Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6140/07.8TBAMD.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
AUSÊNCIA
EQUIDADE
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. O critério de proporcionalidade a que alude o artigo 2004.º do Código Civil releva para efeitos de fixação do montante de alimentos, mas não para se excluir o respectivo pagamento. Daí que o tribunal deva fixar alimentos na acção de regulação do poder paternal ainda que o pai seja ausente.
2. Nestas situações impõe-se que o montante de alimentos seja determinado com recurso à equidade.
3. Para se chegar a esse montante teremos de considerar que o requerido poderia auferir, pelo menos, o salário mínimo nacional, sendo este o elemento padronizado e notório que tomaremos em consideração para a fixação de alimentos à criança à míngua de outros elementos concretos sobre a situação económico-financeira do requerido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

O Magistrado do Ministério Publico interpõe recurso de apelação da sentença proferida no processo de regulação do exercício do poder paternal que em representação da menor “A”, moveu contra os seus progenitores “B” e “C”.
Tal recurso circunscreve-se ao segmento da decisão que não fixou os alimentos devidos pelo pai à criança.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:

1ª) – O presente recurso é circunscrito à parte da sentença que omitiu a fixação de uma prestação alimentícia a cargo do progenitor;

2ª) – Não obstante não ter sido possível avaliar as actuais condições económicas do progenitor, o Tribunal podia e devia ter fixado uma prestação alimentícia a favor da menor, quer porque a situação da alimentada assim o reclama, quer porque não se encontra sequer apurado que o requerido não aufira qualquer rendimento;

Na verdade,

3ª) – Recaindo tal obrigação em primeira linha sobre os progenitores – uma vez que a menor não tem quaisquer possibilidades de prover por si ao seu próprio sustento e satisfação das suas necessidades básicas – e tendo a menor sido confiada aos cuidados da mãe, deveria o Tribunal ter fixado uma prestação alimentícia a cargo do outro progenitor enquanto decorrência mínima das relações de filiação estabelecidas;

4ª) – O requerido foi citado editalmente neste processo, mas contacta com a requerida e, ao invés de comparecer neste Tribunal ou fazer-se representar, “desapareceu” para parte incerta, o que denota bem o seu propósito de se eximir ao pagamento da prestação alimentícia devida à filha;

5ª) – A fixação de uma pensão “mínima” ao progenitor não constitui uma “presunção” insuportável para o progenitor, na medida em que o mesmo sempre poderá requerer a Alteração da Regulação do Exercício do Poder Paternal, tratando-se, como se trata, de um processo de jurisdição voluntária;

6ª) – Por outro lado, mesmo em caso de Incumprimento, ou o devedor possui meios susceptíveis de tornar efectiva a prestação de alimentos (caso em que se poderá lançar mão do expediente previsto no art.º 189º da Organização Tutelar de Menores ou obter o pagamento das prestações vencidas através da Execução de Alimentos, ao abrigo do disposto no art.º 1118º do Código de Processo Civil) ou, não possuindo bens nem emprego, restará aos menores pugnar pela fixação de uma prestação substitutiva a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos, nos termos conjuntos dos artºs 1º, 2º e 3º, da Lei n.º 75/98 de 19/11 e 1º, 2º, 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/5;

7ª) – “O facto constitutivo essencial do direito a obter alimentos do pai é integrado pela relação de filiação e pela situação de menoridade (…)”cabendo “ao autor o ónus de provar o estado de necessidade e também a relação que vincula o réu a tal prestação. Por outro lado, cabe ao réu o de provar que os meios de que dispõe não permitem realizá-la integral ou mesmo parcialmente”.

8.º) – Ou seja, no caso, era sempre sobre o progenitor que,
Segundo as regras de distribuição do ónus da prova, recaía
o dever de provar que estava em condições de beneficiar
da dispensa de prestar alimentos ( art.º 2009 n.º 3 do CC)
e, manifestamente, tal prova não foi feita.

9ª) – Exige-se que o progenitor reúna as condições necessárias a acautelar a sobrevivência dos descendentes, sendo essa, aliás, uma das obrigações inerentes ao exercício do poder paternal (art.º 1878º do Código Civil);

10ª) – A seguir-se a tese da douta decisão recorrida estaria a menor inibida de recorrer à prestação substitutiva do Fundo de Garantia de Alimentos, uma vez que a Lei n.º 75/98 faz depender a intervenção do Fundo da prévia fixação de uma prestação alimentícia insusceptível de execução;

11ª) – Tal entendimento contraria frontalmente a filosofia que presidiu à criação do Fundo e constituiria uma gritante violação ao princípio da igualdade perante a lei estabelecido no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, já que potenciaria uma tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse ou não averiguar a situação do alimentante.

12ª) – Ao não prescrever uma pensão alimentícia devida à menor por parte do progenitor, a douta decisão recorrida violou o estatuído nos art.ºs 1878º, n.º 1, 1905º e 2004º, n.º 1, todos do Código Civil, normas essas que deverão ser interpretadas no sentido da obrigatoriedade da fixação de uma pensão alimentícia ao progenitor não guardião, mesmo nas situações em que se desconhece as condições de vida do alimentante, por este se ter ausentado para parte incerta sem ter cuidado de fornecer ao Tribunal a sua nova morada;

Nos termos expostos, deverá a presente apelação ser julgada procedente e, consequentemente, substituir-se a douta decisão recorrida por outra que imponha ao progenitor o pagamento de uma prestação alimentícia relativamente à filha menor, em montante não inferior a 100,00 €.

Objecto do recurso

Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Os factos dados como provados pelo tribunal recorrido são os seguintes:


1- “A” nasceu em 07 de Maio de 2006 e encontra-se registada como filha de “B” e de “C”;

2- Os progenitores da “A” não são casados entre si,

Conheceram-se em Cabo Verde e encontram-se separados um
Do outro desde o ano de 2006, altura em que a Requerida

Veio viver para Portugal na companhia de sua mãe;

3- A menor sempre viveu com a Requerida, coabitando ambas

Com a avó materna da “A” em casa desta última,

Juntamente com três irmãos uterinos da Requerida;

4- A Requerida revela-se uma pessoa interessada e empenhada

No acompanhamento do processo educativo da menor,

Demonstrando, outrossim, ser uma mãe afectiva, carinhosa

Protectora e preocupada com o bem-estar da criança;

5- A Requerida frequentou um curso de formação profissional

Auferindo como contrapartida da frequência € 400,00 mensais

Estando actualmente desempregada e sem subsídio de

Desemprego, recebendo a prestação de abono de família

Respeitante à “A” no montante mensal de € 42,00;

6- A Requerida possui um encargo mensal de € 72,90 com a

Mensalidade (que inclui alimentação), do Jardim-de-infância

Da Associação ... na ..., que a “A”

Frequenta;

7- A Requerida beneficia de apoio económico da parte da sua mãe e de um irmão, os quais auferem em conjunto

Rendimentos que ascendem a € 960,00 mensais;

8- O agregado familiar em que a Requerida e a “A” se

Inserem possui despesas mensais básicas, designadamente com

Renda de casa, água, electricidade, gás e transportes que

Ascendem a cerca de € 500,00;

9- A “A” apresenta-se sempre com bons cuidados de higiene e vestuário, é uma criança muito sociável, alegre,

Estabelecendo uma boa relação com os seus pares e com os adultos no meio escolar onde revela boa capacidade de aprendizagem e equilíbrio emocional;

10- O Requerido nunca privou pessoalmente com a “A”
conhecendo a criança apenas através de fotografias , que a Requerida lhe enviou no passado , não contribuindo para o seu sustento;

11- Após a separação entre os Requeridos o Requerido presumivelmente terá continuado a viver em Cabo Verde , desconhecendo-se qual o seu modo vida , situação pessoal e económica;

12- Na sequência da diligência realizada nestes autos a 22/01/2009 / cfr. fls. 38-39 ) , o Tribunal proferiu decisão

provisória abrangendo a matéria do destino da menor e visitas , o qual se considera aqui por reproduzido.

Apreciando o recurso

A questão em análise no recurso é a de saber se num processo de regulação do exercício do poder paternal o tribunal deve fixar os alimentos devidos pelo progenitor a quem a criança não foi confiada, apesar deste não ter intervindo no processo e não existirem elementos relativos à sua pessoa e à sua situação económica.
O Ministério Publico ora recorrente sustenta em resumo que a sentença violou o disposto nos artºs 1878º, n.º 1, 1905º e 2004º, n.º 1, todos do Código Civil, normas essas que deverão ser interpretadas no sentido da obrigatoriedade da fixação de uma pensão alimentícia ao progenitor não guardião, mesmo nas situações em que se desconhece as condições de vida do alimentante, por este se ter ausentado para parte incerta sem ter cuidado de fornecer ao Tribunal a sua nova morada.
Na sentença o tribunal fundamentou a não condenação do pai ausente em alimentos, seguindo orientação jurisprudencial que sustenta que em situações de absoluto desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, não é possível proceder à fixação de alimentos a menor por a tal obstar claramente o disposto no artigo 2004º do Código Civil, que estabelece uma regra fundamental para a determinação do montante concreto dos alimentos a pagar e que manda atender não só ás necessidades do alimentando como também às possibilidades do obrigado à prestação dos alimentos, citando em abono dessa tese os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18/01/2007 (Processo nº04/12/2008 e em 04/12/2008- com um voto de vencido (Processo nº 8155/2008-6).
Quid júris?
Apesar do imenso respeito que nos merecem os subscritores dos referidos acórdãos não é essa a posição jurídica que sustentamos em consonância, aliás, com a posição que já sustentávamos na primeira instância e que parece ser a posição jurisprudencial maioritária pelo menos no Tribunal da Relação de Lisboa, encontrada, também em arestos doutros tribunais da Relação, conclusão a que chegamos após consulta feita aos acórdão publicados na base de dados, no sítio www.dgsi.pt.
Dando como exemplo e por todos o acórdão da Relação de Lisboa de 26-06-2007, votado por unanimidade e consultável naquela base de dados, cuja posição seguiremos.

É inerente ao poder paternal o dever de “ prover ao sustento” do filho menor, tal como decorre do artigo 2009.º/1, alínea c) do Código Civil em consonância com o artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa.
De harmonia com o interesse do menor, é essa a prioridade que o Tribunal deve ter em consideração e que se sobrepõe à questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos.
Numa situação em que seja desconhecida a concreta situação de vida do obrigado a alimentos designadamente por ser desconhecido o seu paradeiro, como é o caso, ainda assim o tribunal deve fixar um montante de alimentos no mínimo indispensável à satisfação das suas necessidades.
Se é certo que a lei civil no art. 2004º manda atender na fixação dos alimentos às possibilidades do alimentante, às necessidades do alimentando e às possibilidades de o alimentando proceder à sua subsistência, numa situação como a dos autos em que o pai da criança está ausente em parte incerta sem ter tido o cuidado de fornecer ao Tribunal a sua nova morada a seguir aquele entendimento acolhido na sentença, esta criança ficaria impossibilitada de beneficiar da prestação de natureza social por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores por esta prestação estar dependente da existência de uma sentença que fixe alimentos.
Só este facto constitui razão justificativa para que sejam fixados alimentos às crianças deles carecidas, numa situação como a dos autos, sob pena violação ao princípio da igualdade perante a lei estabelecido no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, já que potenciaria uma tratamento diferenciado entre menores em idêntica situação de carência, consoante se lograsse ou não averiguar a situação do alimentante.
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Da circunstância de nada se ter apurado sobre a situação económica do requerido, não pode concluir-se que o mesmo não tem condições para cumprir o seu dever alimentício para com a filha.
Acresce que o ónus da prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos cabe ao obrigado a alimentos (artigo 342.º/2 do Código Civil).
Também numa situação de desemprego em que o alimentando se coloque voluntariamente não fica dispensado de cumprir a obrigação de alimentos. -cf. Vaz Serra, Obrigação de Alimentos, pg 106, onde se lê: “tomar-se-ão em consideração os recursos que poderia obter com o seu trabalho;”
O Acórdão da Relação de Coimbra de 13.3.2001, na mesma base de dados, a este propósito refere “ O facto de não ser possível apurar o rendimento anual global do devedor de alimentos, não significa, por isso, não dever o tribunal fixar qualquer quantia a título de alimentos, já que assim se estaria também a beneficiar indevidamente o requerido que conhecedor da acção se desligou do trabalho que então desempenhava e se ausentou para parte incerta.”

Até pela similitude que a situação dos autos tem com aquela em que o progenitor obrigado a alimentos se desemprega voluntariamente para não prestar alimentos ao filho se justifica que o tribunal fixe alimentos à criança que manifestamente deles necessita.
Concluímos, portanto, que o critério de proporcionalidade a que alude o artigo 2004.º do Código Civil releva para efeitos de fixação do montante de alimentos, mas não para se excluir o respectivo pagamento.
Nestas situações, impõe-se que o montante de alimentos seja determinado com recurso à equidade não se justificando uma quantia meramente simbólica, nem sendo possível atribuir-se quantia muito elevada.
E para se chegar a esse montante teremos de considerar que o requerido poderia auferir, pelo menos, o salário mínimo nacional, sendo este o elemento padronizado e notório que tomaremos em consideração para a fixação de alimentos à criança à míngua de outros elementos concretos sobre a situação económico-financeira do requerido.
Por outro lado o requerido pai da criança pode a todo o tempo requerer alteração da regulação do poder paternal.
Estamos perante processos de jurisdição voluntária o que significa que a todo o tempo apurando-se da situação económico financeira de devedor, se poderá aquilatará da possibilidade, do cumprimento e do ajustamento do valor fixado considerando as possibilidades económicas do requerido, mas isso é questão distinta que não pode obviar a que o tribunal deixe de fixar alimentos nesta acção de regulação do poder paternal .
Há que determinar o valor da prestação, atento o estatuído no artº 715º do CPC, tendo em conta os elementos constantes dos autos.
1. A criança tem quatro anos de idade, e a mãe, com quem vive, frequentou um curso de formação profissional não tendo ainda emprego, recebendo, apenas a prestação de abono de família respeitante à criança no montante mensal de € 42,00.
2. A requerida, mãe da criança, é ajudada pela mãe e por um irmão com quem vive, agregado este cujo rendimento ascende a € 960,00 mensais, tendo despesas fixas de 500 euros mensais.
3. A requerida tem um encargo mensal de € 72,90 com a mensalidade (que inclui alimentação), do Jardim-de-infância da Associação ... na ... que a filha frequenta.
Considerando aqueles factos e tendo em conta que o requerido trabalhando poderá auferir, pelo menos, o salário mínimo nacional entendemos adequado fixar os alimentos devidos pelo requerido, com vista à satisfação das necessidades básicas da filha menor, na quantia mensal de cem euros, quantia também peticionada pelo Ministério Público em nome da criança.

DECISÃO

Pelo exposto, dando provimento ao recurso alteram a sentença fixando a prestação de alimentos do requerido para com a sua filha, no montante de cem euros mensais devidos até ao dia oito de cada mês.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Novembro de 2010

Maria do Rosário Barbosa
Maria do Rosário Gonçalves
Maria da Graça Araújo (vencida pela fundamentação expressa no Ac. RL de 4.12.08, Proc. Nº 8155/2008-6)