Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2071/2008-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. Não tendo sido convencionado o domicílio, a notificação do requerido, no procedimento de injunção, efectua-se mediante carta registada com aviso de recepção.
II. Por inobservância das formalidades legais prescritas, padece de nulidade a notificação do requerido realizada através de simples carta postal.
III.Com a nulidade da notificação do requerido, o requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, é inválido e inexequível, servindo de oposição à execução.
O.G.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
J, Lda., no âmbito da execução para pagamento de quantia certa que, sob o n.º 7 586/04, no 1.º Juízo Cível da Comarca de Cascais, E, Lda., lhe move, deduziu oposição, alegando, entre o mais, a nulidade da notificação no procedimento de injunção e, por consequência, a irregularidade do título executivo.
Contestou a Exequente, defendendo a regularidade da notificação e do título executivo.
Findos os articulados, foi convocada uma audiência preliminar, com a finalidade de realizar uma tentativa de conciliação, que não se mostrou possível.
Em 24 de Outubro de 2007, foi proferido despacho saneador-sentença, declarando extinta a execução, com fundamento na inexistência de título executivo, por falta ou nulidade da notificação no procedimento da injunção.

Não se conformando, recorreu a Exequente, a qual, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) A agravada foi regularmente notificada, já que havia domicílio convencionado (arts. 12.º-A do DL n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, e 237.º, n.º 1, do CPC).
b) Não podia aplicar-se o art. 12.º do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, em virtude de haver domicílio convencionado.
c) Não existe irregularidade da notificação da injunção, não existindo falta de citação.
d) Não se pode aplicar o disposto nos artigos 195.º, n.º 1, alínea c), e 198.º, n.º 1, do CPC.
e) Tem valor a subsequente aposição da fórmula executiva à injunção.
f) A agravante nunca poderá ser lesada pelo Tribunal, nem pela agravada.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida, e, em consequência, ser mantida a execução.

A Executada não contra-alegou.
A decisão recorrida foi mantida.

Cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em causa a regularidade da notificação no procedimento de injunção e, em consequência, a validade do título executivo a que foi aposta a fórmula executória.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Está provada a seguinte dinâmica processual:
1. A Exequente apresentou, em 28 de Abril de 2004, na secretaria judicial da Comarca de Cascais, requerimento de injunção, para obter da Executada, o pagamento da quantia de € 20 479,58, tendo por origem uma empreitada de instalação eléctrica.
2. A notificação desse requerimento à Executada foi feita via postal simples, para a sua sede, tendo sido depositada pelo distribuidor postal no dia 3 de Junho de 2004.
3. Em 30 de Junho de 2004, pelo secretário de justiça, foi declarado: “este documento tem força executiva”.
4. Por requerimento de 17 de Setembro de 2004, a Executada, alegando a nulidade da notificação, requereu a anulação do processado do procedimento de injunção.
5. Esse requerimento, na mesma data, foi indeferido “porque o requerimento de injunção foi devolvido ao requerente e não existe suporte para apreciação”.
6. Em 29 de Novembro de 2004, a Exequente apresentou o requerimento executivo, para pagamento da quantia de € 20 479,58.
7. A Executada deduziu a oposição à execução em 20 de Fevereiro de 2006.
8. Não existiu domicílio convencionado.

2.2. Delimitada a materialidade provada, importa agora conhecer do objecto do recurso, definido pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já postas em destaque.
O requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, constitui um título executivo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil (CPC), por efeito da disposição especial previsto no art. 14.º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Através do procedimento de injunção, conforme declaração preambular do legislador, pode obter-se, de forma célere e simplificada, um título executivo, com a dispensa da acção declarativa, e, assim, lograr aliviar os tribunais do “elevadíssimo (…) número de acções proposta para cumprimento de obrigações pecuniárias, sobretudo nos tribunais dos grandes centros urbanos”, salvaguardando, no geral, a sua função constitucional e eficiência.
Para esse efeito, importa cumprir os procedimentos legais, nomeadamente quanto à notificação do requerimento de injunção, para a qual se previu um regime específico, integrado também por diversas disposições consignadas no CPC (arts. 12.º a 13.º-A do Anexo ao DL n.º 269/98).
Esse regime destina-se a salvaguardar, eficazmente, o princípio do contraditório e a garantir a segurança do procedimento de injunção.
Por isso, para além da tentativa de superação das dificuldades na sua concretização, conhecida a proverbial e sistemática evasão de muitos devedores, rodeou-se a diligência da notificação do requerido de particulares cautelas, de forma a conferir eficácia ao respectivo procedimento.
Neste domínio ganha particular importância a fixação convencional do domicílio, pois neste caso a notificação é mais simples, nomeadamente mediante o envio de carta simples, dirigida e endereçada para o domicílio ou sede convencionado (art. 12.º-A do Anexo ao DL n.º 269/98).
Na verdade, de acordo com o disposto no art. 1.º do DL N.º 269/98, nos contratos reduzidos a escrito, susceptíveis de desencadear o procedimento de injunção, podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.
A alteração do domicílio convencionado está sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime de oponibilidade do n.º 2 do art. 237.º-A do CPC (n.º 2 do art. 1.º do DL n.º 269/98).

Desenhado o quadro legal da notificação no procedimento de injunção, é altura de examinar se a ora Recorrida foi regularmente notificada do requerimento de injunção apresentado pela Recorrente.
Desde já, interessa começar por referir que ficou provado que as partes não convencionaram o domicílio.
Efectivamente, a Recorrida alegou tal facto no seu articulado e este não foi impugnado, pela Recorrente, como resulta do artigo 26.º da contestação à oposição. Por isso, e nos termos do n.º 2 do art. 490.º do CPC, tal facto considera-se admitido por acordo.
Em face desta circunstância concreta, a notificação do requerimento de injunção não podia efectuar-se nos termos do art. 12.º-A do Anexo ao DL n.º 269/98, nomeadamente pelo envio de carta simples para a sede da Recorrida.
A notificação tinha, pois, de ser efectuada, mediante carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 12.º do referido Anexo, de modo a que, seguramente, fosse recebida.
Ora, no caso vertente, a notificação da Recorrida foi feita por uma simples carta postal, quando legalmente era exigível a carta com aviso de recepção.
Nestas condições, não sendo observadas as formalidades prescritas na lei, a notificação do requerimento de injunção foi nula.
Na verdade, como decorre do disposto no art. 198.º, n.º 1, do CPC, a citação realizada, sem a observância das formalidades legais, é nula.
O mesmo regime de nulidade, e pelas razões que o justificam no processo civil, é aplicável ao procedimento de injunção.
Neste contexto, sendo nula a notificação do requerimento de injunção, não estava o mesmo em condições de lhe ser aposta a fórmula executória.
Observe-se que, nos termos da alínea d) do art. 814.º do CPC, a nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo, constitui um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença.
O mesmo efeito jurídico, mutatis mutandis, deve ter a execução baseada no requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, mas em cujo procedimento a notificação padece de nulidade.
O título executivo, não tendo sido regularmente constituído, é inválido e, como tal, é inexequível.
Assim sendo, existe justo fundamento para a oposição à execução (art. 816.º do CPC).

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Não tendo sido convencionado o domicílio, a notificação do requerido, no procedimento de injunção, efectua-se mediante carta registada com aviso de recepção.
II. Por inobservância das formalidades legais prescritas, padece de nulidade a notificação do requerido realizada através de simples carta postal.
III. Com a nulidade da notificação do requerido, o requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, é inválido e inexequível, servindo de oposição à execução.

Nestes termos, não merece provimento o recurso, sendo caso para se confirmar a decisão impugnada, proferida de harmonia com o direito aplicável.

2.4. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a Recorrente (Exequente) no pagamento das custas.
Lisboa, 13 de Março de 2008
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)