Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9170/2005-6
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. No juízo sobre a tempestividade ou extemporaneidade das alegações de recurso, prévio à extinção da instância do recurso por deserção, cabe também ao juiz de 1ª instância, em caso de recurso para a Relação, verificar se o mesmo tem ou pode ter por objecto a reapreciação da prova gravada para aferir da aplicabilidade ou não do acréscimo de dez dias aos prazos previstos no nº 6 do artigo 698º.
2. A proibição do uso simultâneo do recurso e da aludida oposição, diversamente do que sucedia no regime anterior, não implica, em caso de opção pela segunda, que seja proibido atacar, no recurso da respectiva decisão, os fundamentos da decisão originária.
3. A possibilidade desta discussão é ao fim e ao cabo decorrência natural da própria proibição do uso simultâneo desses dois meios impugnatórios, já que a oposição não visa diminuir, mas ampliar, o âmbito da defesa do requerido, sem pôr em causa os direitos do requerente”.
4. O ataque da decisão inicial, pela via do recurso interposto da decisão proferida após a oposição do requerido, contempla também a possibilidade de impugnação da decisão sobre a matéria de facto respectiva nos termos do disposto nos artigos 690º-A e 712º nº 1 al. a).
5. Seria absolutamente inútil reapreciar em sede de recurso a prova gravada relativa à petição e não poder apreciar a prova dos factos alegados na oposição, destinada a infirmar, através da alegação de factos novos ou de novos meios de prova, os fundamentos em que assentou o decretamento da providência. A prova produzida é incindível.
(FG)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
Nos autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse movidos, no Tribunal Judicial de Cascais, por S contra SB e M, deduziram as requeridas oposição à providência decretada, a qual veio a ser reduzida.
Inconformadas agravaram as requeridas, tendo apresentado a respectiva alegação de recurso, com pedido de emissão de guias para pagamento da multa prevista no artigo 145º nº 5 do Código de Processo Civil, pretensão que a secretaria recusou motivando imediata reclamação das requeridas.
Foi proferido despacho que indeferiu a reclamação deduzida e considerou a alegação extemporânea, julgando o recurso deserto.
Deste despacho agravaram as requeridas, sustentando nas suas alegações a seguinte síntese conclusiva:
«1ª Com a decisão de 15 de Março de 2005, o Tribunal a quo recusou as alegações apresentadas pelas Requeridas/Agravantes e julgou deserta a instância de recurso, referente ao agravo interposto pelas requeridas da decisão que reduziu a providência cautelar decretada anteriormente pelo Tribunal.
2ª Fundamenta o tribunal a quo a sua decisão na inaplicabilidade do disposto no n.º 6 do artigo 698º do C.P.C. ao recurso referido no n. ° 2 do artigo 388° do mesmo diploma no que tange à prova produzida pela Agravada em momento anterior à dedução de oposição.
3ª Entende assim o tribunal a quo que o artigo 388.° N.º 2 do C.P.C. limita o objecto de recurso da decisão final do procedimento cautelar sem audição prévia à prova produzida após a da oposição pelo requerido.
4ª Entendem as ora Agravantes que a recusa das alegações de recurso e o decretamento da deserção da instância de recurso foram tomadas em violação da Lei, designadamente dos artigos 2.º, 3.º, 3.º-A, 145.°, 388.° n.º 2, 666.°, 698.° n.º 6, 700.° n.º 1 al. e), 743° n ° l, todos do C.P.C.
5ª Entendem ainda as ora Agravantes que a interpretação do artigo 388° n.º 2 professada pelo tribunal a quo, interpretação da qual decorre essencialmente a decisão proferida, é errada, por não ter qualquer estribo nos elementos literal, teleológico, sistemático e histórico da interpretação.
6ª Por fim, entendem as ora Agravantes que a interpretação do n.º 2 do artigo 388.° professada pelo tribunal a quo é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade processual e do contraditório, consignadas nos artigos 2°, 3° e 3°-A do C.P.C., e inscritos no direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 2.°, 20.° e 202° da CRP.
7ª O tribunal a quo é incompetente para recusar as alegações apresentadas e para decretar a deserção do recurso porquanto tal implica, no caso presente, a análise do conteúdo das próprias alegações, algo que está, nos termos dos artigos 666.° e 700.° do C.P.C., atribuído ao tribunal de recurso, através do seu relator.
8ª Deve, por isso, ser imediatamente revogada a decisão do tribunal a quo, por incompetência, devendo ser ordenada a aceitação das alegações.
9ª A recusa das alegações como o fundamento apresentado é ainda contrária ao disposto nos artigos 743.° N.º 1 e 698° n.º 6, porquanto estes conferem à Agravantes uma extensão do prazo para apresentação de alegações, sempre que o recurso tenha por objecto a reapreciação prova gravada, o que sucedeu no recurso cujas alegações foram recusadas.
10ª Entendeu o tribunal a quo que estes artigos são inaplicáveis ao recurso previsto no n.º 2 do artigo 388.° do C.P.C., sempre que o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada em audiência anterior à apresentação de oposição à providência acautelar.
11ª É pois, convicção do tribunal a quo que o recurso previsto no n.º 2 do artigo 388 ° se limita à decisão proferida a final e à prova produzida após a apresentação de oposição.
12ª Não podem as agravantes concordar com essa interpretação, que não tem qualquer esteio na letra da lei e no seu espírito e que contraria jurisprudência superior, nomeadamente a resultante do Ac. do STJ de 6 de Julho de 2000 e do Ac. da RC de 28 de Outubro de 2003.
13ª Esta norma deve ser interpretada e aplicada no sentido de estender o objecto do recurso tanto à decisão final como à decisão preliminar, assim como a toda a prova, nomeadamente a gravada e produzida durante todo o processo, seja antes, seja depois da oposição.
14ª É esta interpretação a única conforme com a letra do n.º 2 do artigo 388° que estabelece que “cabe recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”, o que indica claramente que o objecto do recurso é uma decisão unitária, constituída pela decisão preliminar e final, abrangendo todos os seus respectivos fundamentos, de facto e de direito.
15ª É ainda a única interpretação coerente com a teleologia do artigo, com a sua inserção sistemática e com esteio histórico da sua elaboração.
16ª Após a reforma de 1995, o procedimento cautelar libertou-se da sua matriz «executiva» e a acção de matriz declarativa. A alteração ocorrida em 1995 e depois em 1996 é suficiente para sustentar a interpretação que considera a decisão final como unitária, que consome e integra a decisão preliminar e os respectivos fundamentos de facto e de direito.
17ª Surge ilógico que o recurso final da providência cautelar decretada com audição prévia tenha um objecto diverso daquela proferida sem audição prévia, sendo certo que estas modalidades de procedimento apenas diferem, processualmente, no momento da apresentação da oposição.
18ª Não existem razões que permitam distinguir estas duas modalidades no que ao recurso final se refere. A invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 388.° não pode significar a compressão do recurso apresentado na sequência da aplicação da alínea b), porquanto a alínea a) apenas pretende alargar os direitos de defesa do requerido, evitando que este tenha de apresentar a sua defesa num tribunal que contra si já decidiu.
19ª A interpretação do tribunal a quo não atenta devidamente na impossibilidade que é afirmar-se que a decisão final é, no que tange ao processo intelectual da sua elaboração, autónoma da prova produzida pelo requerido em momento anterior à oposição. De facto, a decisão final mais não é que a ponderação global e derradeira de toda a prova produzida no decurso do processo.
20ª A decisão final referida no n.º 2 do artigo 388.° não é uma «resposta» ao requerido ou o resultado de uma avaliação autónoma da prova por si apresentada mas sim uma decisão conformada pelo contraditório havido e resultante do confronto das razões de facto e de direito alegadas e provadas por ambas as partes.
21ª É a interpretação agora trazida pelas Agravantes e professada pelos tribunais superiores a única conforme com a economia do regime do procedimento cautelar e adequada a uma correcta percepção do iter decisório percorrido por qualquer tribunal.
22ª Deve, por isso, ser aplicada no caso presente, admitindo-se as alegações apresentadas pelas Agravantes, sujeitas ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do artigo 145.° (3.° dia), e dando-se seguimento ao recurso interposto da decisão de redução da providência cautelar.
23ª Por fim, é a interpretação professada pelo tribunal a quo inconstitucional, por violação do princípio do contraditório e da igualdade processual, decorrentes do princípio da tutela jurisdicional efectiva estatuída pelos artigos 2.°, 20.° e 202.° da CRP.
24ª De facto, ao impedir-se o requerido de pedir à instância superior a reapreciação da prova produzida pelo requerente, coloca-se o requerido numa situação de desigualdade injustificável em face do requerente e ainda do requerido ouvido previamente, porquanto nessa interpretação teriam estes a faculdade de requerer a reapreciação da prova produzida pelos requerentes, caso interpusessem recurso da decisão final.
25ª Ademais, esta interpretação impede, de facto, o exercício do contraditório por parte do requerido, já que elimina processualmente a faculdade de impugnar e contraditar a prova produzida pelo requerente, limitando o alcance da defesa do requerido à invocação de factos que configurem excepções.
26ª Assim, só a interpretação defendida pelas Agravantes é conforme à Constituição, devendo ser aplicada pelo Tribunal ad quem,
27ª que em qualquer caso (incompetência do tribunal a quo para apreciar da aplicabilidade do n.º 6 do artigo 698.° do CPC ao caso concreto; ilegalidade da interpretação que o tribunal a quo fez do n.º 2 do artigo 388.° do CPC; ou inconstitucionalidade da interpretação da mesma disposição pelo mesmo tribunal) deverá sempre anular a decisão ora recorrida, para ser substituída por outra que reconheça terem as alegações das Agravantes sido formalmente apresentadas no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, em 10 de Março de 2005, sujeitando a sua aceitação ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do artigo 145.° do CPC, e ordenando à secretaria a emissão e notificação das respectivas guias às Agravantes, prosseguindo depois aquele recurso os seus ulteriores trâmites até final caso se mostre efectuado o respectivo pagamento.»

Nas contra alegações a requerida pugnou pela manutenção do despacho recorrido.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos:
2.1. De facto:
Para a decisão do recurso releva a seguinte dinâmica processual:
a) Em 13 de Julho de 2004 S intentou, no Tribunal Judicial de Cascais, procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra SB, R e M.
b) Em 22 de Julho de 2004 foi decretada a providência sem audição prévia das requeridas.
c) Estas deduziram oposição e indicaram prova testemunhal, que foi produzida sem que tenham sido gravados os depoimentos.
d) A final foi proferida decisão, em 14 de Janeiro de 2005, que reduziu a providência decretada.
e) As requeridas interpuseram recurso em 24 de Janeiro de 2005.
f) Recurso que foi admitido por despacho de 2 de Fevereiro de 2005, tendo as requeridas/agravantes sido notificadas do mesmo em 10 de Fevereiro de 2005.
g) As requeridas apresentaram a sua alegação de recurso em 10 de Março de 2005, com pedido de emissão de guias para pagamento da multa prevista no artigo 145º nº 5 do Código de Processo Civil, pretensão que a secretaria recusou.
h) As requeridas apresentaram, de imediato, reclamação.
i) A reclamação foi indeferida por despacho proferido em 15 de Março de 2005 com o seguinte teor:
«Nos termos do artigo 388.°, n.º 1, al. a) e b) se o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência é-lhe licito em alternativa, recorrer do despacho ou deduzir oposição quando pretenda alegar factos ou produzir meio de prova não tido em conta pelo tribunal e que possa afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
No caso de ser deduzida oposição o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência decretada, cabendo recurso desta decisão que constitui que complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Nestes autos as recorrentes optaram pela dedução da oposição, pelo que só podem agora recorrer da decisão final proferida a fls. 190 a 209.
Ressalta da Acta da audiência final que os depoimentos não foram gravados.
Nos termos do art. 743º., n.º 1, do CPC as alegações devem ser apresentadas em 15 dias a contar da notificação do despacho que admite o recurso, sendo que a este prazo acrescem mais 10 dias nos casos em que o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
Ora, as recorrentes podem apenas recorrer da decisão de fls. 190 a 209 e não da decisão de fls. 34 a 37.
Não estando gravada a prova efectuada na audiência final que esteve na base da decisão da matéria de facto de fls. 190 a 196 não podem as recorrentes beneficiar do acréscimo do prazo previsto no n.º 6 do art. ° 698.° do CPC.
Assim, quando as alegações deram entrada já havia terminado o prazo previsto no art. 743.º, n.º 1 do CPC, pelo que em bem andou a Secretaria em não emitir guias nos termos requeridos pelas requerentes.
Pelo exposto, indefiro o requerido a fls. 269, e consequentemente considero que as alegações deram entrada fora do prazo, não as admito, julgando deserto o recurso a fls. 215».

2.2. De direito:
À luz das conclusões da alegação das requeridas, ora agravantes, as quais, como é sabido, delimitam objectivamente o recurso, colocam-se como questões a resolver as seguintes:
- competência para a declaração de extinção da instância de recurso fundada em deserção;
- ocorreu ou não a deserção do recurso por extemporaneidade da alegação das recorrentes;
- inconstitucionalidade do artigo 388º nº 2 do Código de Processo Civil na interpretação que conduz à intempestividade das alegações e consequente deserção do recurso por afectar os princípios da igualdade das partes e do contraditório.

2.2.1. Defendem as recorrentes que não cabe ao tribunal de 1ª instância decidir sobre a extemporaneidade das alegações, fundando-se num juízo sobre a aplicabilidade do nº 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil ao caso concreto que extravasa a natureza meramente formal da sua intervenção, cabendo apenas ao relator do processo no tribunal de recurso a competência para julgar deserto o recurso de harmonia com o disposto no artigo 700º nº 1 do citado código.
A falta de alegação do recorrente constitui causa de extinção da instância de recurso por deserção. É o que decorre expressamente do disposto nos artigos 287º proémio e al. c), 291º nº 2 e 690º nº 3 do Código de Processo Civil, ao qual se referirão doravante todos os preceitos citados sem outra menção expressa.
A lei estabelece um prazo para a alegação de recurso, que é peremptório, extinguindo o seu decurso, em regra, o direito de praticar o acto, ou seja, alegar (artigo 145º nº 3).
Donde decorre que a apresentação da alegação de recurso para além do prazo previsto na lei tem o mesmo efeito que a falta de alegação, determinando, por isso, a extinção da instância do recurso por deserção.
E, de acordo com o estabelecido no nº 4 do artigo 291º, a “deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator”, ou seja, conhece, neste caso, da deserção e consequente extinção da instância do recurso o tribunal a quo, no qual as alegações devem ser apresentadas (artigos 698º nº 2, 699º, 724º nº 1, 743º nº 1, 744º nº 1 e 760º nº 1).
Assim, “se a falta ou a extemporaneidade do instrumento de alegação ocorrer em recurso para a Relação de decisão proferida em 1ª instância, é ao respectivo juiz que incumbe proferir o despacho de extinção da parte da instância respectiva.
Se, porventura, a falta ou a extemporaneidade do instrumento de alegação ocorrer na Relação, é ao respectivo relator que incumbe proferir o mencionado despacho.
Todavia, se o juiz de 1ª instância, por qualquer motivo, omitir o despacho de extinção da instância do recurso por falta ou extemporaneidade do instrumento de alegação, pode o relator substituir-se-lhe (artigo 700º, nº 1, alínea e)…”1.
Consequentemente, no juízo sobre a tempestividade ou extemporaneidade das alegações de recurso, prévio à extinção da instância do recurso por deserção, cabe também ao juiz de 1ª instância, em caso de recurso para a Relação, verificar se o mesmo tem ou pode ter por objecto a reapreciação da prova gravada para aferir da aplicabilidade ou não do acréscimo de dez dias aos prazos previstos no nº 6 do artigo 698º.

2.2.2. Considerou-se no despacho recorrido que as recorrentes apenas dispunham do prazo de quinze dias para apresentar em juízo a sua alegação de recurso com fundamento em que apenas podem recorrer da decisão que conheceu da oposição, e não da que decretou a providência cautelar requerida, pelo que, não estando gravada a prova produzida na audiência final que esteve na base da decisão da matéria de facto respectiva, não podem as recorrentes beneficiar do acréscimo do prazo previsto no n.º 6 do art. ° 698.°.
Sustentam, por sua vez, as recorrentes que ao prazo de quinze dias de que dispunham para alegar acresciam, nos termos do disposto no citado nº 6 do artigo 698º, dez dias, uma vez que o recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada em que se baseou a decisão que decretou a providência, sendo tal possível à luz do disposto no nº 2 do artigo 388º, uma vez que a decisão da oposição “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”.
O artigo 388º versa exclusivamente sobre os casos em que o contraditório só opera depois de decretada a providência.
Em tais casos, em que o requerido só é notificado após a realização da providência (artigo 385º nº 5), o legislador colocou à disposição deste, em alternativa, o recurso, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida, e a dedução de oposição para a hipótese de pretender alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (artigo 388º nº 1).
A oposição destina-se a assegurar o contraditório subsequente ao decretamento da providência. Não tem a natureza de uma verdadeira acção declarativa enxertada no procedimento cautelar, como sucedia com os embargos antes da revisão do processo civil realizada em 1995.2
Através da oposição garante-se a posteriori o contraditório e o direito de defesa, conferindo-se ao oponente a possibilidade de alegar factos novos ou produzir novos meios de prova susceptíveis de conduzir ao afastamento ou à redução da medida cautelar decretada. Esta oposição tem, assim, a mesma natureza e obedece ao mesmo formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir, no momento próprio, se o requerido tivesse sido previamente ouvido (artigo 385º).
Logo, tem de ser feita uma valoração global das provas produzidas antes do decretamento da providência, gravadas por força do disposto no nº 4 do artigo 386º, e no âmbito da oposição após o que é proferida decisão mantendo, revogando ou reduzindo a medida cautelar já decretada, decisão que, nos termos do artigo 388º nº 2, “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”.
Trata-se de situação que assume paralelismo com a prevista no artigo 670º nº 2, segundo o qual a decisão que defira o pedido de rectificação, esclarecimento ou reforma da sentença é considerada, também ela, “complemento ou parte integrante desta”. Como ensina Lebre de Freitas3, o núcleo da decisão que decretou a providência, mesmo quando a oposição desemboque na revogação (sempre total, visto que a revogação parcial se traduz em redução), continua a ser a primeira decisão.
No fundo, fica postergado, no caso, o princípio da extinção do poder jurisdicional consagrado no artigo 666º nº 1, uma vez que a decisão inicial, havendo oposição, não faz caso julgado, tendo carácter provisório até à decisão que vier a ser proferida sobre esta.
Por isso, acompanha-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 20004, invocado pelas recorrentes em abono da tese que sustentam, quando afirma não existir qualquer obstáculo a que os fundamentos da primitiva decisão possam ser postos em crise no recurso da decisão da oposição.
Como se escreveu naquele Acórdão, “A proibição do uso simultâneo do recurso e da aludida oposição, diversamente do que sucedia no regime anterior, não implica, em caso de opção pela segunda, que seja proibido atacar, no recurso da respectiva decisão, os fundamentos da decisão originária.
A possibilidade desta discussão é ao fim e ao cabo decorrência natural da própria proibição do uso simultâneo desses dois meios impugnatórios, já que a oposição não visa diminuir, mas ampliar, o âmbito da defesa do requerido, sem pôr em causa os direitos do requerente”.
E, seguindo este entendimento, que se considera correcto, tem de aceitar-se que o ataque da decisão inicial, pela via do recurso interposto da decisão proferida após a oposição do requerido, contempla também a possibilidade de impugnação da decisão sobre a matéria de facto respectiva nos termos do disposto nos artigos 690º-A e 712º nº 1 al. a).
Desta conclusão não se extrai, porém, que deva reconhecer-se razão às recorrentes quando afirmam que apresentaram a sua alegação de recurso em tempo.
Com efeito, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que passa pela reapreciação da prova gravada, não pode ser parcelar, uma vez que, como se referiu, a natureza da oposição conduz a que a análise da prova nela produzida seja conjugada com os meios de prova produzidos na primeira fase e valorada globalmente.
Seria absolutamente inútil reapreciar em sede de recurso a prova gravada relativa à petição e não poder apreciar a prova dos factos alegados na oposição, destinada a infirmar, através da alegação de factos novos ou de novos meios de prova, os fundamentos em que assentou o decretamento da providência.
A prova produzida é incindível. Como referem as recorrentes nas conclusões da sua alegação, a decisão final referida no nº 2 do artigo 388º é uma “decisão conformada pelo contraditório havido e resultante do confronto das razões de facto e de direito alegadas e provadas por ambas as partes”.
Sem acesso à prova produzida na sequência da oposição deduzida pelas recorrentes, por não ter sido gravada, não pode esta Relação sindicar o seu conteúdo probatório, o que inviabiliza a possibilidade de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ainda que a discordância das recorrentes incida, como parece, apenas sobre a prova produzida antes de decretada a medida cautelar.
À Relação têm de ser facultados todos os elementos de prova, como decorre do disposto no artigo 712º, o que significa que não basta a gravação de uma parte da prova, dada a conexão que existe, necessariamente, entre a prova produzida pela recorrida (requerente no procedimento cautelar) e pelas recorrentes (requeridas no procedimento cautelar).
Do exposto decorre que, não sendo, no caso concreto, passível de impugnação a decisão sobre a matéria de facto, por não terem sido gravados os depoimentos prestados na sequência da oposição deduzida, as recorrentes não podem beneficiar do acréscimo de dez dias ao prazo legal de quinze dias para alegarem (artigo 743º nº 1 e 698º nº 6).
Razão por que, ainda que com fundamentação diversa, tem de concluir-se, como no despacho sob recurso, pela intempestividade da alegação de recurso que apresentaram e, consequentemente, pela extinção da instância do recurso por deserção (artigos 690º nº 3 e 291º nº 2).

2.2.3. Em face do exposto, tem de considerar-se prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade do artigo 388º nº 2 na interpretação que dele fez o despacho recorrido, uma vez que nesse segmento foi dado acolhimento à tese defendida pelas recorrentes, muito embora não tenha conduzido ao resultado que pretendiam.

3. Decisão:
Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo e confirmar o despacho recorrido, ainda que com fundamentação diversa.
Custas pelas agravantes.
20 de Outubro de 2005
(Fernanda Isabel Pereira)
(Maria Manuela Gomes)
(Olindo dos Santos Geraldes)
___________________________________________
1 Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2003, in www.dgsi.pt/jstj.
2 Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. 2º, págs. 41 e 42.
3 Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. 2º, pág. 45.
4 InBMJ 499-205.