os fundamentos e a decisão" quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; há "contradição entre os factos" quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.
Assim, apesar da quase inexistente fundamentação, aquela que é invocada pelo tribunal "a quo", conforme o atrás referido, justifica, sempre, decisão bem diferente da que foi tomada, razão por que se entende, também, enfermar esta do vício em causa.
Como quer que seja, deverá o tribunal "a quo", antes de mais, proferir nova decisão, justificada de forma crítica e sustentada, declarando-se nula aquela que foi objecto do presente recurso.
3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra, a elaborar conforme o aqui decidido.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa , 11/12/2019
Almeida Cabral
Fernando Estrela