Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1642/16.8T8OER-D.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA EM LEILÃO
NOTIFICAÇÃO AO PROPONENTE
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O artigo 824º nº 2 do CPC não estabelece um prazo dentro do qual o agente de execução tem de cumprir a notificação ali prevista ao proponente, pelo que o facto da notificação ao proponente ser posterior, por dias, à realizada ao exequente e ao executado sobre o resultado do leilão, não constitui qualquer irregularidade nem nulidade que deva determinar a anulação do leilão, nem determina, só por si, qualquer violação do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, nem violação do princípio da igualdade face a outros eventuais proponentes


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.Relatório


Na execução que o Banco C…., intentou contra L…, ambas nos autos m. id., penhorada que foi a fracção autónoma adiante melhor identificada, foi a mesma objecto de leilão, findo o qual a Agente de Execução notificou a exequente e a executada, em 9.5.2019, nos seguintes termos:
Fica V. Exa. notificado(a), na qualidade de patrono da executada, do conteúdo da CERTIDÃO DE ENCERRAMENTO DE LEILÃO, cuja cópia segue em anexo.
Terminado o leilão eletrónico verifica-se que a melhor proposta é superior a 85% do valor base, estando assim reunidas condições para que se concretize a adjudicação do bem ao proponente, logo que:
a)- O proponente deposite o preço e demonstre o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente a liquidação do IMT (Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e IS (Imposto de Selo), o que deverá fazer no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão (nº 2 do artigo 824º do CPC);
b) Não sejam exercidos direito de preferência (no prazo de 10 dias), sem prejuízo de eventuais direitos de remissão (artigo 842º do CPC);
Adquirente: A…, NIF: …, Morada: …., Localidade: … ,
Executado(s): L…
Valor: 191.073,63 Euros
BEM A SER ADJUDICADO: “Fração autónoma designada pela letra … composta de três divisões assoalhadas, que corresponde ao rés do chão B destinado a habitação, com um lugar de estacionamento na primeira cave do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia …, concelho …, e descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de … sob o número ….”

Em 04.06.2019, a Agente de Execução notificou a proponente A… nos seguintes termos:
Fica V. Ex. A notificado(a), na qualidade de proponente/preferente, para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o pagamento, utilizando para o efeito as referências Multibanco constantes em rodapé, o valor de 191.323,63 Euros, correspondentes à totalidade do preço em falta no montante de 191.073,63 euros acrescido de 250,00€ para pagamento na conservatória do registo predial da aquisição, do bem adjudicado a V. Ex. A, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824º do código de processo civil (CPC) O pagamento terá que ser feito através da rede multibanco (pagamento de serviços) ou por depósito (em dinheiro ou cheque visado/bancário) junto de um qualquer balcão do Millennium BCP, devendo para o efeito fazer-se acompanhar desta notificação.

Fica ainda advertido que, findo o prazo atrás referido, não sendo efetuado este pagamento, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a)- Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo V. Ex. A o valor da caução; ou
b)- Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido a V. Ex. A que adquira novamente os mesmos bens, mais perdendo o valor da caução; ou
c)- Liquidar a responsabilidade de V. Ex. A, sendo promovido perante o juiz o arresto em bens   suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal, sendo V. Ex. A, simultaneamente, executado no presente processo para pagamento daquele valor e acréscimos”.

Por referência Citius 32812267, em 25.06.2019, veio a executada, e passamos a citar, “nos termos do disposto do artigo 835º do Cód. Proc. Civil apresentar RECLAMAÇÃO o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1.-Nos presentes autos foi penhorada a fração autónoma designada (…)
2.-A fração supra identificada foi vendida em leilão eletrónico,
3.-Tendo a Executada sido notificada da certidão do encerramento do Leilão no dia 14 de Maio de 2019 (…)
4.-Do teor da supra mencionada notificação consta que a melhor proposta foi apresentada pela proponente (…) e que o bem lhe seria adjudicado logo que fosse depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, designadamente, liquidação do IMT e Imposto de Selo,
5.-O que deveria ocorrer no prazo de 15 dias a contar da notificação prevista no artigo 824º do Código de Proc. Civil.
6.-No dia 22 de Maio de 2019 a Executada foi notificada pela Senhora Agente de Execução para facultar o acesso ao imóvel à proponente e ao avaliador do Banco para que este pudesse verificar o estado do imóvel, (…)
7.-No dia em que se deslocou ao imóvel com a Proponente, a Executada tomou conhecimento que a Proponente iria recorrer ao crédito bancário e que só após a respetiva aprovação é que iria depositar o preço.
8.-Estranhando a informação transmitida pela Proponente, a Executada deslocou-se a Tribunal para se inteirar da data em que a Proponente havia sido notificada para proceder ao depósito do preço,
9.-Tendo constatado que, no decurso no mês de Maio a senhora Agente de Execução apenas haviam sido notificados os Executados e o Exequente do encerramento do leilão,
10.-Não tendo sido realizada qualquer notificação à Proponente para depositar o preço.
11.-O leilão foi encerrado no dia 08 de Maio de 2019,
12.-E no dia seguinte foram emitidas as notificações para os Executados e Exequente,
13.-Tendo a notificação para a Proponente apenas sido emitida no dia 04 de Junho de 2019, (…)
14.-Estabelece o n.º 2 do artigo 824º do Cód. Proc. Civil que aceite alguma proposta o proponente ou o preferente é notificado para no prazo de 15 dias depositar a totalidade ou parte do preço em falta numa instituição de crédito, à ordem do Agente de Execução.
15.-No caso em apreço tal não se verificou, tendo a Proponente beneficiado de (…) condições mais favoráveis que os restantes proponentes.
16.-(…) entende a Executada que a notificação da Proponente a 5 de Junho de 2019, não é correta e viola o disposto no artigo 824º, nº 2 do Cód. Proc. Civil.
17.-Pelo que requer a V. Ex.a se digne admitir a presente reclamação e, em consequência, ordenar a anulação do leilão”.

Em 02.07.2019 a Agente de Execução responde à reclamação alinhando que:
1º-Veio a executada aos autos requerer a anulação da venda por leilão eletrónico, com o fundamento da notificação para depósito do preço ao proponente ter sido efetuada a 04/06/2019, quando as notificações de encerramento do leilão foram rececionadas pelos intervenientes processuais a 14/05/2019;
2º-A executada informa ainda que a agente de execução a notificou no dia 22/05/2019, para facultar o acesso ao imóvel à proponente e avaliador do banco, para que este pudesse verificar o estado do imóvel afim de concluir o processo do crédito à habitação.
3º-A agente de execução efetivamente teve de notificar a executada, porque a mesma entre o dia 14 e 22, nunca respondeu ás solicitações da proponente, nem do perito avaliador, pelo que a Agente de Execução teve de efetivamente de intervir notificando-a para facultar o acesso ao imóvel;
4º-Tal como resulta do documento junto aos autos pela executada, no dia 24/05/2019, foi a agente de execução informada, pela executada que a visita do imóvel iria realizar-se no dia 29/05/2019;
5º-No seu requerimento veio a executada informar no dia em que a proponente e o perito foram verificar o estado de conservação do imóvel é que teve conhecimento de que a proponente iria proceder ao depósito do preço após a aprovação do empréstimo… e estranhando foi ao tribunal…
6º-A agente de execução também estranha a atitude da executada, primeiro porque desde que soube que o imóvel tinha sido objeto de venda só facultou o acesso no dia 29/05/2019… Segundo porque na notificação da agente de execução de 22/05/2019, foi a executada informada de que a proponente precisava de se deslocar ao imóvel com o perito avaliador do Banco, tendo inclusive ligado para o escritório da AE a ilustre mandataria da executada para se inteirar do formalismo, tendo sido explicado que era uma situação normal o perito deslocar-se ao imóvel para proceder ao estado de verificação do mesmo atendendo a que a proponente tinha recorrido ao crédito, pelo que o Banco não prescindia da avaliação do perito.
7º-De qualquer modo a executada não necessitava de se ter dirigido ao tribunal, bastava ter solicitado a informação à Agente de Execução.
8º-Assim e logo que a agente de execução teve conhecimento de que a avaliação do perito já tinha sido efetuada, notificou a proponente para o depósito do preço e pagamento das obrigações fiscais.
9º-É ainda de salientar que o perito apenas teve acesso ao imóvel no dia 29/05/2019, tendo a proponente sido notificada logo no dia 04/06/2019.
Mais informo que a proponente já tem a aprovação do crédito, estando apenas a aguardar que a escritura de hipoteca seja agendada, para proceder nesse mesmo dia ao depósito do preço.
É verdade que quando os proponentes necessitam de recorrer ao crédito, o depósito do preço não ocorre no prazo estipulado de 15 dias, contudo esse motivo só por si não é impeditivo da aceitação da proposta.
Face ao exposto, nada há apontar à agente de execução, nem a mesma se encontra a favorecer a proponente, tendo o processo sido sempre claro e transparente estando a agente de execução sempre disponível para qualquer esclarecimento, pelo que a venda através do leilão não deve ser anulada”.
Em 12.07.2019 a Agente de Execução informa o tribunal “que a entidade bancária que concedeu o crédito à proponente já agendou a escritura para o dia 17/07/2019, tendo a adquirente já liquidado as obrigações fiscais inerentes à compra do bem penhorado nos autos”.

Notificadas expressamente para se pronunciarem, por despacho de 7.10.2019, tanto a Agente de Execução como a exequente, a primeira veio informar que o bem penhorado já tinha sido vendido, e a segunda pronunciou-se nos seguintes termos:
“Banco C…., Exequente nos autos à margem melhor identificados em que são Executados L… e outro, notificado que foi da arguição de nulidade apresentada pela executada, vem, dela responder, nos seguintes termos:
1.-Vem a executada requerer a anulação da venda realizada através de leilão electrónico, alegando para tal, que a notificação para depósito do preço por parte do proponente ter sido efectuada “apenas” em 04-06-2019.
2.-Veja-se, após o encerramento do leilão electrónico em 08-05-2019, a Agente de Execução, notificou Exequente e Executados, para o encerramento, informando para este efeito o valor de adjudicação do imóvel.
3.-As notificações foram recepcionadas a 14-05-2019, tendo ainda a Executada sido notificada, a 22-05-2019, para facultar o acesso ao imóvel, uma vez que a proponente iria recorrer a crédito bancário para aquisição do imóvel e como tal seria necessário o perito do banco financiador avaliar o imóvel para conclusão do crédito bancário.
4.-Acontece que, a Executada só a 24-05-2019 informa a Agente de Execução de que só no dia 29-05-2019 iria facultar o acesso ao imóvel.
5.-A Exequente não pode deixar de estranhar o alegado “desconhecimento” da Executada uma vez que, desde sempre soube que o imóvel tinha sido objecto de venda e só no dia 29-05-2019 facultou o acesso ao imóvel, passados 20 dias do encerramento no leilão.
6.-Aliás, a mandatária da Executada foi informada de todos os formalismos, e de que, tratando-se de um crédito bancário seria necessário a visita do avaliador ao imóvel para conclusão do processo bancário.
7.-Após a visita do avaliador ao imóvel, a Agente de Execução notificou de imediato a proponente para cumprimento das obrigações fiscais e depósito do preço.
8.-Notificação essa que ocorreu dia 04-06-2019, precisamente seis dias após a visita ao imóvel por parte do avaliador.
9.-Face ao exposto, não se vislumbra nenhum benefício por parte da proponente, uma vez que foi notificada de forma célere e prevista legalmente para cumprimento das suas obrigações.
10.-Até porque não entende a Exequente como poderá a Executada se sentir prejudicada se o imóvel foi adjudicado à primeira proponente, aquela que apresentou um valor mais alto para compra do imóvel.
11.-Face ao exposto, e tendo em consideração a ordem cronológica dos factos, a Agente de Execução cumpriu todos os formalismos após encerramento do leilão, cumprindo prazos de oposição à adjudicação do imóvel e consequentes notificações para cumprimento de todas as obrigações fiscais.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa., mui doutamente suprirá, deverá a arguição de nulidade ser indeferida, e em consequência, o leilão ser considerado válido.

Por despacho de 05.02.2020 e face aos esclarecimentos prestados pela Agente de Execução e pela exequente foi ordenada a notificação da executada para informar se mantinha interessa na reclamação, o que a executada veio confirmar manter, na sequência do que, em 16.07.2021 veio a ser proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
Reclamação de ato de 25.06.2019:
Ao contrário do alegado pela reclamante o processo de venda e leilão eletrónico não incorreu em qualquer nulidade que importe reconhecer ou suprir.
Por outro lado, não se vislumbram fundamentos para a consideração da nulidade de todo o processo, por não estarem reunidos os pressupostos previstos no art. 195º, nº 1, do CPC.
Pelo exposto, indefere-se a arguição de nulidade e consequente anulação de leilão suscitada pela executada.
Notifique”.

***

Inconformada, a executada interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1.-O presente recurso vem interposto de douto despacho que indeferiu a arguição de nulidade e, consequentemente, a anulação do leilão suscitada pela ora Recorrente.
2.-A Recorrente não se conforma com o douto despacho recorrido, por entender que Tribunal a quo efetuou uma incorrecta aplicação da lei, violando o disposto no artigo 824º, n.º 2 do Código Proc. Civil e artigos 13º, da Constituição da República Portuguesa.
3.-É principio fundamental do nosso estado de direito a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
4.-No caso em apreço o leilão eletrónico da venda da fração autónoma designada pela letra “...” correspondente ao rés do chão (…) foi encerrado no dia 8 de Maio de 2019,
5.-Tendo a Senhora Agente de Execução notificado a Recorrente e o Exequente da decisão de encerramento do Leilão eletrónico no dia 14 de Maio de 2019.
6.-A notificação para a Proponente depositar o preço apenas foi emitida no dia 04 de Junho de 2019.
7.-É entendimento jurisprudencial que o prazo de 15 (quinze) dias previsto no artigo 824º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil é um prazo de caducidade da prática do acto, e, o não conhecimento desta factualidade por banda do Tribunal a quo não acautela o direito da Recorrente enquanto legítima proprietária do imóvel em apreço.
8.-O não cumprimento do disposto no artigo 824º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil por parte da Senhora Agente de Execução viola o direito de acesso aos tribunais e o princípio do processo equitativo, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
9.-Ao não dar cumprimento ao disposto no preceituado no número 2 do artigo 824º do Cód. Proc. Civil, a Senhora Agente de Execução concedeu à proponente um benefício que a lei não contempla, proporcionando-lhe uma vantagem que a outros proponentes e eventuais interessados na aquisição de bem cuja venda judicial se promovia, não tiveram.
10.-O disposto no supra citado preceito legal tem natureza peremptória,
11.-E a sua prorrogação só poderá fazer-se mediante acordo de todas as partes nesse sentido, atento o teor do artigo 141º do Cód. Proc. Civil
12.-Ao decidir indeferir a pretensão da Recorrente com os fundamentos supra indicados, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 824º, n.º 2º e 141º do Código de Processo Civil e o preceituado no artigo 13º da Constituição da República
13.-O douto despacho recorrido viola o principio constitucional da igualdade de todos os cidadãos perante a lei previsto no artigo 13º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Desde já se requer a V. Exa., que o presente recurso seja instruído com certidão das seguintes peças: a)- Notificação da decisão de encerramento do leilão à Recorrente, Exequente e Proponente; b) Despacho que recaiu sobre pedido de nulidade da venda.
Por todo exposto deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, revogar-se o despacho recorrido, substituindo por outro que determine a nulidade da venda, (…)

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O tribunal de primeiro grau admitiu o recurso, com efeito meramente devolutivo, não concedendo “à nulidade do despacho suscitada, e em face do disposto no art. 641.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, cumpre dizer que se me afigura que a mesma é inexistente, por a decisão se mostrar devidamente fundamentada

***

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II.Direito

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - a questão a decidir é a de saber se o leilão devia ter sido anulado e se o despacho que assim não o entendeu incorreu em inconstitucionalidade por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

***

III.Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.

***

IV.Apreciação

Vejamos antes de mais os dispositivos invocados.

De acordo com o nº 3 do artigo 837º do CPC, à venda em leilão electrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver regulado na portaria referida no nº 1 do preceito, sendo assim que, depois do artigo 834º do CPC referir os termos da venda em estabelecimento de leilão, o artigo 835º do mesmo diploma, artigo que a recorrente – enquanto arguente da nulidade a que o despacho recorrido não deu provimento – expressamente invocou[1], e que estabelece que, para o que aqui interessa, o executado pode reclamar contra as irregularidades que se cometam no acto do leilão, e que, para decidir as reclamações, o juiz pode examinar a escrituração do estabelecimento, ouvir testemunhas, ouvir o pessoal do estabelecimento – nº 1 – e, mais importante (nº 2), que o leilão é anulado quando as irregularidades cometidas hajam viciado o resultado final da licitação, sendo o dono do estabelecimento condenado na reposição do que tiver embolsado, sem prejuízo pela indemnização pelo dano que haja causado, e, finalmente (nº 3), que anulado o leilão, vem ele a repetir-se noutro estabelecimento.

Manifesto é portanto que a previsão do artigo 835º do CPC nada tem com a situação de que a arguente se queixou e que repete no recurso, e que é a de que não foi cumprido pela agente de execução o artigo 824º nº 2 do CPC, segundo o qual “Aceite alguma proposta, o proponente (…) é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução (…) a totalidade ou a parte do preço em falta.

Prosseguindo:
A recorrente sustenta que o não cumprimento pela agente de execução do artigo 824º nº 2 do CPC viola o direito de acesso à justiça, constitucionalmente consagrado no artigo 20º da CRP. O artigo 824º nº 2 do CPC estabelece um prazo peremptório, sim, mas a partir da notificação, não antes dela. O artigo 824º nº 2 do CPC não estabelece um prazo no qual, impreterivelmente, o agente de execução haja de lhe dar cumprimento. O artigo em causa não estabelece que as notificações do resultado do encerramento do leilão ao exequente, executado e proponente tenham de ser feitas no mesmo dia. Não pode afirmar-se que o direito a uma resolução do litígio em prazo razoável fique prejudicado ou seja ofendido se a agente de execução demora de 14 de Maio a 4 de Junho (do mesmo ano) a fazer uma notificação.
Não há assim violação do direito de acesso à justiça, do direito a um processo equitativo – e nem se vê onde é que a executada foi, por causa dessa demora de menos de um mês, tratada de modo não equitativo (e não se vê porque ela não o diz concretamente nem o afirma nem oferece qualquer facto donde tal se possa retirar) – nem do direito à resolução do litígio em prazo razoável.

Por outro lado, não está em causa – ou melhor dizendo, não é disso que a arguente/recorrente se queixa – que o prazo de 15 dias tenha, depois da notificação que foi feita à proponente, sido por esta ultrapassado.

Depois, a recorrente, aliás já mesmo como arguente da nulidade, não oferece nenhum caso concreto nem nenhuma explicação concreta onde ancorar a diferença de tratamento entre iguais que possa fundamentar a sua invocação da violação do princípio da igualdade. Nem oferece, valha a verdade, nenhuma explicação que permita afirmar que é ela, executada, enquanto proprietária, que ficou prejudicada – a saber, que se tivesse tido mais 15 dias para pagar a quantia exequenda, juros e custas, o teria feito e assim libertado a sua propriedade da execução.

Como o princípio da igualdade não se apura em abstracto mas sim em concreto, perante factos que nos permitam apurar a igualdade de situações em que se encontrem cidadãos e a diversidade de tratamento que lhes seja dado, não conseguimos dizer que o atraso, se é que de atraso se pode falar, da agente de execução, violou o princípio da igualdade, situação em que estariam, não fosse esse atraso, a proponente da melhor oferta e outros proponentes, porque estes não foram identificados, as suas propostas não foram identificadas, não se sabe se existiram, seguramente não terão oferecido melhor proposta que a proponente escolhida.

Donde, para a decisão deste recurso, não temos sinal nos autos de qualquer violação do princípio da igualdade.
Finalmente, e como resulta da conclusão 7ª do recurso, a recorrente tenta equiparar a situação de atraso da agente de execução na notificação da proponente para depósito da integralidade do preço, a uma prorrogação do prazo peremptório do artigo 824º nº 2 do CPC. Só que, como dissemos, esbarra aqui num problema: - é que a lei não define o tempo exacto para a agente de execução realizar a notificação, nem é concebível um tempo preclusivo, sem embargo do princípio geral da responsabilidade dos agentes de execução pelo não cumprimento das suas funções e pelos danos que com esse não cumprimento concretamente causem, e sem embargo ainda da sua remoção, tudo soluções que não foram suscitadas nos autos nem havia, diga-se em abono da verdade, qualquer razão para o serem.

Não há pelo exposto qualquer razão para anular o leilão, nem diga-se, a venda, nos termos do artigo 839º do CPC (a situação dos autos não cabe em nenhuma das previsões deste preceito), esclarecendo-se ainda que não foi omitido pela agente de execução nenhum acto e que o mero eventual atraso no cumprimento da notificação à proponente, nos termos do artigo 824º nº 2 do CPC, não teve influência, ou pelo menos a recorrente não o demonstra, no exame e decisão da causa (concretamente, por exemplo, na preterição dalgum outro proponente ou da possibilidade dela mesma, executada, pagar voluntariamente a quantia exequenda).

Nestes termos, improcede o recurso.

Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.–Decisão

Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam o despacho recorrido.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.



Lisboa, 02 de Dezembro de 2021



Eduardo Petersen Silva
Manuel Rodrigues
Ana Paula Albarran Carvalho



Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC) (supra transcrito):
                
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator


[1]Ver referência Citius 32812267 datada de 25.06.2019.