Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29327/21.6T8LSB.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
PERICULUM IN MORA
ALTERAÇÃO PROVISÓRIA DE FUNÇÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Não se verifica o periculum in mora quando o trabalhador vê as suas funções alteradas temporariamente, sem perda da garantia base e subsídio de senioridade, e a empregadora, grande empresa, em princípio não levanta duvidas quanto à sua capacidade para ressarcir quaisquer danos que eventualmente aquele possa sofrer, porventura decorrentes de uma diminuição das prestações acessórias, estando assim assegurado, à partida, o equilíbrio entre os interesses legítimos do trabalhador na manutenção da categoria e recebimento da retribuição, e da empregadora na gestão dos recursos humanos. 
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A) Requerente e recorrente: AAA
B) Requerida: BBB
A requerente propôs o presente procedimento cautelar comum pedindo que seja determinado cautelarmente à requerida BBB que suspenda a eficácia da ordem que lhe foi dada para se apresentar no dia 30 de novembro de 2021 no ed. …, do Aeroporto de Lisboa, a fim de desempenhar as funções de técnica comercial no serviço “fale connosco”, e da consequente mudança de local de trabalho e funções, devendo ser condenada a requerida a atribuir à requerente funções de voo em igualdade com os demais colegas CAB.
Isto porque era comissária/assistente de bordo e em 18 de novembro de 2021 a BBB comunicou-lhe, ao abrigo da mobilidade funcional, que passaria a desempenhar temporariamente funções de técnica comercial, com manutenção do vencimento base e da senioridade, o que teria sucedido logo em 30/11/2021 não fora a sua incapacidade para o trabalho. Ora, há necessidade de CAB, pois recentemente foi lançado concurso para CAB e abriu programas de voluntariado para outros CC desempenharem funções como CABs. A requerida viola a sua categoria profissional, impondo-lhe o desempenho de as funções que a humilham, desestabilizam emocionalmente e que motivaram a sua baixa médica. Deixou de receber o valor diário que os CAB auferem por cada dia que voem, o que importa diminuição do seu rendimento, além de que, enquanto tripulante de cabine, não teria de fazer deslocações diárias, o que se traduz num custo económico que tem dificuldades em suportar, sendo essa incapacidade financeira que funda o periculum in mora.
*
De forma mais desenvolvida, a requerente articulou (com maior relevo e em especial quanto ao periculum in mora):
5º A Requerida [na sequência de um processo] não mais ocupou a Requerente, mantendo-a dispensada de assiduidade (...).
6º, 7º, 11º, 30º Através de missiva datada de 18 Novembro de 2021 a Requerida comunicou à Requerente que temporariamente deveria exercer novas funções: ao invés de assumir as suas funções de Comissário/Assistente de Bordo passaria a exercer temporariamente funções de Técnica Comercial no serviço Fale Connosco, ou seja, deveria passar para o call center da Requerida.  Funções de gestão de reclamação que não se inserem no conteúdo funcional de uma tripulante de cabine, e para as quais nem sequer tem formação profissional
8º Não fosse a incapacidade para o trabalho e tais funções ter-se-iam iniciado logo a 30 de Novembro de 2021 (...)
9º Invocou ainda a Requerida que se mantinha o vencimento base e o vencimento de senioridade, devendo a Requerente passar a apresentar-se de segunda a sexta feira, das 09h00 às 17h30, com pausa para almoço das 13h00 às 14h00
10º, 12º Não foi tido em consideração que a Requerente se mantém de licença de amamentação, nem que, no âmbito do procedimento de despedimento colectivo, a Requerida fez cessar contratos com trabalhadores que executavam exactamente essas funções e, anteriormente, aceitou revogações de outros trabalhadores dessa exacta área.
31º a 33º A situação causa graves prejuízos à Requerente, desestabilizando-a a nível emocional, causando-lhe vergonha e vexame, sentindo-se humilhada (...), levando a que desde que tal lhe foi comunicado que esta tenha entrado numa espiral depressiva, recusando-se a sair casa, o que motivou a sua situação de baixa.
34º a 38º O montante que a Requerida afirma pretender passar a pagar-lhe é substancialmente diverso daquele que receberia se existisse a voar. Os Cab’s, os tripulantes de cabine como a Requerente, recebem € 71,60 por cada dia em que voem. Contudo, (...) vigora um limite mínimo a ser sempre pago ainda que não voem, de 15 dias, € 1074,00. Com a inexistência de atribuição de planeamento e com a pretendida afectação da Requerente a outras funções, esta deixa de auferir mensalmente tal quantia de € 1074,00, [sendo que]  em situação normal, a Requerente auferiria mais.
39º, 40 Enquanto Tripulante de Cabine a Requerente não teria que fazer deslocações diárias à sede, que ascendem a 45 quilómetros por deslocação, num total de 90 Kms por dia, acrescida das portagens. E, no exercício das funções para as quais foi contratada a Requerente tem direito a lugar no estacionamento da Requerente e deixaria de o ter, passando a ter que custear uma avença mensal.
41º A Requerente já sofreu os cortes emergentes do designado Acordo de Emergência, passando de € 1310,00 para € 1114,00
42º E tendo organizado a sua vida antes do citado Acordo, esta nova e cirúrgica alteração de funções torna ingerível o seu quotidiano familiar e as despesas inerentes ao mesmo, desde logo por também ter que passar a pagar a uma ama diariamente enquanto, quando estava a voar, tal sucedia nos estritos dias em que estivesse em planeamento a voar ou de prevenção e, ainda assim, se o pai não estivesse de dias de descanso
44º A Requerente paga de renda de casa € 360,00 mensais, tendo despesas gerais com a casa ascendendo a entre € 400,00 e € 500,00, pagando ainda de ama € 220,00 mensais.
45º Caso tivesse de ir para o local de trabalho nos moldes aventados pela Ré, teria que contratar uma outra ama, em montante que estima não serem inferiores a € 50,00 diários.
46º Só em termos de deslocação diária a estimativa de gastos com gasóleo mensais ascenderiam a € 200,00, acrescidos das portagens, no montante diário de € 3,20.
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O Tribunal a quo proferiu despacho liminar em que ponderou e decidiu:
"(...)
A pretensão da requerente é consubstanciada num procedimento cautelar comum e os requisitos para o decretamento desta providência cautelar comum, consagrou-os o legislador no art. 362º do CPC.
São quatro os fatores a ponderar para o Tribunal conceder, ou denegar, uma providência cautelar não especificada: desde logo, a existência do direito tutelado que o requerente invoca; por outro lado, o fundado receio que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação. A estes dois motores fundamentais acresce a inexistência de providência cautelar diversa adequada a proteger eficazmente tal direito e um outro requisito resultante de uma necessidade de proporcionalidade, no sentido de o prejuízo resultante do decretamento da providência não superar o que com a mesma se pretende acautelar (assim, vd., Moitinho de Almeida, Providências cautelares não especificadas, Coimbra Editora, 1991, págs. 18 e ss; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, Almedina, págs. 82 a 90; ac. RP 19/10/1992, CJ, 4, 246).
Por outro lado, e essencial ainda é o requisito da proporcionalidade, de adequação da providência à lesão iminente (saber se a providência acarreta em si mesma uma lesão ao requerido superior aquela que a requerente visa obter).
Onde cremos que a presente providência cautelar falha, ab initio é no periculum in mora. Este não visa que seja proferida uma decisão urgente para a parte, apenas porque a parte tem urgência-pressa na mesma (o que aliás nem isso é alegado), pois de outro modo todo o cidadão recorreria ao procedimento cautelar por ser mais célere e todos pretenderem uma reposta da justiça mais rápida.
O que o legislador exige para a verificação do requisito é que segundo critérios de objectividade se possa afirmar que existe uma ameaça séria e actual de lesão de um direito da requerente que conduz a que sejam tomadas medidas imediatas e que se estas não o forem o prejuízo que daí advém é irreversível ou de difícil reparação.
Não é claramente o caso.
Compreende-se a situação da requerente, e a sua urgência, mas esta não é objetiva e muito menos de difícil reparação.
Por um lado, nem se consegue compreender o vexame que a requerente diz sentir quando grande parte dos seus colegas foram abrangidos por um despedimento coletivo recente e a requerente não o foi. Por outro lado, se a mesma estava na situação de incapacidade para o trabalho aquando da comunicação (art. 8º do seu requerimento de providência) não se entende como afirma depois que foi essa decisão que motivou a sua baixa (art. 33º do mesmo requerimento), e como é que surge o vexame e humilhação quando, ao que se percebe, nem chegou a desempenhar as novas funções de técnica comercial.
Por outro lado, e como resume a requerente no seu artigo 60º, o periculum in mora falha logo no facto de tudo se resumir a motivos financeiros, a uma incapacidade financeira que diz ter se vier a desempenhar novas funções.
Não é a mudança do local de trabalho, pois o ed. …, fica igualmente no aeroporto de Lisboa, de onde a requerente parte quando voa como tripulante de bordo. Os metros que devem distar o local das partidas do edifício 25 não são motivo suficiente para referir que existiu uma mudança de local de trabalho.
Porém, como tripulante a requerente não voa diariamente, pelo que a deslocação diária ao aeroporto importa custos não previstos para si, ao que acresce o não recebimento do valor diário de horas de voo.
Compreende-se pois que a alteração possa causar dano financeiro à requerente. Mas a situação está longe de configurar uma lesão de difícil reparação. No limite sempre se dirá que quando a ação principal for intentada e se se vier a concluir que a requerida não pode (por qualquer motivo) aplicar a mobilidade funcional à requerente, então cabe a esta vir pedir a condenação no pagamento dos valores que teve de suportar e nos quais ficou lesada.
Nada existe que indicie um dano de difícil reparação, muito menos irreversível, precisamente porque em qualquer momento podem os lesados vir pedir a condenação no pagamento dessas quantias e reaver as mesmas. Implica apenas um esforço financeiro maior por parte da requerente mas nada que ponha em causa a sua sobrevivência ou do seu agregado, nada que não possa ser corrigido posteriormente, se for caso disso, e com pagamento de eventuais juros de mora.
Falta pois a invocação do periculum in mora, e por esse motivo e com tais fundamentos se indefere a presente providência cautelar, cabendo à requerente intentar ação comum peticionado o que ora alega.
Por todo o exposto indefiro liminarmente a providência cautelar requerida.
(...)".
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A requerente não se conformou e recorreu, concluindo:
(…)
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O requerido contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
O Ministério Público teve vista e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Foram colhidos os competentes vistos.
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II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC do CPC.
Deste modo o objeto do recurso da recorrente consiste em saber se no caso pode haver o periculum in mora.
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Factos pertinentes: os acima descritos.
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C) De Direito
Dispõe o n.º 1 do art.º 362 do Código de Processo Civil, aplicável aos procedimentos cautelares laborais ex vi art.º 32/1 (e 1/2a), do Código de Processo do Trabalho, relativamente às providências cautelares não especificadas, que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Daqui resulta que são requisitos do procedimento cautelar:
a) a existência provável do direito;
b) em caso de violação iminente do direito a ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação; caso haja violação, o perigo da continuação, ou repetição[1].
Exige-se, pois, o fumus boni juris (al. a) e a iminência de lesão[2],[3].
E note-se que “não é toda e qualquer previsível consequência susceptível de ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento da providência no âmbito do procedimento cautelar comum – a lei refere-se, apenas, às lesões graves e dificilmente reparáveis – pelo que tendo as requerentes alegado, tão só, prejuízos materiais que não se encontram minimamente quantificados, não se sabendo a quanto ascenderiam, nada inculcando que a requerida não disponha de meios para os ressarcir após a sua apreciação na acção principal, não se encontram nos autos elementos que permitam caracterizar a aludida lesão grave e dificilmente reparável”. (ac. Relação de Lisboa 26-06-2008, processo n.º 4959/2008-2)[4].
Está em causa “prevenir um dano muito concreto. Aquele que é causado pelo decurso do tempo[5]
A aparência do direito há-de ser afirmada, bem como o fundado receio de que a falta de antecipação da decisão decorrente da demora própria da acção lhe cause lesão grave e dificilmente reparável[6]. Importa que o requerente alegue e demonstre sumariamente o “direito cuja titularidade se arroga[7]”.
Apreciemos em especial, porém, o periculum in mora, considerando que foi por isso que o procedimento foi liminarmente indeferido.
Exarou a este propósito o acórdão de 29.9.21 desta Relação de Lisboa, referido na nota 1 (e onde estava em causa também um indeferimento liminar de um procedimento cautelar comum):[Referem Geraldes, Pimenta e Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 420] que “ainda que não devam excluir-se da tutela cautelar as situações em que o periculum in mora se reflete na provável ocorrência de danos patrimoniais, o critério a usar nestes casos deve ser mais restrito do que o aplicado quando estejam em causa danos não patrimoniais (…)”. Em consonância, acrescentam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 7 e 8] que, se relativamente ao pressuposto de existência do direito ameaçado basta ao requerente efectuar uma prova sumária, esta já não basta “no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção ; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”. Pelo que, o receio invocado deve ser “fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”. Donde, não bastam “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade (…)”, pelo que “as circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras, devem ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores” [Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Procedimento Cautelar Comum, Almedina, 1998, 88]. Desta forma, nas providências inominadas de tipo ou natureza antecipatória (como a ora em apreciação) exige-se “que dos factos alegados resulte, em termos claros e inequívocos, a lesão grave e dificilmente reparável dum direito, em consequência da postura injustificada e censurável da requerida”, devendo, ainda, o recurso às mesmas constituir “a única alternativa que resta ao requerente, no sentido de obstar aos poderosos prejuízos que lhe são, por esta via, provocados”. Nas palavras de Rui Pinto [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 556 a 558], “central na causa de pedir da providência cautelar não especificada é o conceito de «lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito»”.
Está em causa a urgência para obviar uma lesão grave e de difícil reparação
*
Do exposto resulta desde já que parte daquilo que requerente e recorrida pretendem e esgrimem no recurso não é razoável e não pode colher: a recorrente que eventualmente se defira já a providencia pedida - sem a contraparte ter sequer sido ouvida e podido oferecer prova -; a requerida que se aprecie a falta do fumus boni júris que a decisão recorrida não pôs em causa e que a recorrente, por isso, não desenvolveu, e a que, em todo o caso, não logrou, dado o indeferimento liminar, oferecer prova.
Restringir-nos-emos, pois, ao periculum in mora.
Duas áreas articuladas: danos não patrimoniais e perda de rendimentos.
Quanto aos primeiros, não podemos deixar de acompanhar a decisão recorrida, quando refere não "compreender o vexame que a requerente diz sentir quando grande parte dos seus colegas foram abrangidos por um despedimento coletivo recente e a requerente não o foi. Por outro lado, se a mesma estava na situação de incapacidade para o trabalho aquando da comunicação (art. 8º do seu requerimento de providência) não se entende como afirma depois que foi essa decisão que motivou a sua baixa (art. 33º do mesmo requerimento), e como é que surge o vexame e humilhação quando, ao que se percebe, nem chegou a desempenhar as novas funções de técnica comercial". Objetivamente, o que temos é uma mudança temporária de funções, que a requerente nem chegou a iniciar. Estava de baixa, logo também não se vislumbra a pretensa causalidade entre a mudança de funções e a doença; e nem por que motivo haveria de se sentir menosprezada ou ofendida por isso (a argumentação da retroversão por parte da empregadora afigura-se demasiado longínqua para motivar sequer a conduta, até por que carece de prova insuscetivel de efetuar num juízo como o da providencia cautelar).
O mais relevante é, pois, a perda patrimonial.
Mas será isso lesão grave e de difícil reparação?
É improvável que, para a requerida, companhia de grande dimensão na qual o Estado tem participação significativa, haja dificuldade de maior em ressarcir eventuais danos que a requerente possa sofrer e que devam ser reparados por aquela. Não são expectáveis tais dificuldades, e, atenta a natureza dos danos, é óbvio que a sua reparação, à partida, é sempre possível.
Nem é de presumir que a requerente tenha uma situação tão melindrosa que uma alteração como a alegada - sem com isto minimizar a expressão que tal possa ter, a comprovar-se - a coloque em tamanhas dificuldades que o ressarcimento póstumo não seja virtualmente possível.
Assim tem sido entendido a jurisprudência. Veja-se, p. ex., o acórdão da Relação do Porto de 29.4.2019, que entendeu que "a mera possibilidade de incumprimento de alegadas obrigações familiares, consubstanciada na simples privação de prestações complementares, que incluem instrumentos de trabalho, quando a requerente se encontrava de baixa médica e de licença de maternidade, não constitui lesão grave que justifique procedimento cautelar inominado", mais referindo que "não pode uma qualquer “lesão grave” consubstanciar-se na simples privação das alegadas prestações complementares, que incluem instrumentos de trabalho, quando a requerente se encontrava de baixa médica e de licença de maternidade".
Até porque há  que ter em conta:
- primeiro, que se trata de uma alteração obviamente temporária;
- segundo, como a requerente refere, a R., não estão em causa o vencimento base e o de senioridade, mas tão somente prestações complementares e despesas porventura acrescidas.
Desta sorte, e face às demais circunstancias, não se pode dizer que existe um perigo decorrente da própria demora da tramitação processual.
Acresce ainda que há que ter em conta, cremos,  a circunstância de, à partida, estarem em causa interesses do trabalhador protegidos genericamente na Constituição, mas também interesses do empregador na gestão, outrossim de valor constitucional, como resulta desde logo dos art.º 59 e 61 da CRP. O que significa que há de buscar-se o adequado equilíbrio entre ambos os interesses, em termos que maximizem as vantagens para as partes e a comunidade.
O que significa que não poderá, sem mais, obstar a qualquer alteração provisória de funções, como também o empregador não poderá impor alterações a esmo e sem critério.
Assim entendido, tendo em conta que nada impede o oportuno ressarcimento da trabalhadora, se disso for caso, cremos razoável a conclusão do despacho de que não se mostra articulado o periculum in mora. O contrário seria fazer prevalecer um dos aludidos interesses sobre o outro sem procurar o necessário equilíbrio (e e, boa medida com fundamento em alegadas circunstancias pessoais, como a situação familiar da requerente).
Desta sorte, acompanha-se o despacho recorrido.
O que acarreta a improcedência do recurso.
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III.
Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 23 de fevereiro de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
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[1] Neste sentido cfr. o ac. da Relação de Lisboa de 12-01-2010, processo 813/09.8TYLSB-B.L1-71: “são requisitos da respectiva procedência, a existência provável do direito, no caso de situações de violação iminente do direito, a exigência da ocorrência de uma lesão grave e de difícil reparação, e para as situações em que haja violação, o perigo da continuação, ou repetição”.
No mais recente acórdão desta Relação e secção, de 29.09.21, no proc 2935/21.8T8LRS.L1-4, considerou-se que "Para uma providência cautelar comum laboral ser decretada devem verificar-se cumulativamente os seguintes requisitos:
- A probabilidade séria de existência do direito invocado;
- O fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na sua pendência, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito ;
- A adequação da providência requerida à situação de lesão iminente;
- Não ser o prejuízo resultante do decretamento da providência superior ao dano que com a mesma se pretende evitar" (in www.dgsi.pt).
[2] A iminência de lesão (ou a sua reiteração) envolve a ideia de periculum in mora. Convergindo, o acórdão desta Relação de 17-06-2008, processo 1388/2008-7 refere que “As providências cautelares visam combater o periculum in mora, devendo o mesmo apresentar-se como evidente e real, impondo uma avaliação ponderada da realidade”.
[3] Sobre a noção de lesão grave e de difícil reparação, nomeadamente à luz de critérios subjectivos (a possibilidade concreta de o requerido suportar economicamente a reparação) ou objectivos (que se prende com o tipo de dano, a possibilidade de existir reconstituição natural ou mera compensação) cf. Rita Lynce Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar não Especificada, Univ. Cat. Edit., 2003, 59 e ss.
[4] E conclui: “II - Nestas circunstâncias a providência não poderia ser decretada, desnecessária se tornando a apreciação dos outros requisitos de que dependia o seu decretamento
[5] Rita Lynce de Faria, op. cit., 32.
[6] Neste sentido cf. Lebre de Freitas e out., Código de Processo Civil Anot., Coimbra Edit., vol. II, 6.
[7] Rita L. faria, op. cit., 55
Decisão Texto Integral: