Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8846/2003-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
NULIDADE
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário: À face do regime da mediação imobiliária previsto no Dec. Lei nº 285/92, de 19-12, não é nulo o contrato celebrado com quem não tenha autorização prévia do Ministro das Finanças, uma vez que daí não resulta a falta ou vício de um elemento interno ou formativo do negócio.
A remuneração só é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Ainda que a parte tenha obtido ganho de causa, a omissão deliberada de prestação de uma informação ordenada por despacho e que lhe era exigível legalmente corresponde ao incumprimento de um dever perante o Tribunal, devendo ser cominada com a sanção prevista para a litigância de má fé.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Lisboa

Agravante/oponente: M. Paes
Agravado/requerente: K, Hakim

Pretensões sob recurso:
1º Agravo: procedência da oposição ao arresto
2º Agravo: revogação do despacho que
(a) condenou a recorrente em multa como litigante de má fé;
(b) ordenou a apreensão dos livros de actas, de presenças e do registo de acções da sociedade proprietária do Palácio da Brejoeira;
(c) condenou a recorrente nas custas do incidente.

1º Agravo
Foi proferida decisão que, julgando a oposição ao arresto improcedente, por não provada, manteve o arresto ordenado, nomeadamente das acções de que a ora recorrente é titular na sociedade comercial proprietária do referenciado Palácio (fls. 83).
É contra esta decisão que se insurge a recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1.ª O crédito cujo receio de satisfação constitui o fundamento da providência tem como fonte o alegado acordo de 4 de Dezembro de 2000, cujo objecto consiste na fixação do montante devido e da forma de pagamento da retribuição do Agravado por serviços prestados em cumprimento do acordo de 3 de Janeiro de 1998.
2.ª O acordo de 3 de Janeiro de 1998 tem como objecto o exercício, pelo Agravado, da actividade de mediação imobiliária relativamente a um imóvel que, à data, pertencia à Agravante em compropriedade.
3.ª O Agravado não estava licenciado para o exercício da actividade de mediação imobiliária.
4.ª O exercício não licenciado da mencionada actividade constitui ilícito contra-ordenacional, quer por força do disposto nos arts. 3° n° 1 e 18° n.° 1 a) do Dec.-Lei n.° 285/92, quer por força do preceituado nos arts. 8.° n.° 1 e 32° n.° 1 a) do Dec.-Lei n.° 77/99.
5.ª Os acordos de 3 de Janeiro de 1998 e de 4 de Dezembro de 2000 têm, ambos, um objecto ilícito: o primeiro por que prevê como prestação de uma das partes uma actividade ilícita; o segundo porque regula o montante e a forma de pagamento de uma retribuição pelo exercício da mesma actividade ilícita.
6.a Os ditos acordos são nulos, por força do disposto no art. 280.° n.° 1 do Código Civil.
7.ª Sendo ilícita a actividade prestada pelo Agravado, não é lícita a exigência de retribuição pela mesma, pelo que a nulidade dos acordos não determina a restituição de qualquer valor ao Agravado, a título de valor correspondente à sua prestação.
8.ª Ainda que se entendesse que havia lugar à restituição do valor correspondente à prestação do Agravado, este não está determinado, nem foram provadas as tarefas que terão integrado tal prestação, pelo que não é possível concluir que, considerado o pagamento já efectuado de Esc. 88.943.420$00, o Agravado seja titular de qualquer crédito sobre a Agravante.
9.ª A falta de prova dos factos constitutivos do crédito tem de ser resolvida contra o Agravado, por força do disposto no art. 340.° n.° 1 do Código Civil.
10.ª Ainda que assim não se entendesse, o acordo de 4 de Dezembro de 2000, que constitui a fonte do alegado crédito de US$ 400.000, não é eficaz relativamente à Agravante, por não ter sido subscrito, quer pessoalmente por esta, quer por outrem em sua representação.
11.ª As partes quiseram sujeitar o acordo à forma escrita e conferir-lhe força executiva, pelo que é de presumir que só por essa forma se quiseram vincular, nos termos do art. 223° n.° 1 do Código Civil.
12.ª Sendo escrita a forma do acordo, também o é a da procuração, por força do disposto no art. 262° n.° 2 do Código Civil.
13.ª Na falta de assinatura da Agravante ou de procurador desta no texto do acordo e inexistindo procuração da Agravante com a forma que as partes quiseram dar ao acordo a celebrar, o dito acordo não produz quaisquer efeitos na esfera jurídica da Agravante.
14.ª Entre as partes não foi celebrado qualquer acordo informal antes da celebração do acordo escrito.
15.ª O então Advogado da Agravante, além de não dispor de procuração escrita para subscrever o acordo, não dispunha, também, de mandato oral para as negociações em causa.
16.ª Das conclusões 14ª e 15ª resulta que a decisão recorrida fez errada apreciação da prova, designadamente do doc. n° 5 junto com o requerimento da oposição, ao concluir que entre o Agravado e a Agravante, representados pelos respectivos Advogados, tinha sido negociado e firmado um acordo com o conteúdo do documento junto como doc. n° 8 com o requerimento inicial da providência.
17.ª Das restantes conclusões resulta que a decisão recorrida fez errada interpretação das disposições nelas citadas ao concluir que existem indícios de que o Agravado é titular de um crédito sobre a Agravante.
18.ª Ainda que assim não se entendesse, ao decisão recorrida fez errada apreciação da matéria de facto provada, ao concluir que ocorre justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito do Agravado.
19.ª Não se verificam, por conseguinte, os requisitos para que seja decretado o arresto, previstos no art. 406° do Código de Processo Civil.
20.ª A douta decisão recorrida fez, assim, pelas razões constantes das conclusões 1ª a 18ª, errada aplicação do disposto no preceito referido na conclusão anterior.
21.ª Deve, pelos motivos expostos, ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e ordenando-se o levantamento do arresto decretado.
Mais requer, ao abrigo do disposto no art. 706° n.° 1, aplicável por remissão do art. 749° do Código de Processo Civil, a junção de um documento, emitido posteriormente à prolação da decisão dos autos e cujo conteúdo, como acima se refere (n.° 12) tem interesse para a decisão da causa.

II. 1. As questões que cumpre resolver (por constituírem o objecto do recurso delimitado nas conclusões das alegações) consistem em saber se: (a) os acordos de 3 de Janeiro de 1998 e de 04 de Dezembro de 2000 são nulos e (b) ineficaz o celebrado em 04 de Dezembro de 2000; (c) não se verifica o periculum in mora.

II. 2. 1. Foram dados como provados o seguintes factos:
1. Em 22.Mar.97 o requerente e a requerida ajustaram elaborar “um dossier, incluindo um estudo económico e bem assim a incentivar potenciais compradores à aquisição do Palácio da Brejoeira – doc. de fls. 224 a 225.
2. O requerente publicou brochura com fotografias e dizeres sobre o Palácio da Brejoeira.
3. O Palácio da Brejoeira não foi vendido.
4. Em Outubro de 2000, a requerida foi acometida de doença com sintomatologia vaga, vertigens e alterações de comportamento, às vezes ainda caracterizada por esquecimentos, perturbação e confusão.
5. Apercebidas dessa modificação comportamental, empre-gadas da parte residencial do Palácio telefonaram à prima da requerida M. Rodrigues, em Lisboa.
6. E esta, de imediato, se deslocou para junto daquela a fim de a assistir, aí permanecendo nas semanas seguintes.
7. Em Novembro de 2000, manteve-se a sintomatologia com stress físico e psíquico.
8. Em 5 Dez 2000, a requerida foi internada, para tratamentos, no Centro de Saúde da Boavista, no Porto, de onde teve alta em 16 do mesmo mês.
9. Nesse período a requerida não atendeu telefonemas nem tratou de quaisquer assuntos relativos à propriedade e aos seus negócios.
10. No período que antecedeu o internamento, a requerida conversou ao telefone com o seu advogado, Dr. S. Ferreira, dando-lhe este conta dos assuntos de que se ocupava.
11. A requerida não assinou procuração escrita, dando poderes para a representar ao Dr. S. Ferreira.
12. A redução a escrito de 4 Dez 2000, do acordo firmado (doc. fls. 36 a 38 ), não está assinada pela requerida ou por alguém em sua representação.
13. Em 14 Dez 00, M. Davies, sócio da Howard Kennedy Sollicitors, e o advogado, Dr. S. Ferreira, fala-ram telefonicamente, tendo este dito que enviara procuração à requerida, em 23 Nov, para ela assinar – doc. fls. 197 e 226.
14. Em 29.12.00, perante ajudante de cartório notari-al, a requerente declarou constituir seu procurador (além do mais) P. Rodrigues, com os poderes representativos que enumerou – doc. fls. 112 a 114.
15. Com a data de 19 Fev. 2001, P. Rodrigues enviou carta a M. Davies, pedindo-lhe informações sobre como o requerente tomou conhecimento do Palácio da Brejoeira, bem como relatórios detalhados “ do “trabalho efectuado” por este e bem assim dos esforços enviados na venda do Palácio da Brejoeira – doc. de fls. 221 a 222.
16. Respondeu M. Davies, em carta datada de 26 Fev. 2001, informando que “ a nossa firma está envolvida neste processo apenas a título amigável, para prestar conselho ao Dr. Hakim, não tendo sido sua representante legal, nem na negociação do acordo nem no processo subsequente - doc. de fls. 193 e 223.
17. E, a mais disso, informando só serem “advogados do Dr. Hakim neste processo ... Aguiar-Branco & Associados” - mesmo doc.
18. A sintomatologia, de que a requerida padeceu a partir de Out. 00, manteve-se até Março de 2001.
19. A partir desta data, a requerida recuperou-se.
20. Vive no Palácio da Brejoeira e dirige, desde então, a exploração vitivinícola existente.
21. Aí gere a produção do vinho conhecido por «Alvarinho do Palácio da Brejoeira».
22. Não há a notícia de, nessa gestão empresarial, ha-verem compromissos não satisfeitos.
23. Como a não há de contracção insatisfação delas, por banda pessoal da requerida.

Como factos não provados foram fixados os seguintes:
a. «Nunca o requerente acompanhou ou encaminhou para o Palácio da Brejoeira visitantes interessados na sua aquisição» (art. 44º oposição).
b. «Nunca realizou ou encomendou um dossier sobre a propriedade ou estudos de mercado relacionados com a venda da mesma» (art. 46º oposição).
c. «Nunca efectuou diligências junto de entidades bancárias ou administrativas tendentes à venda do dito imóvel» (art. 47° oposição).
d. «O requerente não realizou nenhuma das tarefas se obrigara a efectuar» (art. 48° oposição).
e. «Nenhumas despesas efectuou com vista à promoção da venda do Palácio da Brejoeira» (art. 49° oposição).
f. O quadro clínico da requerida (a partir de Out.00) tem causa no facto de, nos anos anteriores, ter sido «obje-cto de pressões múltiplas e constantes para vender o Palácio da Brejoeira» (art. 62° oposição).
g. E de todo lado surgirem «a oferecer-se pessoas que alegavam ter contactos privilegiados, carteiras de clientes, acesso a bancos e financeiros, procurando obter da requerida comissões em futuros negócios» (art. 63° oposição).
h. Pessoas que, supondo quisesse alienar o património em vida, se apresentavam «sem aviso no Palácio, telefonavam a meio da noite, referiam interessados que, depois, não se materializavam, pretendiam a assinatura da requerida em documentos de toda a natureza» e a perturbavam, confundindo-a e privando-a até de repouso nocturno (arts. 64° e 65° oposição).
i. «Uma das pessoas que surgiu nestas circunstâncias foi o requerente» (art. 67° oposição).
j. Nas conversas que teve, com o seu advogado, a requerida não deu quaisquer instruções no que concerne ao acordo firmado com o requerente.
1. 0 quadro clínico da requerida (a partir de Out.00) impedia-a de entender as questões que lhe eram colocadas e de tomar decisões relativas à sua vida e aos seus negócios.
m. Fora do período de internamento (5 a 16 Dez.00) a requerida não atendeu telefonemas nem tratou de assuntos relativos à propriedade e aos seus negócios.
n. Durante todo o mês de Dez.00 o advogado, Dr. S. Ferreira, não teve qualquer contacto, pessoal ou telefónico com a requerida.
o. A redução a escrito de 4 Dez 2000 (doc. de fls. 36 38) não retrata um acordo a que a requerida dera anuência.
p. A requerida «não participou, nem esteve representada, nas negociações » conducentes à redacção desse escrito (art. 75º oposição).
q. O requerente e a requerida consideraram essencial a existência do seu acordo, que a anuência da segunda revestisse a forma escrita.
r. Em 14 Dez 00, o advogado da requerida disse a M. Davies «que não tinha procuração para negociar o acordo dos autos» (art. 73º oposição).
s. A requerida «continua a ser proprietária de outros imóveis em Monção, tal como era antes da constituição da sociedade que actualmente é dona do Palácio da Brejoeira» (art. 94º oposição).

II. 2. 1. Pretensa nulidade do acordo de 3 de Janeiro de 1998 e de 04 de Dezembro de 2000.
O argumento básico em que a recorrente respalda a sua pretensão consiste em que os acordos que regularam a actividade do agravado são nulos por terem um objecto ilícito, por contrário à lei (art. 280 CC), uma vez que o mesmo não estava legalmente autorizado a prosseguir a actividade de mediação imobiliária acordada entre as partes.
Os factos relevantes ocorreram em 1997 e 1998. Por isso, aplicável é o DL 285/92, de 19 de Dezembro e não o DL 77/99, de 16 de Março.
No domínio da vigência daquele diploma, era jurisprudência corrente que Não é nulo o contrato de mediação celebrado com infracção do artº1 do DL nº 43767, de 30.06.61- sem autorização prévia do Ministro das Finanças – por dela não resultar falta ou vício de um elemento interno ou formativo do negócio (Ac. STJ, de 18.03.97, JSTJ00033662/dgsi/Net).
No mesmo sentido se pronunciou a Relação do Porto no acórdão de 21.05.96, JTRP00018409/dgsi/Net., onde se afirma que: O facto de o autor não estar autorizado a exercer a actividade de mediador, não torna nulo o contrato de mediação.
Assim, não estando invocado erro ou qualquer outro vício passível de inquinar a vontade presente aquando da celebração do negócio, não é sustentável o argumento de que o mediador não estava autorizado a exercer a actividade de mediação.
Com efeito, à data dos factos as restrições ao exercício da actividade de mediação imobiliária circunscreviam-se às pessoas colectivas (art. 3/1 do mesmo diploma que temos por aplicável) as quais – estas sim – teriam de ser licenciadas exclusivamente para o efeito Muito embora, o DL 77/99, tenha vindo restringir a actividade de mediação imobiliária às pessoas colectivas. .
Portanto, em primeiro lugar o diploma aplicável não impunha às pessoas singulares que obtivessem qualquer licenciamento para o efeito.
Em segundo lugar, ainda que a obrigação de licenciamento fosse extensiva às pessoas singulares, a verdade é que a agravante interveio no negócio e não invocou qualquer vício passível de lhe afectar a vontade.
Bem pelo contrário, consta até que efectuou parte do pagamento do crédito reclamado, assumindo, portanto, as consequências do negócio que entendeu assumir na sua esfera jurídica.
Em conclusão, embora não licenciado para o efeito, não carecia o agravado de o ser para intervir como mediador nos acordos dos autos; ainda que o tivesse de ser o vício constituiria apenas num elemento externo do negócio passível de punição pela infracção contra-ordenacional e não num elemento intrínseco aos próprios negócios (nomeadamente por objecto contrário à lei, segundo sustenta a agravante) a ponto de afectar a sua validade.
Concluímos assim que não se verifica a invocada nulidade dos referenciados negócios.

II. 2. 2. 2. Da falta de elementos que permitam concluir pela probabilidade séria da existência da dívida
Na sequência do despacho proferido a fls. 122, pela relatora do Acórdão, as partes tiveram ocasião de se pronunciar sobre a questão da existência da dívida, só a requerida o tendo feito (fls. 125 e seguintes e fls. 129).
Na verdade, entende-se que esta questão, muito embora não expressamente suscitada nas alegações, cai no campo da apreciação jurídica da questão posta, pelo que dela cumpre conhecer.
O recorte factual a ter em conta consiste fundamentalmente nos factos enunciados sob os nºs 1. a 3.:
1. Em 22.Mar.97 o requerente e a requerida ajustaram elaborar “um dossier, incluindo um estudo económico” e bem assim a incentivar potenciais compradores à aquisição do Palácio da Brejoeira – doc. de fls. 224 a 225.
2. O requerente publicou brochura com fotografias e dizeres sobre o Palácio da Brejoeira.
3. O Palácio da Brejoeira não foi vendido.
Compulsados os autos de arresto, entretanto pedidos a título devolutivo, importa ainda considerar que:
- o requerente pede o arresto com base em que, na execução dos contratos a que os autos aludem, suportou diversas despesas e prestou diversos serviços, parte dos quais já foram pagos pela requerida (art. 3º do requerimento inicial).
- entre as partes foi celebrado o acordo de fls. 24, em 03.12.98, mediante o qual, além do mais, a requerida nomeou o requerente representante exclusivo para a venda da propriedade em causa e se estabeleceram percentagens que constituiriam a remuneração do requerente, após a venda.
Daqui recorre que o requerente reclama a protecção de um alegado crédito no âmbito de um contrato de mediação celebrado, segundo sustenta o requerente, em 1997 e Janeiro de 1998 (art. 1º do requerimento de arresto e fls. 24 e 25 dos autos de arresto) .
À data estava em vigor o Dec.-Lei nº 285/92, de 19 de Dezembro que no seu art. 2º definia a actividade de mediação imobiliária como a actividade comercial em que, por contrato, a entidade mediadora se obriga a conseguir interessado para a compra e venda de bens imobiliários ou para a constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, para o seu arrendamento, bem como na prestação de serviços conexos.
Durante a vigência deste diploma discutiu-se na jurisprudência em que momento nascia a obrigação de remuneração pela actividade de mediação imobiliária.
Certa Jurisprudência entendia que era necessário que o negócio se concluísse como consequência adequada da actividade do mediador (RL, 24.06.93, CJ/93, T. III, págs. 139 e Ac. RE, 24.03.94, CJ/94, T. II, pág. 260, Ac. RP, 20.09.01, JTRP000309913/dgsi/Net, e STJ, 03.05.01, CJ/STJ/01, T. I, pág. 109) Em contrário, vd. Jurisprudência citada por Abílio Neto, Contratos Comerciais, Legislação, Doutrina e Jurisprudência, Ediforum, 2002, págs. 198 e seguintes. . Ou seja, não reconhecia a existência do direito se não houvesse um nexo causal entre a actividade de mediação e a conclusão do negócio.
As dúvidas que então se suscitaram sob a vigência do referido diploma vieram a ser resolvidas pelo Decº-Lei 77/99, de 16 de Março, que no seu art. 19º veio consignar no nº 1: A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Atendendo a que o núcleo da actividade de mediação imobiliária se manteve o mesmo em ambos os diplomas (cfr. art. 3º deste último), já que mais não fosse, por esta razão acrescida de o legislador ter vindo resolver as dúvidas que outrora se suscitavam seria sustentável a tese da indicada jurisprudência.
Seja como for, não se detecta, de facto, qualquer razão para remunerar o mediador uma vez que ele não concretizou o cerne do seu compromisso, justificativo da remuneração (nº 3 dos factos). Nem outra decisão é imposta, aliás pelo texto dos referidos contratos juntos aos autos de arresto.
Assim sendo, e uma vez que o requerente alega despesas, mas também refere ter já recebido pagamentos no valor de 88.943.420$00 (art. 5º do requerimento de arresto), não se vê que lhe seja devida qualquer outra remuneração.
Por conseguinte, e por esta razão, salvo o devido respeito, sempre seria de julgar procedente a oposição ao arresto e de levantar o arresto.
Ficam, pois, por esta razão, prejudicadas as questões enunciadas nas alíneas (b) e (c) do ponto II. 1.

2º Agravo
Foi proferido despacho em que se determinou o envio de nova carta precatória para apreensão das 26.000 acções, com apreensão do livro de actas da assembleia geral da sociedade Palácio da Brejoeira SA, bem como do livro de presenças e do livro de registo de acções da mesma sociedade; condenação da requerida em multa como litigante de má-fé e nas custas do incidente.
É contra este despacho que se insurge a recorrente, formulando as seguintes conclusões:
1ª A conduta processual da Requerida, relativamente à notificação que lhe foi dirigida em 24 de Junho de 2002, é lícita.
2.ª O despacho que condenou a Requerida em multa, como litigante de má--fé, pela referida conduta processual, violou o disposto nos arts. 266° e 837°-A n° 2 do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos arts. 490° n° 3 do mesmo código e nos arts. 5° e 64° do Código das Sociedades Comerciais e 42.° e 43.° do Código Comercial.
3.ª Não tendo ocorrido comportamento processual censurável da Reque-rida, não deu esta causa a processamento anómalo, pelo que não é aplicável o disposto no art. 16° do Código das Custas Judiciais e a Requerida não deve ser condenada nas custas do incidente.
4.ª O despacho que ordenou a apreensão dos livros de actas, de presenças e de registo de acções de uma sociedade comercial que não é parte no processo violou o disposto nos arts. 42.° e 43.° do Código das Socie-dades Comerciais, aplicáveis por remissão do art. 534° do Código de Processo Civil.
5.ª Deve, por conseguinte, ser concedido provimento ao recurso, revogando-se as decisões identificadas no ponto 1 das presentes alegações.

II. 1. As questões que importa resolver consistem em saber se (a) há fundamento para condenação da requerida em multa, como litigante de má--fé e se (b) a mesma deu causa a qualquer procedimento anómalo por forma a justificar a condenação em custas do incidente e se (c) é lícito ao julgador ordenar a apreensão dos livros de actas, de presenças e de registo de acções de sociedade comercial que não é parte no processo.

II. 2. 1. Com pertinência para as questões postas, importa considerar que:
- A requerida foi condenada como litigante de má-fé em virtude de persistente falta de colaboração omitindo informações que lhe foram pedidas, nos termos do art. 837-A nº 2 do CPC (fls. 115).
- No mesmo despacho foi ordenado o envio de deprecada para apreensão das 26.000 acções...bem como do livro de actas da assembleia geral da Sociedade Palácio da Brejoeira SA, bem como do livro de presenças e do livro de registo de acções (idem).
- Nesse mesmo despacho foi ainda a requerida condenada em custas por se ter entendido estar-se perante incidente tributável (idem).
- A requerida veio então declarar que é titular de 500 acções da sociedade Palácio da Brejoeira – Vitivinicultores, SA (fls. 285 dos autos de arresto);
- Em 23.11.2001 veio a juntar o comprovativo do depósito à ordem do Tribunal das 500 acções que declarou ser titular (fls. 335 dos autos de arresto).
- O despacho de 30 de Abril de 2002 julgou validamente arrestadas as 500 acções e determinou o envio de nova carta para apreensão das restantes 26.000 (fls. 408 dos autos de arresto).
- Em 17.06.02, foi proferido despacho (nos autos de carta precatória) ordenando a notificação da requerido para prestar as informações requeridas pelo requerente (fls. 434 dos autos de arresto).
- A requerida foi notificada em 24.06.02 para os termos ordenados fls. 437 vº dos mesmos autos, sob cominação de multa.
- No acto da notificação o mandatário da requerida prestou declarações no sentido de que a requerida não tinha na sua posse as demais acções e que não tinha declarações a fazer quanto ao respectivo paradeiro. Acrescentou que não era dever da requerida facultar os documentos pertencentes à Sociedade Palácio da Brejoeira SA com base em que esta não é parte no processo e que a requerida não fora notificada na qualidade de representante dessa sociedade (fls. 437 e vº dos mesmos autos).
- Posteriormente, notificada para o efeito, veio completar as declarações por si prestadas, reiterando, no essencial, o teor das mesmas e sustentando ainda quanto a esta última questão, a inadmissibilidade legal de o fazer (fls. 441 e 442 dos mesmos autos).

II. 2. 1. Este o recorte factual. Vejamos então, do ponto de vista jurídico as questões postas.

II. 2. 2. 1. Quanto à apreensão de escrita comercial da Sociedade Palácio da Brejoeira, SA.
Face ao tratamento dado às questões colocadas no âmbito do primeiro agravo, mostra-se prejudicado o conhecimento desta questão que, assim, perdeu qualquer efeito útil.

II. 2. 2. 2. Já o mesmo não acontece com a condenação da requerida em multa como litigante de má-fé e nas custas pelo incidente tributável a que se considerou ter dado causa.
A argumentação do requerente, que se pronunciou no sentido que veio a ser sustentado no despacho recorrido, pode resumir-se a que não é lícito o mutismo ou o desejo de não prestar declarações sobre o paradeiro das acções, isto é, onde estão, a quem as entregou e quando... além disso, foi a requerida também notificada na qualidade de administradora única da sociedade a que respeitam as acções cujo arresto foi ordenado, para exibir documentação dessa sociedade. ...Não foi ordenado qualquer varejo à escrita e a simples exibição de tais livros – presenças e registo de acções – não dá a conhecer, minimamente que seja, os negócios sociais, cujos segredos não se pretendem conhecer.
Antes da Reforma de 95/97, era jurisprudência corrente que o art. 456/2/c) e d) punia como litigante de má-fé a parte que usasse de conduta dolosa (Ac. STJ, 8.4.97, CJ/STJ/07, T. II, pág. 37). Pressupunha-se a existência de dolo, quer substancial directo, quer indirecto ou instrumental, ou seja, a má-fé material. Isto é, punia-se a título de má-fé a parte que deduzisse pedido ou oposição cuja falta de fundamento conhecia ou alterasse conscientemente a verdade dos factos ou omitisse factos essenciais. Além disso, era também punida a má-fé instrumental, que dizia respeito ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da justiça ou para impedir a descoberta da verdade (Rodrigues Bastos, Notas, II, pág. 353). Não bastava, pois, a negligência grosseira, exigindo-se uma conduta dolosa.
O requisito essencial básico apontado por Alberto dos Reis era a consciência de não ter razão (CPC anot., Vol. II, Pág. 263), o que levava a afastar a culpa, mesmo no grau mais elevado.
Com a reforma de 1995/96, passaram a ser punidas tanto a conduta dolosa como a gravemente negligente (art. 456/2 CPC).
Como se diz no Ac. RP proferido na Apelação nº 1274/2000, ao que sabemos ainda não publicado), na base da actuação processual das partes está sempre, em última análise, o seu dever de conscientemente não formular pedidos ilegais e não articular factos contrários à verdade. A definição de má-fé é o reverso desse dever de probidade imposto pela lei processual. Pretendeu, por isso, o legislador relacioná-la com o princípio da cooperação e daí a inclusão no conceito não apenas de conduta dolosa, mas ainda a que traduza negligência grave.
O art. 266-A CPC determina que as partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação previstos no art. 266 CPC.
Trata-se de um dos princípios que constitui trave mestra do nosso ordenamento processual civil, reforçado após a reforma de 1995, envolvendo uma maior responsabilização das partes perante o Tribunal (nomeadamente através do dever de comparência e de informação) Lebre de Freitas, Em torno da Revisão do Direito Processual Civil, ROA, Ano 55, pág. 361..
Ora, ao omitir deliberadamente uma informação ordenada por despacho e que lhe era exigível legalmente (entre outros pelo art. 837-A CPC), a recorrente omitiu um dever perante o Tribunal cujas decisões se impõem, por imperativo constitucional, a quaisquer outras. Por isso, e independentemente dos interesses que com a sua conduta a recorrente visou acautelar, afigura-se-nos que tal conduta cai já no âmbito de uma defesa ilícita.
A tal não se opõe a circunstância de obter ganho de causa, já que a parte vencedora também pode ser condenada como litigante de má-fé (artºs 665 e 456 do CPC). Ou seja, vencer a causa e ser condenado como litigante de má-fé não são situações incompatíveis.
Assim, e tendo em conta que a condenação a título de litigante de má-fé ao abrigo do art. 837-A CPC (ainda aqui aplicável)
Revogado pelo DL 38/2003. supõe que se verifiquem obviamente os demais requisitos do art. 456 CPC, não há dúvida que a parte omitiu o dever de cooperação para com o Tribunal, nomeadamente silenciando as informações que lhe foi determinado que prestasse. Estas atitudes assumidas pela requerida, são enquadráveis, pois, pelo art. 456 CPC.
Bem andou, pois, a 1ª instância ao condenar a recorrente como litigante de má-fé.

II. 2. 2. 2. Idênticas razões valem aqui quanto à condenação em custas visto que esta não tem qualquer autonomia fora do contexto da consideração de que estamos em presença de lide juridicamente reprovável.

III. Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se:
- conceder provimento ao 1º agravo e consequentemente revogando-se o despacho recorrido, e os demais dele dependentes, julga-se procedente a oposição e determina-se o levantamento do arresto.
- negar provimento ao 2º agravo e consequentemente confirmar o despacho que condenou a recorrente em custas e multa como litigante de má-fé.
Custas pelo recorrido e pela recorrente, na proporção.
Lisboa, 17-2-04
Maria Amélia Ribeiro
Arnaldo António Silva
António Proença Fouto