Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
127/12.6T2SNT-B.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
ERRO
FORMA DE PROCESSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Um executado não pode requerer uma providência cautelar em alternativa à arguição de nulidade da falta de citação ou à oposição à execução ou à penhora, devendo o requerido ser absolvido da instância por verificação de uma excepção dilatória inominada (arts. 595/1-a, 278/1-e e 576/2 do CPC).
II. Isto sem prejuízo da possibilidade – que no caso não se verificava - de o requerimento poder ser aproveitado (art. 193/3 do CPC) como arguição de nulidade da falta de citação ou como oposição à execução ou à penhora, se aquela não estivesse sanada ou se os prazos para a oposição não estivessem decorridos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

1. A 03/01/2012, B requereu uma execução contra MS e LM e mulher, SD, para haver deles o pagamento da dívida remanescente (25.428,29€) de um contrato de mútuo celebrado em 22/12/2005 em que os dois últimos eram fiadores. Antes tinham existido dois contratos destinados, no essencial, ao financiamento da aquisição de um imóvel e equipamento do mesmo pelo primeiro executado, mutuário, que entrou em incumprimento dos mesmos e em 31/03/2010 fez uma dação em cumprimento desse imóvel para pagamento do valor em dívida, ficando a faltar o pagamento da quantia dada à execução.
Ao valor do capital em dívida, então de 25.159,02€, acrescem juros alegadamente remuneratórios calculados à taxa de 2,693%, e moratórios à taxa de 2% ao ano, desde o incumprimento, em 08/02/2010, mais imposto de selo sobre juros, à taxa de 4% ao ano, no valor de 2367,15€, pelo que o valor total é de 27.526,17€.
Todos os executados foram dados como residentes na Rua OM, tendo o executado LM Mané o NIF: 111111111 e o BI: 222222222. Não era indicado nem o seu estado civil (embora nas escrituras dos contratos conste como casado com a executada) nem a sua data de nascimento. Não foram indicados bens à penhora.
2. Sem qualquer notícia de qualquer tentativa de citação postal anterior ou justificação para o facto, a 17/02/2012, o agente de execução nomeado fez uma consulta à base de dados da Segurança Social relativamente a LM com o resultado da inexistência de subsídio de desemprego ou de doença e sem qualquer resultado para o “Mês Última Renumeração”. O n.º de NISS que inseriu nessa busca foi o 33333333333. E fez também uma consulta àquela base de dados relativamente a SD, dando o resultado, quanto à residência, a já referida. Fez ainda outra consulta em que, em duas páginas, apareceram vários nomes contendo LM, mas só um deles com uma coincidência de números, ou seja, de NISS, que era o tal 33333333333, que também residia na morada já referida, mas o NIF era diferente. Debaixo desse nome constava: Entidade patronal – MF-Unipessoal Ld - NISS: 44444444444 - Morada (sede): LG GB.
3. Na comunicação que, a 29/02/2012, fez ao B para dar conhecimento do que tinha feito, o AE enviou cópia de uma informação das finanças, em que LM, com o NIF 111111111, residente naquela morada (Rua OM), é dado como proprietário da mesma (referida por duas vezes); aí é dado como trabalhador dependente, com a última declaração de rendimentos de 2009.
4. Com data de 21/03/2012 é colocada uma informação no processo electrónico, dirigida ao juiz, com certidão negativa de 19/03/2012, em que o AE diz não ter sido possível levar a efeito a citação dos executados SD e LM, com a morada Rua OM, pelo motivo abaixo indicado: No dia 02/03/2012 pelas 19h30 desloquei-me à morada supra referida. Informo que fui atendido pelo Sr. AD, que comunicou ser sobrinho dos executados, o qual informou que aqueles já ali não residem há algum tempo, desconhecendo o seu paredeiro.
5. A 02/04/2012, o AE envia uma carta para “LM, na entidade patronal MF Unipessoal, Lda, LG GB, para o citar para a execução.”
6. A 03/06/2012 o AE vem requerer despacho para citação edital dos executados e junta cópia da seguinte certidão negativa de 01/06/2012: “Certifico não ter sido possível levar a efeito a citação do executado: LM, na entidade patronal MF Unipessoal, Lda, com a morada no LG GB, pelo motivo abaixo indicado: No dia 12/05/2012, pelas 12h15 desloquei-me à morada supra referida. Informo que naquela morada reside o Sr. RP que comunicou desconhecer qualquer contacto do Sr. MF. No 3.º Frente daquele prédio, junto do Sr. MO que fez parte da Administração de Condomínio, apurou-se que o Sr. MF já ali não reside há mais de 3 anos, desconhecendo porém o actual paradeiro do mesmo. Pelo exposto, não foi possível concretizar a citação.”
7. A 21/06/2012, o AE é notificado pelo tribunal de um provimento dos juízes do mesmo, do qual decorreria que era ao AE que caberia determinar a citação edital, o que ele passa a fazer através de um pedido à Junta de Freguesia de S para colocação de edital na JF, de instruções para colocação de um edital no imóvel, com referência a duas moradas, e de citação edital dos executados.
8. A 02/02/2013 é junta ao processo electrónico (= PE), um formulário de afixação de editais em que o AE certifica que efectuou a citação edital dos executados, identificando as respectivas moradas e diz ter afixado editais na última residência conhecidas dos mesmos. O AE envia ainda nessa data cartas para citação dos executados na pessoa do MP e nessa data, ainda, junta comprovativos de tudo o que fez.
9. A 16/07/2013, o AE procede à penhora do imóvel do executado LM e da mulher, averiguada na base de dados das finanças, que é a fracção onde eram dados como residentes (Rua OM). Ou seja, procede à penhora do imóvel que consta da informação referida em 3.
10. A 27/12/2013, o B vem reclamar créditos contra o executado LM e mulher, garantidos por hipoteca sobre o imóvel penhorado, dizendo que os executados encontram-se em incumprimento no pagamento das prestações no âmbito de dois contratos de compra e venda e mútuo com hipoteca e mútuo com hipoteca, respectivamente em que eram mutuários, também com destino à compra do imóvel e equipamento para o mesmo, desde 10/03/2013 e 10/08/2013, no valor de cerca de 117.000€ só de capital. Os dois empréstimos tinham sido pelo total de 100.000€ + 29.600€.
11. A 06/02/2014, os executados são notificados da penhora na pessoa do MP.
12. A 22/02/2014, o tribunal cita o MP, em representação dos executados, para deduzirem oposição…
13. A 20/03/2014, o AE junta prova da notificação a 19/03/2014 do MP, em representação dos executados, para se pronunciar sobre a modalidade da venda do imóvel penhorado.
14. A 08/04/2014, o AE junta prova da notificação a 07/04/2014 do MP, em representação dos executados, sobre a decisão da venda.
15. A 11/03/2015 é proferida sentença de verificação e graduação do crédito reclamado pelo B.
16. A 29/09/2015, o N vem substituir-se ao B.
17. A 05/05/2016 é dada data para a venda por propostas em carta fechada e a 11/05/2016 o MP é notificado disso.
18. A 15/06/2016 são abertas as cartas tendo sido apresentada uma única proposta, pelo N. A 24/06/2016 é junta prova da notificação ao MP, como representante dos executados, da abertura das propostas.
19. A 30/06/2016 o N pede ao AE o registo do imóvel a seu favor por lhe ter sido adjudicado e se mostrar pago o devido. A 22/07/2016, o AE envia ao N certidão do registo e título de transmissão.
20. A 25/09/2016, o AE apresenta no PE prova da descrição da seguinte diligência: No dia 12/09/2016, pelas 15h30, na Rua OM, onde me dirigi a fim de tomar posse do imóvel adjudicado exequente, na qualidade de AE do processo supra identificado, não foi possível levar a cabo a diligência por ninguém se encontrar. Posteriormente, fomos contactados telefonicamente pelo executado, tendo este informado que está a negociar com o exequente a compra da casa.
21. A 13/09/2017 é proferido o seguinte despacho: Atento o teor do requerimento formulado pelo AE (ref.ª 10150182 [este requerimento não consta no PE ao menos com entrada própria]), autorizo, se necessário, o recurso ao auxílio de força policial (art. 757/4 do CPC). Informe de imediato o Sr. AE. Notifique.
22. A 30/11/2017 o AE solicita o auxílio da PSP para a diligência de tomada de posse do imóvel penhorado e comunica à C e ao Serviço Social de A e ao Departamento de Administração Geral - Camara Municipal da A que, no próximo dia 15/12/2017, às 15h, será realizada a diligência tomada de posse do imóvel, sito na Rua OM, adquirido em processo executivo, uma vez que poderão se suscitar sérias dificuldades no realojamento dos executados e a 04/12/2017 faz essa comunicação também para o executado LM por ofício.
23. A 13/12/2017, um advogado apresenta procuração para ser junta aos autos, passada a ser favor pelo executado LM, com data de 13/11/2012 e pede a confiança do processo. É a procuração que será referida em 25. A 18/12/2017 o mesmo advogado apresenta um requerimento a entregar/juntar o processo, a que foi aposto um carimbo da secretaria do tribunal a 20/12/2017.
24. Na sequência de uma comunicação do N, que não consta do processo, o AE desmarca a tomada de posse.
25. A 14/02/2018, LM [através do advogado referido em 23] apresentou na execução um articulado superveniente (assim intitulado no respectivo formulário), com um procedimento cautelar comum contra o N, que terminou requerendo que o tribunal ordenasse:
- a notificação do N para se abster de mandar desocupar aquela e, de um modo geral, ser impedida de praticar quaisquer actos que directa ou indirectamente ponham em  causa o direito do requerente e sua família a habitar a referida fracção sem qualquer turbação.
- declaração de nulidade da escritura de dação em cumprimento do imóvel por preterição da obrigação de intervenção de todos os interessados, maxime, requerente e sua esposa, nas alterações das condições contratuais inicialmente contratadas nos dois contratos de empréstimo em que são fiadores.
- rejeição pelo tribunal da presente execução por não se mostrarem vencidas as prestações vincendas dos dois empréstimos, por falta de interpelação dos devedores, uma vez constatada pelo B a falta de pagamento de uma ou mais prestações pelos devedores.
- notificação do N para juntar aos autos todo o processo de crédito sub judice que contem toda a correspondência trocada entre o requerente e o B/N.
Alegou para tanto, muito em síntese (em que se tem em conta tudo o que já consta do relatório que antecede), o seguinte: ele e a sua mulher não foram tidos nem achados na dação em cumprimento acordada em 2010 entre o B e o mutuário (1.º executado, seu sobrinho), nem na definição dos valores em dívida das obrigações que tinham afiançado e da fracção em causa, nem aliás sabiam do incumprimento do contrato; em 2012, o requerente tomou conhecimento de que o empréstimo tinha entrado em incumprimento, pelo que contactou com o B entrando em negociações com o mesmo; a dada altura teve que ir até a G e informou disso o B, deixando-lhe os dados do seu advogado para ser contactado na sua ausência; nunca mais foi contactado pelo B; no dia 12/09/2016 encontrou um aviso na sua porta do AE informando que o devia contactar, o que fez, só então tendo conhecimento de que estava a correr uma execução contra si e que a sua fracção tinha sido adquirida em venda judicial pelo próprio N; entrou de novo em negociações com o N, no decurso das quais, em Novembro de 2017, foi contactado pelo AE para proceder à entrega da fracção; entende que o contrato de 2010 do qual resultou a dívida exequenda, celebrado pelo seu sobrinho e o B, não é eficaz contra si e mulher; que a dívida exequenda não está vencida em relação a eles; e que o processado é nulo porque não foi citado para a execução: a carta enviada para a sua citação foi para uma morada errada, o B sabia qual era a sua morada; foi citado editalmente sem que estivessem preenchidos os pressupostos da citação edital; todo este comportamento (que descreve com minúcia) do B é de abuso de poder e de direito; a providência cautelar é a única via que lhe resta para defender a posse da fracção que é casa de morada de família.
Entre o mais junta a procuração que diz ter entregue ao B da qual consta o seguinte: “a quem confere, com os de substabelecer, todos os poderes forenses em direito permitidos e os especiais e necessários para representá-lo no processo 000000000 do B, em que é fiador, podendo, nomeadamente, apresentar propostas de reestruturação do referido empréstimo, bem como assinar o respectivo acordo de reestruturação do crédito e fazer entrega do capital inicial bem como pagar as prestações que vierem a ser acordadas. Lisboa, 13/11/2012.” 
Com interesse para o que dirá à frente, deixem-se consignadas as seguintes passagens do articulado:
39. […] tendo necessidade de deslocar-se a G, o Requerente foi ao Balcão do B em Sacavém com o seu advogado, para deixar os dados do advogado no processo, para ser notificado pelo B sempre que fosse necessário no âmbito deste processo.
40. O referido Advogado, Dr. A, veio a ser contactado telefonicamente pelo Dr. J, do Núcleo do Contencioso do B, para juntar aos autos a respectiva procuração.
41. Em 13/11/2012, o referido Mandatário enviou um email ao Dr. J a juntar procuração solicitada pelo B, passando assim a estar devidamente habilitado para representar o fiador no processo junto do B, cfr. doc. 9 e 10 que junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [estes documentos são o e-mail e a procuração referidos,  última já transcrita].
[…]
49. O B, após análise do processo, contactou o requerente para apresentar uma proposta formal, em 22/11/2016,
50. Em que o Requerente se comprometesse a recomprar o seu imóvel por 87.000€, na condição de pagar de imediato o valor de 45.000€, para saldar a dívida do remanescente do crédito em que era fiador, cfr. doc. 11, 12 e 13.
51. O Requerente formalizou referida proposta, mas o B nunca deu qualquer resposta, não obstante a mesma ter sido sugerida pelo B.
52. Em Novembro de 2017 o Requerente foi contactado pelo AE para proceder a entrega do imóvel, o que deixou o Requerente perplexo, porque continuava a aguardar pela resposta do B à sua proposta.
53. O Requerente entrou de novo em contacto com o Departamento de Recuperação de Crédito do N em que falou com o Dr. R e o Dr. P.
54. O Dr. P sugeriu que o Requerente apresentasse uma nova proposta, em  que pagaria, com fundos próprios, já não 45.000€ mas 55.000€,
55. E, em contrapartida, o N iria conceder um crédito habitação no valor de 87.000€ para recompra do imóvel.
56. Desesperado, o Requerente pediu ajuda a familiares no estrangeiro para angariar mais 10.000€ e formalizou a nova proposta, através da Mandatária do N, Drª V, em 27/11/2017, cfr. doc. 15, que junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [no doc. 15 consta, entre o mais, o seguinte: Chamo-me LM, sou o antigo proprietário do apartamento localizado na Rua OM. […] No dia 22/11/2016 entreguei por escrito uma proposta na agência de S do N para consolidação do remanescente dos 2 empréstimos, isto é, o remanescente do empréstimo do contrato em que era fiador e o remanescente do empréstimo da minha própria casa, no valor total de 55.000€, por indicação do departamento de recuperação de crédito.]
57. De novo, o N não deu qualquer resposta a esta proposta, não aceitou reunir com o Requerente, pelo contrário, deu instruções ao AE para tomada de posse do imóvel.
26. A 21/02/2018 foi proferido o seguinte despacho: Antes de mais, notifique o requerido (artigo 366 do CPC). Informe o Sr. AE da pendência do presente apenso cautelar.
27. O N foi citado e a 01/03/2018 apresentou oposição às pretensões do requerente, onde, para além de invocar a inadequação do meio processual usado, impugnou o essencial dos factos alegados e os direitos que o requerente deles pretende retirar, concluindo no sentido do indeferimento do procedimento ou da sua improcedência.
28. Seguiu-se uma tentativa de conciliação e, a 31/10/2018, o seguinte despacho, que se transcreve na íntegra, sem o relatório:
“Neste momento, e em prol da economia processual, resta a este tribunal apreciar e decidir quanto à regularidade, ou não, da citação do executado LM.
Assim, compulsados na íntegra os autos de execução constata-se que o AE empreendeu diversas diligências no sentido de concretizar a citação prévia e pessoal de LM e da Srª sua mulher.
Com efeito, o AE procedeu à consulta das bases de dados disponíveis (a 21/3/2012, cujo acto consta referenciado com o n.º 337557, a 2/4/2012 – acto referenciado com o n.º 3434678); a 2/3/2012, dirigiu-se ao endereço apurado, mas não pôde concretizar a citação do ora requerente (acto referenciado com o n.º 3375856 – 21/3/2012); foi pessoalmente às supostas instalações da entidade empregadora do ora requerente (acto com a referência n.º 3727355 – 3/6/2012).
Perante tais insucessos, o AE requereu a concretização das diligências a que alude o artigo 244 do CPC (cfr. acto referenciado com o n.º 3726417 – 3/6/2012). Em seguida, foi devidamente concretizada a citação edital do requerente e da Srª sua mulher (referências n.º 4406020 de 21/10/2012 e n.º 5034873 de 2/2/2013).
Pelo exposto, conclui-se ter sido devidamente citado para a execução LM no ano de 2012, o que, aliás o próprio requerente não coloca em dúvida.
Pelo que, uma vez largamente decorridos os prazos processuais impostos para a oposição à execução e/ou oposição a penhoras (artigos 813 e seguintes e 863-A e seguintes do CPC), não pode o executado LM recorrer ao presente procedimento cautelar comum, uma vez que legalmente lhe vedado está, a qualquer título, a presente instância cautelar.
Pelo exposto, liminarmente indefiro o presente procedimento cautelar comum, com e para todos os efeitos.
Perante o ora decidido, prejudicadas ficam as restantes questões suscitadas pelo requerente.” 
29. O requerente recorre agora deste despacho – para que seja, diz, decidido que “a citação edital está ferida do vício de falta de citação, cujo efeito é a declaração de nulidade de todos os actos que foram praticados na execução à sua revelia” - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A citação edital de qualquer executado só deve ter lugar quando o citando se encontre em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar, o que, no caso, não se verificou, porque era do conhecimento da exequente que o executado se encontrava temporariamente ausente na G, em cuja morada poderia ser contactado.
2. A citação edital, no caso, nunca deveria ter tido lugar, porque o citando constituiu mandatário com poderes especiais para ser citado, caso fosse necessário, tendo enviado a respectiva procuração para o contencioso da exequente.
3. O acto praticado da forma como a presente citação edital foi feita, isto é, sem que se desconhecesse de todo em todo o paradeiro do citando, por um lado e com desprezo do mandato entregue à exequente para eventual citação na pessoa do mandatário do citando, traduz falta de citação, porque não estavam reunidos os pressupostos necessários para ser válido como citação edital.
4. Nos termos do disposto no art. 851 do CPC, se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, e invocar a nulidade da citação deve o processo ser sustado e julgada procedente a reclamação, ser anulado tudo o que na execução se tenha praticado.
Não foram apresentadas contra-alegações.
                                                      *
Questões que importa decidir: se a decisão da arguição de nulidade da falta de citação devia ter sido outra, com as inerentes consequências.
                                                      *
Os factos que interessam à decisão destas questões são os que constam dos pontos 1 a 27 do relatório que antecede.  Até ao ponto 25 teve--se em conta, principalmente, todo o processo de execução, consultado electronicamente, depois de obtido o respectivo acesso.
                                                      *
Decidindo:
Antes de mais tenha-se em conta o seguinte:
O requerente inicia o processo como um requerimento de um procedimento cautelar comum. Mas apresenta-o para ser junto a um processo de execução como articulado superveniente.
O tribunal recorrido aproveita o requerimento como arguição de nulidade da falta de citação (por emprego indevido da citação edital); quanto ao mais, diz que estão excedidos os prazos para a oposição à execução e/ou à penhora pelo que o requerente não pode recorrer à instância cautelar que diz indeferir liminarmente; e também diz que as outras questões ficam prejudicadas perante o decidido.
O requerente no recurso só aborda a questão da nulidade da falta de citação da qual faz decorrer a nulidade de todo o processado.
A única questão a decidir aparenta pois ser a da nulidade da falta de citação, mas se ela for procedente será necessário considerar as outras questões; por outro lado, o despacho recorrido aborda também implicitamente a questão da convolação do requerimento de procedimento cautelar em oposição à execução e/ou à penhora e este processo é, formalmente, um recurso de uma decisão proferida num procedimento cautelar e que a indefere liminarmente; assim entende-se que importa ver a questão que o recurso coloca também desta perspectiva, até porque, repete-se o que formalmente existe é um indeferimento liminar de um requerimento de procedimento cautelar.
Assim,
                                                        *
Os direitos que o requerente pretende acautelar, com um requerimento que é formalmente de um procedimento cautelar, são:
O de obter a declaração de nulidade da escritura de dação em cumprimento do imóvel. A causa de pedir invocada “é a preterição da obrigação de intervenção de todos os interessados, maxime, requerente e sua esposa, nas alterações das condições contratuais inicialmente contratadas nos dois contratos de empréstimo em que são fiadores.”
Ora, não há qualquer norma jurídica que obrigue a que os fiadores participem, sob pena de nulidade, nos contratos que os devedores principais celebrem com os credores. O que pode acontecer é que esses contratos sejam ineficazes em relação aos fiadores e, por isso, não possam ser utilizados na execução contra os fiadores (veja-se, neste sentido, por exemplo, o ac. do TRL de 21/02/2019, proc. 4297/17.9T8ALM-A).
É, assim, manifesto que não existe este direito invocado pelo requerente, o que deveria conduzir à improcedência do requerimento com a absolvição do pedido (art. 595/1-b do CPC) e não ao indeferimento liminar porque o requerido já tinha sido citado e tinha deduzido oposição.
O que existe, sim, é matéria que podia ser invocada numa oposição à execução.
                                                        *
Outro direito pretendido acautelar é o de o requerente continuar a habitar na fracção vendida nestes autos. Esse direito decorreria do facto de a venda da fracção ter ocorrido na sequência de um processado nulo por nulidade da falta de citação (por emprego indevido da citação edital) do requerente/executado fiador para a execução e porque a execução nem sequer podia ter sido requerida contra ele (e sua mulher), dado que a obrigação era ineficaz contra ele e a dívida não estava vencida. Anulado o processado e/ou rejeitada a execução, cairia, por arrastamento, a venda e o imóvel voltaria a ser deles, que, por isso, o poderiam habitar legitimamente (note-se entretanto que o requerente no requerimento do processo cautelar invoca o comportamento do exequente como se em causa estivesse só a posição do requerente como fiador num contrato de empréstimo em que o sobrinho era mutuário, enquanto os factos permitem concluir que estavam em causa também os dois contratos de empréstimo para a compra do imóvel do próprio requerente e mulher, no valor de cerca de 130.000€, de que entretanto foram reclamados créditos vencidos no valor 117.000€, o que quer dizer que do valor do imóvel o executado e mulher só teriam pago 10%; o que só por si seria suficiente para pôr em causa quase tudo o que diz respeito à acusação de abuso de poder e de direito por parte do exequente, se estas questões tivessem que ser apreciadas).
Ora, a discussão sobre a falta da citação, a ineficácia da obrigação exequenda e a inexigibilidade da dívida exequenda é pura matéria de oposição à execução e por isso não pode ser discutida num procedimento cautelar.
Tendo o requerente, como executado num processo judicial, meios legais ao seu dispor específicos para reagir contra o que aí se pretende efectivar, é desses meios que se deve servir e não de procedimentos cautelares [neste sentido, já o ac. do TRL de 13/07/2017, proc. 22493/05.0YYLSB-D-2, num caso em que o requerido não tinha sido citado antes do indeferimento liminar e por isso não podia ser absolvido da instância; considerou-se aí que se verificava uma excepção dilatória insuprível, qual seja, a da falta de interesse em agir através deste meio processual, invocando-se a seguinte doutrina: “falta [o interesse processual] sempre que o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação provisória ou a antecipação da tutela através de um meio mais adequado do que o procedimento cautelar, ou seja, quando, em função das circunstâncias, aquele procedimento não for o mais célere e económico para obter a tutela dos interesses do requerente”: Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex 1997, 2.ª edição, pág. 234; “o recurso à tutela cautelar só é admissível se a ordem jurídica não colocar à disposição do requerente um outro meio processual menos gravoso que lhe permita proteger, de modo igualmente eficaz, o direito ameaçado” – Marco Carvalho Gonçalves, Providências cautelares, Almedina, 2015, págs. 216 a 219) […]”. Num comentário crítico de 03/01/2018 a este acórdão, publicado no blog do IPPC, sob jurisprudência (761) o Prof. Miguel Teixeira de Sousa diz que se devia ter partido do regime do erro sobre o meio processual (cf. art. 193 CPC). Nas situações (…) em que, por inadequação formal absoluta do meio utilizado, não é sequer possível recorrer ao disposto no art. 193/1 CPC, tem-se entendido que o réu deve ser absolvido da instância pela verificação de uma excepção dilatória inominada (cf. art. 576/2, CPC).]
Assim, o requerido, nesta parte, devia ter sido absolvido da instância do procedimento cautelar por verificação de uma excepção dilatória inominada.
O mesmo se verifica, logicamente, quanto à pretensão do requerente em obter a rejeição da execução.
A última pretensão do requerente é, no fundo, um simples requerimento probatório.
                                                        *
Quer isto dizer, por um lado, que a pretensão do requerente era manifestamente improcedente (relativamente à anulação da dação em cumprimento) e não podia ser apreciada num procedimento cautelar, por ser matéria de oposição à execução (o que vale para tudo).
Isto sem prejuízo da possibilidade de aproveitamento do meio processual usado, por convolação (art. 193/3 do CPC).
                                                        *
Ora, foi esse aproveitamento que o tribunal recorrido fez ou ponderou.
Ou seja, levantando o requerimento de procedimento cautelar uma série de questões relativamente à execução, o tribunal recorrido tentou aproveitar dele aquilo que era aproveitável, ao abrigo implícito do art. 193/3 do CPC, ou seja, a arguição de nulidade da falta de citação, tendo em conta que esta pode ser feita a todo o tempo e mesmo depois de finda a execução (art. 851 do CPC) e embora a reclamação deva ser feita na própria execução, ela até foi feita num requerimento que, sendo formalmente de processo cautelar, foi apresentado para ser junto à execução.
                                                       *
Diga-se, no entanto, que a arguição de nulidade era manifestamente intempestiva.
É certo que o art. 851/1 do CPC diz que “se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo.
Mas naturalmente que este artigo tem de ser conjugado com o art. 189 do CPC que diz que “se o réu […] intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação [que também se verifica quando se tenha empregue indevidamente a citação edital], considera-se sanada a nulidade.”
Como explica Lebre de Freitas “a arguição de nulidade tem lugar […] a todo o tempo, enquanto não deva considerar-se sanada por o executado de alguma maneira intervir no processo sem logo a arguir (ponto de regime este que, estando estabelecido no art. 196 [agora 189] decorre também do ‘correr à revelia’ da execução a que se refere o n.º1” (em anotação ao então art. 921/1 do CPC, na redacção anterior, mas igual à actual do art. 851, no CPC anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, pág. 637)
No caso o requerente foi citado – editalmente – pelo que o que poderia estar em causa seria a nulidade da falta da sua citação, por ter sido empregue indevidamente a citação edital. Assim, no momento em que intervém no processo tinha logo que arguir a nulidade da falta da sua citação.
Ou seja, tinha que o ter feito com a entrega do processo na secretaria do tribunal, pelo seu advogado já com procuração nos autos (ponto 23 do relatório deste acórdão).
Não o tendo feito então, precludiu-se a possibilidade de o fazer mais tarde.
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De qualquer modo, já que o tribunal recorrido mesmo assim deu ao requerente a satisfação de se pronunciar sobre o que ele dizia, veja-se então o recurso sobre esta decisão, isto é, de inexistência de nulidade da falta de citação (por emprego indevido da citação) edital.
O requerente recorre da decisão do tribunal de considerar improcedente a arguição da nulidade, argumentando entre o mais o facto de existir uma procuração forense com poderes especiais para que o respectivo advogado fosse citado em seu nome. Tal tipo de procuração está previsto no art. 225/5 do CPC, mas a procuração que foi transcrita acima [§ do ponto 25 do relatório, a seguir à síntese da alegação do requerente] não contem poderes especiais para o advogado em causa poder receber a citação em nome do requerente.
Depois, invoca o facto de o AE ter enviado uma carta para a citação do mesmo numa suposta entidade patronal e depois o ter ido procurar na sede desta, quando ele nem sequer era trabalhador por conta de outrem nem tinha nada a ver com tal entidade.
Os factos estão transcritos acima e comprovam que isto aconteceu, mas trata-se de actos que foram praticados no decurso do processo para a sua citação, não os únicos e, perante o que existe no processo, justificava-se a presunção do AE de que a entidade patronal referida seria do executado e não é certo sequer que se possa dizer que nunca o tenha sido. E, para além disso, foram praticados vários outros actos, pelo que o que interessa saber é se, para além daqueles, foram praticados os suficientes para a citação edital.
Grosso modo, a citação de uma pessoa singular, como processo – em 2012, por isso antes da reforma de 2013 do CPC, utilizando-se, pois, agora, as normas deste CPC antes dessa reforma (arts. 233, 236, 239, 240, 244, 248, 249 e 15, na redacção das reformas de 2003, 2007 e 2008) -, normalmente inicia-se com o envio de carta registada com a/r para a morada da residência dela ou local onde ela trabalha. Frustrada a via postal tenta-se a citação através de contacto pessoal. Mas o art. 239/7 [depois 239/8] e o art. 233/2 do CPC demonstram que a tentativa de citação postal, antes do contacto pessoal, não é uma diligência absolutamente imperativa, cuja falta determine a nulidade da citação (pois que o autor pode prescindir dela). Frustrando-se a citação por contacto pessoal, por o citando estar ausente em parte incerta, fazem-se diligências para apurar o último paradeiro ou residência conhecida do citando e depois realiza-se a citação edital. Se o citando não deduzir oposição é depois citado o MP em sua defesa.
Ora, dos factos transcritos sabe-se que o AE foi à morada que todos os elementos que tinha ao seu dispor diziam que era a residência do executado e mulher (também executada) para o tentar citar e aí foi informado por alguém que disse ser sobrinho dos executados, “que aqueles já ali não residem há algum tempo, desconhecendo o seu paredeiro.” Justificava-se pois que, após a obtenção de outros elementos para apurar o último paradeiro ou residência conhecida, se procedesse à citação edital. Como aqueles elementos já existiam no processo e já tinham sido aproveitados, sem êxito, não se impunha a repetição de diligências destinadas a obtê-los de novo, pelo que se justificava desde logo a citação edital e os termos em que esta foi feita foram os correctos.
O requerente não põe em causa a informação prestada pelo seu alegado sobrinho, nem que o AE e o tribunal não dispusessem de outros elementos, nem que, à data, nos termos indeterminados que utiliza, isto é, em 2012, não se encontrava a viver naquela que era a única/última residência que constava do processo (a que constava da escritura do empréstimo para a compra da residência era naturalmente anterior a esta e era de presumir que já lá não vivesse o requerente e ele não diz o contrário), nem que nas bases de dados disponíveis não fosse possível obter outros elementos, tanto mais que diz que não trabalhava por conta de outrem e estava no estrangeiro.
O requerente diz, no entanto, “era do conhecimento da exequente que o executado se encontrava temporariamente ausente na G, em cuja morada poderia ser contactado.” Mas nem sequer alega o necessário para que se pudesse vir a entender que era assim, pois que não alega por quanto tempo é que iria estar ausente nem há quanto tempo é que o estava, também não indica qual a morada onde estava na G e o que sugere é que a morada do advogado é que era conhecida, mas, não tendo este poderes especiais para receber a citação, tal era indiferente.
Assim sendo, considera-se que não se verificou qualquer nulidade na utilização da citação edital e nos termos como esta foi feita [o relator corrigiu, depois da discussão do projecto com a Srª juíza desembargadora 1.ª adjunta, a imprecisão de ir falando de “nulidade de citação”, no texto do projecto, quando a questão era de uma “nulidade de falta de citação”].
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Por outro lado, como se dizia acima, o tribunal recorrido ponderou ainda, implicitamente, a possibilidade de convolar o requerimento de procedimento cautelar em oposição à execução ou à penhora.
Ora, depois de tudo o que já se disse, pode-se, sem mais, concluir que o requerimento de processo cautelar não podia ser convolado em oposição à execução ou à penhora, pois que (mesmo sem contar com a citação edital regularmente efectuada), nem que mais não seja desde 18/12/2017 o executado interveio no processo, com conhecimento da citação edital e da realização da penhora (mas sabe-se, imprecisamente, que muito antes, já em Novembro de 2016, ele tinha conhecimento da venda do seu imóvel na execução e por isso, tinha conhecimento desta e necessariamente da penhora daquele) e por isso em 10/01/2018, mesmo na melhor das hipóteses para o requerente, teria terminado o prazo para a oposição à penhora (art. 785/1 do CPC) e a 22/01/2018 o prazo para a dedução de embargos (art. 728/1 e 2 do CPC), como o sugeriu o despacho recorrido.
Pelo que não era possível esse aproveitamento como foi também decidido pelo tribunal recorrido.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, por não se verificar a arguida nulidade da falta da citação.
Sem custas visto que o requerente (o vencido no recuso) beneficia de apoio judiciário.
Lisboa, 21/03/2019.
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues