Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23854/18.0T8LSB-A.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: CONTESTAÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Requerido pelo réu apoio judiciário, com pedido de nomeação de patrono, o prazo para a contestação interrompe-se, reiniciando-se com a notificação ao patrono nomeado da sua designação ou com a notificação ao requerente da decisão que indeferiu o pedido de nomeação.
II – Se o requerente de proteção jurídica, notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar, a proposta de decisão só se torna como decisão definitiva após o decurso do prazo que for concedido para o efeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MC… instaurou ação com processo comum contra VM… .
Por despacho proferido em 2019-10-04, foi considerada extemporânea a apresentação da contestação, porquanto ”considerando que a ré foi citada para a ação em 13.11.2018 (cf. fls. 16), solicitou pedido de apoio judiciário em 7.12.2018 (cf. fls. 18) e que foi considerada notificada do respetivo indeferimento (pelo menos )em 29.03.2019 (cf. fls. 60/63), quando apresentou a contestação nos autos (em 17.05.2019) há muito que tinha decorrido o prazo concedido a ré para o efeito e, portanto, mostra-se extinto o direito de praticar o ato e, consequentemente, não será atendida a contestação apresentada – cf. Artigos 24, nº 4, nº 5, alínea b) da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e artigo 139º, nº 3 do CPC. Notifique.”
Inconformada, veio a ré apelar do despacho que julgou extemporânea a apresentação da contestação, tendo extraído das alegações[1] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[2]:
1. Após a citação da presente ação, a Ré dirigiu ao Instituto da Segurança Social um requerimento solicitando apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação com o patrono;
2. Em virtude desse requerimento ter sido efetuado na pendência do prazo para
apresentar contestação, o prazo foi interrompido, como estabelece o artigo 24.º n.º 4 da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais;
3. Contrariamente ao que sucede com a suspensão do prazo, com a interrupção o
tempo decorrido até à causa interruptiva fica inutilizado, começando depois a correr novo prazo;
4. Decorre da alínea b) do n.º 4 do artigo 24º da mencionada Lei que o prazo interrompido se inicia aquando da notificação ao requerente da decisão de indeferimento;
5. Em 25.03.2019 a Ré rececionou ofício da segurança social no qual se indeferia
parcialmente o pedido de apoio judiciário efetuado e se apresentava uma proposta alternativa à Ré, mencionando que a Ré teria 10 (dez) dias úteis para comunicar por escrito se aceitava essa mesma proposta;
6. O mesmo ofício mencionava ainda que, caso a requerente nada dissesse nesse prazo de 10 (dez) dias úteis, a intenção de decisão de indeferimento convertia-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação;
7. Ou seja, apenas após o decurso daqueles dez dias úteis, poderia o prazo interrompido (re)começar a correr;
8. Porquanto, somente nesse momento se considerou como indeferida a pretensão da Ré;
9. Ora, contabilizando os dez dias úteis desde a data de receção daquela comunicação – 25.03.2019 -, conclui-se que o último dia para a Ré praticar o ato de aceitação ou, nada dizendo, a intenção de indeferimento se converter em decisão de indeferimento, foi o dia 08.04.2019;
10. Iniciando o prazo para deduzir Contestação no dia 09.04.2019;
11. Considerando que o prazo se suspendeu entre os dias 14.04.2019 e 22.04.2019, por força das férias judiciais da páscoa,
12. O último dia do prazo para a Ré apresentar contestação foi precisamente no dia
17.05.2019, data em que a Contestação foi junta aos autos via plataforma CITIUS.
13. Razão pela qual, a Contestação deduzida pela Ré não é extemporânea;
14. Devendo, por todos os motivos explanados, a mencionada decisão de que ora
se recorre ser alterada e substituída por outra que admita a contestação apresentada e ordene o prosseguimento dos autos.
Nestes termos e nos melhores de Direito cujo douto Suprimento de V. Exas.,
Venerandos Juízes Desembargadores, se invoca, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a Contestação deduzida pela Ré/Recorrente ser aceite pelo Tribunal a quo como tempestiva, e devendo o mesmo ordenar o prosseguimento dos autos.
A autora não contra-alegou.
Colhidos os vistos[3], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[4],[5]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por VM…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.)  Saber se foi tempestiva a apresentação da contestação.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
1.) A ré foi citada para a ação em 13.11.2018 (cf. fls. 16).
2.) A ré solicitou pedido de apoio judiciário (dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com processo, bem como nomeação e pagamento da compensação com o patrono) em 7.12.2018, juntando aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário (cf. fls. 18).
3.) No dia 25.03.2019, a ré rececionou o ofício do Instituto da Segurança Social no qual lhe foi comunicado o indeferimento do seu requerimento, mas propondo uma outra modalidade de apoio judiciário: “(…) caso concorde com a modalidade proposta, [deverá] pronunciar-se por escrito no prazo de 10 DIAS ÚTEIS a partir da data da receção da presente notificação, declarando expressamente que aceita a modalidade de pagamento faseado nos termos propostos (…). Na falta de resposta da parte de V. Exa, nos termos do nº 2 do art. 23º da Lei da Proteção Jurídica o requerimento será indeferido, não havendo lugar a nova notificação (…)”.
4.) A ré apresentou a contestação em 17.05.2019.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[6].          
1.)  SABER SE FOI TEMPESTIVA A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO.
A ré solicitou pedido de apoio judiciário em 7.12.2018, juntando aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário – facto provado nº 2.
Assim, na pendência do prazo para contestar, a ré solicitou pedido de apoio judiciário com dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com processo, bem como nomeação e pagamento da compensação com o patrono.
Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo - art. 24º, nº 4, da Lei de Acesso ao direito e aos Tribunais, aprovada pela Lei 34/2004, de 29 de julho.
Tendo a ré comunicado e junto ao processo o comprovativo do pedido de apoio judiciário, o prazo que estava a correr para contestar foi interrompido.
Requerido pelo réu apoio judiciário, com pedido de nomeação de patrono, o prazo para a contestação (tal como qualquer outro que esteja em curso) interrompe-se, reiniciando-se com a notificação ao patrono nomeado da sua designação ou com a notificação ao requerente da decisão que indeferiu o pedido de nomeação (arts. 24-4 e 25-5 da Lei 34/2004, de 29 de julho)[7].
O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono - art. 24º, nº 5, als. a) e b), da Lei 34/2004, de 29 de julho.
Ora, ”a ré, no dia 25.03.2019, rececionou o ofício do Instituto da Segurança Social no qual lhe foi comunicado o indeferimento do seu requerimento, mas propondo uma outra modalidade de apoio judiciário: “(…) caso concorde com a modalidade proposta, [deverá] pronunciar-se por escrito no prazo de 10 DIAS ÚTEIS a partir da data da receção da presente notificação, declarando expressamente que aceita a modalidade de pagamento faseado nos termos propostos (…). Na falta de resposta da parte de V. Exa, nos termos do nº 2 do art. 23º da Lei da Proteção Jurídica o requerimento será indeferido, não havendo lugar a nova notificação (…)” – facto provado nº 3.
Assim, nos termos de tal comunicação, foi-lhe concedido um prazo de 10 dias uteis, a contar da data da receção da mesma, para se pronunciar, querendo, sob a modalidade de pagamento proposta.
Só caso a ré não se pronunciasse no prazo de 10 dias sobre a modalidade proposta, é que o pedido requerido seria indeferido pelo Instituto da Segurança Social.
Se o requerente de proteção jurídica, devidamente notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação – art. 23º, nº 2, da Lei 34/2004, de 29 de julho.
Temos, pois, face a tal normativo legal (bem como ao teor do oficio do Instituto da Segurança Social), que notificado para efeitos de audiência prévia, a decisão se tornava definitiva apenas no final do prazo concedido, no caso, de 10 (dez) dias úteis.
Assim, só se pode considerar a proposta de decisão como decisão definitiva, após o decurso do prazo que for concedido, no caso, no prazo de 10 (dez) dias úteis.
Nos termos do art. 279º, al. b), do CC, na contagem de qualquer prazo , não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr[8].
Ora, tendo a apelante rececionado tal notificação em 25-03-2019, a decisão de indeferimento ocorreu em 09-04-2019 (no dia 08-04-2019, ainda podia ser praticado o ato), pelo que, só a partir desta data é que começou a contar o prazo para contestar a ação.
O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes – art. 138º, nº 1, do CPCivil.
O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar; no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão – art. 569º, nº 1, do CPCivil.
A ré apresentou a contestação nos autos em 17.05.2019 – facto provado nº 4.
Iniciando-se o prazo para contestar em 09-04-2019, e contando-se os trinta dias de prazo para apresentação de contestação, considerando a suspensão do prazo entre 14-04-2019 (inclusive) e 22-04-2019 (inclusive), em virtude das férias judiciais da páscoa, o último dia do prazo seria em 17-05-2019.
Tendo a contestação sido apresentada em 17-05-2019, último dia do prazo de 30 dias para contestar, a mesma é tempestiva, pelo que, deverá ser admitida nos autos.
Destarte, procedendo o recurso de apelação, há que revogar o despacho proferido pelo tribunal a quo, e que não admitiu a apresentação da contestação por esta ser extemporânea.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro em que se admite a contestação apresentada pela apelante.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pela apelada (na vertente de custas de parte, por outras não haver[9]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida (no recurso de apelação, tenha ou não acompanhado o recurso, é o recorrido vencido responsável pelo pagamento das custas)[10],[11].
                     
Lisboa, 2020-06-18[12],[13]
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
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[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[3] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[4] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[5] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[6] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[7] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª ed., p. 553, e ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 661.
[8] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Prazos Processuais, p. 80.
[9] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[10] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[11] O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[12] Acórdão assinado digitalmente.
[13] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.