Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2052/09.9TBPDL-C.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Numa execução em que é efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda pela executada a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, bem como dos honorários com patrono e solicitador de execução, não devem ser liquidadas as quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução, a seu cargo, sendo o respectivo reembolso à exequente a cargo do IGFEJ.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


Na execução em que é exequente M…, Lda e executada C…, liquidada a quantia exequenda (capital e juros), veio a executada requerer que, beneficiando de apoio judiciário total, seja declarada a inutilidade superveniente da lide com o consequente levantamento de qualquer penhora sobre o seu património.

Sobre esta matéria foi proferido, no dia 9/04/2014, o seguinte despacho: “Pese embora à executada tenha sido atribuído apoio judiciário na modalidade de atribuição de Agente de Execução, há que ter em atenção que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução é feito, em primeira linha, pelo produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário (artigo 45º, nº1 da Portaria nº282/2013, de 29 de Agosto). Assim, o valor das despesas com Agente de Execução terá sempre de ser liquidado, nos termos do artigo 847º do Código de Processo Civil. Deste modo, notifique o Agente de Execução para ter tal valor em conta aquando da liquidação da responsabilidade da executada”.

Após requerimento da executada, de 2 de Maio de 2014, pedindo a reforma deste despacho, em 5 de Maio de 2014 foi proferido despacho que manteve o primeiro.
                                                         
Inconformada, a executada interpôs recurso, formulando conclusões, onde invoca as seguintes questões:

-Tendo a executada, ora recorrente, pago a totalidade da quantia exequenda, o despacho recorrido ordenou que fossem tidas em conta as quantias devidas ao agente de execução na liquidação a cargo da executada nos termos do artigo 847º do CPC e artigo 45º nº1 da Portaria 282/2013 de 29/8, mas estas normas não são aplicáveis quando o executado beneficia de apoio judiciário, como é o caso.

-À executada recorrente foi concedido o apoio judiciário total, pelo que a decisão recorrida violou o caso julgado formado pela decisão administrativa que lhe concedeu o apoio judiciário, o que tem como consequência o ilegal bloqueio das únicas contas bancárias da executada que se encontra desempregada e não tem qualquer outro meio de pagar as suas contas.

-A decisão recorrida violou os princípios constitucionais previstos nos artigos 13º e 20º (direito à igualdade e ao acesso ao direito), bem como o princípio da confiança.

-Mesmo que não houvesse apoio judiciário, o que não é o caso, as custas de parte seriam cobradas/executadas em processo da iniciativa da exequente, nos termos dos artigos 26º nº2, 36º nº3 do RCP e 87º nº2 do CPC.     
   
-A execução deveria ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide e reembolsadas pelo IGFEJ as quantias adiantadas pela exequente para pagamento do agente de execução, nada mais sendo devido pela executada recorrente, a quem foi concedido apoio judiciário total.

-Ao não decidir deste modo, a decisão recorrida violou, não os aplicando, os artigos 3º nº1, 4º nº7, 16º nº1 a) ii), d), h), 19º nº1, 20º nº2, 24º nº2, 26º nº3 a), d), 6, 29º nº1, a), c), d) do RCP, 529º nº1, 3 e 4, 532º nº1 e 533º nº2 do CPC, 1º, 2º nº1, 3º nº2, 6º nº1, 8º nº1, 8º-A nº1 a), 17º nº1, 24º, 36º nº1 e 20º da Lei do Acesso ao Direito.

-Deverá ser revogado o despacho recorrido e ser proferida decisão que reconheça o apoio judiciário concedido à executada e ordene o desbloqueio das contas bancárias da exequente e o cancelamento de eventual penhora sobre as mesmas, ordenando-se que o IGFEJ reembolse a exequente e declarando-se a extinção da instância nos termos do artigo 849º nº1 a) do CPC.
                                                          
Não há contra-alegações e o recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

A questão a decidir é a de saber se a execução deverá prosseguir com penhoras sobre o património da executada para pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do Agente de Execução, ou se se deverá considerar que a executada nada mais tem a liquidar.
                                                       
FACTOS.

Para além do que consta no relatório do presente acórdão, os factos a ter em conta, documentados neste apenso de recurso em separado, são os seguintes:

Na presente execução, em Junho de 2012 foi concedido à executada o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa total de pagamento de custas e encargos processuais e de honorários de patrono e de solicitador de execução.

Por requerimento de 21 de Março de 2014, a executada veio dar conhecimento de que pagou a totalidade da quantia exequenda, juntando declaração de quitação e requerendo que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide com o levantamento de qualquer penhora sobre o seu património, em virtude de beneficiar do apoio judiciário.

Por informação do Agente de Execução de 2 de Abril de 2014, este comunicou ao Tribunal que iria proceder à extinção da execução por pagamento e que aguardava a resposta de instituição financeira relativamente à penhora de o saldo de uma conta da executada, para proceder ao seu levantamento e proceder à extinção os autos.

Por requerimentos de 10 de Abril e de 30 de Abril de 2014, a exequente veio pedir o reembolso das despesas com o Agente de Execução a efectuar pelo IGFEJ.

Por informações de Agente de Execução de 12 de Abril de 2014 e de 1 de Maio de 2014, este comunicou que nada mais havia a liquidar à executada.  
                                                           
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

Como resulta dos factos provados, a executada apelante procedeu ao pagamento voluntário da quantia exequenda, tendo sido proferido despacho que determinou que fossem liquidadas como sendo da sua responsabilidade as quantias devidas pelos honorários e despesas do Agente de Execução, nos termos dos artigos 847º do CPC e 45º nº1 da Portaria 282/2013 de 29/8.    
                         
O pagamento voluntário da quantia exequenda vem previsto nos artigos 846º e 847º do CPC, estabelecendo este último, no seu nº1, que se o pagamento for feito antes da venda ou adjudicação de bens, se liquidam unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente.

Por seu lado, o artigo 45º nº1 da Portaria 281/2013 – que regula aspectos das acções executivas cíveis – prevê que, se não for possível satisfazer o pagamento dos honorários e despesas do AE através de bens penhorados ou pelos valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, tal pagamento é suportado pelo exequente, que poderá reclamar o seu reembolso ao executado.

Contudo, estas disposições só são aplicáveis se o executado não beneficiar de apoio judiciário, pois neste caso, não é responsável pelas custas, não podendo ser liquidada qualquer quantia a seu cargo a esse título.

No presente caso, foi concedido à executada o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa total de pagamento com as custas e encargos processuais e de honorários de patrono e de solicitador de execução (artigo 16º nº1 a) da Lei 34/2004 de 29/7 – Lei de acesso ao direito e aos tribunais).

Sendo assim, o processado resultante das disposições legais aplicadas no despacho recorrido é forçosamente afastado pelas normas específicas respeitantes à isenção decorrente da concessão do apoio judiciário, normas essas que a apelante invoca nas suas alegações de recurso.

Assim, artigo 532º do CPC estabelece que os encargos são da responsabilidade da parte que lhes deu origem, “salvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito” e o artigo 19º nº1 do RCP estatui que, se a parte beneficiar de apoio judiciário, os encargos são adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP (IGFEJ).

O artigo 533º do CPC impõe que a parte vencida suporte as custas da parte vencedora, considerando, no nº2 alínea c), compreendidas nas custas de parte as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas; mas o artigo 4º nº7 do RCP estabelece que a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, “com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais”.

Também o artigo 26º do RCP, no seu nº3 d) considera custas de parte a pagar pela parte vencida à parte vencedora os valores pagos a título de honorários ao agente de execução e, no seu nº6, prevê que, gozando a parte vencida de apoio judiciário, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo IGFEJ. 
 
Finalmente, o artigo 29º do RCP, relativamente à oportunidade da conta de custas, dispõe, no seu nº1, o casos em que a conta é dispensada, entre os quais o da alínea d) em que o responsável pelas custas beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos.

Do conjunto destas normas, tem de se concluir que, efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda, não devem ser liquidadas as quantias devidas com honorários e despesas ao AE a cargo da executada, sendo o respectivo reembolso à exequente a cargo do IGFEJ, procedendo as alegações da apelante.                                                                                                                                                                                                                                                                   
                                                         
DECISÃO.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que determine o levantamento de qualquer penhora sobre bens da executada e o reembolso à exequente do pagamento efectuado com honorários e despesas do Agente de Execução a cargo do IGFEJ.
                                                          
Sem custas.
 
                                                           
Lisboa,2016-02-18

                                                                    
Maria Teresa Pardal                                                                 
Carlos Marinho                                                                  
Regina Almeida
Decisão Texto Integral: