Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
281/12.7TBPTS.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: HERANÇA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
QUESTÃO NOVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nomeadamente os direitos relativos ao reconhecimento ou não dos bens da herança (artigo 2091º do Código Civil).
2. Tratando-se de actos e negócios jurídicos de frutificação anormal, de melhoramento do património hereditário e de disposições dos bens hereditários que envolvam a sua alienação ou oneração só podem ser praticados conjuntamente por todos os herdeiros: estamos perante um caso de litisconsórcio necessário legal.
3. Não obstante a questão da ilegitimidade não ter sido suscitada nos autos, nada impede que o tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado, por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico.
4. Não sendo agora, face ao estado da acção, mormente a existência de sentença, a referida excepção suscetível de sanação, a solução só pode passar pela absolvição dos RR. da instância.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO

A… e M… intentaram acção declarariva de condenação contra L…, S… e R…, pedindo, no essencial, que sejam reconhecidos como donos e legítimos proprietários do prédio urbano que identificam nos autos, sito em …, que o referido prédio não constitui acervo da herança aberta por óbito de J…, bem como a condenação dos RR a reconhecerem tal direito e ainda o cancelamento da inscrição Ap. 3860, na Conservatória do Registo Predial.

Alegam, em resumo, que o imóvel foi construído pelo A. marido em 1981/1982, pelo que não integra a herança dos pais do A. marido, C… e J….

Os Réus supra identificados foram citados e não contestaram.

Foi proferida sentença que, com fundamento no disposto no artigo 784º do CPC e aderindo aos fundamentos de facto alegados na petição, julgou a acção procedente como peticionado.

            Veio D… recorrer da sentença.

           Posteriormente, os Réus, com fundamento no disposto no artigo 683º, nº 1 do CPC, vieram manifestar a intenção de aderir aos fundamentos do recurso.

No essencial, foram formuladas as seguintes conclusões:

1. Os presentes autos foram instituídos na sequência do despacho proferido a 16-09-2011 no âmbito do Processo de Inventário com o n.9 …/10.OTB…, instaurado por óbito de C… e de J…, que corre termos no Tribunal de Comarca da …, nos termos do qual foram os respectivos interessados remetidos para os meios comuns por forma a se determinar se prédio urbano situado na …, freguesia da …, concelho da …, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo predial da … sob o n.2 … da freguesia da …, integra a herança de C.. e de J…, nesse processo a partilhar.

2. No Auto de compromisso de honra e declarações de cabeça-de-casal constante do processo de inventário com o nº …/10.OTB…, a recorrente foi identificada como cônjuge de M…, descendente de C…e de J… e falecido cerca de seis anos após o seu Pai.

3. Pelo instituto da transmissão, constante artigo 2058º nº1 do Código Civil, a ora recorrente é herdeira de C…, pai do seu falecido cônjuge.

4. Nos termos do 2091º nº 1 do Código Civil, o reconhecimento ou não como integrante da herança de C… e J… do prédio urbano situado na …, freguesia da …, Concelho da …, a confrontar de norte, sul e leste com o Caminho Municipal e a oeste com …, inscrito na matriz sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo predial da … sob o n.º … da freguesia da …, é um direito a ser exercido por todos os herdeiros da respetiva herança.

5. Nos termos do artigo 28º Código de Processo Civil (CPC) há a necessidade de se constituir um litisconsórcio necessário passivo.

6. Verifica-se, portanto, a necessidade de a presente acção ser intentada contra todos os herdeiros de C… e J…, incluindo a ora recorrente, reunidos em litisconsórcio necessário passivo, sob pena de manifesta ilegitimidade dos réus constituídos.

7. Nos termos dos artigos 28.º, 288.º n.º 1 al. d), 493.º n.º 2, 494º al. e) e 495.º do CPC, a ilegitimidade (dos RR) constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que poderá ser conhecida a qualquer altura, inclusive em fase de recurso.

8. Considerando que, face ao estado da acção, mormente a existência de sentença, a referida excepção dilatória de conhecimento oficioso não é suscetível de sanação - veja-se, a contrário sensus, os artigos 265º n.º 2 e 508.º nº 1 al. a) do CPC - não se poderá senão absolver-se os RR da instância.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a absolvição dos réus da instância.

Não foram produzidas contra-alegações.

Corridos os Vistos legais,

                     Cumpre apreciar e decidir.

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, em causa está, no essencial, apreciar e decidir se existe e se é possível, em sede de recurso, conhecer da eventual preterição do litisconsórcio necessário passivo.

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1 - Decorre termos no Tribunal de Comarca da … o Processo de inventário n.º …/10.OTB…, instaurado por óbito de C… e de J….

2 - No âmbito do identificado processo, a cabeça de casal, L…, em auto de compromisso de Honra e Declarações de Cabeça de casal (doc. 85 e seguintes), declarou, nomeadamente:

«Que os inventariados C… e J…, faleceram como dos autos já consta em 28/06/1982 e 16/06/2009, respectivamente, tendo sido a casa de sua última residência o Sítio da …, freguesia da …, concelho da ....

Os inventariados não fizeram testamento, doação ou qualquer outra disposição de sua última vontade.

Que os inventariados foram casados entre si em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão geral d bens, deixando os seguintes descendentes:

DECLARAÇÕES:

FILHOS

1.º

M…, casado que foi D…, ele falecido em 10/06/1988 e ela residente …, França e acidentalmente em Sítio da ..., …, 0000-000 ..., tendo deixado os seguintes herdeiros:

NETOS

1o

AL…, divorciado, residente em …;

MA…, solteira, maior, residente em …

FILHOS

2.º

A… casada com G…, no regime de comunhão de geral de bens, residentes ao Sítio da ..., freguesia da …, 0000-000 ...;

3.º

L… (Declarante), viúva, residente o Sítio da ..., freguesia …, 0000-000 ...».        

3 – No âmbito do referido processo, havendo litígio acerca da pertença às heranças do prédio urbano situado na ..., freguesia da ..., concelho da ..., a confrontar de norte, sul e leste com o Caminho Municipal e a oeste com …, inscrito na matriz sob o artigo …9 e descrito na Conservatória do Registo predial da ... sob o n.9 … da freguesia da ... em comum e sem determinação de parte ou direito e atenta a complexidade da questão, por despacho proferido a 16-09-2011 foram os respectivos interessados remetidos para os meios comuns por forma a se determinar se, integra a herança nesse processo partilhar (doc.de fls. 87).

4 - No seu seguimento, A… e mulher, G…, intentaram contra L…, Al… e Ma… os presentes autos, pedindo nomeadamente a declaração de serem os donos e legítimos proprietários do supra identificado prédio.

            III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da qualidade de sucessível

A presente acção foi intentada na sequência do despacho proferido a 16-09-2011 no âmbito do Processo de inventário n.º …/10.OTB…, instaurado por óbito de C… e de J…, que considerou não existirtem nos autos de inventário elementos suficientes para se dar como provado que o prédio urbano situado na ..., freguesia da ..., concelho da ..., inscrito na matriz sob o artigo …º e descrito na Conservatória do Registo predial da ... sob o n.9 … da freguesia da ..., não integra a herança a partilhar, pelo que remeteu os interessados para os meios comuns, ao abrigo do disposto no artigo 1350º do CPCivil, entao em vigor.

Nesta acção declarativa estava em causa decidir se o identificado prédio é propriedade dos AA. ou se, ao invés, integra a herança aberta por óbito de C… e de J….
        Como consta do Auto de Compromisso de Honra e Declarações de Cabeça-de-Casal constante do identificado processo de inventário, com cópia nestes autos a fls. 85 e seguintes, C… foi casado com J…, autores da sucessão objecto do identificado Processo de inventário n.º …/10.OTB…. C… faleceu em 28/06/1982 (doc. Fls. 88), tendo deixado como herdeiros os seus filhos: A…, casado com M…, AA nestes autos; L… Ré e também Recorrente no presente processo e M…, entretanto falecido, casado com a Recorrente, D….

Como também está demonstrado, o marido da ora Recorrente faleceu em 10/06/1988, cerca de 6 anos após a morte de seu pai, sogro da ora Recorrente, deixando dois filhos, Réus e também Recorrentes na presente acção. Assim sendo, também a Recorrente é, ao abrigo do instituto da transmissão previsto no artigo 2058º do Código Civil, herdeira do seu falecido sogro, C…, cuja herança integra o bem objecto da presente contenda.

Efectivamente, conforme resulta do artigo 2058º nº 1 do Código Civil, se o sucessível chamado à herança - o marido da Recorrente D…, cujo óbito ocorreu após o de seu pai - falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus herdeiros, por isso também a D…, enquanto cônjuge, para além dos seus descendentes, o direito de a aceitar ou repudiar.

Assim se conclui que a Recorrente D… - cuja legitimidade está assegurada pelo disposto no artigo 631º, nº 2 do CPCivil - é herdeira e também interessada na herança, de C…. Já assim não sucede no que tange à herança de sua sogra J…, falecida após o óbito de seu filho M… e marido da Recorrente. Neste caso, o direito de representação, previsto no 2039º do Código Civil, apenas assiste aos descendentes do seu falecido cônjuge, RR. E também Recorrentes nesta acção.

        2. Do litisconsórcio necessário: intervenção de todos os herdeiros
Considerando a natureza jurídica da herança indivisa, sublinha Pires de Lima e Antunes Varela, que «é um dos casos de comunhão que não cabe na figura da compropriedade, distinguindo-se desta pelo facto de "o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário. Significa isto que aos membros da comunhão, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património global»[1].
Em consonância com a natureza jurídica da herança indivisa, dispõe o artigo 2091 do Código Civil que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nomeadamente os direitos relativos ao reconhecimento ou não dos bens da herança.
No mesmo sentido, refere Capelo de Sousa que tratando-se de actos e negócios jurídicos de frutificação anormal, de melhoramento do património hereditário e de disposições dos bens hereditários que envolvam a sua alienação ou oneração só podem ser praticados conjuntamente por todos os herdeiros[2].
Ora, sendo objecto do presente processo o reconhecimento ou não, como integrante da herança de C… e J…, o prédio em cima identificado, deverão nela estar representados todos os seus herdeiros por, para tal efeito, a lei exigir a intervenção de todos eles nos termos do identificado artigo 2091º do Código Civil.
Deste normativo se infere que, tratando-se de um caso de litisconsórcio necessário, só os herdeiros podem praticar, em geral, actos como, a disposição dos bens, o pagamento do passivo hereditário, a defesa judicial dos direitos contestados, nomeadamente a cobrança de dívidas activas[3].
Por isso, e como concluem os Recorrrentes, deveria a acção ter sido intentada contra todos os herdeiros de C… e J…, reunidos em litisconsórcio necessário passivo, nos termos do artigo 30º Código de Processo Civil (artigo 28º do CPC de 1961), sob pena de preterição do litisconsórcio necessário legal, passivo.

Com efeito, dispõe o artigo 33º, nº 1 do CPC, com a mesma redacção que o art. 28º, nº 1 do CPC de 1961, que se «a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade». Assim, para além de Al… e Ma…, constituídos como réus nos presentes autos, necessitaria de neles também intervir a ora Recorrente, possuindo um legítimo e directo interesse na demanda[4].
Ademais, a ratio do artigo 2091º do Código Civil deriva da circunstância de a natureza da relação controvertida exigir a intervenção dos vários interessados nesta relação, configurando um caso de litisconsórcio necessário natural, ao qual se refere o actual artigo 33º, nº 2, do CPCivil quando estabelecer que é necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
Refere Lebre de Freitas que não «se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças – ou outras providências – inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais»[5]. Sempre que, por não intervirem certas pessoas, seja abalada essa estabilidade que se procura e se deseja, deixando a porta aberta à possibilidade de outros interessados na mesma relação jurídica suscitar nova demanda, em que poderão obter decisão diferente, o litisconsórcio impõe-se como obrigação[6].
É o que também ocorre no caso sub judice: os demais interessados podem vir demandar os aqui AA/Recorridos, com base na mesma relação jurídica, pondo em crise a decisão a proferir e abalando a estabilidade que se deseja, dada a mais que certa instauração de nova demanda.
Estamos, portanto, perante caso de litisconsórcio necessário passivo.

3. Da Ilegitimidade: questão nova de conhecimento oficioso
Atendendo ao disposto nas disposições conjugadas dos artigos 33º, 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 2, 577º e 578º do Código de ProcessoCivil (com redacção idêntica à dos artigos 28º, 288º. n.º 1 al. d), 493.º n º 2, 494.º e 495.º do CPC de 1961), a ilegitimidade constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso.
A questão que importa analisar é a de saber se ainda é possivel ser conhecida, nesta fase de recurso, posto que se trata de questão nova que não foi suscitada ou apreciada em 1ª instância.
O acórdão da Relação do Porto de 17 de Março de 2009[7], pronuncia-se afirmativamente, quando refere:
«Perante isto, surge a questão de saber se é possível conhecer em sede de recurso dessa ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
Sobre essa matéria pronunciou-se Amâncio Ferreira, sustentando que o tribunal de recurso pode «conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado» e que essas questões podem referir-se «à relação processual (v.g. a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do artº 495º)»[8].
No mesmo sentido, o acórdão da Relação do Porto de 14/9/2006[9], quando refere que «o tribunal de recurso pode - e deve - conhecer das questões novas - ou seja, não levantadas no tribunal recorrido -desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso», como seja a da ilegitimidade, devendo entender-se que, face ao disposto no artº 510º, nº 3, do CPC, a pronúncia genérica sobre essa excepção em despacho saneador tabelar (como o dos presentes autos, a fls. 93) não obsta a que «este tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico».

3.1. Embora, actualmente esteja em vigor um novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 28 de Junho, a letra da lei processual vigente ao tempo em que foram proferidos os citados arestos não se alterou, mantendo-se válida a argumentação supra referida e à qual se adere.

Por isso, afigura-se possível, a este tribunal de recurso, conhecer esta questão não suscitada  no tribunal recorrido, considerando que não foi ainda apreciada e decidida com trânsito em julgado e versa sobre matéria de conhecimento oficioso.

Em suma, não obstante a questão da ilegitimidade do autor não ter sido suscitada nos autos, nada impede que este tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado, por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico.

E como afirmam os Recorrentes, não é do interesse da Justiça e do Direito aceitar uma decisão judicial que, mais tarde, não possa efectivar-se em virtude de a mesma não ser aplicável a todos os seus interessados ou a todos aqueles que por ela, em abstrato, seriam afectados, mormente à ora Recorrente, exigindo a interposição de uma outra acção para apreciação da mesma questão que é objeto do presente processo no que se refere à ora requerente e que possa até possuir um desfecho distinto.

Por outro lado, não sendo agora, face ao estado da acção, mormente a existência de sentença, a referida excepção suscetível de sanação (cfr. os artigos 265.º n.º 2 e 508º n.º 1 al. a) do CPC), a solução só pode passar pela absolvição dos RR. da instância.

Neste sentido se pronunciou o Ac.do STJ, de 02-02-2005:

«As consequências que, no plano prático, qualquer das decisões da primeira instância poderia acarretar bem revelam que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário.

Como prevê o artigo 28º, n.9 1, do CPC, a falta de um dos interessados na relação controvertida, em caso de litisconsórcio necessário, é motivo de ilegitimidade. O juiz poderia ter providenciado pelo suprimento da falta do pressuposto processual, convidando a parte a corrigir a deficiência (artigo 265º, n.º 2, do CPC), mas não o tendo feito, não é agora possível, ao contrário do que propugna a Exma magistrada do Ministério Público, anular o processado para que tal diligência seja ainda efectuada, tanto mais que não se trata de nulidade processual de conhecimento oficioso (artigo 202º. Resta, pois, declarar a absolvição da instância por ilegitimidade passiva»[10].

Também o já citado acórdão da Relação do Porto de 17-03-2009, conclui «que, por ocorrer in casu uma situação de litisconsórcio necessário natural (passivo), ocorre a excepção dilatória de ilegitimidade dos RR., de conhecimento oficioso - pelo que, apesar de não ter sido suscitada anteriormente (seja pelas partes, seja pelo tribunal recorrido), deve este tribunal de recurso dela conhecer, não sendo já, nesta sede, possível o suprimento dessa falta de pressuposto processual (ao abrigo dos artos 265º, nº 2, e 508º, nº 1, al. a), do CPC), por ter passado o momento processual próprio e por a omissão dessa diligência de suprimento não configurar nulidade de conhecimento oficioso. Consequentemente, resta a este Tribunal determinar a revogação da sentença e a absolvição dos RR. da instância, ficando prejudicado o conhecimento de mérito da acção e da matéria suscitada na apelação»[11].

Face ao exposto, a preterição do litisconsórcio necessário passivo constitui uma excepção dilatória não suscetível de sanação, passível de ser conhecida nesta fase recursória, determinando a absolvição da instância.

Concluindo
1. Os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nomeadamente os direitos relativos ao reconhecimento ou não dos bens da herança (artigo 2091º do Código Civil).
2. Tratando-se de actos e negócios jurídicos de frutificação anormal, de melhoramento do património hereditário e de disposições dos bens hereditários que envolvam a sua alienação ou oneração só podem ser praticados conjuntamente por todos os herdeiros: estamos perante um caso de litisconsórcio necessário legal.

3. Não obstante a questão da ilegitimidade não ter sido suscitada nos autos, nada impede que o tribunal de recurso se pronuncie sobre ela, visto que, sendo de conhecimento oficioso, ainda não se encontra decidida com trânsito em julgado, por se encontrar inserida em mero despacho saneador tabelar ou genérico.

4. Não sendo agora, face ao estado da acção, mormente a existência de sentença, a referida excepção suscetível de sanação, a solução só pode passar pela absolvição dos RR. da instância.

IV – DECISÃO

Termos em que se acorda em julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a absolvição dos Réus da instância.

Custas pelos AA/Apelados.

Lisboa, 6 de março de 2014.

(Fátima Galante)

(Gilberto Santos Jorge)

(António Martins)


[1] LIMA, Pires/VARELA, Antunes - Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 2ª edição, p.
[2] SOUSA, Rabindranath V. A. Capelo de - Lições de Direito das Sucessões, volume II, Coimbra Editora, 2ª. edição, 2012,  p. 80.
[3]Neste sentido, entre outros os Acs. do STJ de 9 de Fevereiro de 2012, Proc. Nº 8553/06.3TBMTS.P1.S1, Relator: Silva Gonçalves e de 6 de Outubro de 2009, Proc. Nº 158/1999.S1, Relator: Camilo Moreira Camilo, www.dgsi.pt/jstj.
[4] Para além dos já mencionados herdeiros, o inventariado C…, alegadamente, tem mais dois filhos: MR, falecida em 17/10/2012, casada que foi JC, e TR, viúva. (cfr. docs. fls. 66 a 80 dos autos).
[5] FREITAS/Lebre de - Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, Coimbra: Almedina, 2008, p. 58.
[6] BASTOS, Rodrigues - Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Almedina, 1999, p. 118.
[7] Ac. RP de 17-03-2009, Processo nº 27/05.6TBBAO, Relator: Mário António Mendes Serrano, in www.dgsi.pt/jtrp
[8] FERREIRA, Amâncio - Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 151
[9] Ac. RP de 14/9/2006, Proc. Nº 0633963, Relator: Fernando Baptista Oliveira, in www.dgsi.pt/jtrp.
[10] Ac. STJ de 2/2/2005, Proc. 045610, Relator: Fernandes Cadilha, in www.dgsi.pt/jstj.
[11]Ac RP de 17-03-2009, Processo nº 27/05.6TBBAO, citado.