Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | GRANJA DA FONSECA | ||
| Descritores: | ADVOGADO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MANDATO RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL INDEMNIZAÇÃO DANO EQUIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/15/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1 – A responsabilidade civil do advogado decorre da relação contratual estabelecida com o seu constituinte. 2 – A actividade exercida pelo advogado é de meio e não de resultado, não se exigindo, por isso, do mesmo o sucesso das acções judiciais ou dos actos que representa. 3 – Porém, o advogado que recebe e aceita mandato que veicula poderes para defender o seu constituinte em juízo assume os deveres e responsabilidades inerentes à sua nobre profissão enquanto actuar no patrocínio em causa. 4 – Perfeitamente caracterizada a culpa da Ré, enquanto advogada devidamente constituída, pela ausência em audiência, tal como do seu constituinte (cuja presença era obrigatória) e das testemunhas arroladas, bem como pela deserção do recurso por si interposto, é inescusável que a responsabilidade lhe seja atribuída, tendo em vista o prejuízo causado ao patrocinado. 5 – Sendo impossível afirmar que o lesado não seria condenado, se o julgamento se tivesse realizado, pensamos ser de aplicar o conceito de “perda de chance”, pois o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal a quo e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar, em resultado de uma eventual absolvição do pedido. GF | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. [H] intentou a presente acção declarativa de condenação, sob forma de processo comum sumário, contra [A], pedindo que a Ré seja condenada no pagamento de € 5.166,55, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde Novembro de 2000 até integral pagamento. Fundamentando a sua pretensão, alega que a Ré, no âmbito da sua actividade de advogada, foi constituída mandatária do Autor, nos autos que correram os seus termos sob o n.º 146/94, na 1ª Secção do Tribunal do Trabalho, por procuração datada de 05/12/1995. No referido processo, a Ré, apesar de ter sido notificada da data designada para realização da audiência de julgamento, não compareceu, tendo o ora Autor, ali Réu, sido condenado no pedido, por sentença datada de 31/01/1996. A sentença apenas foi notificada à mandatária do Réu, ora Autor, tendo dela interposto recurso que foi julgado deserto, razão por que, instaurada a execução, foram penhorados ao ora Autor um prédio urbano (...), e um prédio rústico (...), por termo datado de 18/03/1998, sendo 1.537.015$00 o valor da execução, tendo a Ré renunciado ao mandato por requerimento entrado em juízo a 24/03/1999. Por despacho judicial de 11/12/2000 foram canceladas as penhoras efectuadas na execução e a mesma foi declarada extinta. A Ré contestou, alegando que, a solicitação repetida do Autor, acedeu ser sua mandatária, substituindo o [Sr. Dr. A], advogado constituído pelo Autor no início da acção, por procuração datada de 22/06/1994, que, entretanto, faleceu. A constituição da Ré como mandatária foi-o na sequência e no período conturbado do mês que se seguiu à morte do [Dr. A], pai da sua filha, tendo a Ré advertido o Autor que estava, por isso, a atravessar um período difícil, e perto do julgamento indicou que seria melhor constituir novo advogado. A Ré não pôde, por motivos familiares e de força maior, comparecer em Faro à audiência de julgamento, mas deu disso conhecimento ao Autor via postal e telefonicamente e notificou o Tribunal da sua impossibilidade de comparência no julgamento. Não obstante, o Autor faltou ao julgamento e tomou conhecimento da decisão de condenação quando foi notificado da mesma, em 1995. A Ré não era mandatária no processo de execução. O Autor respondeu à contestação, alegando que foi a Ré quem insistiu com ele, para que este lhe confiasse o processo. Foi dispensada a realização da audiência preliminar. Procedeu-se ao saneamento do processo, tendo sido julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição e dispensou-se a selecção dos factos assentes e controvertidos. Realizada a audiência de julgamento, foi decidida a matéria de facto, sendo seguidamente proferida a sentença, tendo a acção sido julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenada a Ré A a pagar ao Autor a importância de € 5.166,55 e juros de mora sobre a aludida quantia, à taxa de 7%, desde 02/12/2002 até 30/04/2003 e à taxa de 4%, desde 01/05/2003 até à presente data, e desde a presente data até efectivo e integral pagamento, à taxa legal. Inconformada, apelou a Ré, quer do saneador, quer da sentença, formulando as seguintes conclusões: A – Quanto ao saneador: 1ª – A natureza da responsabilidade civil do advogado no exercício da sua profissão é extracontratual. 2ª – Como tal, o prazo de prescrição a considerar é de três anos, de acordo com o artigo 498º CC. 3º - Pelo que, no caso vertente, tendo em consideração que o julgamento teve lugar em 1996, a instauração relativa à acção executiva respectiva ocorreu em 1998 e a renúncia ao mandato pela Recorrente data de 1999 e a sua citação na presente acção ocorreu em 2002, verifica-se ter decorrido o prazo prescricional. B – Quanto à sentença: 1ª – O presente recurso versa sobre matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 690º-A do CPC. 2ª – Tendo ocorrido culpa do lesado, porquanto se verifica que não agiu de acordo com a atitude que tomaria um homem médio, inexiste dever de indemnizar por parte da apelante. O Autor contra – alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida. 2. Na 1ª instância, consideraram-se provados os seguintes factos: 1º - Nos autos que correram os seus termos sob o nº 146/94, na 1ª Secção do Tribunal do Trabalho, o Autor, por procuração datada de 22/06/1994, constituiu seu mandatário o [Dr. A]. 2º - Por morte do [Dr. A], a Ré, no âmbito da sua actividade de advogada, foi constituída mandatária do Autor, por procuração datada de 05/12/1995. 3º - A Ré presentemente já não exerce esta profissão. 4º - Em 17/01/1996, o ora Autor foi notificado pela PSP de Oeiras de que o julgamento da acção tinha sido agendado para o dia 31/01/1996, e de que devia apresentar as suas testemunhas e comparecer pessoalmente, sob cominação de, faltando e não justificando a falta, nem se fazendo representar por mandatário judicial, ser condenado no pedido. 5º - No referido processo, a Ré foi notificada da data designada para realização da audiência de julgamento, mas não compareceu. 6º - O ora Autor faltou ao julgamento, tendo sido condenado no pedido no referido processo, por sentença datada de 31/01/1996. 7º - A Ré interpôs recurso da sentença, por requerimento entrado em juízo a 07/03/1996. 8º - Por no articulado de recurso não ter apresentado conclusões, a Ré foi convidada pelo Tribunal a corrigir a peça processual, formulando as conclusões, por despacho datado de 13/10/1996. 9º - O recurso foi julgado deserto, por despacho proferido a 20/11/1996. 10º - A sentença proferida na acção não foi notificada ao Réu, mas apenas à sua mandatária constituída. 11º - O Autor dirigiu uma carta à Ré, datada de 26/01/1998, cujo teor consta de fls. 7, que esta não recebeu. 12º - A Autora não respondeu à aludida carta. 13º - No âmbito da execução, foram penhorados ao Autor um prédio urbano (...), e um prédio rústico (...), por termo datado de 18/03/1998. 14º - O valor da execução era de 1.537.015$00, correspondendo a € 7.666,60, acrescido de juros e custas. 16º - A Ré renunciou ao mandato conferido pelo Autor, por requerimento entrado em juízo a 24/03/1999. 17º - Por despacho judicial de 11/12/2000 foram canceladas as penhoras efectuadas na execução e a mesma foi declarada extinta. 18º - No âmbito do processo executivo, e depois de liquidada a quantia exequenda, o mandatário do Autor escreveu uma carta à Ré, datada de 23/10/2000, manifestando a intenção do Autor de intentar acção judicial contra aquela, pelo que solicitava o contacto da Ré. 19º - Apesar da Ré ter recebido a carta atrás aludida, não respondeu à mesma. 19º - Em carta datada de 08/01/2001, e perante a ausência de resposta da Ré, o mandatário do Autor informou-a de que, caso mantivesse o silêncio, serviria a carta para, nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados, lhe comunicar a intenção de propor acção cível contra a mesma. 20º - A Ré recebeu a carta atrás aludida e nada disse. 21º - A Ré não era mandatária do ora Autor, no processo de execução. Acrescenta-se o seguinte facto, por acordo das partes: 22º - Por acordo com o exequente, a quantia exequenda foi reduzida para € 4.987,98, tendo sofrido custas no valor de € 178,57, razão pela qual o valor do seu pedido era de € 5.166,55. 3. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, as questões que se colocam são as seguintes: 1ª – Qual a responsabilidade do advogado pelos danos sofridos pelo seu constituinte, em virtude de omissão dos deveres daquele? 2ª – Ter-se-á extinto a responsabilidade civil da Ré por prescrição? 3ª – Qual o contrato que as partes celebraram? 4ª – Verificar-se-ão os pressupostos da responsabilidade civil contratual? 4. Nos presentes autos requer o Autor a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da violação pela Ré dos deveres profissionais, no âmbito da relação de mandato forense relativa a um processo judicial no qual o Autor foi Réu e a Ré sua advogada. Na contestação, a Ré invocou a excepção peremptória da prescrição, alegando que decorreram mais de três anos desde a data do facto gerador do dano cuja indemnização o Autor peticiona. No saneador, foi julgada improcedente a excepção, por se considerar que o prazo prescricional é o ordinário, dada a responsabilidade civil contratual da advogada perante o mandante. A Ré discorda exactamente da decisão, pois que, em seu entender, quando um advogado assume o patrocínio de alguém a responsabilidade civil em que possa incorrer por eventual incumprimento dos seus deveres é extracontratual. Neste circunstancialismo, para a resolução da questão suscitada pela Recorrente, importa qualificar a responsabilidade civil em causa, ou seja, analisar quais as regras aplicáveis à responsabilidade do advogado pelos danos que causar no exercício das suas atribuições. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus actos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A actividade do advogado transcende a simples delimitação conceitual da profissão, alcançando carácter de múnus público. No entanto, a relevância do mister que desempenha não deve ser vista como salvo – conduto para o mau profissional agir ao arrepio da lei. Assim, deve o advogado responder pelos actos ilícitos que praticar no exercício das suas funções, seja no âmbito penal, caso cometa crime, seja no âmbito civil, assunto que iremos tratar, in casu. A distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual não é despicienda, cabendo destacar a relevante consequência da adopção de uma ou outra modalidade. Enquanto na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado demonstrar a existência dos pressupostos que a caracterizam, na contratual há uma inversão do ónus da prova, pois, uma vez provado o incumprimento de dever contratual, cabe à parte infractora demonstrar que não agiu culposamente, evidenciando a razão jurídica de seu facto ou invocando causa excludente da responsabilidade. É evidente que, por força da actuação do advogado, podem resultar danos ao seu constituinte ou a terceiros. A resposta à questão colocada exige, assim, que se diferenciem os prejuízos causados ao seu cliente daqueles suportados por terceiros. Quanto ao último caso, não seria possível cogitar de responsabilidade contratual, já que, evidentemente, inexiste relação negocial entre o juiz e o causídico ou entre este e qualquer outro sujeito processual que não seja o seu cliente. Assim, são aplicáveis a tais hipóteses as regras pertinentes à responsabilidade extra – contratual, que decorre da violação de dever jurídico previsto em lei. Nesse sentido, deve realçar-se a circunstância de que o advogado, além de observar as normas a que está sujeito o cidadão comum, vincula-se às disposições específicas do seu estatuto profissional. Ademais, incumbe ao lesado a prova dos elementos caracterizadores da responsabilidade, razão pela qual deve demonstrar o dano que sofreu, o nexo de causalidade e a actuação culposa do agente, uma vez que a responsabilidade em questão é subjectiva. Ao invés, no que se refere aos danos causados ao cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, na medida em que decorre de violação de dever jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes. Ao proferir a decisão, a Exc. ma Juiz considerou a alegação do Autor, segundo a qual a Ré não havia comparecido à audiência de julgamento agendado sem justificação e, apesar de ter recorrido da sentença, não apresentou as respectivas alegações, razão por que o recurso foi julgado deserto, transitando a sentença, daqui decorrendo os danos patrimoniais invocados pelo Autor. Torna-se, assim, evidente que os factos em evidência são susceptíveis de recondução à responsabilidade civil contratual, pelo que, em conformidade com o preceituado no artigo 309º do Código Civil, o prazo de prescrição é o ordinário, ou seja o de 20 anos. Por outro lado, a citação tem efeito interruptivo da prescrição (artigo 323º, n.º 1 do Código Civil), inutilizando para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (artigo 326º, n.º 1 CC). Resultando a interrupção de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr, enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 27º, n.º 1 CC). O julgamento, a que a Recorrente faltou, ocorreu em 1996. A instauração da execução relativa à acção declarativa respectiva ocorreu em 1998. A renúncia ao mandato pela Ré nessa execução data de 1999. Nesta acção a Ré foi citada em 2002. Verificando-se que o prazo ordinário da prescrição não decorreu, não podia deixar de ser julgada improcedente a excepção peremptória da prescrição, invocada pela Ré. 5. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, (i) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e (ii) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Ora, in casu, embora a Recorrente diga que o recurso também é da matéria de facto, não levou às conclusões a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido nem os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, pelo que se rejeita o recurso com este fundamento. 6. A Ré é uma advogada, tendo, no exercício da sua actividade profissional, sido constituída mandatária do Autor, por procuração outorgada em 5/12/95, nos autos que correram seus termos, sob o n.º 146/94, na 1ª Secção do Tribunal de Trabalho, com vista a patrociná-lo nessa acção. Sendo o contrato de prestação de serviço, «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» (artigo 1154º CC), temos que as partes celebraram um típico contrato de prestação de serviços, na modalidade do contrato de mandato, pois apenas quedam para o mandatário actividades jurídicas e os actos a praticar pelo mandatário destinam-se à esfera do mandante. Na verdade, o mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador é o mandatário. Este age de acordo com as instruções do mandante quer quanto ao objecto quer quanto à própria execução; os serviços são prestados de acordo com o querido e programado pelo mandante; ao mandatário só é permitido deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aproveitaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil[1]. O mandato implica, pois, para o mandatário uma prestação de facto ou de facere e mais precisamente a prática de um ou mais actos jurídicos, por conta de outra pessoa. In casu, não se questiona, portanto, que o acordo firmado entre o Autor e a Ré consubstancia um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, oneroso, uma vez que teve por objecto actos jurídicos (actividade jurídica) que o prestador, aqui a autora, se propôs praticar no exercício da sua profissão/actividade de Advogada (artigos 1157º e 1158º CC). Como se referiu, são obrigações do mandatário, entre outras, a prática de actos compreendidos no objecto do contrato, segundo as instruções do mandante, a prestação de informações sobre o estado do serviço se solicitada, a comunicação ao mandante da execução do serviço ou da razão da sua inexecução, a prestação de contas e a entrega ao mandante do que recebeu em execução do mandato ou no seu exercício, caso não o tenha despendido no normal cumprimento do contrato (artigo 1161º CC). Por sua vez, constituem obrigações do mandante, fornecer ao mandatário os meios necessários para a execução do convencionado (salvo acordo em contrário), o pagamento da retribuição (se acordada) e seu provisionamento se usual, o reembolso ao mandatário das despesas (com juros legais) feitas, que este tenha, fundadamente, considerado como indispensáveis e a indemnização ao mandatário dos prejuízos sofridos em consequência do mandato (ainda que o mandante tenha procedido sem culpa) - cf. artigo 1167º CC. Assim, em conformidade com o preceituado nos artigos 1161º, alínea a) e 1167º, alínea b) do Código Civil, devia a Ré praticar os actos compreendidos no contrato e o Autor pagar-lhe a retribuição correspondente. Ora, como resulta do já exposto, “a obrigação do mandatário de praticar os actos compreendidos no mandato constitui o efeito essencial do contrato, sendo certo que o deve fazer de acordo com as instruções do mandante, como expressamente afirma o artigo 1161º, al. a) do CC, as quais podem ser dadas em qualquer momento durante a execução do mandato”[2]. Nuclearmente os actos compreendidos no mandato são actos jurídicos. Todavia, devem-se considerar abrangidos todos os actos materiais instrumentais necessários à execução do contrato. O mandato é concluído intuitu personae, esperando o mandante, em regra, que o mandatário faça uso da destreza de que ele sabe ser este capaz, esperando, simultaneamente, que o advogado o aconselhe sobre o merecimento do seu direito de forma conscienciosa e zelosa, facultando-lhe o melhor dos seus conhecimentos e recursos da sua experiência e actividade. Aqui chegados, convirá, porventura, relembrar que a responsabilidade contratual pode decorrer do inadimplemento de duas espécies de obrigação, conforme a natureza do contrato celebrado: obrigação de resultado ou obrigação de meio. Consiste esta no compromisso que assume o contratante de desempenhar a actividade da melhor maneira possível, com a diligência necessária para o melhor resultado, mesmo que este não seja alcançado. Por outro lado, assume o devedor a obrigação de resultado quando se compromete a atingir determinado fim, sem o qual não terá cumprido a sua obrigação. Ora, no caso em apreço, não se pode olvidar que a obrigação assumida é de meio, e não de resultado. Ou seja, o contrato de mandato não impõe ao advogado a obrigação de sair vitorioso da causa. Neste particular, o advogado assume, semelhantemente ao médico, uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado. O que lhe cumpre é representar o cliente em juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que lhe confiou. Portanto, sendo de meio a obrigação assumida, não poderá o advogado ser responsabilizado pela perda da causa, a menos que tenha actuado de modo negligente. Pelo contrário, será inadimplente o advogado se não tiver agido com a máxima prudência ou não tiver empregado todos os esforços possíveis para obter sucesso no pleito. Se as obrigações de meio são executadas proficientemente, não se lhe pode imputar nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa. Daí que, demandado com esse fundamento, incumbirá ao profissional o ónus de demonstrar que empregou todos os esforços possíveis para obter o resultado esperado pelo cliente. Se lograr êxito, não será condenado a indemnizar os prejuízos sofridos em caso de sucumbência. Com efeito, tratando-se de responsabilidade contratual, cabe à parte faltosa o dever de provar que não agiu culposamente, inversão que autoriza a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor. Presume-se, por isso, que o advogado é culpado pelo defeito do serviço, salvo prova em contrário, por ser a presunção juris tantum. In casu, os factos demonstram que a Ré não cumpriu a obrigação a que estava adstrita, pois não compareceu no julgamento da acção para a qual o Autor lhe passou procuração, nem o avisou desse facto, o que implicou, desde logo, a condenação de preceito daquele no âmbito de tal acção. Mais. Não apresentou as alegações, ou apresentou-as mal, apesar de ter recorrido, assim permitindo que o recurso fosse julgado deserto, transitando, desse modo, a sentença. Ora, conforme resulta do atrás exposto, a Ré, ao assumir o patrocínio do Autor, por força do contrato de mandato com ele celebrado, ficou adstrita a desenvolver, com adequada diligência e perícia, uma determinada actividade jurídica, ficando também adstrita à prática de todos os actos materiais instrumentais necessários à execução do contrato. Assim, se o devedor deixa de realizar pontualmente a prestação, pode ficar constituído em responsabilidade perante o credor. Pode ficar, o que quer dizer que não fica necessariamente. Não basta com efeito o mero facto da não realização da prestação para que o devedor se torne responsável. Com esse requisito têm de se cumular outros. O devedor deixa de realizar a prestação no momento e nos mais termos em que estava obrigado a efectuá-la. Com isso viola o direito do credor. Comete um acto ilícito. Mas isso não é suficiente. Para que o devedor se torne responsável, necessário é, ainda, que o facto da não realização da prestação debitória lhe seja imputável, quer dizer, que esta tenha procedido com culpa. A responsabilidade civil, de que a responsabilidade obrigacional é uma categoria ou modalidade, consubstancia-se na obrigação de indemnização. Portanto, mesmo que o devedor deixe de cumprir, e ainda que o facto lhe seja imputável, em nenhuma responsabilidade efectiva ele incorre desde que o credor não tenha sido com isso prejudicado. A existência do prejuízo representa pois mais um elemento a considerar. Finalmente é necessário que os prejuízos que o credor invoca e pretende ver ressarcidos hajam sido causados pela falta de cumprimento. O devedor só pode ser compelido a reparar os danos a que a sua conduta deu origem. Entre o acto ilícito (e culposo), de um lado, e os prejuízos, do outro, tem de haver um nexo de causalidade. Os danos hão-de poder considerar-se consequência ou efeito da falta de realização da prestação debitória. A causalidade é assim o último elemento da responsabilidade do devedor. Em suma, a responsabilidade obrigacional tem como pressupostos a inexecução da obrigação (acto ilícito), a culpa, o prejuízo, a causalidade[3] Por isso, in casu, apesar de ter existido incumprimento do contrato imputável ao mandatário, a responsabilidade civil contratual depende ainda do apuramento de danos e da relação de causalidade entre os danos e a conduta negligente. De facto, “embora se presuma a culpa do devedor (cfr. artigo 799º CC), para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes do incumprimento, ou cumprimento defeituoso, do mandato, torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre o facto (a sua conduta omissiva ou negligente) e os invocados danos (a não obtenção do resultado pretendido)[4]”. Antes de indagarmos sobre a eventual verificação de todos os pressupostos da responsabilidade obrigacional da Ré, interessa salientar que, de acordo com o artigo 92º, nº 1 da Lei nº 15/2005, de 26/01, o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas. E segundo o artigo 93º, nº 2 do mesmo diploma, o advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito. Trata-se, aliás, de princípio estruturante dos deveres do advogado para com o cliente[5]. Muito embora tal princípio tenha apenas sido expressamente consagrado na Lei nº 15/2005, de 26/01, porquanto o Decreto-Lei nº 84/84, de 16/03, que aprovou o anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, não continha norma com igual conteúdo, já durante a vigência deste se entendia que a regra de conduta apontada constituía um corolário do dever de zelo e diligência previsto no artigo 95º, nº 1, al. d) do mesmo[6]. Não se duvida, pois, que a falta de comparência da Ré à audiência de julgamento agendada, sem avisar o Autor de que deveria comparecer nesse dia, com as respectivas testemunhas, e ao deixar o recurso deserto, consubstancia inexecução ilícita e culposa da obrigação de assistência técnica da Ré ao Autor e foi causa necessária para que o ora Autor tivesse sofrido danos, em virtude da condenação “de preceito” no pedido. A sua conduta contribuiu ainda para a instauração da acção executiva, tendo o ora Autor, apenas, dela tomado conhecimento, quando foi notificado da penhora dos bens, podendo ter evitado o pagamento das custas. Argumenta a Ré que o A também foi notificado pessoalmente para comparecer na audiência de julgamento e não o fez, sendo certo que da notificação constava de forma expressa e clara que se o Réu não comparecesse nem se fizesse representar por mandatário judicial seria condenado no pedido. Havendo, portanto, culpa do lesado, conclui a Ré que falta um dos pressupostos para que pudesse ser considerada responsável pela indemnização arbitrada a favor do Honório. Este argumento não é subsistente, porquanto, atendendo a que o Autor havia passado procuração à Ré, era absolutamente compreensível e expectável que aquele considerasse o assunto tratado e estivesse descansado quanto à sua resolução, por ser esse o comportamento do homem médio colocado nas mesmas circunstâncias. É certo que a Ré veio renunciar à procuração, pelo que não acompanhou a execução que se seguiu à acção declarativa referida, mas a execução consubstancia apenas a fase de cobrança coerciva da dívida cuja existência e valor foram definitivamente fixados naquela acção declarativa, pelo que o aspecto evidenciado não releva para o efeito de não reconhecer a responsabilidade da Ré. Com efeito, a causa do dano não se situa na execução, mas antes na acção declarativa, consistindo na mencionada falta da Ré ao julgamento, sem aviso ao Autor, desse modo permitindo uma condenação de preceito do Réu e no facto de não ter alegado, deixando, por essa razão, que o recurso fosse declarado deserto. A indemnização mede-se pela extensão do dano ocorrido, podendo o juiz reduzir equitativamente o quantum debeatur se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano perpetrado. Pergunta-se, então, qual deverá ser o valor da indemnização a ser paga pela Ré, no caso em apreço. Considerou a sentença que a quantia que o Autor teve de despender na execução para pôr termo à mesma é um dano patrimonial directamente resultante da condenação de preceito, constituindo-se, por isso, a Ré em responsabilidade perante o Autor, pelo que deveria ser condenada a pagar àquele tal quantia, ou seja € 7.666,60, o valor da execução, acrescida de juros e custas. No entanto, a quantia exequenda foi reduzida para € 4.987,98, tendo sofrido custas no valor de € 178,57, pelo que o valor do pedido foi reduzido para € 5.166,55, razão por que a sentença se limitou a condenar a Ré nesse montante (cfr. artigo 661º, n.º 1 CPC), valor a que corresponde a indemnização. Discordamos deste segmento da sentença. Salvo melhor opinião, pensamos que se deveria aplicar aqui o conceito de “perda de chance”, já que é impossível afirmar que o lesado sairia vencedor, sendo absolvido, ou, pelo menos, que não seria condenado, naquele montante, dada a sua posição de Réu, se o julgamento se tivesse realizado. Assim, deverá a indemnização ser prudentemente arbitrada pelo juiz, atendendo às peculiaridades do caso concreto. Entendemos, com efeito, que o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal a quo e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar ou, pelo menos, obrigar a despender. Assim, servindo-nos da equidade, consideramos adequada uma indemnização que não ultrapasse os dois mil euros, sensivelmente metade do valor da acção e das respectivas custas, na proporção. Concordamos, porém, com a sentença, quanto à condenação da Ré no valor das custas da execução, pois que o Autor só teve conhecimento da sentença proferida na acção declarativa aquando da penhora dos seus bens, no âmbito da execução, pelo que não teve oportunidade de proceder voluntária e espontaneamente ao pagamento de tal quantia e desse modo evitar as despesas acrescidas com a execução, tendo a Ré a obrigação de dar todos os esclarecimentos ao seu constiuinte (artigo 253º, n.º 1 CPC). Concluindo: 1 – A responsabilidade civil do advogado decorre da relação contratual estabelecida com o seu constituinte. 2 – A actividade exercida pelo advogado é de meio e não de resultado, não se exigindo, por isso, do mesmo o sucesso das acções judiciais ou dos actos que representa. 3 – Porém, o advogado que recebe e aceita mandato que veicula poderes para defender o seu constituinte em juízo assume os deveres e responsabilidades inerentes à sua nobre profissão enquanto actuar no patrocínio em causa. 4 – Perfeitamente caracterizada a culpa da Ré, enquanto advogada devidamente constituída, pela ausência em audiência, tal como do seu constituinte (cuja presença era obrigatória) e das testemunhas arroladas, bem como pela deserção do recurso por si interposto, é inescusável que a responsabilidade lhe seja atribuída, tendo em vista o prejuízo causado ao patrocinado. 5 – Sendo impossível afirmar que o lesado não seria condenado, se o julgamento se tivesse realizado, pensamos ser de aplicar o conceito de “perda de chance”, pois o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal a quo e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar, em resultado de uma eventual absolvição do pedido. 7. Pelo exposto, na improcedência da primeira apelação confirma-se o saneador. Na parcial procedência da segunda apelação, revoga-se parcialmente a sentença, condenando a Ré a pagar ao Autor uma indemnização que se fixa em dois mil euros, acrescida das custas suportadas com a execução. Custas por Autor e Ré, na proporção do decaimento, fixando-se a proporção em 2/3 para a Ré e 1/3 para o Autor. Lisboa, 15 de Maio de 2008. Manuel F. Granja da Fonseca Fernando Pereira Rodrigues Olindo dos Santos Geraldes ______________________________ [1] Januário Gomes, Tribuna da Justiça, 1º, n. os 8/9-14. [2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, 794/795. [3] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª Edição, 276/277. [4] Ac. RP de 27/04/2006, www.dgsi.pt [5] Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado e Comentado, 3ª Edição, 129. [6] Alfredo Gaspar, Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado, 153 |