Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16/14.0TAOER.L1-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA À SEGURANÇA SOCIAL
CONFLITO DE DEVERES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1.Nos casos em que as entidades empregadoras, em situações de dificuldades financeiras, afetam as quantias devidas ao Estado e à Segurança Social ao pagamento, por exemplo, das retribuições dos trabalhadores, que priorizam sobre o cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais não se verifica qualquer causa de justificação, ou de exclusão da culpa, legalmente tipificadas, nomeadamente, o direito de necessidade, ou o estado de necessidade desculpante, e o conflito de deveres (cfr. artigos 34.º, 35.º e 36.º, do Código Penal).

2.O interesse do Estado no cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais, porque alicerçado na supremacia do interesse público, é superior ao interesse dos arguidos no pagamento dos salários e na continuidade da atividade das empresas.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, CSL  - Sucursal em Portugal, Ldª, e, F.M.A., filho de AA e de ARA, natural da freguesia de ………, concelho de Lisboa, nascido a 8 de Junho de 1949, divorciado, empresário, residente na R. ………………., Lisboa, foram condenados nos seguintes termos:
A sociedade arguida, CSL - Sucursal em Portugal, Ldª, pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punível pelos artigos 7º e 107º e, ex vi deste, 105º, nº 1 e 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, 30º, nº 2 e 79º, nº 1 do Código Penal, na pena de multa de 400 dias, à taxa diária de € 12,00, num total de € 4800,00.

O arguido F.M.A. . pela prática, em autoria material e na forma continuada, de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punível nos termos dos artigos 6.º, 7.º, n.ºs 1 e 3, 107.º e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT e 30.º, n.º 2 e 79º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, que se suspende por 5 anos, condicionada à satisfação da dívida parafiscal em causa, nesse prazo e até ao limite de € 42 000,00, tudo de harmonia com o preceituado no art. 14º nº 1 do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, com as alterações subsequentes, interpretado de acordo com o disposto no Acórdão do STJ n.º 8/2012, de 24 de Outubro.

Ambos os arguidos e demandados, no regime de solidariedade a pagar ao demandante, Instituto da Segurança Social, IP, a título de indemnização, a quantia de € 178 356,65 (cento e setenta e oito mil e trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros vencidos sobre cada prestação em dívida, à taxa de 7,007% ao ano até 31/12/2012, a partir de 1/01/2013, à taxa de 6,112%, de 1/1/2014, à taxa de 5,535 % ao ano, a partir de 1/1/2015, à taxa de 5,476 %, desde 1/1/2016, à taxa de 5,168 % e depois de 1/1/2017, à taxa de 4,966 %.
*

Inconformado, recorreu o arguido F.M.A., apresentando as seguintes conclusões:
I.Vem o arguido condenado pela alegada prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social.
II.Tendo resultado da decisão o seguinte “E condeno o arguido F.M.A. pela prática, em autoria material e na forma continuada, de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punível nos termos dos artigos 6º, 7º nº 1 e 3, 107º e 105º nºs 1 e 4 do RGIT (...) e 30º nº 2 e 79º nº 1 do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão, que se suspende por 5 (cinco) anos, condicionada à satisfação da dívida parafiscal em causa (…)
III."Condeno os arguidos (...) F.M.A., no regime de solidariedade a pagar ao demandante, Instituto da Segurança Social, IP, a título de indemnização, a quantla.de €178356,65 (...) “
IV.Ora, no nosso entendimento os elementos do crime não se encontram preenchidos,
V.Desde logo: Que o agente não a entregue nos cofres da Segurança Social, total ou parcialmente, apropriando-se dessa quantia e alinda que actue com dolo.
VI.A verdade é que, in casu, estamos perante um conflito de deveres previsto no artº 36º do Código Penal.
VII.Estando de um lado o dever de pagar as cotizações à segurança social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais e por outro lado está o dever de efectuar o pagamento mensal dos salários dos trabalhadores.
VIII.Mais, o arguido sempre procurar liquidar os valores em dívida junto da Segurança Social, de forma a não colidirem os deveres,
IX.Sendo que para tal aderiu ao PERES, com o intuito de proceder ao pagamento prestacional, de forma a que não colocasse em causa os valores dos salários.
X.A verdade é que face à realidade económica que o tecido empresarial se encontra, as empresas estão com dificuldades em cumprir pontualmente as suas obrigações,
XI.Tendo sido o caso.     
XII.Contudo, nunca foi intenção dos arguidos, nomeadamente do arguido recorrente, reter qualquer quantia para benefício próprio ou da sociedade arguida da qual é gerente.
XIII.Aliás, como foi retido da prova produzida junto do douto Tribunal.         
XIV.Os trabalhadores afirmaram que nunca tiveram qualquer valarem atraso, 
XV.O que releva a preponderância do dever de pagamento da remuneração pelo arguido.   
XVI.Assim, entende-se que o dolo esteja excluído da prática do arguido.                    
XVII.Mais; a Jurisprudência é unânime e o próprio Tribunal a Quo invoca o seguinte “0 crime de abuso contra a segurança social, sendo um crime omissivo puro consuma-se com a não entrega dolosa, no tempo devido, à segurança social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seu trabalhadores e corpos sociais" cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-03-2012, disponível online, em www.dgsi.pt.com redação da Senhora, Desembargadora Filomena Lima". (Sublinhado nosso)
XVIII.Ora, face ao exposto, dúvidas não restam que o arguido não actuou de forma dolosa.
XIX.Aliás, no nosso entendimento, bem como no entendimento da jurisprudência, os valores em causa, apesar de se encontrarem constitucionalmente consagrados, um sobrepõem-se ao outro.
XX.Sendo; claramente o dever que prevê a garantia de uma remuneração condigna ao trabalhador; e da respectiva manutenção dos postos de trabalho, também ela visa proteger interesses de cariz supra individual; no âmbito do próprio Estado social.              
XXI.Sendo importante referir que o não pagamento dos salários, em curto período  temporal originaria a paralisação da actividade da empresa e a apresentação à insolvência demonstrava-se como muito mais prejudicial para os trabalhadores, para a própria Segurança Social e para a economia em geral.
XXII.Assim, face ao supra exposto os elementos do crime não estão concretizados pelo que a condenação torna-se desadequada.          
XXIII.Quanto ao pedido de indemnização civil peticionado pelo assistente, o mesmo não se compreende, por se mostrar infundado    
XXIV.Ora, se os arguidos aderiram ao PERES, naturalmente irão liquidar tais valores
XXV.Pelo que com tal condenação implicaria um duplo pagamento, e que causaria um enriquecimento sem justa causa por parte da Segurança Social, na qualidade de assistente.
Vejamos,
XXVI.A responsabilidade civil por factos ilícitos depende do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 483.º CC.
XXVII.Desde logo, facto voluntário; a ilicitude; o nexo de imputação; o dano e o nexo de causalidade.
XXVIII.Tendo em conta que o valor em dívida será pago no plano prestacional resultante do PERES, ao momento não existe dano que possa ser ressarcido ou indemnizado.
XXIX.Além de que como foi referido anteriormente, estamos perante uma causa de exclusão de ilicitude, o conflito de deveres, como foi anteriormente tratado, não sendo necessário alongar o presente.   
XXX.Assim, face ao supra exposto não existe qualquer dolo por parte do arguido.
XXXI.Assim, claramente, não estão preenchidos os pressupostos do artº 483º CC, bem como o artº 129º do CP., razão pela qual e salvo o melhor entendimento de V.ª Ex.ª deverá o pedido indemnização civil ora em crise, ser indeferido, porquanto não mais se verifica no plano factual, os alegados requisitos de que dependeria a sua procedência.
XXXII.Mais, relativamente à condenação do arguido relativamente ao previsto no ponto 3 da decisão, ou seja pena de prisão de 2 anos, que se suspende por 5, condicionada à satisfação da dívida parafiscal em causa, nesse prazo e até ao limite de €42.000,00.
XXXIII.Ora tal condenação é totalmente desproporcional e incompatível com a realidade económica do arguido.                        
XXXIV.O arguido para liquidar tal valor, teria que trabalhar apenas com essa intenção,
XXXV.desconsiderando, a sua alimentação, a sua assistência médica, habitação, bem como todos os elementos essenciais à sua sobrevivência.
XXXVI.Aliás, tal condenação, fazendo uma paralelismo com a penhora prevista no CPC não tem qualquer fundamento.
XXXVII.Posto isto, concluímos que a decisão, infundadamente, restringe os Direitos Liberdades e Garantias do arguido.
XXXVIII.Acresce, que o arguido, apenas foi condenado anteriormente numa situação relativa à ACT, o que mostra claramente que não existe qualquer prevenção quanto ao mesmo
XXXIX.Por se tratar de uma contraordenação leve e sem qualquer importância para ser tida como referência nos presentes autos.
XL.A verdade é que tal decisão, coloca o Direito Fundamental da DIGNIDADE HUMANA em causa, revelando-se assim um JUSTIÇA completamente injusta e desinteressada pelos os interesses sociais, bem como pelos valores que caracterizam o Estado Livre!
XLI.Assim, face ao supra exposto deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado em estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA!
Nestes termos e nos melhores de Direito que v/a Exª mui doutamente se dignará a suprir, deverá a presente recurso ser julgado procedente, por provado em estrito cumprimento da tão douta e costumada JUSTIÇA .

O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo:
1. O recorrente condenou pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punível nos termos do artigo 6.º, 7.º, n.º 1 e 3, 107.º e 105.º, n.º 1 e 4, do RGIT e 30.º, n.º 2 e 79.º, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 5 anos, condicionada à satisfação da dívida parafiscal em causa, nesse prazo e até ao limite de € 42.000,00, tudo em harmonia com o preceituado no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT.
2. Referindo que não entregou à Segurança Social as quantias descontadas dos salários dos trabalhadores por ter optado por proceder ao pagamento dos salários a estes devidos, pugna pela sua absolvição, invocando ter actuado a coberto de um conflito de deveres.
3. Não lhe assiste razão.
4. Com efeito, a partir do momento em que Estado, que representa a sociedade, decidiu criminalizar a apropriação por parte das entidades empregadoras das importâncias deduzidas nas retribuições a título de contribuições para o regime de Segurança Social, tornou-se evidente que para a ordem jurídica, considerada na sua totalidade, o dever se apropriar dessas contribuições prevalece sobre o dever das entidades patronais pagarem os salários.
5. Assim, sendo de menor valor o dever que o arguido optou por cumprir, há que concluir que a ilicitude da sua conduta não poder ser afastada pelo n.º 1, do artigo 36.º, do Código Penal.
6. E nem se diga que a sua conduta se encontra tutelada pelo estado de necessidade porquanto não há fundamento para considerar o não pagamento de salários como um perigo actual – se o arguido tivesse deixado de pagar os salários os trabalhadores poderiam fazer cessar, por justa causa, os seus contratos de trabalho e intentar contra a sociedade co-arguida as competentes acções, pelo que igualmente a sua pretensão de ver excluída a culpa não pode vingar.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se dessa forma a sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA!

O IPSS não respondeu.
*

Neste Tribunal foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.

II.FUNDAMENTAÇÃO.
As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal) e, no caso, não foi interposto recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).
*

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões, as questões a decidir são:
1. Existência de um conflito de deveres;
2. Medida da pena (condição de suspensão da execução da pena);
3. Improcedência do pedido de indemnização civil (inexistência de dano: plano PERES).
*

Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria de facto provada e não provada:

a)Os Factos.

Em julgamento e com interesse para a decisão da causa ficou provado o seguinte:
1. A Sociedade arguida “CSL   – Sucursal em Portugal, LDA” é uma sociedade de responsabilidade limitada e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, consistindo o seu objeto social nas limpezas técnicas e industriais, gestão e detenção de participações sociais em empresas de limpezas técnicas e industriais.
2. A sociedade tem a sua sede social no Largo ………………., área do município de Oeiras.
3. A gerência da sociedade sempre foi exercida pelo arguido F.M.A. que, efetivamente, desempenhava as funções de gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida, dando ordens e contratando os trabalhadores, que, sob as suas ordens e direção, desempenharam funções na empresa.
4. O arguido atuava em nome da sociedade arguida e em benefício dos interesses desta.
5. A arguida “CSL   – Sucursal em Portugal, LDA”, no período compreendido entre os meses de Janeiro a Dezembro de 2012, sempre procedeu ao pagamento do salário devido aos seus trabalhadores.
6. Deduzindo das remunerações pagas aos trabalhadores, as contribuições mensais devidas por estes à Segurança Social.
7. As quais reteve.
8. Procedendo, mensalmente, à entrega na Segurança Social das respectivas folhas de remunerações, onde constavam as remunerações dos trabalhadores ao seu serviço e dos órgãos sociais, conforme o estipulado no art. 4° do DL nº 103/80, de 9 de Maio.
9. Sendo que, em cada mês, ao proceder à entrega das folhas, a empresa estava a emitir uma declaração de pagamento de salários aos trabalhadores nelas mencionados.
10. Porém, o arguido F.M.A., no âmbito dos seus poderes e atuando em seu nome e em benefício da sociedade arguida, no período compreendido entre os meses de Janeiro a Dezembro de 2012, não entregou nos cofres da Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que os descontos foram efetuados de acordo com o DL 103/80, 9 de Maio, nem nos noventa dias posteriores, o valor das cotizações deduzidas ao valor das remunerações devidas aos respetivos trabalhadores.
11. Fazendo ingressar no acervo patrimonial da sociedade as citadas importâncias para aí serem usadas da mesma forma que o dinheiro social a que tinham efetivamente direito.
12. Notificados os arguidos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 105º, nº 4, al. b) do RGIT, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 20.12 (Orçamento do Estado para 2007), não procederam, no prazo de 30 dias após a mesma, ao pagamento das prestações comunicadas à administração tributária através da competente declaração.

13. Assim, os arguidos não procederam à entrega nos cofres da segurança Social das seguintes quantias:

Mês
Total de Remunerações
(euros)
TaxasContribuições Ent. Patronal
(euros)
Cotizações Trabalhador
(euros)
TotalCotizações
Trabalhador
(euros
TotalTotal da conta corrente
(euros)
Cotizações
Trabalhador
(euros)
2012/013.291,55
96.203,17
23,90%
34,75%
539,81
22.848,25
246,87
10.582,35
786,68
33.430,60
130,31
0,00
0,00
0,00
0,00
786,68
33.430,60
246,87
10.582,35
2012/023.109,41
98.453,87
23,90%
34,75%
509,94
23.382,79
233,21
10.829,93
743,15
34.212,72
0,00
0,00
0,00
0,00
743,15
34.212,72
233,21
10.829,93
2012/032.946,15
102.725,84
23,90%
34,75%
483,17
24.397,39
220,96
11.299,84
704,13
35.697,23
0,00
0,00
0,00
0,00
704,13
35.697,23
220,96
11.299,84
2012/043.366,36
97.151,22
23,90%
34,75%
552,08
23.073,42
252,48
10.686,63
804,56
33.760,05
0,00
0,00
0,00
0,00
804,56
33.760,05
252,48
10.686,63
2012/053.372,34
88.432,81
23,90%
34,75%
553,06
21.002,79
252,93
9.727,61
805,99
30.730,40
0,00
0,00
0,00
0,00
805,99
30.730,40
252,93
9.727,61
2012/063.220,92
101.941,58
23,90%
34,75%
528,23
24.211,13
241,57
11.213,57
769,80
35.424,70
0,00
0,00
0,00
0,00
769,80
35.424,70
241,57
11.213,57
2012/074.405,82
103.158,56
23,90%
34,75%
722,55
24.500,16
330,44
11.347,44
1.052,99
35.847,60
0,00
0,00
0,00
0,00
1.052,99
35.847,60
330,44
11.347,44
2012/08
3.418,37
101.311,71
23,90%
34,75%
560,61
24.061,53
256,38
11.144,29
816,99
35.205,82
0,00
0,00
0,00
0,00
816,99
35.205,82
256,38
11.144,29
2012/093.227,87
169.685,99
23,90%
34,75%
529,37
40.300,42
242,09
18.665,46
771,46
58.965,88
0,00
0,00
0,00
0,00
771,46
58.965,88
242,09
18.665,46
2012/101.007,66
149.926,07
23,90%
34,75%
165,26
35.607,44
75,57
16.491,87
240,83
52.099,31
0,00
0,00
0,00
0,00
240,83
52.099,31
75,57
16.491,87
2012/11897,62
180.590,85
23,90%
34,75%
147,21
42.890,33
67,32
19.864,99
214,53
62.755,32
0,00
0,00
0,00
0,00
214,53
62.755,32
67,32
19.864,99
2012/121.853,22
308.580,60
23,90%
34,75%
303,93
73.287,89
138,99
33.943,87
442,92
107.231,76
0,00
0,00
0,00
0,00
442,92
107.231,76.
138,99
33.943,87
TOTAL1.632.279,55 385.158,77178.356,65563.515,420,00
0,00
0,00
0,00
563.515,42178.356,65

14. Pelo que o valor total de prestações liquidadas no período de Janeiro a Dezembro de 2012 e não entregues no Centro de Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que dizem respeito, nos termos do art.º 5º, nº 2 e 3 do Dec-Lei nº 103/80, de 9.05, art.º 18º do Dec-Lei nº 140 – D/86, de 14.06 e art.º 10º do Dec-Lei nº 199/99, de 8.06, perfaz o total de € 178.356,65.
15. Com tal atuação, o arguido F.M.A. e a sociedade arguida causaram à Segurança Social um prejuízo correspondente ao valor por eles descontado nos salários dos trabalhadores e não entregue nos cofres da Segurança Social, no valor de € 178. 356,65.
16. Ou seja, a sociedade arguida enriqueceu o seu património na mesma medida em que a Segurança Social empobreceu, no valor total de € 178. 356,65.
17. Efetivamente, tais valores foram integrados no conjunto das receitas recebidas pela sociedade arguida.
18. E utilizados pelo arguido F.M.A. na qualidade de titular do cargo de gerente da sociedade ao longo do período em causa nas diversas despesas correntes da sociedade arguida – “CSL   – Sucursal em Portugal, LDA”, nomeadamente no pagamento dos salários aos trabalhadores e pagamentos aos fornecedores.
19. Ao proceder da forma descrita, o arguido F.M.A. agiu em nome e no interesse da sociedade arguida.
20. Agindo de forma deliberada, livre e conscientemente.
21. Bem sabendo que as referidas quantias não lhe pertenciam, assim como não pertenciam à sociedade arguida.
22. E que tinham ficado em poder da sociedade para, posteriormente, serem entregues na Segurança Social.
23. Pelo que, ao não o fazer e ao utilizar as despesas da sociedade arguida, sabiam que tal conduta era proibida e punida por lei.
24. Mais, atuaram de forma homogénea e no âmbito de circunstâncias externas idênticas, que lhe facilitaram a reiteração da sua conduta e conduziram à decisão de a continuar.
25. A sociedade arguida apresentou requerimento, em 20 de Dezembro de 2016, de  adesão ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), requerendo o pagamento integral das dívidas à Segurança Social, através de 150 prestações mensais, com redução de juros e custas, e pagamento inicial de 8% do valor do capital em dívida, superior a € 324 000,00.
26. No entanto, não procedeu ao pagamento, até dia 13/1/2017, desses 8%, pelo que não se pôde manter no programa.
27. A sociedade não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, por conta da dívida de € 178. 356,65.
28. O arguido F.M.A. é gerente de empresas inscritas na prestação de serviços na área das limpezas industriais, entre as quais a arguida CSL .
29. No âmbito de tal atividade, o arguido aufere cerca de € 1500,00 por mês.
30. Por força da sua atividade comercial, tem diversas contas bancárias sujeitas a penhoras na sequência de incumprimento de pagamentos.
31. O arguido reside sozinho, numa habitação própria, não tendo quaisquer encargos monetários com a habitação.
32. A ocupação dos seus tempos livres decorre, sobretudo, em domínio habitacional e familiar, através do convívio regular com a sua filha e neta e, esporadicamente, com amigos.
33. O arguido foi submetido, em data não concretamente apurada, a duas cirurgias, na sequência dos problemas de foro renal e cardíaco, os quais exigem cuidados especiais continuados ao nível terapêutico.
34. A sociedade arguida não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.
35. O arguido F.M.A. foi condenado em 16/12/2013, por sentença transitada em 14/05/2015, no processo nº 2220/11.3TAFAR, do Juiz 1, da Secção Criminal, da Instância Local, do Tribunal de Comarca de Faro, na pena de 100 dias de multa, pela prática, em 16/09/2011, de um crime de desobediência qualificada.

Factos não provados, com relevância para a causa:
- que a sociedade arguida tenha procedido ao pagamento, até 13 de janeiro de 2017, da dívida integral, com isenção de juros e custas ou ao pagamento inicial de pelo menos 8% do valor do capital em dívida.
- que a sociedade arguida tenha, assim, regularizado a sua situação contributiva.

A sentença procede ao seguinte enquadramento jurídico-penal (relativamente ao Recorrente):
Verifica-se que este arguido está acusado da prática de um crime que se prolongou durante um ano.
Ora, na realidade, este arguido, na qualidade de gerente, de facto e de direito, da sociedade “CSL   - Sucursal em Portugal, Ld” não entregou as contribuições sociais vencidas naquele período.
As entidades patronais são obrigadas a deduzir mensalmente das remunerações pagas aos seus trabalhadores as contribuições devidas por estes à Segurança Social, dando assim cumprimento ao disposto nos artigos 5.º n.º 3 e 6.° do Dec. Lei n.º 103/80, de 9 de Maio e artigo 18.° - B do Dec. - Lei n.º 140 - D/86, de 14 de Junho e 10º, nº 2 do Dec-Lei nº 199/99, de 8/06.
Estas contribuições eram, à data, calculadas à taxa de 11 %, relativamente ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem - art.º 1.° do Dec - Lei n.º 140 - D/86 de 14 de Junho, artigo 13.° do Dec - Lei n.º 103/94 de 20 de Abril, art.º 3.° do Dec - Lei n.º 199/99 de 8 de Junho  e arts 61º e 62º da Lei nº 17/2000, de 28/08 -  sendo de 10%, quando estão em causa as remunerações de gerentes.
Considerando o tipo penal em apreço, dir-se-á que o bem jurídico protegido é o regular funcionamento do sistema das contribuições sociais e interesses que deve satisfazer, e nessa medida, transcende o valor patrimonial em si mesmo da prestação social a entregar.

São, pois, elementos típicos deste crime que:
a)- A obrigação da entidade patronal liquidar 11% sobre os vencimentos dos seus trabalhadores, nos termos sobreditos (e de 10% sobre os salários dos seus membros estatutários);
b)- Que o agente não a entregue nos cofres da Segurança Social, total ou parcialmente, apropriando-se dessa quantia;
c)- Que atue com dolo.

Ou seja, o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social só pode existir quando o agente, encarregado da cobrança e retenção das prestações para a Segurança Social, as liquida, mas não as entrega ao respetivo credor, o Instituto da Segurança Social.

Assim, este tipo-de-ilícito consuma-se quando o agente se apropria de cada uma das quantias que deveria entregar, integrando-a no seu património ou da coletividade que representa.

E, assim, o abuso de confiança contra a Segurança Social distingue-se do abuso de confiança comum do artigo 205.º do Código Penal, porque enquanto este exige a apropriação ilegítima da coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade, ao primeiro basta a não entrega total ou parcial da prestação parafiscal.

Ao contrário do tipo criminal comum, de abuso de confiança, o regime jurídico das infrações tributárias é um direito penal especial, orientado para a tutela dos interesses do Estado.

A entidade patronal tem, depois de liquidar, que entregar à Segurança Social essa quantia.

Sobre o 2º arguido, enquanto gerente formal e gerente de facto de uma sociedade, recaía a obrigação de fazer entregar à demandante ISS, as prestações descontadas no vencimento dos trabalhadores e dos titulares dos órgãos sociais.

Ao agir de outra forma, e dando-lhe destino diferente, o arguido atuou, com sucesso, com intenção de auferir, ainda que para a sociedade arguida, um benefício patrimonial indevido.

E ao fazê-lo preencheu os elementos objetivos do tipo-de-crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social.

“O crime de abuso contra a segurança social, sendo um crime omissivo puro consuma-se com a não entrega dolosa, no tempo devido, à segurança social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais” cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-03-2012, disponível on line, em www.dgsi,pt, com redação da Senhora Desembargadora Filomena Lima.

O desvalor da ação encerra-se, assim, com a não entrega de coisa, quando o sujeito passivo está juridicamente obrigado a fazê-lo.

E haverá apropriação, mesmo que o arguido não aproveitasse essas quantias como se fossem suas, mas antes as afetasse, como se deu por assente, ao pagamento de despesas com a atividade comercial da empresa.

Portanto, constata-se que o arguido lesou uma relação de confiança, já que lhe competia liquidar e, posteriormente, entregar as quantias referentes às contribuições para a Segurança Social.

É que era a este arguido que, nesse período, competia a gestão financeira corrente da empresa, sendo que era gerente de facto e de direito.

Na verdade, dispõe o artigo 6º, n º 1 “Quem agir voluntariamente como titular de um órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija:
 a)- Determinados elementos pessoais e estes só se verifiquem na pessoa do representado;
 b)- Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante atue no interesse do representado.
2 O disposto no número anterior vale ainda que seja ineficaz o ato jurídico fonte dos respectivos poderes”.
Consequentemente, a conduta do arguido F.M.A. preencheu os pressupostos típicos analisados.

Não se verifica qualquer causa de justificação, ou de exclusão da culpa, legalmente tipificadas, nomeadamente, o direito de necessidade, ou o estado de necessidade desculpante, e o conflito de deveres (cfr. artigos 34.º, 35.º e 36.º, do Código Penal). A Jurisprudência tem concluindo, de forma praticamente unânime, pela improcedência da invocação de causas de exclusão de ilicitude ou da culpa nos casos em que as entidades empregadoras, em situações de dificuldades financeiras, afetam as quantias devidas ao Estado e à Segurança Social ao pagamento, por exemplo, das retribuições dos trabalhadores, que priorizam sobre o cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais.

Considera tal jurisprudência, que se acompanha, que o interesse do Estado no cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais, porque alicerçado na supremacia do interesse público, é superior ao interesse dos arguidos no pagamento dos salários e na continuidade da atividade das empresas.

De todo o modo, nos autos, o arguido não invocou expressamente qualquer uma dessas causas e, mesmo que o tivesse feito, sempre se concluiria que, nesta situação, a empresa jamais procedeu ao pagamento de qualquer cotização social.

Quanto ao tipo subjetivo, só releva o dolo, em qualquer das suas modalidades. O mesmo é dizer que o agente, com a sua conduta, deve visar obter para si ou para outrem vantagem patrimonial, atenta a não previsão da punição a título de negligência (cfr. artigo 13.º, do Código Penal).

Atenta a situação dos autos, ficou demonstrado que o arguido F.M.A.  atuou com dolo direto (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal).

De facto, representava que estava legalmente obrigado a entregar àqueles montantes que descontava dos vencimentos de trabalhadores e que a integração desses montantes no património da sociedade era um resultado da sua conduta. Bem representou, assim, que estava a incorrer na prática de um facto típico, ilícito e punível e, ainda assim, quis praticar esta conduta.

O Acórdão do STJ n.º 6/2008, de 15/08 - Série I - n.º 94, partindo do princípio que, no plano dos conceitos, os elementos do tipo de ilícito e condições objetivas de punibilidade são noções que se excluem mutuamente, sanciona a seguinte ideia conceptual: o “crime de abuso de confiança fiscal” é “um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, que se consuma no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito”.

E consagra, ainda, o seguinte entendimento: “as condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que se encontram em relação directa com o facto mas que não pertencem nem ao tipo de ilícito nem ao de culpa. Constituem pressupostos materiais da punibilidade”.

Seguindo Jeschek, sintetiza-se que “As condições objectivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar antijurídico importe consequências penais”.

No caso, nada impedia o arguido de evitar a punibilidade dos factos como crime, entregando à Segurança Social os valores das contribuições até ao 15º dia do mês posterior àquele a que respeitavam.

Pelo que o arguido F.M.A.  era o responsável pela entrega desses valores até 15 do mês seguinte àquele a que respeitava cada retenção, sendo aquele o momento em que cessa a conduta ilícita continuada – cfr. artigo 30º, nº 1 e 2 do CP.

Sendo que o arguido não procedeu ao pagamento nem nesse prazo, nem no previsto no artigo 105º, nº 4 do RGIT. E isto apesar de ter sido expressamente notificado nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do artigo 105º, nº 4 do RGIT, mantendo a sua inércia, não procedendo a qualquer pagamento.

Analisados os factos provados, importa subsumi-los ao artº 30º do Código Penal, considerando que há apenas o preenchimento, por uma vez, do mesmo tipo de crime, que se repete por vários atos de apropriação até ao dia 15 de Janeiro de 2013.

Efetivamente, dispõe o art. 30.º, n.º 2, deste Código Penal que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”.

Na situação fatual assente nos autos, verifica-se o preenchimento concreto, de todos os pressupostos da continuação criminosa, uma vez que o arguido F.M.A. , enquanto gerente da sociedade arguida, realizou, por várias vezes, o mesmo tipo de crime, atuando sempre de modo idêntico modo, em atuações facilitadas pelo sucesso da sua conduta e pela inércia dos serviços da Segurança Social.

Estas causas permitiram a repetição criminosa ao longo deste período temporal descrito em 13., sendo a intenção criminosa renovada sucessivamente, num quadro exterior que diminui a exigibilidade do arguido adotar uma conduta conforme com a lei penal.

Tudo visto, dúvidas não se vislumbra de que o arguido F.M.A.   praticou o tipo de crime de abuso de confiança à Segurança Social, na sua forma simples e continuada.

Na verdade, estamos perante a realização plúrima deste tipo criminal na sua forma simples, já que nenhuma das prestações liquidadas, retidas e não entregues é superior a € 50 000,00.

Razão pela qual se entende que a conduta do arguido não integra o crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social agravado.

E, sobre a medida da pena aplicada ao Recorrente fundamenta:
Do arguido F.M.A. .
Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa" são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social.
A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido deverá ser feita, nos termos do artigo 71.º do Código Penal e artigo 13º do RGIT, em função da sua culpa, do grau de ilicitude do facto, das exigências de prevenção de futuros crimes e outras circunstâncias estabelecidos na primeira disposição, atendendo-se, sempre que possível, ao valor do prejuízo causado, como se prevê na segunda disposição.

Importa, assim, determinar qual a pena abstratamente aplicável e, após, concretizar a sua medida.

Nos termos do citado artigo 105º, nº 1 do RGIT, por remissão do artº 107º, n º1 do mesmo diploma o crime de abuso de confiança fiscal é punível, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias no caso de ter sido praticado por uma pessoa singular.

Por outro lado, e nos termos do artigo 15.º cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 500, tratando-se de pessoas singulares e entre € 5 e € 5000, tratando-se de pessoas colectivas ou entidades equiparadas.

Por força do artigo 105º, nº 5, “Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euros) 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.

Os montantes em causa são inferiores a € 50.000, não se aplicando a agravante, como se viu, até por força do estatuído no artigo 79º, nº 1 do Código Penal.

Dispõe o artº 40º, nº 1 do C.P. que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Nos termos do artº 70º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O RGIT concretiza um critério especial para a determinação da medida da pena, sendo que no artigo 13º, como já se observou, determina que “Na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime”.

O crime praticado pelo arguido é, como se disse, punido em abstrato com pena de prisão ou com pena de multa.

O arguido está, aparentemente, integrado socialmente.

Tem antecedentes criminais por um crime de desobediência, tendo sido condenado em pena de multa.

O arguido não elabora juízo de autocensura adequado, sendo que o relatório social aponta para uma desconsideração da necessidade dessa reflexão.

O valor do prejuízo é, no conjunto, muito elevado, sendo que está em causa a conduta do arguido, enquanto gerente da sociedade arguida, que não procedeu ao pagamento, sequer, da primeira cotização declarada e retida após a criação da sociedade, nem das que se lhe seguiram.

Por todo o exposto, fazendo-se um juízo de prognose pouco favorável, concluo ser mais adequada, em concreto, a pena de prisão às exigências de prevenção especial e geral (igualmente muito elevadas).

Nestes termos, importa determinar a medida da pena de prisão, a ser graduada entre um mínimo de um mês e máximo de 3 anos.

Face à factualidade dada como provada, verifica-se que o ilícito assume intensidade muito elevada, atento o valor total de € 178.356,65.

O dolo é elevado, atentas as circunstâncias da infração e da repetição da vontade criminosa.

Com efeito, não se apurou que o arguido tivesse agido num contexto de dificuldades económicas e financeiras da sociedade.

As exigências de prevenção geral são elevadas, atenta a generalização para a prática destes crimes, pelo que a conduta do arguido não deixa de causar alarme social.

Na verdade, condutas como esta colocam em causa a sustentação do atual modelo de Providência e de Solidariedade Social.

No que toca às exigências especiais, estas são ainda relativamente elevadas, já que o arguido mantém a sua atividade comercial, mantendo a gerência da sociedade.

O arguido não logrou aproveitar a adesão ao Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) para organizar a sua situação contributiva.

Assim, pelo exposto, e tendo em conta a moldura legal aplicável, fixo a pena junto do último terço, em 2 (dois) anos de prisão.

Da suspensão da pena de prisão.

Dispõe o art.º 50 º do Código Penal, que o “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

5 O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.”

De acordo com o disposto no artigo 14º, nº 1 do RGIT “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.

Este artigo 14º introduz uma regra especial em relação ao artigo 50º do Código Penal, como a Jurisprudência tem vindo a entender – cfr. por exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Janeiro de 2009, proferido no Pº 342/04.6TAAVR: “Esta formulação legal tem como pressuposto um prazo de suspensão que não seja inferior ao prazo dado para o pagamento.

E não pode ter-se por tacitamente revogado nesta parte o art.º 14º do RGIT já que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador como estatui o n.º3 do art.º7º do Código Civil. Ora, essa diferente intenção do legislador não existe no caso (cfr. a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro).

De resto tornava-se absurdo que –, impondo a lei o pagamento como condição para a suspensão da execução da pena –, quanto mais leve fosse a pena por força duma menor culpabilidade, menor fosse o prazo concedido para o pagamento, criando-se situações mais gravosas para culpas mais leves. Ou seja, quanto maior fosse a culpa maior o prazo concedido para o pagamento de montantes em falta quiçá sensivelmente de iguais.”

O Acórdão do STJ n.º 8/2012, de 24 de Outubro, fixa, por seu turno, jurisprudência nos seguintes termos:
“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia”.

O Acórdão, na sua fundamentação, não põe em causa que o regime de suspensão nos crimes fiscais se afasta do previsto no artigo 50º e, especificamente do nº 5. Efectivamente, ali afirma-se “A suspensão da execução das sanções fiscais impostas por crimes tributários no direito penal secundário está sujeita a um regime específico, extravasando os quadros do regime geral do direito penal clássico traçado no Código Penal”.

E, ali, cita-se jurisprudência do próprio STJ ,que se inclina no sentido da não correspondência entre o prazo de suspensão a impor nos termos do artigo 14º, nº 1 do RGIT e o prazo imposto pelo nº 5 do artigo 50º do CP (cfr. Acórdão de 9 de Janeiro de 2008, processo n.º 4632/07 -3.ª).

Ora, o arguido jamais foi condenado ou cumpriu pena efectiva de prisão. 
     
Cumpre assim, fazer juízo favorável de prognose ao arguido, nos termos previstos pelo artigo 50º, nº 1 do Código Penal.

Atendendo à jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 8/2012 e vistas as condições económicas e sociais do arguido, entendo dever alargar o prazo de pagamento ao máximo, ou seja, até ao limite de 5 anos.

E vistas essas condições económicas concretamente apuradas, a falta de despesas significativas com família, saúde ou casa, entendo que é razoável a imposição do pagamento da dívida tributária durante esse prazo de 5 anos, mas apenas até ao limite de € 700,00 por mês, pouco superior ao ordenado mínimo nacional e inferior a 50% do rendimento médio do arguido.

Assim, o arguido deverá proceder ao pagamento, durante esses 5 anos e como condição de suspensão da execução da pena de prisão, até ao valor de € 42 000,00.

Quanto ao pedido de indemnização civil:
O ofendido e assistente, Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de indemnização Civil, peticionando o pagamento da quantia respeitante às contribuições sociais liquidadas e não entregues, descriminadas na pronúncia.
Peticiona, ainda, os respetivos juros de mora legais, vencidos e vincendos.
Dispõe o artº 129º do C.P. que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Estatui o art.º 483º, do Código Civil:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei».
Desde logo, é evidente o carácter ilícito do comportamento dos demandados, dado que praticaram o crime referido.
No caso presente, o dano corresponde ao da apropriação concretizada pelos arguidos – € 178 356,65 (correspondente ao valor global em 13).
Da matéria de facto provada e da apreciação que dela foi feita no tocante à responsabilidade criminal, resultam provados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – facto ilícito e culposo, verificando-se ainda a existência de nexo causal entre a prática dos factos e o dano - pelo que, face ao disposto nos artigos 483º, nº 1, 487º, 562º e 563º, todos do C.C., constituem-se os arguidos - ora demandados – na obrigação de indemnizar o Instituto da Segurança Social.
Assim, os arguidos encontram-se constituídos na obrigação de indemnizar o demandante cível em montante equivalente ao empobrecimento deste e na medida das suas concretas responsabilidades.
Na verdade, dispõe o nº 2 do artigo 566º do Código Civil, que “ Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
Nos termos do n° 3 do art. 5° do DL 103/80, de 9 Maio, “o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor”.
Estabelece o art. 10º, nº 2, do DL 199/99, de 08/06, que “as contribuições previstas neste DL devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte a que disserem respeito”.
E o artigo 16° do DL 411/91, de 17/10, estabelece, no seu nº 1, que “Pelo não pagamento das contribuições à Segurança Social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção”. E o nº 2, que “A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma.
A partir de 1/01/2012 a taxa de juros corresponde a 7,007% ao ano (artigo 3º .do  artigo 3º Decreto -Lei n.º 73/99, de 16 de Março, na redação dada pelo artigo 165.º da Lei n.º 3 -B/2010, de 28 de Abril, que aprova o orçamento do Estado e  Aviso n.º 24866-A/2011)
A taxa de juros de mora é, a partir de 1/1/2013, de 6,112% - cfr . o Aviso nº 17289/2012, de 28 de Dezembro, do Instituto de Gestão do Crédito Público publicado em Diário da República, 2ª Série.
A partir de 1/1/2014, a taxa será de 5,535 % - cfr. Aviso n.º 219/2014, de 23 de Dezembro de 2013, da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública — IGCP, E. P. E., publicado em Diário da República, 2ª Série.
A partir de 1/1/2015, a taxa é de 5,476 % - cfr. Aviso n.º 130/2015, de 22 de Dezembro de 2014, publicado em Diário da República, 2ª Série, N.º 4, de 7 de Janeiro de 2015.
Desde 1/1/2016 e até 31/1/2016, a taxa de juros de mora é de 5,168 % - cfr. Aviso n.º 87/2016, de 23 de Dezembro de 2015, publicado em Diário da República, 2ª Série, N.º 3, de 6 de Janeiro de 2016.
A partir de 1/1/2017, a taxa fixa-se em 4,966 % - cfr. Aviso 139/2017, de 4 de janeiro, publicado no Diário da República n.º 3/2017, Série II de 4/01/2017.
Ao montante indemnizatório - € 178 356,65 - acrescem juros de mora vincendos, pois que a presente matéria relativa a juros não é “enquadrável no nº 3 do artigo 805º do Código Civil, uma vez que este preceito regula as situações de responsabilidade por facto ilícito se o crédito for ilíquido” – cfr. Acórdão de 17 de Junho de 2002, da Relação de Guimarães, in CJ, ANO XXVII - 2002 TOMO III, fls. 293 e 294.
Na verdade, sendo líquidos os créditos provenientes dos montantes descontados nos salários dos trabalhadores é aplicável a alínea b) do nº 2 do artigo 805º do Código Civil, pelo que existe mora independentemente da citação – cfr. Ac. Cit.
Assim, ao montante indemnizatório acrescerão os juros vencidos, às taxas ora referidas, contados desde o 15º dia do mês seguinte àquele a que as contribuições mensais descriminadas dizem respeito.
Assim, os arguidos são condenados no regime de solidariedade, até ao limite de € 178 356,65, acrescidos dos juros vencidos às taxas já referidas.

1.Conflito de deveres.
O Recorrente invoca a existência de um conflito de deveres previsto no artº 36º do Código Penal: por um lado o dever de pagar as quotizações à segurança social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais e, por outro lado, o dever de efectuar o pagamento mensal dos salários dos trabalhadores.

Invoca ainda que sempre procurou liquidar os valores em dívida junto da Segurança Social, de forma a não colidirem os deveres e, para isso aderiu ao PERES, com o intuito de proceder ao pagamento prestacional, de forma a que não colocasse em causa os valores dos salários.

Sustenta que foi o caso decorrente da realidade económica, de ter dificuldades em cumprir pontualmente as suas obrigações, mas nunca com o propósito de reter qualquer quantia para benefício próprio ou da sociedade arguida da qual é gerente.

Os trabalhadores ouvidos afirmaram que nunca houve atraso no pagamento das remunerações o que demonstra a preponderância dada ao dever de pagamento da remuneração, o que exclui o dolo.
Salienta ainda a jurisprudência que considera unânime no sentido da prevalência do dever que prevê a garantia de uma remuneração condigna ao trabalhador e da respectiva manutenção dos postos de trabalho que, também visa proteger interesses de cariz supra individual no âmbito do próprio Estado Social.
        
O propósito do Recorrente é a ponderação da existência de um conflito de deveres ou de uma qualquer causa de exclusão da ilicitude que evite a sua condenação.

A sentença recorrida procede a uma análise conforme com os ensinamentos largamente maioritários da jurisprudência dos nossos tribunais ao afirmar:
Não se verifica qualquer causa de justificação, ou de exclusão da culpa, legalmente tipificadas, nomeadamente, o direito de necessidade, ou o estado de necessidade desculpante, e o conflito de deveres (cfr. artigos 34.º, 35.º e 36.º, do Código Penal). A Jurisprudência tem concluindo, de forma praticamente unânime, pela improcedência da invocação de causas de exclusão de ilicitude ou da culpa nos casos em que as entidades empregadoras, em situações de dificuldades financeiras, afetam as quantias devidas ao Estado e à Segurança Social ao pagamento, por exemplo, das retribuições dos trabalhadores, que priorizam sobre o cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais.

Considera tal jurisprudência, que se acompanha, que o interesse do Estado no cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais, porque alicerçado na supremacia do interesse público, é superior ao interesse dos arguidos no pagamento dos salários e na continuidade da atividade das empresas.

Efectivamente, dispõe o n° 1 do art. 36º do Código Penal que "não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos (...), satisfizer dever (...) de valor igual ou superior ao do dever (...) que sacrificar", prevenindo as situações em que o agente é colocado perante o conflito de, na impossibilidade de cumprimento tempestivo ou simultâneo de deveres que sobre ele impendem, ter de optar pelo cumprimento de um deles, sacrificando o outro[1]. Por isso, a causa de justificação opera quando o agente opte pelo cumprimento do dever mais valioso, sendo possível hierarquizar os deveres em conflito, atendendo aos bens jurídicos protegidos e à importância que aqueles deveres assumem para a pessoa que vinculam. Quando não se pode estabelecer essa hierarquização o agente pode eleger o cumprimento de qualquer um dos deveres e, cumprindo-o, fica afastada a ilicitude da sua conduta ao preterir o outro dever conflituante, porquanto "quando a ordem jurídica exige o cumprimento de vários deveres incompatíveis, não dando ao respectivo destinatário critério de escolha, tem de contentar-se com o cumprimento de qualquer deles"[2].

In casu, entre o dever de entregar à Segurança Social as quantias descontadas nos salários dos trabalhadores e o dever de manter a sociedade em actividade, pagando as suas despesas correntes de funcionamento, mormente a parte líquida dos salários, o primeiro dever é seguramente superior. Efectivamente, os valores e bens jurídicos que as prestações à segurança social visam acautelar, inserem-se directamente nas atribuições do Estado, no sentido de assegurar aos cids assistência social e protecção nas situações de vulnerabilidade como a infância, a velhice, a invalidez, a viuvez ou a orfandade, perda de meios de subsistência ou incapacidade para o trabalho, sensivelmente superiores aos valores ínsitos aos critérios de gestão de empresas ou aos deveres operacionais do pagamento dos salários ou a fornecedores.

A opção pelo pagamento a trabalhadores e a fornecedores com montantes de que eram fiéis depositários e que em boa verdade não lhes pertenciam, no quadro de uma opção que não teve em conta a superioridade dos valores preteridos, não pode fazer concluir que os arguidos agiram a coberto do conflito de deveres. A jurisprudência tem tomado posição neste sentido sobre a graduação dos valores em causa, notando que ao contrário do que acontece com a apropriação das importâncias devidas à segurança social, o não pagamento de salários aos trabalhadores ou dos créditos dos fornecedores não constitui crime[3] e pode distorcer gravemente as regras do mercado, evitando a perseguição criminal pelos crimes tributários e usufruindo de inadmissíveis vantagens de concorrência[4], concluindo invariavelmente que o dever de cumprir as obrigações tributárias é "uma obrigação legal e assim superior ao dever funcional de manter a empresa com os pagamentos em dia"[5].

Note-se: para além do supra exposto, quem assim procede, com a aparência de estar a salvaguardar os direitos dos trabalhadores, está efectivamente a defraudar o direito à reforma, à assistência no desemprego e à segurança social em geral: não pagando as prestações devidas à Segurança Social pode ficar em risco o direito dos trabalhadores aos benefícios que decorrem do pagamento das contribuições devidas!

A circunstância de em 20 de Dezembro de 2016, ter declarado aderir ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), requerendo o pagamento integral das dívidas à Segurança Social é posterior à data da consumação do crime e, lamentavelmente, tem de se constatar que parece não corresponder a um propósito sério de solver os seus compromissos, na medida em que não procedeu ao pagamento, até dia 13.1.2017, desses 8%, pelo que não se pôde manter no programa e a sociedade arguida não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, por conta da dívida de € 178. 356,65 (factos provados 25 a 27).

Existem outras circunstâncias que no caso concreto indicam claramente a inexistência de qualquer conflito de deveres.

Por um lado, a factualidade provada não espelha a necessidade de fazer uma opção (que sempre seria errada) entre o pagamento dos trabalhadores e o cumprimento das obrigações parafiscais. Não ficou assente que a sociedade arguida estivesse com dificuldades económicas ou financeiras que explicasse a opção efectuada.
Por outro lado, ao apreciar criticamente a prova testemunhal, o tribunal a quo foi deixando claro que a opção por não pagar as contribuições à Segurança Social (e continuar sem pagar) não se ficou comprovadamente a dever a dificuldades financeiras, designadamente quando afirma que:
Dos depoimentos das testemunhas (trabalhadores) resulta “que os trabalhos de limpezas são adjudicados, nomeadamente através de concursos, a outras empresas, nomeadamente a Ambiente Jardim, parecendo ser a estrutura de custos, nomeadamente com salários, transferida para a aqui arguida. Ainda que tal exceda o objeto do processo, desta constatação permite-se concluir que há uma intenção, por parte do arguido, enquanto representante legal da sociedade arguida, em omitir os pagamentos das cotizações sociais inscritas nas declarações periódicas e de afetá-las a outras despesas da sociedade”.

A propósito do depoimento de outra testemunha: “No que permite confirmar o comentário que se fez sobre a transferência de custos e, seguramente, afastar a ideia de que a falta de pagamento decorria das dificuldades próprias de funcionamento da empresa e do pagamento dos salários, a testemunha revela que, entre 2012 até 2015, a sociedade inscreveu 2600 qualificações de trabalhadores. Como explica a testemunha, tal não quer dizer que tenham inscrito 2600 trabalhadores, já que o mesmo trabalhador pode entrar e sair mais do que uma vez. No entanto, dá conta de uma flutuação da composição dos recursos humanos da sociedade, que pouco se compadece com o paradigma de pequena e média empresa que opta por não pagar as contribuições sociais para conseguir pagar os salários e salvaguardar os postos de trabalho”.
E, adiante, após o depoimento do TOC da empresa arguida “Para mais, há que salientar o facto do volume de salários aumentar muito no fim do ano de 2012, o que é absolutamente contraditório com esta afirmada baixa da faturação”.
*

Consequentemente, não se encontram motivos para ponderar a existência de qualquer conflito de deveres ou de qualquer actuação sem dolo.

2.Condição de suspensão da execução da pena.
Analisada atentamente a motivação e as conclusões tem de se concluir que a discordância do Recorrente se limita à condição imposta de suspensão da execução da pena.

Efectivamente, o Recorrente sustenta que a condenação é totalmente desproporcional e restringe infundadamente os Direitos, Liberdades e Garantias do arguido porque é incompatível com a sua realidade económica, atendendo a que para liquidar o valor em causa, teria que trabalhar apenas com essa intenção, desconsiderando, a sua alimentação, a sua assistência médica, habitação, bem como todos os elementos essenciais à sua sobrevivência. Salienta ainda a existência apenas de uma condenação anterior.

Salvo o devido respeito, só uma leitura desatenta da sentença permite ao Recorrente sustentar a falta de razoabilidade do condicionamento da suspensão da execução da pena à satisfação da dívida parafiscal em causa, no prazo de cinco anos e até ao limite de €42 000,00 porquanto a sentença recorrida explica de forma cristalina porque é que reduziu para 42.000 € o montante de dívida parafiscal que tem de ser satisfeito se o arguido não quer ver revogada a suspensão da execução da pena. Diz a sentença recorrida (transcreve-se novamente):
E vistas essas condições económicas concretamente apuradas, a falta de despesas significativas com família, saúde ou casa, entendo que é razoável a imposição do pagamento da dívida tributária durante esse prazo de 5 anos, mas apenas até ao limite de € 700,00 por mês, pouco superior ao ordenado mínimo nacional e inferior a 50% do rendimento médio do arguido.

Assim, o arguido deverá proceder ao pagamento, durante esses 5 anos e como condição de suspensão da execução da pena de prisão, até ao valor de € 42 000,00.

Feitas as contas e tendo em atenção as condições económicas comprovadas do arguido não pode deixar de se concordar com o raciocínio expendido que se afigura matematicamente correcto. Tendo em atenção o seu vencimento mensal comprovado, o Recorrente ainda fica com um rendimento mensal disponível de 800 € a que acrescem 1500 € de subsídio de férias e 1500 € de subsídio de Natal.

Fazendo um paralelismo com a penhora que o Recorrente sugere, conclui-se que o Recorrente tem de sacrificar pouco mais do que 1/3 do seu rendimento anual com vencimentos o que, atendendo ao valor sobejante (12.600€ por ano) e aos valores relacionados com o Estado Social e com os direitos dos trabalhadores postos em causa se revela perfeitamente razoável, proporcional e justo.   

3.Inexistência de dano: plano PERES
O Recorrente centra a sua crítica à sua condenação no pedido cível deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP na circunstância de os arguidos terem aderido ao PERES (programa especial de redução do endividamento ao Estado), pelo que no âmbito desse programa irão liquidar tais valores e a condenação implicaria um duplo pagamento e o inerente enriquecimento sem justa causa por parte da Segurança Social. Conclui que tendo em conta que o valor em dívida será pago no plano prestacional resultante do PERES, não existe dano que possa ser ressarcido ou indemnizado, falhando um dos pressupostos da indemnização por responsabilidade civil.

Mais uma vez, salvo o devido respeito, falham os pressupostos de facto que permitiriam a este tribunal apreciar a tese do Recorrente. Efectivamente, é certo que a sociedade arguida apresentou requerimento, em 20 de Dezembro de 2016, de adesão ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), requerendo o pagamento integral das dívidas à Segurança Social, através de 150 prestações mensais, com redução de juros e custas, e pagamento inicial de 8% do valor do capital em dívida, superior a € 324 000,00 (facto provado 25). Porém também ficou assente que não procedeu ao pagamento, até dia 13/1/2017, desses 8%, pelo que não se pôde manter no programa (facto provado 26) e que não procedeu ao pagamento de qualquer quantia, por conta da dívida de € 178. 356,65 (facto provado 27).

Consequentemente, constata-se a existência do dano e a exigibilidade do montante em dívida.

III–DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido F.M.A., mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo decaimento a cargo do Recorrente, fixando-se em três UC a taxa de justiça devida (art.s 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 87º nº 1 b) do Código das Custas Judiciais).



Lisboa, 6 de Dezembro de 2017



(elaborado, rubricado e revisto pelo relator e assinado por este e pela Ex.ma Adjunta)


(Jorge Raposo)
(Margarida Ramos de Almeida)



[1]Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2012, no proc. 6651/08.8TAVNG.P1, disponível no site dgsi.pt.
[2]Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, pg. 93.
[3]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.7.2006, disponível no site dgsi.pt
[4]Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18.10.2006, 30.5.2007 e 26.9.2007, disponíveis no site dgsi.pt.
[5]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.1.1997, C.J.S.T.J., Tomo II, pgs. 190 a 194; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4.2.2013, no proc. 285/11.7IDBRG.G1, disponível
no site dgsi.pt.