Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
564/14.1TVLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: FALTA DE CITAÇÃO
ARGUIÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: SUMÁRIO (da relatora):
1. O citando pode ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 230º, nº1 do nCPC, mediante a prova de que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que não lhe é imputável, ou seja, mediante a prova de que, sem culpa, a carta para citação não lhe foi entregue.
2. Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189º do nCPC, sempre que o réu intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu.
3. A junção de procuração a advogado e a notificação deste para os termos do disposto no artigo 567º do nCPC, constituem actos judiciais relevantes que, iniludivelmente, fazem pressupor o conhecimento do processo, permitindo presumir que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.
4. E manifestamente intempestiva a arguição de nulidade de falta de citação no recurso interposto da decisão final.

Atento o disposto no artigo 656º do nC.P.C., a pretensão dos apelantes será apreciada mediante decisão singular da relatora.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.    RELATÓRIO

JOSÉ ……, residente na Rua …………, na qualidade de cabeça de casal por óbito de seu pai, falecido a 26.10.2010, intentou, em 03 de Abril de 2014, contra AFONSO ………, detido no Estabelecimento Prisional ……, acção declarativa na forma de processo comum ordinário, através da qual pede se declare a incapacidade sucessória do réu, por indignidade, relativamente à herança deixada por óbito de seu pai.

                        Alegou para tanto e em síntese que:


§ Autor e réu, são filhos de Gonçalves …… e de Conceição ….. (Escritura de Habilitação de Herdeiros).
§ Gonçalves ……, faleceu no dia 26 de Outubro de 2010, conforme melhor consta da escritura de habilitação de herdeiros.
§ A morte de Gonçalves …… deveu-se à conduta do réu na pessoa daquele, seu pai.
§ O réu foi condenado pelo crime de homicídio, perpetrado na pessoa de seu pai, pela Vara Criminal de …., na pena de 22 anos de prisão, (certidão de sentença).
§ O falecido deixou como acervo hereditário os bens constantes na relação de bens apresentada na competente Repartição de Finanças.
§ O réu, por morte de seu Pai, nos termos do disposto no art. 2133º, al. a), como descendente é herdeiro.
§ Sendo herdeiro, tem direito de acordo com as regras sucessórias vigentes, a herdar o seu quinhão hereditário.
§ A sentença crime transitou em julgado a 23/05/2013.
§ A presente acção é intentada dentro do prazo de 1 ano previsto no art. 2036º, do Código Civil.

                        Foi, então, o seguinte o iter processual:

1. Em 07-04-2014 foi enviada carta registada com aviso de recepção para citação do réu Afonso ….., dirigida ao Estabelecimento Prisional de ……...

2. A carta de citação veio devolvida com a indicação que o réu se encontrava detido no Estabelecimento Prisional de ……. (fls. 82).

3. Em 11.04.2014, foi aposta no processo uma cota nos termos seguintes: face à informação constante da carta de citação devolvida aos autos, de que o Réu encontra-se atualmente no Estabelecimento Prisional de ……., procedi à repetição da citação naquele Estabelecimento (fls. 128).

4. Em 14.04.2014 foi enviada carta registada com aviso de recepção para citação do réu Afonso ……, dirigida ao Estabelecimento Prisional de ……. (fls. 129-130).

5. O aviso de recepção foi recebido no Tribunal, em 20.04.2014, constando o carimbo do estabelecimento prisional, seguida de uma assinatura não identificada (fls. 84).

6. Por se ter considerado que o aviso de recepção havia sido assinado por pessoa diverso do réu, foi enviada, em 30-04-2014, carta dirigida a Afonso ……, para Estabelecimento Prisional de ……., tendo como Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa e dela constando (fls. 131):

Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais”

Prazo para contestar é de 30 Dias.

Àquele prazo acresce uma dilação de:

5 dias por a citação ter sido efectuada em comarca diferente daquela onde correm os autos;

5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa..

A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelo (s) Autor(es).

O prazo é contínuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais.

Terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.

7. Em 19.05.2014 foi apresentado requerimento subscrito pela advogada, Dra. A.C., no qual identificando o processo, requer a junção de procuração forense outorgada pelo réu Afonso ----- a favor da advogada subscritora do requerimento (fls. 86 a 88).

8. Em 12-06-2014 foi proferido o seguinte Despacho (fls. 89).

Os factos mostram-se provados por prova documental.

Cumpra-se o disposto no art.º 567.º/2 do C.P.C..

9. Tal despacho foi notificado, via Citius, em 16.06.2014, aos mandatários constituídos, do autor e do réu, constando da notificação, o seguinte (fls. 132-133):

Assunto: Despacho

Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que por despacho e nos termos do art.º 567.º do CPC, foram considerados confessados os factos articulados pelo Autor.

Envia-se fotocópia do despacho.

10. Em 20.06.2014 o autor apresentou alegações, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 567º, do C.P.C., concluindo que a acção deveria ser julgada procedente por provada e a final ser declarada a incapacidade sucessória do réu, por indignidade, relativamente à herança deixada por óbito de seu pai, ocorrido a 26/10/2010, nos termos e efeitos do disposto no art. 2034º, al. a) do C. Civil, com as consequências previstas no art. 2037º também do C. Civil (fls. 90 a 93).

11. Das alegações apresentadas, o mandatário do autor, deu cumprimento ao disposto no artigo 221º do CPC, tendo procedido à notificação da mandatária do réu (fls. 90).

12. Em 27.10.2014, foi proferida a seguinte Sentença (fls. 95):

(…)

Regularmente citado, o R. não contestou, pelo que, segundo o preceituado no art.º 567.º/1 do C.P.C., se consideraram confessados os factos articulados pelo A..

Os factos reconhecidos por falta de contestação e o disposto nos arts. 2034.º e 2037.º do C.C. determinam a procedência da acção. Efectivamente, o R. foi condenado pelo crime de homicídio perpetrado na pessoa de seu pai, conforme certidão junta aos autos de fls. 11 a 70. Ora, nos termos do aludido art.º 2034.º carecem de capacidade, por motivo de indignidade, o condenado como autor de homicídio doloso contra o autor da sucessão ou contra, assinaladamente, o seu ascendente. Conforme prevê o art.º 2037.º, declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens.

Pelo exposto, aderindo-se aos fundamentos alegados pelo A. na petição inicial, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 567.º do C.P.C., julga-se a presente acção inteiramente procedente por inteiramente provada, em consequência do que se declara a incapacidade sucessória do R. por indignidade relativamente à herança deixada por óbito de seu pai.

Custas pelo R. (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).

Registe e notifique.

13. A notificação foi efectuada aos advogados das partes, através da plataforma CITIUS, em 27.10.2014 (fls. 134 a 136).


*

        Em 31.12.2014, o réu AFONSO ….., invocando não se conformar com a sentença proferida, veio interpor recurso de apelação, apresentando alegações subscritas pela sua mandatária constituída nos autos.

                        São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:


i. O recorrente teve conhecimento através da mandatária no âmbito do processo-crime 704/10.0PVLSB, que fora sentenciado nos presentes autos.

ii. Através do processo com base no qual foi intentada a presente acção, teve a mandataria conhecimento da pretensão do Autor.

iii. Através do Portal do Citius identificou a acção e por modo próprio juntou procuração.

iv. Todavia essa procuração é meramente forense não lhe dando poderes constantes do nº5 do artigo 225.º do CPC.

v. Pelo que o recorrente se não poderia considerar citado através de mandatária

vi. Quanto à eventual citação no E.P., não é verdade que a tenha recebido!

 vii. Não assinou qualquer aviso de receção!

viii. Compulsando os autos constata-se que o aviso de recepção, além de não ter sido assinado devidamente por terceiro, encontra-se ilegível.

ix. Assim como não foi entregue a quem de Direito, neste caso o recorrente.

x. Impossibilitando assim um Direito de Defesa idóneo, íntegro e legítimo, constitucionalmente adquirido.

xi. O princípio do contraditório sendo basilar no processo civil não foi aqui garantido nem salvaguardado.

 xii. O réu não teve pois oportunidade de contestar a respectiva acção, pois não foi citado para todos os efeitos legais.

xiii. O Tribunal violou o preceituado nos artigos 225, 228 e 230 do CPC, ao não ter devidamente citado o recorrente.

xiv. A se não entender desta forma está o Tribunal a interpretar e aplicar, como aplicou uma interpretação das normas contidas no art.º 225 conjugadas com as normas contidas no art.º 228 do CPC, violadora do preceituado nos art.º 32.º, n.º 1, 205.º e 208.º da CRP.

xv. Pelo que deve a presente sentença ser revogada, substituída por outra que ordene a devida citação do recorrente, nos termos legais.

  O autor/recorrido apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção da decisão recorrida e formulou as seguintes CONCLUSÕES:


i.  O recorrente não tem razão, quando alega a sua falta de citação.

ii. A secretaria do douto tribunal “ a quo”, devido ao facto da primeira carta, enviada a 07/04/2014, ter vindo devolvida, notificou novamente o réu/recorrente, a 14 de abril de 2014;

iii. A referida citação foi enviada ao réu, dado que o mesmo se encontrava detido, para Estabelecimento Prisional de ……..;

iv. O aviso de receção foi assinado, por terceira pessoa e a sua devolução deu entrada, nos autos, a 28 de abril de 2014;

v. Dado que o aviso de receção não vinha assinado pelo réu/recorrente, a secretaria do douto tribunal “ a quo”, a 30/04/2014, nos termos e para efeito do disposto no art 233º, do C.P.C., enviou carta de advertência em virtude da citação não ter sido feita na pessoa do réu;

vi. O réu foi informado de que se considerava citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de receção e que se considerava como o mesmo recebeu a citação e os duplicados legais;

 vii. A secretaria do douto tribunal “ a quo”, anexou cópia do aviso de receção, para prova da assinatura do aviso de recção e indicação da data, para início da contagem do prazo para apresentar contestação;

viii. No dia 19 de maio de 2014, a Ilustre Mandatária do réu/recorrente, juntou procuração forense aos autos, por si assinada.

ix. A junção da procuração por parte do réu aos autos, ocorreu dentro  do prazo para contestação que é de 30 dias (art.569º, do C.P.C.);

x. O réu deve considerar-se regular e legalmente citado a partir do dia 30/04/2014, data aposta na carta de advertência que lhe foi remetida;

xi. A 16 de junho de 2014, a Ilustre Mandatária, do réu, foi notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 567º,nº2, do C.P.C., e do despacho que acompanhava a notificação, no qual constava que os factos se consideravam provados por prova documental.

 xii. A Ilustre Mandatária, do réu, não apresentou alegações, no prazo legal, ou seja, dez dias, após a notificação nos termos e para efeitos do disposto no art. 567º, nº 2, do C.P.C., a 16/06/2014, via “Citius”.

xiii. O réu, foi notificado na pessoa da sua Ilustre Mandatária, a 27/10/2014, foi também notificado da sentença proferida nos autos e agora colocada em crise, alegando falta de citação.

xiv. O réu, apesar de regular e legalmente citado, nada fez, ou seja, não apresentou qualquer defesa.

xv. É por isso falso o alegado pelo réu/recorrente quando afirma, de uma forma categórica, nas suas alegações, que:” … não foi ouvido e nem sequer pôde deduzir defesa …”, (vd. ponto 2 das suas alegações – Objeto do recurso).

xvi. Ao réu, não foi retirada a possibilidade de se defender e muito menos foi negado o princípio do contraditório.

xvii. O réu, foi citado e deve considera-se legalmente e regularmente citado, em conformidade com o disposto nos arts. 225º, 226º, 227º, 228º e art. 233º, todos do C.P.C.


xviii. A nulidade ora alegada pelo réu, terminou com a sua primeira intervenção nos autos, aquando da junção da procuração passada à sua Ilustre Mandatária, dado que não foi arguida a referida nulidade processual e era o momento certo para tal, encontrando-se, por isso, sanada, a nulidade elencada pelo réu, nos termos do disposto no art. 189º, do C.P.C.

xix. A segunda carta enviada pela secretaria do douto tribunal “ a quo”, em cumprimento do disposto no art. 233º, do C.P.C., não veio devolvida.

xx. Nem o réu/recorrente, nas suas alegações, alega que não recebeu a referida carta.

xxi. O douto tribunal “ a quo”, ao decidir como decidiu, de cumprimento ao disposto no art. 567º, nº 1, do C.P.C., que tem por epígrafe “ … efeitos da revelia…”, que: “ …Se o réu não contestar, tendo sido ou considerar-se citado regularmente citado na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor…”.

xxii. Dado que não foi arguida a nulidade de falta de citação, aquando da junção da procuração aos autos, ou posteriormente aquando na notificação nos termos  e  para  efeitos  do disposto no art. 567º, nº 2, do C.P.C., a referida nulidade processual e era o momento certo para tal, encontrando-se, sanada, nos termos do disposto no art. 189º, do C.P.C.

xxiii. O réu, de uma forma dolosa, alega de Má-fé, devendo nos termos do disposto nos arts.542º e 543º do C.P.C., ser condenado em multa exemplar e em indemnização a pagar ao autor, no valor de 2.000,00 €, para pagamento das despesas que o A. teve com o pagamento de taxa de justiça e honorários e despesas a pagar ao seu mandatário.

xxiv. A sentença ora recorrida, não merce qualquer censura, devendo a mesma manter-se nos precisos termos em que foi proferida, tanto mais que o réu

deveria ter arguido a nulidade junto do douto tribunal da 1ª instância, a fim do Mº (ª) juiz (ª), se poder pronunciar sobre a mesma, nos termos do disposto no art. 613º, nº 2, do C.P.C.

                        Defende, por isso, o apelado, que não deve ser dado provimento ao recurso por não haver qualquer nulidade por falta de citação do réu, pelo facto da mesma se encontrar sanada, desde a junção da procuração pela Ilustre Mandatário do réu, aos autos.

Cumpre apreciar e decidir.


***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

       Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

 Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe tão-somente ponderar sobre:

Û O ALEGADO VÍCIO DE FALTA DE CITAÇÃO E A TEMPESTIVIDADE DA SUA INVOCAÇÃO.


***

III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO                                   

          Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o iter processual referido no relatório desta decisão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

      Insurge-se o réu/recorrente contra a sentença proferida pelo Tribunal a quo que o condenou no pedido formulado pelo autor, por entender que, em suma, que não havia sido citado para a acção e, por não ter sido ouvido, não pôde deduzir a sua defesa.

                        Vejamos se lhe assiste razão.

   Como é sabido, e decorre do preceituado no artigo 219º, nº 1 do nCPC, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.

      O regime de citação por via postal, no caso de o aviso de recepção da carta ter sido assinado por terceiro, está previsto nos artigos 228º, nº2  e 230º, ambos do nCPC, que a citação se considera efectuada no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e que se tem por efectuada na própria pessoa do citando, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

                        Caso a citação seja efectuada em pessoa diversa do citando, é enviada a este, de harmonia com o disposto no artigo 233º do nCPC, uma nova carta registada - “notificação-advertência” - formalidade complementar que se destina a confirmar a citação já realizada, comunicando ao citando, os elementos essenciais da citação, acrescidos da indicação da pessoa que recebeu a carta registada com aviso de recepção e da data em que citação se considera realizada.

     Através desta diligência complementar de advertência, o citando, se ainda não tiver tido conhecimento da citação ou se o terceiro não lhe tiver ainda transmitido os elementos recebidos, pode tomar pleno conhecimento do acto de citação e do seu conteúdo.


       Mas, o citando pode ainda ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 230º, nº1 do nCPC, mediante a prova de que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que não lhe é imputável, ou seja, mediante a prova de que, sem culpa, a carta não lhe foi entregue.


    O artigo 188° do nCPC enumera os casos de falta de citação, do qual interessa realçar a alínea e) do seu nº 1 que estabelece haver falta de citação "
quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável".

  Por sua vez, de acordo com o artigo 191° nº 1 do nCPC, sem prejuízo do disposto no artigo 188°, "é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei".

      A nossa lei de processo distingue entre os casos de falta de citação e de nulidade de citação. Estes são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido - cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 176 e ANTUNES VARELA, Manual do Processo Civil, 373.

   De harmonia com o disposto no artigo 196º do nCPC Das nulidades mencionadas nos artigos 186º e 187º, na segunda parte do nº 2 do artigo 191º e nos artigos 193º e 194º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre a reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.

      Porém, relativamente à nulidade de falta de citação, prescreve-se no artigo 189º do nCPC que, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.

      Como é consabido e já salientava JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, 507, “Dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»

       As nulidades processuais devem ser suscitadas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas e, caso o requerente se não

conforme com a decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade, desta caberá recurso, nos termos gerais.

   Ora, não foi esta a posição assumida pelo réu na presente acção.

      É certo que se tem entendido que a existência de uma decisão que sancionou ou confirmou uma eventual nulidade, pode o conhecimento da mesma ocorrer por meio de recurso.

    Como refere MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, 182 “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se” 

      E esta mesma orientação é perfilhada por ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, 393, ao mencionarem que “(…) e entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.

      No caso em apreciação, a alegada nulidade processual invocada - a existir – muito embora se pudesse admitir que se encontra coberta por uma decisão judicial, proferida em 12.06.2014, a verdade é que sempre o réu teria de reagir contra essa eventual violação das regras processuais mediante a prévia arguição de nulidade perante o autor da decisão.

      Assim, o recurso agora interposto da decisão final proferida a 27.10.2014, invocando essa eventual nulidade sempre seria intempestivo.

    Mas, ainda que assim se não entendesse – como se entende - é manifesto que a invocação do réu de falta de conhecimento da acção e a impossibilidade de deduzir a sua defesa nunca poderia proceder.

       Com efeito, o réu foi citado, tendo em consideração as normas legais em vigor e a circunstância de se encontrar detido num estabelecimento prisional.

       Mostram-se integralmente cumpridas as normas processuais aplicáveis - o preceituado nos artigos 228º, nº 1 e 233º, ambos do nCPC – citação de pessoa singular, por via postal, e advertência ao citando, quando a citação não haja sido efectuada na própria pessoa deste.

    No prazo da contestação, o réu fez juntar aos autos procuração forense conferida a advogada. Esta, foi notificada do despacho de 12.06.2014.

     Acresce que, em resultado dos efeitos da revelia, o processo foi facultado, nomeadamente, à mandatária do réu para alegar por escrito.

       E, devidamente notificada, a mandatária do réu não apresentou alegações, mas também não veio arguir – como cumpriria, se fosse caso disso - qualquer nulidade ou falta de citação.

          Ora, nos termos do artigo 189º do nCPC, considera-se sanada a falta de citação, quando o réu intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica até com a constituição de advogado, sendo que a junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.

        No caso vertente tal situação ocorre, por maioria de razão, atenta a notificação efectuada à mandatária do réu para os termos do disposto no artigo 567º do nCPC

  É, pois, forçoso concluir que a invocação de nulidade de falta de citação não pode proceder, não só porque não está verificada qualquer irregularidade, como também porque o réu juntou procuração conferida a

advogada, em 19.05.2014,  e tem vindo a ser notificado para os vários actos processuais, desde 16.06.2014, através da sua mandatária constituída, sem que esta haja arguido tal hipotética nulidade, razão pela qual a existir essa nulidade, há muito que a mesma se encontra sanada.

     Ademais, ainda que a arguição de falta de citação invocada apenas agora no recurso apresentado em 28.11.2014, configure uma actuação processual censurável, inexistem fundadas razões para a condenação do réu/apelante, conforme peticionado pelo autor/apelado, muito embora se admita que a actuação do réu se situa na fronteira da litigância de má-fé.

        Improcede, em consequência, a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.


*

        O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 123.

***

IV. DECISÃO

  Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

    Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 20 de Abril de 2015

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 Ondina Carmo Alves