Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5/12.9T3MFR.L1-5
Relator: FILIPA MACEDO
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: Se no recurso interposto, o recorrente, que fora condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, apenas pretende ver substituída a sua condenação pela prática de treze crimes de falsificação de documentos, pela condenação por um crime continuado de falsificação de documentos, pp nos Art°s 30°, n° 2 e 256°, ambos do Código Penal, sem formular qualquer outro pedido, nomeadamente o de alteração da pena, terá de concluir-se que o recorrente não tem legitimidade para interpôr recurso por falta de interesse em agir.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:     Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


    I–RELATÓRIO:


1.–No processo supra referido da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Inst. Central – 1.ª Sec. Criminal – Juiz 2, foi proferido Acórdão, a fls 524 a 544, em 14/12/2015, que decidiu:

-condenar o arguido J.pela prática de 13 (treze) crimes de falsificação de documentos, p.p. e p.p. pelos artigos 256°, n°l, al.ªs a), d) e e) e n° 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses por cada um dos crimes.
-Em cúmulo jurídico condenar o arguido J.na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
-Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido J. por igual período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeito a regime de prova a fixar pela DGRSP, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.° 5 e 53°, n.° 3, do Código Penal.

É do seguinte teor, tal Acórdão: 
( … )
Relatório:
O Digno Magistrado do Ministério Público acusou, para julgamento em Processo Comum, com intervenção de Tribunal Colectivo,

J., …
Porquanto, cometendo os factos descritos na acusação, incorreu na prática em autoria material e na forma consumada de 13 (treze) crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 256°, n°l, al. a), d) e e) e n° 4 do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da(s) respectiva(s) acta(s).

No decurso da audiência de discussão e julgamento, foi comunicada uma alteração não substancial de factos, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 358.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, a qual foi aceite pelo arguido que prescindiu do prazo de defesa.

Não ocorrem quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer, mantendo-se a validade da instância.

Fundamentação:

Os factos:
Da produção de prova e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos, com relevo para o conhecimento da causa:
1.O arguido J. é docente de matemática, leccionado, desde 2004, no Agrupamento de Escolas da E. .
2.No período compreendido entre 26 de Outubro de 2009 e 14 de Maio de 2014 o arguido faltou ao trabalho, por 13 vezes, justificando tais faltas com declarações de presença em unidades de saúde, sem nunca ter estado nesses locais ou ter sido submetido a consultas ou aos exames aí descritos.
3.Pelo arguido por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, foram elaboradas tais justificações de falta no seu computador através de digitalizações de declarações originais, que foram modificadas, alterando-se a data, horário e motivo e elaborando novos documentos, colocando data, horário e motivo justificativo da ausência e, posteriormente, procederam à sua impressão, colocaram carimbo, rubricaram e as mesmas foram entregues na Escola juntamente com comunicações de ausência, que adquiria no estabelecimento de ensino, estas todas manuscritas e assinadas pelo arguido.
4.O arguido por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, procedeu à entrega de 13 justificações de falta, todas elaborados nos termos acima descritos, no Agrupamento de Escolas da E. com o objectivo de que as faltas ao trabalho fossem consideradas justificadas. Assim, nestes termos:
5.No dia 26 de Outubro de 2009 o arguido J., por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, entregou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 26 de Outubro de 2009, acompanhada de declaração justificativa da falta emitida pelos Hospitais Civis de Lisboa, Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha comparecido em serviço de radiologia, nesse mesmo dia, e observado por médico das 09hàs 15h.
6.No dia 9 de Novembro de 2009 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, entregou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 9 de Novembro de 2011, acompanhada de declaração justificativa da falta emitida pelos Hospitais Civis de Lisboa, Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha comparecido em serviço de radiologia, consulta de urgência, nesse mesmo dia, e observado por médico das 08h às 16h.
7.No dia 7 de Janeiro de 2010 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 6 de Janeiro de 2010, acompanhada de declaração justificativa da falta emitida pelos Hospitais Civis de Lisboa, Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha comparecido em serviço de radiologia, consulta de urgência, nesse mesmo dia, e observado por médico, tendo comparecido às 09h e saído às 16h20m.
8.No dia 14 de Janeiro de 2010 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 13 de Janeiro de 2010 acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida pelo Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha entrado no serviço de Gastrenterologia desse hospital, no dia 12/01/2010, pelas 23:27 horas, e saído no dia 13/01/2010 pelas 14:12 horas.
9.No dia 20 de Setembro de 2010 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida por C., Clínica sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, nesse dia, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 10h30 às 15h45 de dia 20-09-2010.
10.No dia 22 de Setembro de 2010 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida pelo Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido entrou no serviço de urgência desse hospital, no dia 22-09-2010, pelas 10:05 horas e saído pelas 15:36.
11.No dia 25 de Novembro de 2010 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 26-11-2010 e no dia seguinte juntou declaração justificativa da falta, emitida por C., Clínica sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, no dia 26-11-2010, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 09h40 às 14h50 de dia 26/11/2010.          
12.No dia 28 de Março de 2011 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida por C., Clínica sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, nesse dia, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 10:00 às 15:30 desse dia.
13.No dia 13 de Maio de 2011 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida por C., Clínica sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, nesse dia, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 09hl0 às 14h25 de dia 13-05-2011.
14.No dia 16 de Novembro de 2011 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida pelo Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha entrado no serviço de Gastrenterologia desse hospital, no dia 16/11/2011, pelas 10:16 horas, e saído no dia 16/12/2010 pelas 15h27.
15.No dia 25 de Novembro de 2011 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente ao dia 28/11/2011 e posteriormente declaração justificativa da falta, emitida por C., Clínica sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, no dia 28/11/2011, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 09h30 às 15h20 desse dia.
16.No dia 9 de Maio de 2012 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida por C., Clinica , sediada na Amadora, na qual se atestava que o arguido tinha comparecido, nesse dia, para consulta e exames complementares de diagnóstico das 08:30 às 15:30.
17.No dia 14 de Maio de 2012 o arguido, por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, apresentou na escola comunicação de ausência, referente a esse dia, acompanhada de declaração justificativa da falta, emitida pelo Hospital de São José, no qual se atestava que o arguido tinha entrado no serviço de Gastrenterologia desse hospital, no dia 14/05/2012, pelas 07:12 horas, e saído pelas 15h20.
18.Nas datas supra referidas o arguido não esteve presente no Hospital de São José, nem na C., Clinica.
19.Não obstante, o arguido por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, fabricou as justificações de falta identificadas a 5) a 7), no seu computador, e as mesmas foram entregues na Escola, com o objectivo de justificar as faltas d arguido nas datas supra referidas e pelos motivos constantes das justificações.
20.Todas as faltas supra referidas foram consideradas justificadas pelo Agrupamento de Escolas da E..
21.O arguido J., por si, ou através de terceiro com o seu conhecimento, ao fabricar os documentos referidos de 5) a 17) agiu com o propósito concretizado de elaborar imitação do papel do Hospital de São José e da Clínica C., bem sabendo que o fazia sem competência para tal e que toda a sua actuação era idónea a prejudicar, e prejudicava, a fé pública inerente aos documentos oficiais emitidos por tais unidades de Saúde.
22.Agiu da forma descrita, com o propósito concretizado de elaborar e usar documento apto a enganar e a prejudicar os destinatários perante os quais tivessem que ser apresentados, mormente o Agrupamento de Escolas da E. e, consequentemente, o Estado Português, fazendo crer que faltava ao trabalho por motivos médicos com o objectivo que as faltas fossem consideradas justificadas.
23.Com a conduta descrita, o arguido colocou em crise a credibilidade, confiança e fé pública merecidas por tal tipo de documentos e conseguiu produzir efeitos jurídicos relevantes, justificando as suas faltas ao trabalho.
24.O arguido agiu sempre na qualidade de professor, actuando da forma descrita para justificar faltas no âmbito do exercício das suas funções de docência.
25.O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal

Mais se provou que:
26.O arguido nunca se deslocou ao Hospital de São José quer para consultas, quer para exames.
27.O arguido viveu com uma companheira de nome I. entre 2008 a Janeiro de 2012, vivendo desde tal data sozinho.
28.O arguido reside em frente à escola onde lecciona a disciplina de matemática, em casa própria, da qual paga a título de prestação ao banco pelo empréstimo para a sua compra, a quantia mensal de € 400,00.
29.O arguido encontra-se ausente do serviço por baixa médica desde a data de 08.10.2015, por dificuldades de locomoção devido a um problema de hérnias discais.
30.O arguido aufere mensalmente a quantia de € 1.200,00.
31.Todos os objectos apreendidos nos autos são do arguido.
32.Não constam averbadas quaisquer condenações criminais no certificado de registo criminal do arguido.
*
Factos não provados:

Da contestação:
1.Que o arguido desconheça os documentos referidos nos factos provados.
2.Que o arguido entre 2008 a 2015 tem sofrido depressão, que lhe provoca mau estar emocional, psicológico e físico.
3.Que durante o tempo de doença do arguido a companheira do mesmo foi responsável pela gestão da sua vida, no acompanhamento de todos os actos ligados à vida do arguido, como assuntos financeiros e de saúde, marcação de consultas, exames e demais actos, recebimento de atestados médicos, receitas e demais documentos.
4.Que a situação e depressão do arguido era tal que a sua companheira assegurava as suas necessidades, nomeadamente o transporte do arguido aos hospitais e às clínicas e passou a ser a utilizadora do seu carro e cartões, não tendo o arguido noção de tal.
5.Que o arguido sós e sentia bem junto dos alunos, apesar de por vezes se sentir mal.
6.Que foi a companheira do arguido e/ou outras pessoas sem o conhecimento do arguido quem praticou todos os factos considerados provados.
7.Que o arguido devido aos medicamentos que tomava se encontrava por vezes drogado.
8.Que o arguido nunca viu quaisquer dos documentos que se encontram no seu computador, com excepção de testes de matemática, trabalhos e fotos.
9.Que a companheiro do arguido desapareceu após ter tido conhecimento das buscas efectuadas na residência do arguido, no âmbito destes autos.
10.Quer o arguido foi vitima de burla pela sua companheira.
 
Consigna-se que não se fizeram constar dos factos provados e não provados os factos que, pesem embora constem da contestação se mostram sem relevo para o conhecimento e decisão da causa, por instrumentais ou meramente impugnatórios da versão constante da acusação e provada ou, por meramente conclusivos ou ainda por extravasarem o conteúdo da acusação e se mostrarem irrelevantes na decisão a proferir, em qualquer da suas vertentes.

Motivação:
(…)

Enquadramento Jurídico-legal:

Importa agora averiguar do enquadramento jurídico-penal decorrente das condutas do arguido que resultaram provadas. Dos crimes de falsificação de documento:
Mostra-se imputada ao arguido a prática de treze crimes de falsificação de documento na forma agravada, p. e p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alíneas a), d) e e) e n.° 4 do Código Penal. Na data dos factos, prescrevia o artigo 256.°, n.° 1 do Código Penal, que «Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; d) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) usar documento a que se referem as alíneas anteriores; (...) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 4. - Se os factos referidos nos n.°s 1 a 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos».
 
Quanto ao conceito de documento dispõe o artigo 255.°, alínea a) do Código Penal, para o que in casu importa que, «Para efeitos do disposto no presente capítulo considera-se: a) documento: a declaração corporizada em escrito (...), intelegívelpara a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente (...)

Daqui resulta que, documento para efeitos de direito penal, não é o material que corporiza a declaração, mas a própria declaração, enquanto representação de um pensamento humano.

Tal como esclarece Maia Gonçalves (in Código Penal Português, Anotado e Comentado, Almedina, 2004, p. 813), não foi possível ao legislado penal aproveitar o conceito de documento fixado no artigo 362.° do Código Civil, não apenas por, ao tempo em que foi elaborado e discutido o Código Penal, não se encontrar ainda em vigor o Código Civil, mas igualmente porque, ali é definido tal conceito de forma demasiado vaga para permitir preencher o princípio da tipicidade a que o Direito Penal se encontra sujeito, sendo unânime na doutrina e na jurisprudência a opinião de que, o conceito de documento tal como se encontra definido no Código Civil é demasiado amplo para poder servir as finalidades do direito penal.

Assim, a noção de documento apresentada pelo legislador penal pretende delimitar o campo da ilicitude, pelo que, com base em tal conceito, não integra o tipo de falsificação qualquer declaração corporizada em documento, mas apenas, a declaração que seja idónea a provar um facto juridicamente relevante.

Em consonância, se define documento como toda a declaração de um pensamento humano que esteja materializada num objecto e que possa constituir meio de prova, o que se coaduna com o específico bem jurídico que se quis proteger com o crime de falsificação de documento: a fé púbica, traduzida na segurança e credibilidade no tráfego jurídico-probatório.

Acresce que, nos termos do n.° 4 do normativo referido, a pena é gravada se o agente que pratica o crime de falsificação de documento for um funcionário público no exercício das suas funções, integrando a qualidade de funcionário todo o agente que se enquadra na previsão do artigo 386.° do Código Penal. Ora, no que a esta parte respeita, em face dos factos provados aos pontos 1 e 23, e o disposto no artigo 386.°, n.° 1, alínea e d) do Código penal, não restam dúvidas que o arguido actuou na sua qualidade de funcionário e praticou os factos no exercício das suas funções.

Assim, tendo em conta os factos que resultaram provados, facilmente se conclui que o arguido ao agir do modo descrito nos factos provados previu e quis, no seu próprio interesse, por si ou por terceiro com o seu conhecimento, forjar justificações de presenças em médicos/hospitais ou clínicas e apresentá-las na escola onde lecciona e onde faltou nas datas/horas constantes naquelas justificações, o que fez, com o intuito concretizado de lhe ser justificada cada uma das faltas, dali retirando o necessário benefício de não lhe ser descontado qualquer montante pecuniário no seu rendimento mensal e não ter quaisquer outras consequências na sua carreira profissional, tendo-lhe sido justificadas todas as faltas dadas nas datas constantes dos factos provados, o que quis e conseguiu.

Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido não agiu no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar as suas condutas, ou ao abrigo de qualquer causa de justificação, terá o mesmo de ser condenado pela prática de treze crimes de falsificação de documento agravados, uma vez que praticou os factos enquanto funcionário público -professor no ensino oficial público - e no âmbito das suas funções e por causa delas.

Escolha e determinação da medida concreta das penas:

Enquadradas as condutas do arguido da forma supra descrita, cumpre proceder à determinação das penas a aplicar em concreto, pela prática de cada um dos crimes que resultaram provados.
A cada um dos crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256.°,n.°s 1, alínea a), d) e e) e n.° 4 do Código Penal corresponde em abstracto uma pena de 1 a 5 anos de prisão.
Delimitada que está pela própria lei a modalidade de cada uma das penas a aplicar ao arguido, importa aferir da medida concreta das mesmas que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa, devendo fazer-se intervir nesta sede a ponderação dos fins de prevenção geral e especial a que se submetem as penas e as medidas de segurança, nos termos do disposto no artigo 40.°, n°s 1 e 2 do Código Penal.
Pois que, a lei «através do requisito que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela iminente dignidade da pessoa do agente - limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção» (Figueiredo Dias, In Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Notícias Editorial, p. 281).
Na ponderação da pena concretamente aplicável cumpre atender também aos critérios estabelecidos no artigo 71.° do Código Penal, sendo que a pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção especial de socialização e geral de integração que ao caso se imponham, tendo-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Pode apelar-se nesta parte ao que se escreveu no Acórdão do STJ de 2 de Março de 1994 que, "Na prevenção geral visa-se proteger as expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma infringida e reforçar a consciência jurídica da comunidade. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral devem actuar os pontos de vista de prevenção especial ou de socialização, decisivos para a determinação da medida da pena: esta deve, dentro do possível, servir a reintegração do agente na comunidade " (In BMJ, 435°, p. 499).
Assim, na pena a aplicar, há que ponderar as exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar da punição, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Ainda há que atender, às exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena e ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos Io e 18° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa).
Por último, cumpre considerar as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena.
As finalidades de prevenção e de reprovação dos crimes em apreço são muito elevadas e é igualmente elevado o número de crimes desta natureza que vêm sendo praticados e é por demais conhecida a sua danosidade social, quer face aos bens jurídicos protegidos quer, em face do alarme social que os mesmos acarretam, pois que os alunos ficam não raras vezes sem possibilidade de compensação das aulas e não podem ou não conseguem aproveitar os momentos sem aulas, não beneficiando do conhecimento e da aprendizagem que as aulas lhes dariam. Tal associado a alguma consciência social de impunidade, que tem de ser alterada, face aos reflexos negativos que tal ilícito espelha na comunidade e na imagem da mesma.

Quanto às exigências de prevenção especial importa considerar:

-O grau de ilicitude de cada uma das condutas do arguido que é elevado, em face dos motivos que levaram à prática dos factos e ao modo como os mesmos foram perpetrados, sendo que o arguido faltou às aulas, causando um necessário e inestimável prejuízo aos alunos que em cada um dos tempos lectivos livres não viram as aulas a que tinham direito dadas e, sem qualquer reflexo quer económico, quer em termos disciplinares e/ou de antiguidade na situação profissional do arguido.
-A intensidade do dolo que foi directo em todos e cada um dos crimes (cf. al. b) do n°2doart°71 do CP).
-A falta de demonstração de arrependimento e a falta de consciência da ilicitude reveladas pelo do arguido, em face da postura que assumiu no decurso da audiência de julgamento, não assumindo a prática ou o conhecimento dos factos, mas aceitando que não esteve em nenhum dos hospitais ou consultórios nas datas das justificações de falta e ainda que foi quem, pelo mesmo em duas situações junto da escola, declarou por escrito que se deslocou a tais instituições e fez a entrega ou teve conhecimento das entregas na escola.
-Por outro lado e, em contraponto, a situação familiar, económica e profissional do arguido, nos termos constantes dos factos provados, a sua idade - 55 anos de idade - e ainda a circunstância do arguido não ter averbados quaisquer antecedentes criminais e a circunstância de já terem decorrido mais de 3 anos sobre a data dos últimos factos.
Assim sendo, atenta a moldura penal aplicável ponderando, então, todo o circunstancialismo descrito, sopesando as atenuantes e, globalmente, a culpa do arguido, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regras de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes), como justa, adequada e necessária a condenação do arguido:
- pela prática de cada um dos crimes de falsificação de documento agravado na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Nos termos do artigo 77°, n.° 1 do Código Penal, os crimes em que o arguido foi condenado encontram-se em relação de concurso, pelo que importa proceder à realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas.
O agente será, então, condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação das penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, isto é, in casu, 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
É de atender, ao facto de, por um lado, os crimes praticados serem graves nos termos acima expressos e ao período temporal em que os mesmos foram praticados, à idade do arguido - 55 anos -, à inexistência de antecedentes criminais, e ainda à personalidade do arguido evidenciada em sede de audiência de julgamento.
Tudo ponderado, afigura-se a este Tribunal colectivo ajustado, por adequado e suficiente, a condenação do arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Por último, importa ponderar a aplicação do regime constante do artigo 50.° do Código Penal, que permite ao tribunal a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tal preceito vem reforçar o reconhecimento da lei penal pelo carácter nocivo da execução das penas de prisão de curta duração e a preferência pelas sanções criminais não privativas da liberdade.
A suspensão da execução da pena de prisão tem pois, um conteúdo reeducativo e pedagógico, devendo o tribunal sempre que se verificarem os pressupostos formais estipulados na disposição supra citada, decretá-la, se a mesma se mostrar adequada para afastar o delinquente da criminalidade. (Neste sentido o Acórdão do STJ de 30 de Setembro de 1999, Proc. n.° 578/99, disponível na Internet).
No caso concreto, verifica-se que o arguido tem agora 55 anos de idade, sendo certo que não tem quaisquer averbações criminais e encontra-se social e familiarmente inserido, pelo que se afigura a este Tribunal Colectivo que a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que é de decretar a suspensão da pena de prisão aplicada em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, por igual período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova a fixar pela DGRS, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.° 5 e 53.°, n.° 3, do Código Penal.

Destino dos objectos:

Nos termos do art. 109°, n.° 1 do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Assim e, em face da natureza e volatilidade na utilização do computador, da impressora multifunções e da "pen" apreendidos a fls. 48 dos autos, determina-se o levantamento da sua apreensão e a sua entrega ao seu proprietário - o arguido -, notificando-se o mesmo para o efeito.
Quanto aos documentos apreendidos, determina-se a sua manutenção nos autos por terem sido usados como meio de prova.

Custas Processuais
( …. )

Decisão:
Nestes termos e, em face do exposto, julga este Tribunal Colectivo a acusação procedente, por provada e, em face da alteração não substancial de factos, devidamente comunicada e aceite, em consequência, decide:
A.Condenar o arguido J. pela prática de 13 (treze) crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelos artigos 256°, n°l, al. a), d) e e) e n° 4 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses por cada um dos crimes.
B.Em cúmulo jurídico condenar o arguido J.na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
C.Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido J.por igual período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova a fixar pela DGRSP, nos termos do disposto nos artigos 50.°, n.° 5 e 53°, n.° 3, do Código Penal.
( … )
E.Determina-se o levantamento da apreensão e a entrega ao arguido do computador, da impressora multifunções e da "pen", apreendidos nos autos a fls. 48.
( … )

2.-Deste Acórdão, recorreu o arguido – J., tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes “conclusões”:
 
( … )
1.-O Douto Acórdão recorrido, condenou o Arguido pela prática de 13 (treze) crimes de falsificação de documentos, numa pena de 19 anos e meio de prisão, tendo através de cúmulo jurídico sendo tal pena reduzida para 4 anos e meio, suspensa por igual período e sujeita a regime de prova, após transido em julgado.
2.-Pela factualidade dada como provado, verifica-se que o Arguido praticou os referidos actos criminosos, sendo que todos são do mesmo tipo, ofendendo o mesmo bem jurídico (realização plúrima do mesmo tipo de crime).
3.-Verificou-se homogeneidade na execução de todos os actos.
4.-Verificou-se a lesão do mesmo bem jurídico bem como unidade no dolo.
5.-Existiu uma situação exterior que facilitou a execução e que diminui sensivelmente a culpa do Arguido, situação essa, que se baseou na falta de fiscalização por parte das entidades competentes.
6.-Pode assim o Arguido praticar os 13 actos, num relativo curto espaço de tempo.
7.-O Arguido, tendo em conta estes requisitos, deverá ser condenado pela prática de um crime continuado de falsificação de documentos, pp nos Art°s 30°, n° 2 e 256°, ambos do Código Penal,
8.-com a execução da pensa, suspensa, tal como decretado, no Acórdão recorrido.

Assim, e sempre com o Douto suprimento de V.Exas, alterando - se o Acórdão recorrido como aqui se requer, farão a desejada JUSTIÇA, aliás, com o é de DIREITO.
( …)

3.-O Magistrado do M.ºP.º da 1ª instância respondeu, que o recurso deve ser julgado improcedente e mantida a Decisão recorrida.

4.-Neste Tribunal, a Digna P.G.A. aderiu à posição da sua Colega da 1.ª Instância.

5.-Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
 
6.-O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas “conclusões”, é o seguinte:

-o recorrente apenas impugna a matéria de direito e pretende, que este TRL proceda a diferente qualificação jurídica dos factos e opte pela figura do “crime continuado”, cujos pressupostos entende estarem verificados.

II–CUMPRE APRECIAR:

Dispõe o art.º 412º nº1 do CPP, que a motivação enuncia, especificadamente, os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Como é sabido, é pelas “conclusões”, que o recorrente extrai das suas motivações, que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - cfr, neste sentido:
-o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ n° 484, pág 271);
-o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ n° 478, pág 242);
-o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ n° 477, pág 263).

E ainda:
-Simas Santos/Leal Henriques (in "Recursos em Processo Penal", p. 48);
-Germano Marques da Silva (in "Curso de Processo Penal", vol. III, 2a ed., 2000, p. 335);
-José Narciso da Cunha Rodrigues (in "Recursos", "Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal", 1988, p. 387);
-e Alberto dos Reis (in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, pp. 362-363).

«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões (da respectiva motivação), que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (Germano Marques da Silva, ibidem).
***

Vem o presente recurso interposto do Acórdão, que condenou o ora recorrente, pela prática, como autor material e em concurso real, de 13 crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1 als. a), d) e e) e nº 4 do Código Penal, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova.
***

Verifica-se, que as motivações do recurso interposto pelo arguido, apenas impugnam a matéria de direito e extrai-se, que o respectivo objecto contende, unicamente, com a discordância, quanto à forma como o Tribunal “a quo” procedeu à qualificação jurídica dos factos, optando pela figura do concurso real de crimes em vez da figura do “crime continuado”, cujos pressupostos o ora recorrente, entende estarem verificados.

Pretende não ser condenado pela prática, em concurso real, de 13 crimes de falsificação de documento, na forma agravada, mas antes pela prática de um só crime subsumível a tal tipo legal de ilícito, nos termos do disposto no art.º 30º, nº 2 do Código Penal.

Põe, consequentemente, em causa, apenas a qualificação jurídica, sem prejuízo da suspensão da sua execução, por igual período de tempo, mediante sujeição a regime de prova.
***

Ora, vejamos.

Entende-se, que se recorre de decisões, com as quais não se concorda e não com os fundamentos de tais decisões.

Ou seja, objecto de recurso é a decisão, não os seus fundamentos.

O recorrente não pode aceitar a decisão, mas querer discutir os seus fundamentos e por essa via de certo modo, querer alterar a decisão.

Não se pode pretender alterar o que se aceitou, pelo que o recorrente carece de interesse em agir para interpor o presente recurso.

Neste sentido, se expressou o Ac. da R.P de 14/4/99 CJ XXIV, 2, 221:
“O MºPº … não tem interesse em agir se, na motivação do recurso … declara que concorda com a absolvição deste, discordando apenas da fundamentação da sentença”, pois que objecto do recurso é a decisão (e não os seus fundamentos) única sobre a qual se forma o caso julgado (cf. A. Varela, et alli, Manual de Proc Civil, 2ª ed. Coimbra ed.1985 pág.714)

E na verdade o interesse em agir, é avaliado “a posteriori” e em concreto (e não em abstracto) e de modo objectivo, e traduz-se na utilidade e imprescindibilidade daquele meio de impugnação para fazer valer um seu (do recorrente) direito ameaçado ou violado.


É que dispõe o artº 401º CPP:
“não pode recorrer quem não tiver interesse em agir” - nº2.

Assim para que possa recorrer é necessário ter
legitimidade (artº 401.º n.º 1 al.ª a) do CPP) e interesse em agir, sendo por isso dois conceitos distintos.

O interesse em agir não se encontra definido no CPP e é um conceito civilístico do Código de Processo Civil, local onde se tem de ir encontrar o seu conteúdo, que de um modo geral, é preenchido nos seguintes termos pela Jurisprudência e pela Doutrina:

-
Ac. STJ 9/4/97, proc. nº 046277:
O "interesse em agir", também conhecido por "interesse processual" ou necessidade de tutela jurídica", é o interesse em recorrer ao processo. A legitimidade, pensando agora no processo civil, é "uma posição do autor ou do réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse objectivo do processo" (Castro Mendes), (…) O interesse em agir ou interesse processual, traduz-se na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial, de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a acção. Assim, situando-nos no processo civil, o autor tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessite da intervenção do tribunal. O autor pode ser o titular da relação material litigada e ser consequentemente a pessoa que, em princípio, tem interesse na apreciação judicial dessa relação e não ter, todavia, em face das circunstâncias concretas que rodeiam a situação, necessidade de recorrer à acção. “

Ou o Ac. STJ 9/1/02, proc. nº 01P2751:
“2-Consiste o interesse em agir na necessidade de apelo aos Tribunais para acautelamento de um direito ameaçado e necessitado de tutela, radicando, assim, na utilidade e imprescindibilidade de recurso aos meios judiciários para assegurar tal direito quando em perigo, pelo que se trata de uma posição objectiva perante o processo, a ser ajuizada "à posterior", que há que apreciar caso a caso (Ac. S.T.J. de 1.7.98 - proc. 517/98), sendo que "a legitimidade do assistente para recorrer tem de ser analisada caso a caso, para se apreender o interesse que o move e se esse lhe confere interesse em agir" (Ac. S.T.J. de 1.4.98 - proc. 149/98), ou é necessário verificar se tem "necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito" (Ac. STJ 7.12.99 - proc. 1081/99-3ª);

Ou ainda o Ac. STJ 17/2/05, proc. nº 05P058:
«(2) O interesse processual ou interesse em agir é definido, em termos de processo civil, como a necessidade do processo para o demandante em virtude de o seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não já no objecto do processo (legitimidade) mas no próprio processo. (3) Em termos de recurso em processo penal tem interesse em agir quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito» (Ac. do STJ de 7.12.99, proc. n.º 1081/99, Acs STJ VII, 3, 229).

«O interesse em agir é a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo», neste sentido, o Ac.º do Des.-Rel. José Carreto, no P.º n.º 726/13.9.SMPRT do T.R.P., de 8/10/2014, in www.dgsi.pt.


Na verdade, «Enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (também conhecido por interesse processual) consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. O recorrente tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos tribunais» - in Ac. do STJ de-16-05-2002,-proc.-n.º1672/02-5.

Ou então, Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 2.º volume, 2000, 682) dizem-nos que: “…necessário se torna também possuir interesse em agir, (...) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; … a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de que o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomadas quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela jurisdicional» (idem o Ac. do STJ de 03-10-2002, proc. n.º 1532/02-5)“


Também, Gonçalves da Costa, in “Jornadas de Direito Processual Penal”, pág. 412:
“ Tem interesse em agir para efeitos de recurso (designadamente em processo penal, …) quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender um seu direito.”

E tendo ainda presente, que como se refere no Ac. STJ 1/3/06, proc. nº 06P113:
“Não é todavia fácil a caracterização do sentido a dar à expressão «interesse em agir» referida no n.º 2 do artigo 402.º do Código de Processo Penal.

O «interesse em agir» é um conceito oriundo do processo civil.


O Prof. Manuel Andrade, que preferia o uso da expressão «
interesse processual», considerava que, por parte do demandante, esse interesse consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. «Trata-se (…) de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece.» - “Noções Elementares de Processo Civil, pg. 79”.

O Prof. Antunes Varela expende, que a legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida, se distingue do interesse em agir, que se traduz na necessidade de objectivamente justificada de recorrer à acção judicial – “Manual de Processo Penal”, 2.ª ed., pg. 134.


E que se exige utilidade na decisão a proferir pois como refere o Ac. STJ 22/6/06, in proc. nº 06P1426:
 “3–… para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar
mão do recurso…”

Do exposto, crê-se ser possível extrair o seguinte:
“A averiguação do interesse em agir compete aos tribunais caso a caso, e depende da existência de uma situação de carência a necessitar da intervenção dos tribunais, para defesa de um direito concreto e próprio do interveniente;
-sendo o prosseguimento do processo o único modo de obter essa tutela de um modo eficaz;
-o interesse que o move seja legalmente tutelável, e não possa ser satisfeito de outro modo;
-a decisão pretendida tenha um efeito útil; (…)”

***

Se os conceitos civilísticos transpostos para o direito penal devem ser reinterpretados ou adequados, não podem ser adulterados sob pena de o conceito jurídico ficar sem conteúdo útil e adequado a regular a vida social para que foi criado.

Assim é que é partindo desse conceito civil, reinterpretado pela Jurisprudência dos interesses, que o interesse em agir do recorrente deve ser preenchido.


Por isso, adere-se ao Ac. do STJ, de 18/10/2000, in proc. 2116/00, adiante citado, quando entende que o interesse em agir “… radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, … de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori” e que deve ser analisado em concreto.”

***

O que pressupõe desde logo analisar o caso dos autos.


Da motivação do recurso não é alegada
um qualquer interesse jurídico concreto, que envolva uma pretensão material com efeito no processo, antes se nos afigura que estamos perante um mero interesse doutrinal, cuja resolução não cabe aos tribunais, a quem compete apenas decidir pretensões.

Na verdade, é aceite expressamente a Decisão recorrida e não sendo esta objecto do recurso, não pode o Tribunal “ad quem” revogar tal decisão, pelo que nenhuma utilidade resulta do recurso.


Aliás, sendo a razão de ser dos recursos o de modificar a decisão de que se recorre, se esta é aceite expressamente pelo recorrente, que dela não recorre, torna-se evidente, que o recurso é inútil e nenhum interesse tem para o processo, pelo que a actividade jurisdicional pedida é destituída de sentido, já que este Tribunal não pode separar ou cindir o despacho em causa em face da única decisão ali proferida - artº 403º n.º1 do  CPP)


O recorrente apenas acha, que o Tribunal “a quo” com os fundamentos, que expressou não devia ter proferido aquela Decisão, mas o certo é que não põe em causa esta, pelo que não tem interesse no recurso, pois o Tribunal não pode proferir outra decisão, e se não pode alterar tal decisão é inútil e sem interesse o recurso, pelo que faz sentido concluir, que inexiste interesse em agir do recorrente na interposição do recurso, pois que “…o interesse em agir” … consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado, que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la.


Portanto o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo.      

Trata-se, ( …) de uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada “ a posteriori” - Ac. STJ 18/10/2000 proc. 2116/00 - 3ª Secção e citado in Maia Gonçalves, CPP, 16ª ed. pág. 852., e em face da aceitação da decisão deve ser negada a legitimidade para recorrer - Ac. STJ 7/12/99 - proc. 1098/99, in M. Gonçalves obra cit. pág.852 - por ausência de interesse em agir.

Assim por falta de utilidade do recurso deve ser negado o interesse em agir, pois que o efeito útil do recurso não existe, e também por esta via, será rejeitado o recurso.


III–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da ...ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

a) rejeitar o recurso interposto pelo arguido - J., nos termos dos artºs 401º n.º 2, 420º n.º1 al.ª b) e 414º n.º 2 CPP;
b) custas pelo recorrente, sendo 3 UC de taxa de justiça, e ainda 3 UC, conforme o disposto art.º 420.º n.º 3 do C.P.P..



Lisboa, 25 de outubro de 2016

  
                       
Filipa de Frias Macedo                        
Artur Vargues