Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2070/13.2TVLSB-B.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: CITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
SEDE SOCIAL
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Ao contrário do que constava do nº 1 do art. 236º do CPC revogado, o art. 246º do NPC, no seu nº 2, impõe agora que a carta registada com aviso de receção, destinada a citar pessoa coletiva, seja expedida para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional, estabelecendo o seu nº 4 que, nos casos de devolução do expediente aí previstos, se proceda ao depósito da carta nos termos previstos no nº 5 do art. 229º.
II- Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.
III- Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT.
IV- Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento.
V- Se a ré sociedade deixa as suas instalações no dia 27 de novembro de 2013, mas só no dia 26 de Fevereiro de 2014 altera o local da sua sede social e apenas em 14 de Março de 2014 procede ao registo dessa alteração, deve-se a motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada na anterior sede em 16 de Janeiro de 2014, não podendo, em tal caso, ter-se como verificada a hipótese de falta de citação prevista na al. e) do nº 1 do art. 188º.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.



I-RELATÓRIO:



I – G., Lda, intentou contra A., Lda, uma ação declarativa onde, invocando a rutura, por parte da ré, de um projeto comercial por ambas concebido e desenvolvido, pediu a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 500.000,00, “a título de indemnização por prejuízos e danos causados e lucros cessantes” e, bem assim, “juros vincendos, computados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento”.

Em 18.12.2013 diligenciou-se pela citação da ré, por via postal, na morada indicada na p. i. – Rua P, nº ..., em Lisboa –, tendo a carta expedida para o efeito sido devolvida; foi expedida em 16.01.2014 nova carta para citação, tendo sido junto aos autos o “aviso de receção” de fls. 170.

Não foi apresentada contestação.

Na sequência de despacho, que tal ordenou, foram juntos aos autos os registos comerciais respeitantes à ré.

Foi proferida decisão que, constatando a citação da ré, o facto de esta ter alterado a sua sede para a Rua R., nº ..., em Lisboa apenas em 26.02.2014, ocorrência que levou ao registo em 14.03.2014, por falta de contestação, julgou confessados os factos alegados pela autora na p. i..

A ré veio arguir a nulidade decorrente da sua falta de citação, alegando que, embora só tenha formalizado mais tarde a mudança da sua sede, procedeu efetivamente à mudança das suas instalações em 27.11.2013, em virtude do que solicitou aos CTT a reexpedição da correspondência com início em 9.01.2014 e termo em 9.01.2015. Por isso, não deviam ter tentado a entrega da carta na Rua P.

A autora pronunciou-se pelo indeferimento da invocada nulidade.

Produzida a prova oferecida, foi proferida decisão que entendeu o seguinte:

- a mudança da sede da ré foi registada tardiamente e não foi comunicada à autora;
- antes do depósito, na caixa de correio da ré, dos documentos relativos à sua citação, já esta tinha pedido nos CTT a reexpedição da correspondência a si dirigida;
- isto não foi cumprido pelos CTT, pelo que não é imputável à ré o não ter tido conhecimento da citação.
E concluiu declarando a falta de citação da ré e ordenando que se procedesse de novo à sua citação.
Apelou a autora, tendo apresentado alegações onde pede a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que julgue improcedente a arguição de nulidade, com subsistência do decidido no sentido de se considerarem confessados os factos alegados na p. i..

Formulou, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever:

I. No entendimento da Recorrente, a sentença recorrida incorreu em violação de lei, porquanto incorreu em erro de interpretação e de aplicação das respectivas normas aos factos, cuja aplicação, ao contrário do decidido, e face à prova produzida, é mais do que suficiente para que se declare a improcedência do incidente deduzido.

II. Na decisão recorrida, consideraram-se, em síntese, os seguintes factos como provados:

i. A Autora, aqui Recorrente, indicou na respectiva petição inicial, entregue em 10 de Dezembro de 2013, a sede social da Ré, ora Recorrida, como sita na Rua P, n.º ..., em Lisboa.
ii. Nas pesquisas efectuadas ao Registo Comercial, foi confirmada a localização da sede da Recorrida como sendo na mesma morada indicada pela Recorrente.
iii. No dia 18 de Dezembro de 2013, frustrou-se a citação da Ré, tendo a carta contendo a citação sido devolvida, por não reclamada.
iv. No dia 16 de Janeiro de 2014, foi expedida nova carta, depositada na efectiva morada da sede da Recorrida: Rua P, n.º ..., 1400-297 Lisboa;
v. Foi, assim, ao abrigo do disposto no art.º 236.º do Código de Processo Civil, a Ré citada.
vi. Não apresentando contestação, decidiu o Tribunal a quo, por despacho de 23 de Abril de 2014, considerar confessados os factos articulados pela Recorrente.
vii. Este despacho foi notificado à Recorrida para a morada sita na Rua R., nº ..., 1300-501 Lisboa.
viii. Também esta notificação veio devolvida, por não ter sido reclamada.
ix. Recorrente e Recorrida eram sócias, a primeira de modo indirecto, de uma sociedade, a P., nº ..., com sede na Rua P, n.º ..., 1400-297 Lisboa.
x. A Recorrida apenas por deliberação do dia 26 de Fevereiro de 2014 alterou a respectiva sede social para a morada da Rua R., nº ..., 1300-501 Lisboa, facto que apenas foi levado a registo em 14 de Março de 2014, alteração que foi publicada e, assim, levada ao conhecimento de terceiros, em 21 de Março de 2014.
xi. A Recorrida mudou de instalações, tendo operado a transferência integral de todos os seus equipamentos, existências, documentos e trabalhadores nos dias 25 e 26 de Novembro de 2013.
xii. A Recorrida inaugurou as novas instalações, tendo aberto as mesmas ao público, já que são compostas por uma loja, no dia 28 de Novembro de 2013.
xiii. A partir do dia 27 de Novembro de 2013, nada permaneceu nas antigas instalações da Recorrida.
xiv. Em 6 de Janeiro de 2014, a Recorrida solicitou a reexpedição de correspondência junto dos CTT, para a nova morada da sede (Rua R., nº ..., 1300-501 Lisboa).
xv. Reexpedição que operou a partir do dia 9 de Janeiro de 2014 e que teria como termo a data de 9 de Janeiro de 2015.
xvi. Em data não concretamente apurada, mas entre 28 de Abril de 2014 e 20 de Maio de 2014, teve a Recorrida conhecimento da presente acção contra si intentada.
xvii. A decisão deu ainda como provado o total desconhecimento da Recorrente da mudança de instalações operada pela Recorrida, bem como a inexistência de qualquer comunicação endereçada à Recorrente, nesse sentido.

III. Quanto a esta mudança, bem como aos restantes factos dados como provados, não pretende a Recorrida retirar-lhes qualquer mérito; o que está em causa no presente recurso é a interpretação e resultado que a decisão recorrida lhes atribui.

IV. A Recorrida levou a cabo uma mudança de instalações nos dias 25 e 26 de Novembro, mas apenas cuidou de cumprir com as obrigações junto do registo comercial em 14 de Março do ano seguinte, facto que foi publicado e como tal do conhecimento de terceiros, em 21 de Março de 2014.

V. Mesmo em termos operacionais, apenas em Janeiro do ano seguinte ao da mudança de instalações, requereu a reexpedição de correspondência junto dos CTT.

VI. A alteração de sede social da Recorrida consta de acta da assembleia-geral da mesma, reunida em 26/02/2014, tendo tal deliberação sido apresentada a registo em 14/03/2014 (cfr. documentos de fls. 186 a 192 dos autos).

VII. Registo este publicado, e, por isso, do conhecimento de terceiros, na data de 21/03/2014, conforme certidão permanente da Recorrida constante dos autos.

VIII. Mais, o n.º 2 do mesmo artigo estatui que “os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.” (sublinhado nosso)

IX. No caso, a mudança da sede da sociedade é, nos termos do disposto no art.º 3.º, n.º 2, al. o), ex vi art.º 15.º, n.º 1, e art.º 70.º, n.º 1, al. a), todos do Código do Registo Comercial, um facto sujeito a registo e publicação obrigatórios.

X. O art.º 14.º, n.º 3 do mesmo diploma refere ainda que “a falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais, a quem incumbe a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.”

XI. O douto Tribunal a quo dá como provada a mudança tardia da sede social.

XII. Ora sabemos que, nos termos da lei processual, as pessoas colectivas são citadas e notificadas na morada da respectiva sede social – veja-se o disposto no art.º 246.º, n.º 2 do CPC, que terá sempre que ser sujeito a uma interpretação correctiva, na medida em que as sedes das sociedades não se encontram inscritas no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e sim na Conservatória do Registo Comercial.

XIII. Precisamente por ser esta a morada que os terceiros conhecem e podem, comprovadamente, utilizar para as comunicações com tais entidades.

XIV. A Ré foi, por isso mesmo, valida e regularmente citada, nos termos da lei processual – art.º 236.º do CPC.

XV. Ainda assim, não apresentou contestação.

XVI. Nos termos do disposto no art.º 574.º, n.º 2 do CPC, “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados (…)”

XVII. Na mesma senda, dispõe, ainda, o art.º 567.º, n.º 1 do CPC que “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

XVIII. Pelo que, devia ter sido esta a decisão do Tribunal a quo.

XIX. Mas não; opta o Tribunal por considerar que a falta de citação se deveu a um erro dos CTT, não imputável a qualquer uma das partes.

XX. Uma decisão, contudo, com claro prejuízo para a ora Recorrente, pese embora não lhe seja, de todo, imputável.

XXI. Ainda que os CTT não tenham cumprido com o pedido de reexpedição de correspondência à data da citação realizada em 17 de Janeiro de 2014, certo é que a Recorrida não cumpriu com as obrigações legais de registo que lhe impendiam.

XXII. Nomeadamente, no que diz respeito à alteração de sede social, nos termos legais supra expostos, tendo consciência que é esta a morada relevante no contacto com terceiros, independentemente da conduta dos CTT.

XXIII. Salvo o devido respeito, havendo um qualquer incumprimento dos CTT, terá a Recorrida que ir exigir a esta entidade responsabilidades, sendo a Recorrente completamente alheia a esta questão.

XXIV. Mas mais, a Recorrida, aparentemente, e aqui já não por facto imputável aos CTT, também não foi notificada com sucesso do despacho de 23 de Abril de 2014, que considerou confessados os factos articulados pela Recorrente.

XXV. Sendo que a notificação deste despacho foi enviada já para a morada da Rua R..

XXVI. O art.º 188.º, n.º 1, al. e) do CPC dispõe que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da mesma não chegou a ter dela conhecimento por facto que não lhe seja imputável.

XXVII. O que não poderá valer aqui, uma vez que a Recorrida não foi diligente, nem cuidou de assegurar a recepção de qualquer correspondência entre a mudança de instalações, em Novembro de 2013, e Fevereiro do ano seguinte.

XXVIII. Em Abril de 2014, mesmo sendo a correspondência expedida directamente para a sede, na morada da Rua R., sem intermediação dos CTT, a Recorrida permanecia, igualmente, sem receber...

XXIX. Conclui-se, por isso, que, e por facto que lhe é imputável, designadamente, por incumprimento prolongado e reiterado dos deveres legais (e não só) que lhe impendiam, não foi a Recorrida citada, não podendo, por isso, repetir-se a respectiva citação e, consequentemente, permitir, agora, a apresentação de contestação aos autos.

Nas contra-alegações apresentadas, a apelada defendeu a improcedência do recurso.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- Na decisão apelada, julgaram-se como provados os seguintes factos:

1- Em 10 de dezembro de 2013, a autora G., Lda remeteu a este tribunal a petição inicial da presente ação, demandando a ré A., Lda.
2- Na petição inicial foi indicada, como sede da ré A., Lda, o n.º ... da Rua P, 1400 - 297 Lisboa.
3- Em 17 de dezembro de 2013, consultada a base de dados do registo nacional de pessoas coletivas [fls. 164], apurou-se que a sede da ré A., Lda estava ali indicada como situada no n.º ... da Rua P, 1400 - 297 Lisboa.
4- Em 18 de dezembro de 2013 foi expedida carta registada c/aviso de receção para citação da ré, carta que veio devolvida por “NÃO RECLAMADO” [fls. 165 a 167].
5- Em 16 de janeiro de 2014 foi expedida nova carta para citação da ré, cuja cópia consta de fls. 168 e 169, que foi depositada na caixa de correio respeitante à morada n.º ... da Rua P, 1400 - 297 Lisboa, tendo o funcionário dos “CTT CORREIOS” assinalado que “Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”, conforme consta do verso do documento de fls. 170; tal depósito ocorreu no dia 17 de janeiro de 2014.
6- Por despachos de 27 de março e 1 de abril de 2014, foram juntos aos autos os documentos de fls. 172 a 176, 180 a 184 e 186 a 192.
7- Em 23 de abril de 2014 foi proferido o seguinte despacho: “Conforme consta dos autos, a ré A.,, LDA, citada para o efeito [art. 246.º do C.P. Civil], não apresentou contestação, sendo certo que aquela ré apenas mudou de sede em 26-02-2014 e que tal facto só foi levado ao registo comercial em 14-03-2014 [conforme documentos de fls. 186 a 192]. Assim, ao abrigo do disposto no art. 567.º, n.º 1, do CPCivil, na numeração introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, consideram-se confessados os factos articulados pela autora G., Lda. Notifique, incluindo a ré, aguardando pelo decurso dos prazos legais. [n.º 2 do citado art. 567.º]. Remeta à autora cópia dos documentos de fls. 186 a 192. Para notificações futuras tenha-se em conta a sede da ré indicada a fls. 174 e 191.”
8- Em 28 de abril de 2014, tal despacho foi notificado à ré [fls. 195], tendo a mesma notificação sido enviada para a seguinte morada: Rua R., nº ..., 1300 - 501 Lisboa; aquela notificação veio devolvida, com a indicação “Não Atendeu” e “Objeto não reclamado” [cfr. verso de fls. 200].

9- Dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com a petição inicial retira-se que:
- em 13 de abril de 2012 foi constituída a sociedade P., Lda, com sede na Rua P, n.º ..., em Lisboa, tendo como sócios as sociedades A., Lda e G., Lda.; PA é gerente da sociedade P. Lda, sendo ainda um dos três gerentes da ré A., LDA;
- a A G., LDA era o sócio maioritário da aludida sociedade GL, tendo alienado a sua posição social em 15 de maio de 2012.

10- Em 31 de julho de 2013 ocorreu na sede da ré - então sita no n.º ... da Rua P, em Lisboa - a assembleia geral ordinária documentada a fls. 159 a 161 e respeitante à sociedade P., Lda [esclarecendo-se que esta sociedade, pelo menos à data de 31 de julho de 2013, não tinha instalações próprias nem empregados, ocupando então a ré todo o espaço das instalações correspondentes à morada do n.º ... da Rua P, em Lisboa].
11- Em 26 de fevereiro de 2014, os sócios da sociedade ora ré deliberaram a mudança da sede da ré para a Rua R., nº ..., freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa [cfr. docs. de fls. 191 e 192]; tal facto foi levado ao registo em 14 de março de 2014 [cfr. docs. de fls. 172 a 176 e 186 a 192 - consta do registo comercial que a sede inicial da ré era na Avenida 24 de julho, n.º ..., em Lisboa, tendo sido mudada para o n.º ... da Rua P, em Lisboa, em 16 de março de 2010].
12- A mudança da sede da ré foi objeto de publicação em 21 de março de 2014 em www.mj.gov.pt/publicacoes.
13- A ré efetuou a mudança de todos os seus equipamentos, existências, documentos e trabalhadores nos dias 25 e 26 de novembro de 2013; nesses dias, alguns de tais documentos e equipamentos foram também transportados pelos gerentes da ré nos respetivos automóveis.
14- No dia 27 de novembro de 2013, a ré, com todos os seus trabalhadores, procedeu à instalação e arrumação de todos os mencionados equipamentos, documentos e existências nas suas novas instalações sitas na Rua R., n.º ..., 1300 - 501 Lisboa; tendo, no dia 28 de novembro de 2013, efetuado a inauguração e abertura ao público do seu estabelecimento na referida Rua R., n.º ..., 1300 - 501 Lisboa [esclarece-se que as instalações da ré compreendem uma loja de venda de produtos ao público, situada no rés-do-chão do mencionado Edifício ..., e, imediatamente por cima mas sem ligação física com a loja, no primeiro andar, um espaço onde estão instalados os equipamentos e arquivados os documentos da ré, sendo neste espaço que desenvolvem o seu trabalho os gerentes da mesma ré e os restantes trabalhadores].
15- Assim, a partir do mencionado dia 27 de novembro de 2013 a anterior sede e estabelecimento da ré sitos na Rua P, n.º ..., em Lisboa, ficaram totalmente vazias e encerradas, sem qualquer equipamento ou mobiliário e sem qualquer trabalhador; nessa data e nos dias subsequentes, tais instalações ficaram sem telecomunicações, sem eletricidade e sem água, tendo ainda o contrato de arrendamento das instalações sitas na Rua P, n.º ..., em Lisboa, sido denunciado pela ré em 29 de julho de 2013, com efeitos para 120 dias após a receção de tal comunicação pelo senhorio, conforme docs. de fls. 233, 234 e 237.
16- A partir do referido dia 27 de novembro de 2013, a ré deixou de ter qualquer pessoa, trabalhador ou gerente, que estivesse nas instalações sitas na Rua P, n.º ..., em Lisboa, para receber qualquer correspondência, não tendo tido, assim, conhecimento do aviso dos CTT para proceder ao levantamento da carta com a citação para os termos dos presentes autos, constante de fls. 165 a 167, nem teve conhecimento dos documentos respeitantes à citação depositados em 17 de janeiro de 2014, depósito este referido a fls. 170 e verso.
17- Em 6 de janeiro de 2014, a ré solicitou aos CTT a reexpedição de toda a correspondência que lhe fosse dirigida para a Rua P, n.º ..., 1400 - 297 Lisboa, para as suas novas instalações sitas na Rua R., n.º ..., 1300 - 501 Lisboa; tal reexpedição foi solicitada a título de “mudança de endereço” definitiva, com início no dia 9 de janeiro de 2014 e termo no dia 9 de janeiro de 2015, conforme documento de fls. 240 e 314.
18- Em data não concretamente apurada, mas situada entre 28 de abril de 2014 e 20 de maio de 2014 [data de apresentação do requerimento de fls. 203 e seguintes], a ré teve conhecimento da pendência dos presentes autos.

            III – Abordemos então a questão suscitada.

A secção do CPC[1] – diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência -, referente a citações e notificações, com início no seu art. 219º, contém, inovadoramente, subsecções que regem, uma a citação de pessoas singulares – a II –, outra a citação de pessoas coletivas – a III.

Desta última, e para além da remissão genérica para o regime previsto na subsecção anterior, consta, com especial relevo para a matéria em discussão, a regra segundo a qual a carta registada com aviso de receção destinada a citar a pessoa coletiva é endereçada para a sede inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas – nº 2 do art. 246º.

Sendo recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver, considerando-se a citação efetuada – nº 3 do mesmo preceito; e, sendo a devolução do expediente devida a outra causa, nos termos do nº 4 do mesmo art. 246º, repetir-se-á a citação por nova carta registada com aviso de receção, com a advertência constante do nº 2 do art. 230º[2], observando-se o nº 5 do art. 229º[3].

Assim se fez no caso dos autos, como resulta do facto descrito sob o nº 5.

Porém, esse local deixara de estar ocupado pela ré apelada, que em 27.11.2013 mudara as suas instalações para uma outra morada; esta mudança veio a ser deliberada em assembleia geral de 26.02.2014, seguindo-se, em 14.03.2014, o respetivo registo – facto nº 11.

Ao contrário do que constava do nº 1 do art. 236º do CPC revogado[4], a lei impõe agora a expedição da carta de citação para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional e passou a prever – nº 4 do mesmo preceito - que em qualquer caso poderia proceder-se ao depósito da carta nos termos previstos no nº 5 do art. 229º[5].

Como escrevem, a este propósito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[6], “… o DL nº 329-A/95 introduziu a sede de facto (local onde funciona normalmente a administração) como local onde pode ser efectuada a citação … da pessoa colectiva, em alternativa à citação na sede estatutária … . Com o CPC de 2013, cessa a alternativa e regressa-se à citação na sede estatutária, constante do ficheiro central do Registo nacional das Pessoas Coletivas, mas com as cominações estabelecidas nos nºs 3 e 4 … .”

Passou, pois, a recair sobre as pessoas coletivas (e sobre as sociedades) o ónus de garantir a correspondência entre o local inscrito como sendo a sua sede e aquele em que esta se situa de facto, atualizando-o com presteza, a fim de evitar que à sua citação se venha a proceder em local correspondente a uma sede anterior.

Pode dizer-se, em face disto, que deixou de ser tolerada uma situação de “clandestinidade”, com a manutenção indefinida, voluntariamente ou por simples negligência dos órgãos competentes, de uma sede desatualizada, em prejuízo de terceiros ou do Estado.

Não podendo qualificar-se como ilícita a situação descrita nos factos enunciados sob os nºs 13 a 16, o certo é que a lei atual passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT.

Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento.

E não se está perante exigência insuportável ou particularmente severa, pois que no caso teria bastado que a ré tivesse tomado a deliberação de mudança de sede e procedido ao seu registo em tempo devido.

Não o tendo feito, deve-se a motivo que lhe é imputável o facto de não ter tido conhecimento da citação realizada, não podendo ter-se como verificada a hipótese de falta de citação prevista na al. e) do nº 1 do art. 188º.

Impõe-se, deste modo, a procedência da apelação.

IV – Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida, subsistindo o despacho que, por falta de contestação, teve como confessados os factos alegados na p. i., o que implica a anulação da tramitação posterior à decisão impugnada.
Custas a cargo da apelada.


Lxa. 17.11.2015


(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)
(Graça Amaral)
(Orlando Nascimento)


[1]Aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho
[2]A citação considera-se feita na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, ficando aviso, no oitavo dia posterior a essa data.
[3]O depósito da carta pelo distribuidor do serviço postal é acompanhado da certificação, por este, da data em que teve lugar o depósito e do envio imediato da respetiva certidão ao tribunal.
[4]Onde se estabelecia que a carta para citação de pessoa coletiva ou sociedade era enviada para a respetiva sede ou para o local onde funciona normalmente a administração.
[5]E não apenas nos casos de domicílio convencionado.
[6]Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, pg. 479