Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8487/2007-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
CONTRATO DE TRANSPORTE
PERDA DAS MERCADORIAS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Quando o conhecimento de embarque for emitido em Portugal, o prazo de caducidade do direito de acção por perdas e danos contra o armador e o navio é o de um ano, previsto no art.º 3.º, n.º 6, da Convenção de Bruxelas e 25 de Agosto de 1924, e não o de dois anos, previsto no art.º 27.º, n.º 2, do decreto-lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.
II – Este prazo de caducidade conta-se desde a data de entrega da mercadoria no destino, ou daquela em que tal entrega deveria ter tido lugar, até à data em que a acção foi instaurada, excluindo-se assim a aplicação do art.º 329.º do código civil.
III – Ao obrigar-se perante a autora apenas a tratar de todas as formalidades necessárias, tanto ao embarque e à expedição, como, através do seu agente no destino, à recepção e entrega do contentor com a mercadoria, a ré celebrou com aquela um contrato de expedição.
IV – Mediante tal contrato, a ré, na sua actividade de transitária, ficou obrigada e mandatada para celebrar um contrato de transporte por conta da autora, a expedidora.
V – Daí que, a ré transitária só possa responder pela execução do mandato e não também pela execução do transporte, uma vez que a sua actividade se limitou a praticar os actos jurídicos necessários à expedição e posterior recepção da mercadoria.
JAP
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
B, LDA., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra O, LDA., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:
a) a quantia, a liquidar em execução de sentença, que corresponda à que a A. venha a ter de pagar ao seu cliente V, em resultado de acção que este proponha relativamente à perda de determinada mercadoria;
b) a quantia, também a liquidar em execução de sentença, correspondente ao prejuízo sofrido pela A. em consequência da diminuição da sua actividade decorrente do facto de o seu bom nome e prestígio terem sido afectados;
c) bem como nos respectivos juros de mora.
Para tanto, a A. alegou, em síntese, que: a) em Maio de 1996, a A. foi incumbida pelo seu cliente V de promover a expedição e transporte de várias mercadorias entre Leixões e Sidney; b) a A. acordou com a R., por conta e ordem do seu cliente, o aludido transporte; c) as mercadorias foram contentorizadas e embarcadas num navio conforme instruções recebidas da R.; d) o contentor caiu ao mar durante a viagem marítima e perdeu-se a totalidade da mercadoria nele acondicionada; e) o cliente da A. pretende ser reembolsado desse prejuízo junto da A., se necessário, com recurso aos meios judiciais; f) a R. é responsável pelo transporte da mercadoria até ao destino e subsequente entrega da mesma ao seu destinatário; g) a R. não cumpriu a sua obrigação de transportar a mercadoria e é responsável pelos danos causados à A.; h) a R. não assume a responsabilidade pela indemnização desses prejuízos, assim impossibilitando a A. de ressarcir o seu cliente; i) acresce a isso que a imagem comercial da A. junto da comunidade emigrante portuguesa residente na Austrália ficou e continua seriamente prejudicada pelo sucedido, e, por causa disso, a A. viu, desde então, seriamente reduzida a actividade junto dos emigrantes portugueses residentes na Austrália.
                                                           *
            A R. contestou a generalidade dos factos alegados na petição inicial, bem como os efeitos jurídicos pretendidos pela A..
A R. impugnou veementemente que se tivesse obrigado perante a A. a transportar ou mesmo que tivesse transportado por via marítima as mercadorias alegadamente desaparecidas.
Mais acrescentou a R. que actuou apenas como transitária a solicitação da A. e que contratou o transporte marítimo da mercadoria com a “A. H, S.A.” na qualidade de agente da A..
Finalmente, a título subsidiário, a R. alegou ainda que a sua responsabilidade nunca poderá exceder a da transportadora marítima.
            Chegada a fase do saneamento, foi proferida sentença a julgar caducado o direito de acção da A. relativamente à Chamada A. H, S.A., absolvendo esta dos pedidos contra ela formulados, e a julga r extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente à Chamada M, S.A.
Inconformada, a A. recorreu e concluiu assim as suas alegações:
1. A ora recorrente instaurou a presente acção contra a O, Lda, configurando o litígio tendo por base um direito de regresso;
2. O conhecimento desse direito ocorreu no dia 01/04/2004, com a data do trânsito em julgado do Douto Acórdão do STJ;
3. Somente a partir do dia 01/04/2004, a ora recorrente se constituiu na obrigação de indemnizar o V;
4. Nos termos do art.º 329º do C. Civil “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”;
5. A ora recorrente só pode legalmente exercer o seu direito após o cumprimento da obrigação;
6. A A.H foi chamada a intervir nos presentes autos no dia 3 de Novembro de 1997;
7. O seu chamamento ocorreu dentro do prazo legal, não tendo ocorrido qualquer causa de extinção do seu direito;
8. Relativamente à Chamada M, S.A. a ora recorrente requereu a sua Notificação Judicial Avulsa em 05/05/1997 e, deu entrada no douto Tribunal Marítimo de Lisboa com a presente acção no dia 30/06/1997;
9. Por fim, se o direito que se pretende exercer quanto à chamada A. H não se extinguiu, então não pode operar a inutilidade superveniente da lide em relação à chamada M.
A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
1. É manifesto que o saneador-sentença se mostra devidamente fundamentado no que respeita às questões de direito que fizeram proceder tal excepção.
2. A data do início da contagem do prazo de caducidade de um ano decorre da Convenção de Bruxelas, de 25-08-1924, para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos de Carga, em vigor em Portugal, a qual foi ainda tornada direito interno pelo Decreto-Lei n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950, concretamente do seu art.º 3.º, n.º 6.
3. Sendo assim infundado que se tenha de considerar o disposto no preceito referido na conclusão 4.ª das alegações da Beltrans.
***
            Os autos prosseguiram para julgamento e, realizado este, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo, por consequência, a Ré do pedido.
***
            Não se conformando com tal desfecho, a A. apelou para este Tribunal, pedindo a revogação da sentença e concluindo assim as suas alegações:
1. A O, ora Apelada, agiu perante a ora Apelante como agente transitário.
2. Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/83, de 25 de Janeiro, “São consideradas empresas transitárias as sociedades comerciais que, tendo por objecto a prestação de serviços a terceiros, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias, obedeçam aos requisitos estabelecido no presente diploma e nas suas disposições regulamentares”.
3. O agente transitário desempenha um papel próprio no quadro da actividade de transporte de mercadorias, pelo que não pode ser considerado um mero mandatário do expedidor.
4. Na ausência de norma especial que responsabilize o agente transitário perante o seu cliente, não é legitimo o recurso às normas próprias do contrato de mandato, na medida em que a posição que um e outro ocupam no comércio jurídico são de tal modo diferentes que impedem a aplicação analógica destas normas,
5. O Decreto-lei 43/83, de 25 de Janeiro, não trata da responsabilização do transitário pelos danos ao seu cliente, pelo que haverá que recorrer às normas gerais sobre incumprimento contratual constantes do Código Civil.
6. O artigo 800.º, n.º 1 do Código Civil, estabelece a responsabilização do devedor nas situações em que recorre aos serviços de terceiros, salvo convenção em contrário.
7. O contrato de expedição ou de trânsito implica que o agente transitário proceda a todas as diligências necessárias ao transporte de uma determinada mercadoria indicada pelo expedidor, sendo certo que esta obrigação só se considera cumprida na medida em que a mercadoria chegue ao destinatário final.
8. A obrigação do transitário é uma obrigação de resultado, pelo que a falta do resultado previsto, a entrega das mercadorias, torna-o responsável pelos prejuízos causados.
9. A circunstância de a BTransitários, Lda. constar do “bill of lading” com a A. H não permite a conclusão de que a O Transportes e Navegação, Lda. agiu como mandatária da primeira, excluindo a sua responsabilidade pelo transporte a efectuar.
10. Ainda que a ora recorrida seja agente da A. H, essa relação não é oponível à B, Lda.
11. O contrato de transporte marítimo com a M S.A. foi celebrado com a O, Lda., não sendo a recorrente parte nesse mesmo contrato.
12. Nada impede que as empresas transitárias celebrem e executem contratos de transporte, executando-os directamente ou com recurso a terceiros.
13. A O, ora recorrida, actuou num primeiro momento “as agents” (agente transitário) da ora recorrente e num segundo momento “as agents” da A. H.
14. O frete marítimo foi facturado pela ora Apelada, bem como, as demais despesas correspondentes ao transporte.
15. Conforme o Acórdão da Relação do Porto proferido no processo n.º 964/03-2, a ora Apelante foi condenada em virtude de se considerar que “Resulta do exposto que a matéria de facto assente configura uma vinculação da apelante perante o autor a colocar as referidas mercadorias no destino indicado, entendimento que é ainda favorecido pelo facto de o pagamento ter sido feito inteiramente à recorrente. (…) Deste modo, a B não é nem actuou como transportadora, mas obrigou-se a promover o transporte, devendo responder face ao Autor, pelos prejuízos que este sofreu”.
16. Decisão, apesar de com outra fundamentação, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão do processo n.º 77/04-1, ao decidir que “E nem se diga que, sendo esta (a Beletrans) uma empresa transitária, não podia vincular-se a celebrar também um contrato de transporte de mercadorias por mar”, tendo a ora Apelante sido responsabilizada pelos danos sofridos pelo seu cliente ““por ter com ele celebrado o contrato de transporte em referência, sem embargo de poder eventualmente depois pedir responsabilidades a terceiros, relativamente aos quais o autor nada tem a ver por com eles não ter contratado”.
17. Pelo que, a ora Apelada, apesar de actuar como agente transitário, deverá ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização suportada pela ora Apelante em virtude do transporte por si contratado e facturado.
***
            A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo concluído, em resumo, que existe uma verdadeira relação de mandato do transitário no âmbito da sua actividade, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as correspondentes normas do código civil, e que o agente transitário não assume o controlo do transporte contratado, pois, uma coisa são as formalidades necessárias à expedição e ao embarque, outra coisa é a execução e o cumprimento do contrato de transporte que cabe nas relações entre o transportador e o carregador. Termina defendendo a manutenção da sentença.
***
            Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
            As questões que se colocam resultam das conclusões da recorrente nos dois recursos de apelação que interpôs nestes autos e que são as seguintes:
1.ª Apelação
Da caducidade do direito de acção.
2.ª Apelação
1) Da natureza do contrato celebrado entre a A. e Ré.
            2) Da responsabilidade pela perda de mercadorias contentorizadas durante a viagem de Leixões para Sidney.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Factos provados
1) A Autora B LDA., é uma sociedade comercial que exerce a actividade transitária (A).
2) No âmbito da sua actividade, a A. foi incumbida, em Maio de 1996, pelo seu cliente V de promover a expedição e transporte de diversos móveis e objectos de uso pessoal – melhor identificados a fls. 10[1] – entre os portos de Leixões e de Sidney, na Austrália (Q1).
3) A Autora contactou então a R. O, LDA. a propósito do transporte da referida mercadoria de Leixões para Sidney (Q2).
4) A referida mercadoria foi acondicionada no contentor MSCU 2877799 (Q3).
5) A R. obrigou-se apenas perante a A. a tratar de todas as formalidades necessárias ao embarque e expedição do aludido contentor, bem como, através do seu agente no destino, das formalidades necessárias à recepção e entrega do referido contentor (Q16).
6) Para esse efeito, a R., na qualidade de agente da A. H S.A., encarregou a M, S.A. de efectuar o transporte marítimo do referido contentor de Leixões para Sidney (Q17).
7) Em conformidade com instruções dadas pela R., o contentor MSCU 2877799 foi entregue na Doca do Terminal de Contentores de Leixões, a fim de ser embarcado com destino a Sidney (B).
8) Em 7 de Junho de 1996, o contentor foi embarcado no navio “M ARIANE” (C).
9) Na ocasião referida em C), o contentor tinha como destino o porto de Felixstowe (Q4)
10) O navio “MSC ARIANE” pertence à M, S.A. (doravante M) (D).
11) Posteriormente, em Felixstowe, foi o referido contentor transbordado para o navio “MSC GIOVANNA”, com destino a Sidney (Q5).
12) No decurso da viagem para Sidney o referido contentor caiu ao mar, tendo-se perdido a totalidade da mercadoria nele acondicionada (Q6).
13) A  M efectuou o transporte do referido contentor (Q18).
14) A propósito do embarque e transporte do contentor dos autos, foi emitido o combined transport bill of lading or port to port cuja cópia consta de fls. 49 e se dá aqui por integralmente reproduzido (E).
15) A propósito do embarque e transporte do contentor dos autos, foi posteriormente emitido o bill of lading cuja cópia consta de fls. 50-51 e se dá aqui por integralmente reproduzido (F).
16) A R. facturou à A. o frete marítimo e demais despesas correspondentes ao transporte em causa (Q7).
17) A A. pagou à Ré o valor do frete e demais despesas adicionais (Q8).
18) Em consequência da queda do contentor ao mar, V não recebeu os diversos móveis e objectos de uso pessoal que havia confiado à A. para que esta promovesse o seu transporte de Leixões para Sidney (Q9).
19) As referidas mercadorias valiam Esc. 19.250.000$00 (Q10).
20) A A. foi condenada por sentença transitada em julgado no dia 1 de Abril de 2004 – no âmbito do processo n.º 567/1997 que correu seus termos no 5.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Matosinhos – a pagar a V a importância de € 98.199,96 acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pela perda dos móveis e objectos de uso pessoal acondicionados no contentor dos autos e pelo pagamento dos serviços contratados à A. (G).
21) A A. pagou a V a importância de € 147.334,92 por conta da indemnização fixada na referida sentença condenatória, incluindo os juros de mora vencidos até ao trânsito em julgado da decisão, e o segundo declarou dar por findo o litígio que o opunha à A. (H).
22) A A. desenvolve a sua actividade na comunidade emigrante portuguesa (Q11).
23) A A. viu, desde então, reduzida a actividade junto dos emigrantes portugueses da Austrália (Q15).

            B - Apreciação jurídica
            São três as questões substanciais que neste âmbito se colocam. A primeira, sobre a caducidade, foi objecto do primeiro recurso de apelação e, a proceder, porá fim ao processo relativamente à chamada A. H, S.A., e, por consequência, também quanto à chamada M, S.A.. Restará então apreciar as demais questões, suscitadas no segundo recurso, circunscritas apenas às relações entre a A. e a Ré.

1.ª Apelação
Da caducidade do direito de acção.
A fim de assegurar a legitimidade processual, a A. requereu a intervenção principal provocada da mencionada A. H. Esta contestou e, além do mais, excepcionou a caducidade do direito de acção da A. (fls. 194). Esta última, apesar de notificada, não replicou.
Na fase do saneamento, o M.mo Juiz considerou procedente esta excepção, absolveu a chamada dos pedidos contra ela formulados e julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente à também chamada M, S.A.. A acção prosseguiu, a partir de então, apenas contra a Ré O.
Vejamos, pois, se foi acertada a decisão.
De harmonia com o direito internacional convencional, «em todos os casos o armador e o navio ficarão libertados de toda a responsabilidade por perdas e danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ter sido entregues» - art.º 3.º, n.º 6 da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas, a 25 de Agosto de 1924, a que Portugal aderiu por Carta de 5 de Dezembro de 1931 e tornada direito interno pelo D.L. n.º 37748, de 1 de Fevereiro de 1950. É certo que o art.º 27.º, n.º 2, do D.L. n.º 352/86, de 21 de Outubro, alargou para dois anos o prazo para a interposição desta acção. Contudo, emitido que foi em Portugal o respectivo conhecimento de embarque, este diploma legal interno não tem aqui aplicação (cf. ac. STJ de 18-09-2007, proc.º n.º 2649/07, 1.ª sec., www.dgsi.pt/bstj), atento o disposto no seu art.º 2.º e nos art.ºs 1.º, al. b) e 10.º da referida Convenção.
Portanto, aquele dispositivo convencional é o único aplicável à situação sub judice, configurando um caso de caducidade do direito de acção, nos termos do art.º 298.º, n.º 2, do Código Civil, relativamente à perda da mercadoria transportada.
A A. alega que instaurou a presente acção contra a sociedade Orey Antunes, Lda., com base num direito de regresso e que o conhecimento desse direito ocorreu em 1-4-2004, com o trânsito em julgado do acórdão do STJ. Parece evidente a contradição em que a A. se precipita: primeiro diz que intentou a acção (em 30-06-1997) tendo por base um direito de regresso e depois afirma que só teve conhecimento desse direito no 1.º de Abril de 2004. Se este quadro de facto lograsse alguma relevância, tal impeliria à conclusão de que só haveria conhecimento do direito depois de declarado pelo tribunal, caindo-se assim numa petição de princípio.
De qualquer modo, a caducidade que aqui está em causa não concerne à relação contratual ou de responsabilidade entre a A. e o seu cliente ou entre a A. e a Ré O, mas sim aquela relação que se constituiu entre o transportador e o lesado. O prazo de caducidade conta-se em função do tempo decorrido entre a data de entrega da mercadora no destino, ou daquela em que tal entrega deveria ter tido lugar, e a data em que a acção foi instaurada. Estas duas balizas temporais bem definidas no citado n.º 6 do citado art.º 3.º da Convenção, excluem a aplicação do art.º 329.º do código civil à contagem do aludido prazo, na situação concreta destes autos. Além disso, este artigo reserva ele próprio a sua aplicação apenas para a hipótese de «a lei não fixar outra data» para o cômputo do prazo, e neste caso, como se viu, a lei internacional fixa essa data.
Ora a mercadoria em discussão deveria ter sido entregue no dia 7 de Julho de 1996, no porto de Sidney, facto que está admitido por não ter sido posto em causa pela A.. Por outro lado, a chamada A. H, S.A., só foi demandada em 3 de Novembro de 1997, data em que neste processo foi deduzido contra ela o incidente de intervenção principal provocada, como se comprova pelo teor de fls. 58 a 64.
Chega-se assim, necessariamente, à conclusão de que a acção contra a referida chamada foi introduzida em juízo quando já estava decorrido bem mais de um ano após a data em que a mercadoria perdida deveria ter sido entregue.
Deste modo, bem decidiu o M.mo juiz a quo e, portanto, a decisão recorrida de fls. 282 a 285, que absolveu a chamada A. H, S.A. e julgou extinta a instância relativamente à chamada M, S.A., não pode deixar de ser confirmada.

2.ª Apelação
            1) Da natureza do contrato celebrado entre a A. e a Ré
            Está provado que a A., no âmbito da sua actividade de transitária, foi incumbida pelo seu cliente V de promover a expedição e transporte dos referidos móveis e objectos entre o porto de Leixões e o de Sidney, na Austrália.
            Seguidamente, a A. contactou a Ré e esta «obrigou-se apenas perante a A. a tratar de todas as formalidades necessárias» tanto ao embarque e à expedição, como, «através do seu agente no destino», à recepção e entrega do referido contentor».
             Portanto, daqui resulta que entre a A. e a Ré foi celebrado um contrato de expedição, mediante o qual esta, como transitária, ficou obrigada e mandatada para celebrar um contrato de transporte por conta da A., a expedidora, nos termos do art.º 1157.º do C. Civ..
            Por sua vez, na qualidade de agente da A. H, e em cumprimento do mandato em que fora investida pela A., a Ré encarregou a M, S.A., de efectuar o mencionado transporte marítimo. Estabeleceu-se assim um contrato de transporte, mediante o qual a A. H se obrigou, em relação à A., a transportar a dita mercadoria entre os portos de Leixões e de Sidney, mediante retribuição, denominada frete (art.º 1.º do D.L. n.º 352/86, de 21 de Outubro.
            Este contrato foi, assim, celebrado pela Ré como dupla mandatária da A. e da referida sociedade espanhola, a A. H, agindo sempre em representação e não em nome próprio. E nem a alegação da A. de a Ré ter facturado o frete chega para abalar esta realidade contratual. Daí que as partes vinculadas por esse contrato sejam esta última sociedade e a A.. Aliás dos conhecimentos de embarque (Combined transport bill of lading e bill of lading) de fls. 44, 49 e 50, constam como partes unicamente a A. e a sociedade A. H, ambas representadas por uma agente comum, a Ré Orey Antunes. E, assim sendo, os efeitos do contrato de transporte produziram-se na esfera jurídica dos mandantes, nos termos dos 1178.º, n.º 1, e 258.º do código civil.
            É certo que à data, como agora, nada impedia uma empresa transitária de, nos termos do art.º 367.º do código comercial, celebrar contratos de transporte e de os executar directamente ou com recurso a terceiros (cf. ac. do STJ de 16-03-2004, proc.º n.º 077/04, 1.ª sec., www.dgsi.pt/jstj). Todavia, não foi esta a solução que as partes escolheram ou sequer tiveram em vista.

2) Da responsabilidade pela perda de mercadorias contentorizadas, durante a viagem de Leixões para Sidney.
Neste quadro contratual, a Ré só pode responder pela execução do mandato supra e não também pela execução do contrato de transporte, uma vez que a sua actividade se limitou, conforme acordado com a A., a praticar os actos jurídicos necessários à expedição e posterior recepção da mercadoria. Cabe, pois, à transportadora efectuar o transporte de acordo com os interesses do dono da mercadoria transportada e responder perante este pela perda dessa mercadoria durante a viagem. Num registo linguístico mais popular dir-se-ia que, grosso modo, o transportador transporta e o transitário trata da papelada, à partida e à chegada, respondendo cada um pela perda ou pelo dano que originar dentro da sua esfera de competência. E, assim sendo, não tem qualquer cabimento a pretendida aplicação do art.º 800.º do código civil.
            Uma tal separação de responsabilidades entre o transitário e o transportador existia à data dos factos em análise, na vigência do D.L. n.º 43/83, de 25 de Janeiro, regulador da actividade das empresas transitárias. Este diploma foi substituído pelo D.L. n.º 255/99, de 7 de Julho, segundo o qual agora «as empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso» - art.º 15.º, n.º 1.
            Porém, ao tempo em que se desenrolou toda a situação dos autos, esta nova disciplina legal ainda não se aplicava, pois nem sequer existia.
            Aqui chegados, revelando-se improcedentes todas as conclusões da Recorrente, as doutas decisões recorridas não merecem censura e devem por isso ser confirmadas.
                       
            III – DECISÃO
            Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos e, por conseguinte, confirmam-se as decisões recorridas.
            Custas pela Autora.
            Notifique.
                                                                      *
Lisboa, 15.1.2008
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Folque Magalhães
____________________________________
[1] Com o seguinte teor na parte relevante: “LISTA DE CARGA (…) 52 VOLS C/BAGAGEM 3000 KGS – 10 mobílias de quarto (…) 1 mobília de sala (…) 1 estante/bar (…) 1 mesa de centro (…) 1 terno de sofás (…) 2 mesas de sala de jantar em pedra (…) 4 mesinhas de centro em pedra (…) 2 móveis de entrada em pedra (…) 6 máquinas de costura industrial (…)  14 caixas com enxoval (…) 1 frigorífico (…) 1 televisor (…) 1 aparelhagem de música (…) 1 vídeo (…) 1 leitor CD (…) 1 máquina de lavar louça (…) 1 máquina de lavar roupa (…) 1 máquina de café (…) 1 fogão eléctrico (…) 8 cadeirões decorativos (…) 3 colchões (…) 1 caixa com de mobílias (…) 2 arcas de madeira com enxoval (…)”.