Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
863/2008-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: USUCAPIÃO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1- Não se pode fazer reflectir perante os sujeitos processuais da lide, a existência de um acordo firmado com a sociedade construtora do imóvel, aquando da compra de cada uma das respectivas fracções autónomas.
2- Para que exista uma situação de posse é necessário que haja por parte do detentor a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela, ou seja, para além do corpus, para que a posse seja completa e, nessa medida, aquisitiva do direito de propriedade, é necessário que se verifique o animus domini, isto é, a intenção do possuidor de exercer o direito como se fosse proprietário.
3- O animus não pode ser confundido com a convicção de ser titular do direito.
4- Se alguém obtém a entrega da coisa antes da celebração da escritura de compra e venda, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor ou possuidor precário.
RG
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1-Relatorio:
Os embargantes, L e C deduziram embargos de terceiro contra, M e outros, pedindo a restituição da posse e a entrega imediata da fracção ´´O´´ do prédio sito na rua das Indústrias, nº. 18, Alverca.
Alegaram os embargados o seu direito de propriedade sobre a fracção, a qual adquiriram por compra e sucessão hereditária e que se encontra registada a seu favor, requerendo ainda, o pagamento de uma indemnização pela privação do uso e fruição daquela, bem como, a condenação dos embargantes por litigância de má fé.

A pretensão indemnizatória foi rejeitada em sede de saneamento e, tendo prosseguido os autos, veio a ser proferida sentença, a qual julgou os embargos improcedentes, absolvendo os embargados do pedido e condenando os embargantes a reconhecer o direito de propriedade dos embargados sobre a aludida fracção, procedendo a reconvenção deduzida por estes.

Inconformados recorreram os embargantes, concluindo nas suas alegações, em síntese:
- Está eivada de erro na interpretação e avaliação a sentença recorrida por ter deixado de apreciar e valorizar matéria de facto essencial para a decisão, tais como:
a) A alteração de finalidade da fracção «O» entre 1975 e 1977,de molde a permitir à sociedade construtora, como aconteceu em 1985 dispor dela abusivamente e em violação da promessa feita aos recorrentes e restantes proprietários do imóvel.
b) O pagamento integral do preço da fracção «O» pelos antecessores dos recorrentes na posse da fracção «F» e pelos adquirentes das restantes fracções.
c) A entrega aos recorrentes e restantes adquirentes da fracção «O» para ser utilizada e fruída por estes sem limitações.
d) A promessa assumida pela sociedade construtora de celebrar a escritura de venda quando todas as fracções do imóvel estivessem vendidas e a respectiva quebra intencional dessa promessa, ao vender em 1985 a fracção a terceiros.
- Fez ainda a sentença recorrida, uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos provados ao considerar que os ora recorrentes e os seus antecessores eram meros detentores da fracção «O», aplicando o art. 1253º b) do Código Civil quando deveria ter considerado os recorrentes e os seus antecessores na posse, sendo verdadeiros titulares da posse, com o respectivo corpus e animus possidendi, bem definidos em razão de todos os factos provados, nomeadamente de terem pago o preço da fracção e de imediato a terem recebido para a usar como se fosse sua e ficando apenas a aguardar a realização de escritura, em momento a escolher pela sociedade construtora, por aplicação do disposto nos arts. 1251º e 1252º, nº.2 do Código Civil.

Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, dado que não violou nem fez errónea interpretação de qualquer norma, não padecendo de vício ou irregularidade.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 690º., todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Se foi efectuada uma incorrecta avaliação dos factos provados, com reflexos na respectiva aplicação do direito.
- Se há que reconhecer aos recorrentes a compropriedade da fracção «O».

A matéria de facto delineada na 1ª. Instância foi a seguinte:
1- M (…) instauraram acção declarativa com processo ordinário, contra J (…) e Administração do Condomínio do Prédio Urbano sito…, Alverca, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente à fracção predial designada pela, letra "O", correspondente ao 6º.andar direito, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, (…) e a condenação dos réus na sua entrega, bem como no pagamento da quantia de cinquenta mil escudos mensais, desde a citação até à mencionada entrega.
2 - A referida acção que correu termos neste 2º Juízo Cível de Vila Franca de Xira, com o nº. 218/2001, foi julgada totalmente procedente, por sentença proferida em 20/03/2002, transitada em julgado, na qual os réus foram condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre a mencionada fracção predial designada pela letra O; a procederem à sua imediata entrega aos mesmos autores; e a pagar-lhes a quantia de € 249,04, desde a data da citação, isto é, 15/05/2001, até à data daquela entrega.
3- Os mencionados M e outros, fundamentaram então, essencialmente, a sua pretensão na aquisição, por compra e por via hereditária, da supra identificada fracção predial e na ocupação ilegítima da mesma pelos restantes condóminos e pela administração do respectivo prédio.
4- M (…) instauraram acção executiva, para entrega da referida fracção predial, com base na sentença proferida na acção declarativa de condenação supra mencionada.
5- Na referida execução, apensa à respectiva acção declarativa de condenação, foi efectuada em 11/10/2002, a entrega aos autores, com arrombamento da porta de entrada e alteração da fechadura, da referida fracção predial.
6- Por escritura pública de 29/04/1977, A, na qualidade de sócio gerente e em representação da sociedade "A., Lda. declarou: "Que a sociedade que representa é dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo terceiro, quarto e quinto andares, todos com lados direito e esquerdo, destinados a cave, a garagem e os restantes a habitação, e sexto andar para porteira, no lado esquerdo, e atelier, no lado direito, e ao qual atribui o valor de dez milhões e oitocentos mil escudos. Que as fracções de que se compõe o mencionado prédio são independentes, distintas e isoladas entre si e têm saída própria para uma parte comum do prédio. Que submete o referido imóvel ao regime de propriedade horizontal com as fracções autónomas seguintes:
- A– Cave direita;
- B – cave esquerda;
- C – rés-do-chão direito;
- D – rés-do-chão esquerdo;
- E – primeiro andar direito;
- F – primeiro andar esquerdo;
- G – segundo andar direito;
- H – segundo andar esquerdo;
- I – terceiro andar direito;
- J – terceiro andar esquerdo;
- K – quarto andar direito;
- L – quarto andar esquerdo;
- M – quinto andar direito;
- N – quinto andar esquerdo;
- O – sexto andar direito.
Que cada uma das fracções A e B é composta de uma divisão ampla, atribuindo a cada uma delas o valor de quatrocentos e oitenta e seis mil escudos, o que corresponde a quarenta e cinco mil do valor total do prédio.
Que cada uma das fracções C e D é composta de três divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa e roupeiro, atribuindo a cada uma delas o valor de setecentos e vinte e três mil e seiscentos escudos, o que corresponde a sessenta e sete por mil do valor total do prédio.
Que cada uma das fracções E, F, G, H, I, J, K, L, M e N é composta de três divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa e roupeiro, atribuindo a cada uma delas o valor de setecentos e noventa e nove mil e duzentos escudos, o que corresponde a setenta e quatro por mil do valor total do prédio.
Que a fracção O é composta de duas divisões assoalhadas e casa de banho, atribuindo-lhe o valor de trezentos e oitenta e oito mil e oitocentos escudos, o que corresponde a trinta e seis por mil do valor total do prédio.
Que o referido lado esquerdo do sexto andar, destinado à porteira, com uma divisão assoalhada, cozinha e casa de banho, é comum a todos os condóminos.
7- Através de escritura pública de 21/01/1985, A, na qualidade de procurador da sociedade " A. , Lda. como primeiro outorgante, e M (…), como segundos outorgantes, declararam: o primeiro outorgante, em nome da sociedade sua representada: "Que pela presente escritura, pelo preço de trezentos e sessenta e dois mil oitocentos e oitenta escudos, que declara já ter recebido, vende aos segundos outorgantes, em comum e partes iguais, a fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente ao sexto andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal; os segundos outorgantes: Que aceitam esta venda nos termos exarados, destinando-se a fracção adquirida a revenda.
8- Encontra-se registada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, através da ap. 20/1203.86, a aquisição, por compra, da supra mencionada fracção predial designada pela letra O, a favor de M (…).
9- Através da ap. 44/990225, encontra-se registada, na mesma Conservatória do Registo Predial, relativamente à mencionada fracção predial designada pela letra O, a aquisição de 1/3 em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de Maria, por dissolução de comunhão conjugal e sucessão por óbito de J.
10- Encontra-se registada na citada CRP, através da ap. 36/221287, a aquisição, por compra, da fracção predial designada pela letra F, do prédio urbano acima referido, a favor de L.
11- Encontrava-se registada, na mesma Conservatória do RP. através da ap. 19/270278, a aquisição por compra a C, da mesma fracção predial designada pela letra F, do prédio urbano acima referido, a favor de Maria, casada sob o regime da comunhão de adquiridos, com Álvaro.
12- Do teor da descrição predial, efectuada através da ap. 01/08/1975, consta o seguinte: No terreno constante da descrição supra nº. 25795 está em construção e, na fase de acabamentos, um prédio urbano de rés-do-chão e cinco andares com lados direito e esquerdo, para habitação, porteira e sala de reuniões.
13- Do teor da descrição predial, efectuada através da ap. 18/05/1977, consta o seguinte: A construção constante do averbamento nº. 1, deste nº. 25.795, já está concluída, tem caves, com lados direito e esquerdo, para garagens; rés-do-chão com uma divisão ampla; 1º, 2º, 3º, 4º e 5º. andares, com lados direito e esquerdo, para habitação, e 6º andar para porteira no lado esquerdo e atelier no lado direito.
14- Do teor da descrição predial efectuada através da ap. 23/18/05/1977 consta o seguinte: "O prédio supra 25.795, encontra-se dividido nas seguintes fracções autónomas: (.) "O" - sexto andar direito com duas divisões assoalhadas e casa de banho".
15- A contribuição autárquica relativa à fracção predial designada pela letra "O, foi lançada em nome da sociedade "A., Lda. até 1985 e, posteriormente, em nome de M (…).
16 - Os adquirentes de cada uma das fracções prediais do prédio acima identificado, mediante acordo prévio com a sociedade construtora, a pagaram a esta, aquando da celebração das respectivas escrituras de compra e venda, uma quantia em dinheiro superior ao valor nelas declarado como sendo o preço de cada uma daquelas fracções para aquisição, pelos mesmos, da fracção predial designada pela letra O, do mesmo prédio, em comum e em partes proporcionais à permilagem de cada uma das demais fracções prediais.
17 -A referida fracção predial designada pela letra "O" foi apresentada a todos os adquirentes das demais fracções prediais, à data da celebração das respectivas escrituras de compra e venda, como sendo a sala de reuniões do condomínio e de arrumo de todos os bens e equipamentos necessários à manutenção das partes comuns do prédio.
18- E foi-lhes prometido, pela sociedade construtora, que a escritura de compra e venda relativa a tal fracção seria outorgada a favor de todos os adquirentes das demais fracções prediais, logo que todas tivessem sido vendidas.
19- Após a celebração de cada uma das escrituras de compra e venda, os respectivos adquirentes começaram logo a utilizar a fracção predial designada pela letra O.
20- C utilizou a fracção predial designada pela letra "O" para os mesmos fins.
21- Na convicção de não lesarem direitos alheios e à vista de toda a gente, comparticipando nas despesas com água, luz e limpeza da referida fracção predial designada pela letra O.
22- Os embargantes e os restantes condóminos utilizaram sempre a referida fracção predial apenas como se tratasse de uma parte comum do prédio, a qual foi sempre administrada enquanto tal.

Vejamos:
Insurgem-se os recorrentes relativamente à sentença proferida, dado que no seu entendimento, não terão sido devidamente avaliados todos os factos provados, no sentido de serem restituídos à posse da fracção «O».
Para sustentarem tal posição chamam os mesmos à colação, o circunstancialismo de os adquirentes de cada uma das fracções, terem feito um acordo prévio com a sociedade construtora do prédio, pagando a esta, aquando da celebração das respectivas escrituras de compra e venda, uma quantia em dinheiro superior ao valor nelas declarado como sendo o preço de aquisição das fracções, para poderem adquirir a fracção «O» em comum e em partes proporcionais à permilagem.
Invocam, ainda, o facto de a fracção «O», ter sido apresentada aos adquirentes das demais fracções, como sendo a sala de reuniões do condomínio e de arrumo de todos os bens e equipamentos necessários à manutenção das partes comuns, tendo-lhes, de igual modo, sido prometido pela sociedade construtora, que a escritura de compra e venda da mesma seria outorgada a favor de todos os adquirentes, logo que tivessem sido vendidas todas as outras fracções.
A partir destes elementos fácticos entendem os recorrentes que, a partir da celebração das respectivas escrituras, os adquirentes começaram logo a utilizar a fracção «O», como se se tratasse de uma parte comum e como sendo os seus verdadeiros titulares e perante tal, entendem que a solução encontrada não é correcta.
Ora, a questão que está em causa na situação em apreço, não permite que se aprecie o comportamento correcto ou incorrecto da construtora do prédio, ou seja, não podemos agora fazer reflectir perante os sujeitos processuais na lide, a existência de um acordo firmado com a sociedade construtora, aquando da compra de cada uma das respectivas fracções autónomas.
O que o Tribunal tem que apreciar e apreciou é se perante a situação concreta, a pretensão dos recorrentes pode ter apoio legal.
A eventual ilicitude negocial da sociedade construtora, não pode nesta sede ser conhecida, ou seja, uma pretensa relação obrigacional entre aquela e os recorrentes terá uma sede própria, que não nos presentes embargos.
O erro de avaliação dos factos reside nesta confusão dos recorrentes e não em qualquer desconformidade do tribunal.
Assim, não lhes assiste qualquer razão neste particular.

Importa agora aquilatar se perante a factualidade descrita, os recorrentes por si e pelos seus antecessores eram verdadeiros titulares da fracção «O».
Dispõe o art. 1251º. do Código Civil que, a posse é o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Ora, a posse é integrada por dois elementos: o corpus, o seu elemento material e o animus, consistente na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto.
Como refere, Durval Ferreira, in Posse e Usucapião, pág. 129, «são elementos do seu corpus, todos os elementos materiais integrantes quer da coisa, quer da sua referida relação estancial ou de espaço que, à luz do consenso público, ou consciência social permitam, relevantemente, a valoração, o entendimento, de entre o sujeito e a coisa existir uma relação de facto, à imagem duma relação empírica de domínio».
A relação entre pessoa e coisa não tem sequer de se traduzir por actos materiais; basta que se mantenha um estado de facto em que não surjam obstáculos a essa actuação (cfr. Prof. Oliveira Ascensão, in, Direito Civil-Reais, pág. 90).
Exige ainda a nossa lei, na esteira da teoria subjectivista de Savigny, o animus, ou seja, para que exista uma situação de posse é necessário que haja por parte do detentor a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre ela (cfr. Prof. Antunes Varela, in C.Civ. anotado).
Ou seja, para além do corpus, para que a posse seja completa e, nessa medida, aquisitiva do direito de propriedade, é necessário que se verifique o animus domini, isto é, a intenção do possuidor de exercer o direito como se fosse proprietário. O animus não pode ser confundido com a convicção de ser titular do direito.
Relativamente ao direito real de propriedade, ou o exercente actua sobre a coisa na convicção de que é o dono e a sua posse é boa para usucapir, ou age sem essa convicção e é considerado pela lei como um mero detentor.
O mero detentor ou possuidor precário é aquele que, tendo embora o corpus da posse, ou seja, a detenção da coisa, não exerce o poder de facto com o animus de exercer o direito real correspondente, o animus possidenti (cfr. art. 1253º. do C. Civil).
Ora, resulta dos factos apurados que, do teor da descrição predial consta em 1975 que o prédio em questão estava na fase de acabamentos, fazendo-se mencionar a existência de cinco andares, para habitação, porteira e sala de reuniões.
Em 1977 consta do teor da descrição predial que no mesmo prédio há um sexto andar direito «O», com duas divisões assoalhadas e casa de banho.
Em 1985 a fracção designada pela letra «O», foi vendida aos ora recorridos, destinando-se a mesma para revenda.
A contribuição autárquica relativa a tal fracção foi suportada até 1985 pela sociedade construtora e a partir desta data, pelos compradores e ora recorridos.
Após a celebração de cada uma das escrituras de compra e venda, os respectivos adquirentes começaram logo a utilizar a fracção predial designada pela letra «O».
Na convicção de não lesarem direitos alheios e à vista de toda a gente, comparticipando nas despesas com água, luz e limpeza da fracção, como se se tratasse de uma parte comum do prédio.
Perante a existência de tais elementos de facto há que fazer a sua destrinça relativamente à sociedade construtora/vendedora e perante os recorridos.
Com efeito, como já se aludiu supra, os problemas suscitados no que se reporta à primeira são aqui inócuos, pois a avaliação da sua conduta é autónoma, jamais reflectindo quaisquer efeitos vinculativos aos recorridos.
O invocado acordo com a sociedade e o acréscimo de preço pago não foi devidamente formalizado, nada se sabendo sobre se foi alvo de algum contrato escrito, qual o valor efectivamente pago a mais, enfim, quais os contornos negociais.
Porém, para os presentes autos o que importa analisar é o comportamento dos recorridos e, neste particular, os factos são eloquentes só por si, já que os mesmos apenas se encontram no exercício de um direito legítimo.
Efectivamente, os recorridos através de escritura pública celebrada em 21-1-1985, adquiriram por compra a fracção «O», registando tal aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de V. F. de Xira.
A presunção instituída no art. 7º. do Código de Registo Predial significa que o direito registado existe e pertence ao titular inscrito.
Os embargados ora recorridos têm a seu favor esta presunção, desde 1985 e desde tal data que se comportam como verdadeiros titulares, procedendo ao pagamento da inerente contribuição autárquica.
A publicidade de tal circunstancialismo não podia ser desconhecida pelos recorrentes.
Se de facto entendiam ter algum direito sobre a fracção, então deveriam ter despoletado o seu desagrado pelo não desfecho prometido, mas perante o construtor.
Agora, não se pode é sobrepor uma mera intenção, a quem cumpriu o que lhe era exigível, ou seja, a quem celebrou uma escritura pública de compra e venda e a quem registou o seu direito de propriedade.
Os embargantes podiam ter uma mera expectativa em relação à fracção, fomentada pelo construtor, mas não se pode dizer que utilizavam a fracção na convicção de exercerem um direito próprio, como verdadeiros donos do bem.
Se alguém obtém a entrega da coisa antes da celebração da escritura de compra e venda, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor ou possuidor precário (cfr. Ac. do STJ. de 23-5-2006, in http://www.dgsi.pt).
Efectivamente, os embargantes, em conjunto com os demais condóminos do prédio onde se integra a fracção em litígio, ao longo do tempo, beneficiaram da tolerância dos verdadeiros titulares do direito de propriedade, usando-a, mas sem a convicção de exercerem um direito próprio, em suma, apenas como detentores, ao abrigo do disposto no art. 1253º. do C. Civil.
Os embargantes não dispõem a seu favor de qualquer presunção possessória, nem conseguiram inverter a presunção registral dos embargados.
A fracção «O» não consubstanciava qualquer parte comum do prédio, sendo apenas utilizada como tal, mas sem animus possidendi.
A utilização da fracção pelos embargantes e restantes condóminos representou uma tolerância dos embargados, a qual cessou, como resulta da acção declarativa intentada e julgada, a qual foi totalmente procedente para os ora embargados.
O direito de propriedade dos embargados sobre a fracção «O» é indiscutível, não podendo deixar de ser reconhecido como se determinou.
Assim, sendo meramente precária a posse dos recorrentes, não há que apreciar a requerida aquisição da compropriedade por usucapião.
Destarte, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, a qual fez uma adequada subsunção jurídica dos factos, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado.

3- Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida.
Custas a cargo dos apelantes.
Lisboa, 4/3/2008
Maria do Rosário Gonçalves
Maria José Simões
José Augusto Ramos