Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
289/19.1T8VFX.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO
Sumário: 1 – Em processo especial de revitalização apenas um plano de recuperação aprovado pelos credores pode ser sujeito ao juízo de homologação.
2 - Em determinadas circunstâncias, quando aplicável, a própria aprovação pode ser objeto de decisão judicial autónoma: i) no caso previsto no proémio do nº5 do art. 17º-F em que o juiz pode computar, para efeitos de aferição de aprovação, no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos; ii) na avaliação da atribuição de direito de voto a credores cujos créditos não sejam afetados pelo plano por aplicação do disposto no art. 212º nº2, al. a) do CIRE; e iii) pela fixação do número de votos conferidos por créditos reclamados sob condição suspensiva por aplicação do disposto no nº2 do art. 73º do CIRE.
3 - A ponderação a fazer entre créditos subordinados e não subordinados, nos termos, quer da alínea a), quer da alínea b) do nº5 do art. 17º-F do CIRE não exige a prolação de uma decisão de graduação de créditos em PER, sendo essa função desempenhada pela lista definitiva de créditos ou pela lista provisória, conjugada com a apreciação prevista no nº5 do art. 17º-F.
4 – O exercício de atribuição de votos a créditos impugnados, quando as impugnações não tenham sido decididas, nos termos do no nº5 do art. 17º-F do CIRE, é oficioso e obrigatório quando tal apreciação seja suscetível de influenciar o resultado final, ou seja, a conclusão pela aprovação ou não aprovação do plano.
5 - A única ocasião em que, em processo especial de revitalização, o tribunal se pode pronunciar sobre a natureza de um crédito reclamado para efeitos de determinação do quórum deliberativo, é na decisão da específica impugnação que tenha sido apresentada por legitimado, ou na apreciação sumária, para os efeitos do art. 17º-F nº5, da mesma impugnação. A alteração da natureza de um crédito reconhecido e não impugnado não é de conhecimento oficioso, nem na fase da impugnação de créditos, nem em fase posterior.
(sumário da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
DFR, Lda intentou o presente processo especial de revitalização.
Foi nomeado Administrador Judicial Provisório e foram efetuadas as publicações previstas no nº5 do art. 17º-C do CIRE.
Foram reclamados créditos, nos termos do nº2 do art. 17º-D do CIRE, vindo a Administradora Judicial Provisória a apresentar lista provisória de credores, dela constando o total de créditos comuns, privilegiados e garantidos reconhecidos de € 12.106.788,43 e não reconhecidos de € 50.650,61.
BBG impugnou a relação provisória de créditos no tocante ao crédito por si reclamado, listado como não reconhecido pelo montante de € 50.650,61, pedindo o reconhecimento deste montante como crédito sob condição.
A devedora impugnou a lista provisória de créditos quanto aos créditos relacionados a trinta e sete credores, impugnando, no total, créditos reconhecidos no montante de € 1.460.523,37.
Foi exercido o contraditório quanto às impugnações apresentadas.
Foi apresentada proposta plano pela devedora.
Banco B, SA, ES, FB, JA, JP, JB, MR e MF, ex-trabalhadores da devedora, Banco S, S.A., TM, Lda, Caixa A, BBG, GR, Banco C, S.A., Caixa B, SA e Caixa C, SA   requereram a não homologação do plano invocando o disposto nos arts. 215º e 216º do CIRE.
A Sra. Administradora Judicial Provisória juntou aos autos nova relação de credores, refletindo a sua posição quanto à impugnação apresentada pela BBG e a fixação de créditos aos credores de acordo com a impugnação apresentada pela devedora e respostas daqueles “com vista, a serem fixados os votos para os credores com créditos impugnados, uma vez que já recebeu a aqui signatária os votos do plano publicado, em 28/06/2019.”
Em 05/07/2019, a devedora juntou aos autos nova versão do plano requerendo a sua publicação, o que foi deferido por despacho de 24/07/2019.
Banco C S.A., Caixa C, SA, o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, Banco S, S.A., Caixa B, SA, BBG, Caixa A e GR, Banco B, SA requereram ou reiteraram o pedido de não homologação do plano.
A Sra. Administradora Judicial Provisória juntou aos autos o resultado da votação do plano, de acordo com ambas as relações que havia junto, informando ter o mesmo sido aprovado.
Foram, por diversas vezes, reiterados os pedidos de não homologação apresentados, tendo alguns credores vindo suscitar a questão de o plano ter sido aprovado quase exclusivamente com o voto do credor TU, Lda.
O tribunal determinou a notificação da devedora “para querendo se pronunciar sobre o eventual tratamento discriminatório de fornecedores que não fiquem a trabalhar com a empresa e sobre a mera existência de expetativa de continuar a trabalhar com certas entidades.”
A devedora respondeu.
O tribunal, por despacho de 23/01/2020, elencou factos relativamente aos quais considerou: “Estes factos indiciam a existência de uma relação de domínio ou de grupo entre a devedora e a credora referida, o que terá como eventual consequência a natureza subordinada do crédito (arts. 48.º, al. a), e 49.º, n.º 2, do CIRE), com repercussões na votação a que alude o art. 17.º-F, n.º 5 do CIRE e na decisão a proferir pelo Tribunal.
Assim, notifique a devedora e a AJP para se pronunciarem sobre eventual natureza subordinada e não comum do crédito da TU, Lda. e sendo caso disso, para junção por parte da AJP de novo documento com o resultado da votação, nos termos do art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE, em face da natureza do crédito referido.”
A devedora respondeu, pugnando pela inexistência de qualquer hipótese de subordinação do crédito em causa e pedindo seja o mesmo julgado e graduado como comum.
A Sra. Administrador Judicial Provisória juntou mapa de votação simulado com votação do credor TU como subordinado, informando não ser possível tomar posição, apontando não ter o crédito sido impugnado, e ainda que, em caso de alteração da natureza do crédito, o plano não estará aprovado.
Foi novamente ordenado o exercício do contraditório tendo:
- o Ministério Público, em representação do Estado, reiterando a posição já manifestada nos autos;
- Caixa C, SA requerendo a qualificação do crédito da credora TU, Lda como subordinado;
- Banco S, SA pedindo seja recusada a homologação do plano ou a qualificação do crédito da credora TU, Lda como subordinado, apontando terem a esta e a devedora o mesmo gerente sendo evidente ser a criação do crédito da referida credora uma manobra dilatória, ordenando a recontagem dos votos em conformidade;
- ES, FB, JA, JP, JB, MR e MF vieram defender a existência de uma relação de domínio e requerer seja atribuída ao crédito do credor TU a natureza de crédito subordinado e consequentemente alterado o resultado da votação do PER;
- Banco C, S.A. veio reiterar a posição já assumida, pedindo a não homologação do plano ou, caso assim se não entenda, a graduação do crédito da TU, Lda como subordinado e ordenar a recontagem de votos em conformidade;
- Caixa A veio defender que o crédito detido pela TU, Lda deverá assumir a natureza subordinada nos termos do artigo 48º, al. a) e 49º nº2, al. b) do CIRE;
- Caixa B, SA veio requerer a qualificação dos créditos reclamados pela TU, Lda como subordinados;
- BBG veio recordar ter pedido a não homologação do plano, alegando que o crédito da TU, Lda deve assumir natureza subordinada;
- MBF, Lda requereu sejam os créditos da TU, Lda graduados depois dos restantes créditos da insolvência, com a consequência de não serem relevantes para a aprovação do plano de recuperação, conforme dispõe o nº 5 do artigo 17º-F do CIRE;
- TM, Lda requereu a qualificação do crédito da TU, Lda como subordinado;
- TU, Lda veio defender a inexistência de qualquer relação de domínio ou de grupo, alegando ter o crédito sido reconhecido como comum e não impugnado e pedindo seja o crédito reconhecido como comum;
Ordenada a pronúncia da administradora judicial provisória esta veio, reiterar a posição já expressa quanto à qualificação do credito da TU, Lda e pronunciar-se no sentido de existir um tratamento diferenciado entre credores sem fundamentação objetiva e clara e ainda que o plano viola o disposto no nº4 do art. 217º do CIRE.
A devedora veio pronunciar-se pugnando pela legalidade da sua proposta.
Por despacho de 25/09/2020 o tribunal ordenou:
“- que a devedora e a credora TU procedam à junção de toda a documentação de suporte ao crédito da TU, no prazo de 5 dias;
- que se solicite à credora TU informação sobre quem são os beneficiários efetivos de TU, Lda., à data da entrada deste processo, visto que um dos sócios é pessoa coletiva, a saber, L, SA, desconhecendo-se os detentores das respetivas participações.”
Exercido amplamente o contraditório, vários dos credores vieram requerer a qualificação do crédito da TU, Lda como subordinado.
TU, Lda veio juntar documentação de suporte do seu crédito e informar que o beneficiário efetivo é LG.
A Sra. Administradora Judicial Provisória juntou, na sequência de ordem do tribunal, novo resultado de votação no pressuposto de que o crédito do credor TU, Lda assume natureza subordinada, do qual consta como resultado a não aprovação do plano.
O tribunal ordenou a averiguação e a confirmação sobre o registo do beneficiário efetivo da TU, Lda. O RNPC confirmou a identidade do beneficiário efetivo identificado pela TU, Lda, LG, que identificou como detendo 57% do capital social.
Foi exercido o contraditório quanto à informação do RNPC.
Pronunciaram-se BBG, Caixa C, S.A., MF, Lda, CC, Lda, Banco S, SA, Caixa A e o Ministério Público em representação do Estado.
Em 02/08/2021, o tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Em face da ausência de maioria necessária à aprovação do Plano, dada a natureza subordinada do crédito da TU, nos termos do art. 17.º-F/5, al. a) e b) do CIRE, recuso a homologação do mesmo.
Custas pela devedora.
Valor: € 30.000,01.”
Inconformada apelou a devedora pedindo seja dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue aprovado o plano de recuperação/revitalização da recorrente, homologando-o e formulando as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida enferma de nulidade, por violação da lei, nomeadamente por erro na apreciação dos factos e errada aplicação da lei, bem como por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
II. A meritíssima juíza “a quo” decidiu pela recusa de homologação do plano sem ter decidido previamente se o mesmo plano foi ou não aprovado.
III. A homologação de um plano é a decisão judicial que conforma um plano de revitalização/recuperação de empresa com a lei, dando-lhe força probatória bastante equivalente a uma qualquer outra sentença judicial, apenas fazendo integrar nessa mesma sentença homologatória o conteúdo do plano homologado (e, necessariamente, previamente aprovado).
IV. A decisão recorrida - que é a de recusa de homologação do plano – é, assim, nula e não pode produzir quaisquer efeitos.
V. A sentença de que se recorre assenta num facto central ou charneira que permite a decisão de recusa de homologação e que é o de que não existe maioria necessária à aprovação do plano.
VI. Compulsada a fundamentação da douta decisão recorrida, não se encontra qualquer menção à contagem dos votos expressos nos autos quanto ao Plano de Recuperação apresentado aos credores pela ora recorrente, nem quanto aos votantes a favor ou contra, nem quanto à ponderação dos votos das várias classes (por natureza) dos créditos dos credores que expressaram votos, nem ainda quanto à sua graduação.
VII. Tais omissões são de tal forma relevantes que, não tendo havido pronúncia prévia pela meritíssima juíza “a quo” que permitisse a inteligibilidade do seu percurso intelectual na formação da decisão recorrida, pelo menos no que concerne à aqui recorrente, tornam-na nula e sem qualquer efeito.
VIII. Teria de haver nos autos em referência uma decisão prévia à decisão ora recorrida que graduasse os créditos reclamados, por forma a permitir perceber com que fundamentos o tribunal “a quo” decidiu que uns créditos têm uma certa natureza e outros créditos têm natureza diversa - o que, salvo melhor opinião, não aconteceu.
IX. A douta decisão recorrida assenta em pressupostos inexistentes (a sentença de graduação de créditos, que permitisse aos credores tutelarem a legalidade da classificação dos seus créditos quanto à sua natureza e montantes) – tornando-a nula e sem qualquer efeito.
X. A meritíssima juíza “a quo” considerou que “(…) em face da percentagem relativa dos votos da TU, torna-se despicienda a análise de outras questões sub judice, nomeadamente impugnações pendentes, quando uma das impugnações pendentes é precisamente a desta credora TU que alega e fundamenta que o seu crédito sobre a ora recorrente tem natureza comum.
XI. O tribunal “a quo” serve-se um argumento absolutamente irrelevante e do mesmo tenta extrair consequências e razões que jamais serão aceitáveis no domínio da boa-fé processual, ao referir-se ao episódio de apresentação do requerimento inicial do PER da aqui recorrente, extraindo de uma forma inaceitável que a credora TU, por não ter subscrito o segundo pedido de PER, reconheceu automaticamente a natureza subordinada do seu crédito.
XII. A credora TU não tinha mão na decisão de subscrever ou não o requerimento (o segundo) do PER, porquanto essa é uma decisão integralmente do domínio da revitalizanda e aqui recorrente.
XIII. A recorrente, entre outros objetivos, pretendeu demonstrar ao tribunal “a quo” e a outros credores que a sua recuperação é também uma convicção junto dos seus credores, pelo que não encontrou qualquer dificuldade em ultrapassar a questão inicial.
XIV. Tal opção da recorrente não pode valer como critério de apreciação de subordinação de um crédito de uma sociedade comercial credora da revitalizanda e recorrente, que se encontra documentalmente demonstrado.
XV. O crédito da credora TU não tem natureza subordinada, mas comum.
XVI. A decisão recorrida baseia-se num conjunto de considerações vagas para decidir da natureza do crédito da credora TU, sem mencionar circunstâncias ou factos concretos que permitam escrutinar o conteúdo decisório derramado no pressuposto da decisão aqui posta em crise de recusa de homologação do plano de recuperação de empresa da recorrente.
XVII. Por douto despacho proferido a fls., o tribunal recorrido determinou: “notifique a devedora para, querendo, em cinco dias, juntar aos autos nova declaração em conformidade com o legalmente exigido, subscrita por outro credor” - e não mais do que isto.
XVIII. Ao abrigo do princípio da colaboração processual, a recorrente entendeu que podia juntar aos autos outra declaração inicial, com o intuito de demonstrar, como se disse antes, que outros credores tinham vontade de permitir à requerente uma oportunidade de recuperação.
XIX. Do teor do referido despacho não resulta qualquer indeferimento do primeiro, nem sequer uma pronúncia quanto à natureza do crédito da credora TU, que nem sequer havia ainda reclamado quaisquer montantes nos autos.
XX. A credora TU nunca foi notificada de tal despacho inicial e não pôde, por isso, pronunciar-se quanto a qualquer intenção que eventualmente estivesse subjacente ao despacho judicial, para além do que dele poderia ler-se.
XXI. Não seria exigível a ninguém que, perante tal despacho, tão austero, se adivinhasse que afinal o tribunal “a quo” pretendia que as partes se pronunciassem sobre questões futuras relativas à qualificação de créditos, montantes, percentagens na votação, etc., de forma a evitar que este mesmo tribunal, mais à frente viesse invocar na fundamentação da decisão ora recorrida que essa “omissão” (que jamais se concede) representava ainda um “venire contra factum proprium”.
XXII. A sentença recorrida padece de vicio de nulidade por omissão de pronuncia quanto às impugnações de créditos feitas pela recorrente.
XXIII. A procedência das referidas impugnações levaria à aprovação do plano ainda que o crédito da TU viesse a ser considerado subordinado, o que por hipótese se admite por mera cautela de patrocínio, mas sem conceder.
XXIV. A decisão recorrida entendeu que havia entre a credora TU e a recorrente uma relação de domínio - mas sem esclarecer qual das sociedades dominava nesta relação.
XXV. A douta sentença recorrida limita-se a referir que não está verificada a maioria necessária para aprovação do Plano sem que, porém, indique qualquer identificação do universo de créditos reclamados, sem que faça menção à lista de créditos elaborada pela AJP ou à natureza de todos os créditos – no que configura uma omissão imperdoável, na medida em que nenhum interessado por perceber em que medida é que a meritíssima juíza “a quo” entende que os créditos são válidos ou inválidos, a que contagem de votos se refere, quais os credores que votaram, se o plano, mesmo com a ponderação do crédito da credora TU em 50% permite ou não a aprovação do Plano, a que impugnações se refere como desnecessárias de julgar.
XXVI. A sentença recorrida enferma, também nesta parte, de nulidade por não conter fundamentação.
XXVII. O Tribunal “a quo” considerou que a relação entre as sociedades TU e a aqui recorrente é de domínio, nos termos do disposto nos art.º. 486.º, n.º 1 do CSC, o que não se aceita, por ser falso.
XXVIII. A decisão recorrida assenta em factos vagos e generalidades, com meras reproduções de texto legal, bastando-se com raciocínios ficcionais sobre uma realidade que não cuidou de demonstrar - sendo que tal fundamentação é manifestamente insuficiente errada.
XXIX. Na decisão aqui em causa não se demonstrou se a recorrente e a TU apenas tinham o mesmo gerente e o mesmo administrador, nem se a atuação dos órgãos de gestão/administração das sociedades se mostrou de algum modo lesiva dos interesses dos credores.
XXX. A decisão recorrida é absolutamente omissa quanto a outras circunstâncias essenciais para uma qualificação de uma relação entre sociedades ao abrigo do regime do domínio, em qualquer das suas vertentes.
XXXI. A meritíssima juíza “a quo” considerou que as sociedades “têm alguns sócios comuns”, sem cuidar de alegar e demonstrar de que sócios se trata, com que participações e se das mesmas resulta, ainda que em abstrato, o domínio de uma sociedade sobre a outra.
XXXII. Tal exercício seria absolutamente vital e necessário, pois não se sabe (por ser impossível discernir) o que a decisão recorrida entende quanto a qual das sociedades domina nesta dita relação de domínio (se é dominante a ora requerente ou se é dominante a sociedade TU).
XXXIII. Não existe qualquer relação de domínio entre as sociedades, nem sequer de participação recíproca - o que de plano afasta o regime invocado na sentença recorrida do art.º 486º/1 do CSC.
XXXIV. Da decisão recorrida não é possível extrair-se que qual das sociedades pode ser instrumentalizada pela outra, por que meios uma sociedade instrumentaliza a outra, em que se materializa a instrumentalização (possível e não demonstrada) de uma sociedade pela outra, como se verifica a influência recíproca e dominante, nem qual o regime legal em que se suporta a afirmação da “óbvia influência recíproca”, pelo que a decisão recorrida assenta em meras construções mentais sem suporte legal ou factual.
XXXV. De acordo com a doutrina defendida por José Engrácia Antunes, in “Problemas do Direito das Sociedades” (pág. 154 e ss.) e por António Pereira de Almeida, in “Sociedades Comerciais” (pág. 465 e ss.), não se encontram, in casu, reunidos os pressupostos para que a douta sentença recorrida tenha “qualificado” o crédito da TU como subordinado partindo o Tribunal “a quo” de meras cogitações sem adesão a qualquer factualidade ou realidade demonstrada nos autos e, muito menos, de factualidade que conste da própria sentença recorrida.
XXXVI. A douta sentença recorrida parte de deduções de premissas que não estão demonstradas (e que não existem) para concluir precipitadamente por um conjunto de concretas abstracções, ao concluir em concreto pela existência de uma relação de domínio (recíproco, ao que parece, sendo esta situação de difícil cogitação) entre a recorrente a sua credora TU porque em abstracto é possível que ambas se influenciem reciprocamente.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 10/09/2021 (ref.ª 149646395).
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Foi proferido despacho pela relatora, nos termos do disposto nos arts. 652º nº1, 665º nºs 2 e 3 e 6º, todos do CPC, notificando a recorrente de que, no caso de a presente apelação proceder, o tribunal de recurso se irá substituir ao tribunal recorrido no conhecimento das questões julgadas prejudicadas pela decisão sob recurso e que se assinalou como sendo a atribuição de direitos de voto aos créditos impugnados e a atribuição de direitos de voto aos créditos condicionais.
A recorrente, notificada, não se pronunciou.
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Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da sentença;
- determinação de se o plano de recuperação apresentado pelo devedor reuniu os votos suficientes para ser considerado aprovado nos termos de qualquer das alíneas do nº5 do art. 17º-F do CIRE.
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Dispõe o art. 617º nº 1 do CPC que, se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la, no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Não obstante tal apreciação ter sido omitida pelo tribunal recorrido, por se mostrar dispensável para a apreciação do objeto do recurso, não foi ordenada a baixa do processo para apreciação da nulidade da decisão de 02/08/2021 arguida pela recorrente, que se apreciará (cfr. art. 617º, nº 5 do CPC).
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3. Fundamentos de facto
Com relevância para a decisão do recurso mostram-se assentes os factos constantes do relatório e ainda os seguintes, resultantes dos termos dos autos:
1 - DFR, Lda intentou o presente processo especial de revitalização.
2 - Juntou declaração para os efeitos previstos no art. 17º-C nº1 do CIRE subscrita por TU, Lda, representada pelo gerente da devedora.
2 - Por despacho de 25/02/2019 foi, determinado, dado que “a devedora e a credora que subscreveu a declaração a que alude o art. 17º-C, nº1 do CIRE têm sede na mesma morada e o seu gerente é a mesma pessoa, pelo que afigura-se-nos que a qualidade de credora para os efeitos do legalmente exigido não se mostra assegurada.
Nestes termos, fazendo apelo aos princípios subjacentes aos presentes autos, designadamente, ao princípio da transparência, notifique a devedora para, querendo, em cinco dias, juntar aos autos nova declaração em conformidade com o legalmente exigido, subscrita por outro credor.”
3 - A devedora juntou declaração subscrita por credor diverso.
4 - Foram reclamados créditos, nos termos do nº2 do art. 17º-D do CIRE, vindo a Administradora Judicial Provisória a apresentar lista provisória de credores, dela constando o total de créditos comuns, privilegiados e garantidos reconhecidos de € 12.106.788,43 e não reconhecidos de € 50.650,61, conforme requerimento ref.ª  32200386 de 17/04/2019.
5 - BBG impugnou a relação provisória de créditos no tocante ao crédito por si reclamado, listado como não reconhecido pelo montante de € 50.650,61, pedindo o reconhecimento deste montante como crédito sob condição.
6 - A devedora impugnou a lista provisória de créditos quanto aos créditos relacionados aos seguintes credores:
- Caixa B, SA, impugnando integralmente o crédito reconhecido de € 446.619,04;
- CHI, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 76.865,21 para a quantia de € 54.750,86;
- TM, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 566.118,51 para a quantia de € 491.290,43;
- TSE, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 125.559,24 para a quantia de € 120.578,19;
- CC, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 87.127,00 para a quantia de € 80.000,88;
- SSA, SA, pedindo a eliminação do crédito de € 17.873,59;
- JF, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 139.616,02 para a quantia de € 136.245,26;
- VF, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 73.334,28 para a quantia de € 70.900,42;
- Banco C, SA, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 17.538,38, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- Caixa A, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 494.750,06, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- Caixa C, SA, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 72.224,71, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- os seguintes ex-trabalhadores, AC, CG, CM, ES, EM, FN, FB, GR, GT, JG,  JO, JS, JA, JR, JV, JP, JM, JB, JR, MR, MF, MS, NM, NG e  PG, impugnando o reconhecimento do montante global de € 189.993,10, por terem sido pagos pelo Fundo de Garantia Salarial;
- NG, SA, impugnando um crédito superior ao reclamado e relacionado e pedindo o não reconhecimento de € 1.023.620,26, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%.
7 – Responderam à impugnação:
- NG, SA, alegando que o valor globalmente reclamado de € 180.164,84 deve ser reconhecido e pedindo seja atribuída percentagem de voto aos créditos relacionados sob condição;
- Banco C, SA, pedindo o reconhecimento do crédito tal como reclamado;
- Caixa A, pedindo o reconhecimento do crédito tal como reclamado;
- JF, SA, reconhecendo haver duplicação de créditos e ter reclamado o crédito devido à SSA, SA, que incorporou por fusão e dever o crédito por si reclamado ser reduzido nos termos da impugnação;
- os ex-trabalhadores AC, CG, ES, EM, FN, FB, GT, JO, JS, JA, JV, JP, JM, JB, JR, MR, MF, MS e NM, pedindo a improcedência da impugnação.
- TSE, SA, pugnando ela improcedência da impugnação;
- A Sra. Administradora Judicial Provisória, entendendo dever a reclamação apresentada pelo credor BBG proceder, e, quanto às demais, devendo os credores visados pronunciar-se;
- TM, Lda, confirmando dever o crédito por si reclamado ser reduzido nos termos da impugnação;
- Caixa C, SA, pedindo a correção de parte do crédito impugnado (€ 71.117,52) para crédito comum sob condição e € 1.107,19€ como crédito comum, no mais pedindo a improcedência da impugnação e pedindo a fixação do número de votos aos créditos sob condição;
- CHI, Lda, pedindo a improcedência da impugnação;
- CC, Lda, pedindo o reconhecimento do crédito de € 80.000,88, tal como resulta da impugnação da devedora;
- Caixa B, SA pedindo o reconhecimento do valor de € 647.845,60 e no mais pedindo a improcedência da impugnação;
- EM (trabalhadora), informou ter recebido do Fundo de Garantia Salarial € 3.137,10.
8 - O Fundo de Garantia Salarial, ao qual foi solicitada informação, informou ter pago a três trabalhadores no âmbito do anterior PER apresentado pela devedora e terem requerido, no âmbito do presente PER pagamento sete trabalhadores, cujos pedidos ainda não haviam sido analisados à data da informação.
9 - A devedora, notificada para o efeito, veio requerer a redução dos créditos das duas trabalhadoras que o FGS identificou como tendo pago (EM e SF).
10 – Foram remetidos à Sra. Administradora Judicial Provisória votos pelos seguintes credores e com o sentido indicado:
- ACC, Lda – a favor;
- Banco B, SA – contra;
- Banco C, SA – contra;
- Banco S, SA – contra;
- BBG – contra;
- Caixa A - contra;
- Caixa C, SA – contra;
- Caixa B, SA – contra;
- CB, Lda - contra;
- CHI, Lda - contra;
- CR, Lda – a favor;
- CC, Lda - contra;
- ESE, Lda – a favor;
- Fazenda Pública – contra;
- G II, Lda - contra;
- GL, Lda – a favor;
- GR - contra;
- IAC II, SA – a favor;
- IAC, Lda – a favor;
- JF, SA - contra;
- JG – a favor;
- NG, SA - abstenção;
- N ACE – a favor;
- NG – a favor;
- PG – a favor;
- TM, Lda - contra;
- TU, Lda - a favor;
- VE, Lda – a favor.
11 – A Sra. Administradora Judicial provisória juntou aos autos o resultado da votação, bem como os votos que lhe foram remetidos e declarou ter computado, para efeitos de votação, dado terem ocorrido impugnações à lista de créditos, os créditos impugnados com os seguintes pressupostos, conforme documento junto com requerimento ref. 33187598 de 14/08/2019:
“a.2) fixação de créditos aos credores com natureza em garantias bancárias ainda não acionadas pelos beneficiários em 3 %, que se encontravam sob condição na lista de créditos a que alude o art.º 17º D, n.º 3, do CIRE;
a.3) a dedução dos valores já pagos pelo FGS aos identificados trabalhadores, mantendo-se, porém, na sua totalidade os créditos dos trabalhadores que, pese embora tenha já requerido o pagamento ao FGS este ainda nada pagou;
a.4) manutenção do crédito reclamado pela CLF, SA relativamente ao montante inicialmente reclamado.”
*
4. Fundamentos do recurso
4.1. Nulidade da decisão recorrida
A recorrente imputa à decisão recorrida nulidade derivada de ter decidido pela recusa de homologação, quando não decidiu previamente se o mesmo plano foi ou não aprovado. Entende que não havendo aprovação do plano, a não homologação do mesmo é nula por se fazer refletir sobre uma realidade que não existe, não produzindo, assim, quaisquer efeitos.
Alega, ainda assim, que a decisão recorrida assenta na inexistência de maioria necessária à aprovação do plano, e que percorrendo a mesma não se encontra qualquer menção à contagem de votos expressos, nem quantos votaram contra ou a favor, nem a ponderação por classes de credores, nem a respetiva graduação.
Tais omissões não permitem a inteligibilidade do percurso intelectual da decisão, tornando-a nula.
Defende que sempre teria que haver nos autos uma decisão prévia que graduasse os créditos reclamados por forma a permitir discernir com que fundamentos o tribunal decidiu que uns créditos têm certa natureza e outros têm outra, o que não sucedeu, o que entende consubstanciar nulidade da decisão por partir de pressupostos inexistentes.
A decisão quanto à natureza do crédito da credora TU foi tomada com argumentos irrelevantes, o processado relativo à fase liminar, com base em considerações vagas, sem fundamentos de facto que permitam escrutinar a decisão.
Defende ainda que a sentença recorrida padece de vicio de nulidade por omissão de pronuncia quanto às impugnações de créditos feitas pela recorrente, cuja procedência levaria à aprovação do plano ainda que o crédito da TU viesse a ser considerado subordinado, sem conceder.
A sentença recorrida não contém qualquer identificação do universo de créditos reclamados, não faz menção à lista de créditos nem discrimina a natureza dos créditos considerados, o que consubstancia nulidade por falta de fundamentação.
A decisão tomada quanto à existência de relação de domínio parte de premissas não demonstradas está insuficientemente fundamentada.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do art. 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art. 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às primeiras.
O primeiro exercício é o da subsunção das nulidades arguidas às diversas alíneas do art. 615º, exercício que a recorrente apenas efetuou de forma parcial.
Não se coloca qualquer questão subsumível à causa de nulidade prevista na alínea a) do nº1 do art. 615º do CPC.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art. 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art. 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[1], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[2] STJ de 10/05/2021 (Henrique Araújo), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas) e os Acs. TRL de 11/03/2021 (Inês Moura) e de 05/11/2020 (Carlos Castelo Branco)[3]
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
Relativamente ao fundamento previsto na primeira parte da alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC trata-se de um dos vícios que respeita à estrutura da decisão – “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.”[4]
Nas palavras de Rui Pinto[5] “há vício lógico no próprio silogismo judiciário em que se estrutura a fundamentação da decisão, exigido pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, porquanto a decisão não é a conclusão lógica daqueles fundamentos, sejam estes as normas aplicadas (premissa maior) ou os factos provados (premissa menor).”
Não se confunde com o erro de julgamento a que se conduzirá uma contradição entre os factos e a subsunção jurídica ou de decisão contra a lei, que respeita ao mérito e ao conhecimento de fundo.
A ocorrência de obscuridade ou ambiguidade que tornem a decisão ininteligível ocorre quando “… (i) de uma parte da decisão se puder retirar mais do que um sentido ou se (ii) não se puder retirar sentido algum – respetivamente, ambiguidade ou obscuridade –, em termos que determinem que a própria decisão não é compreensível, nos termos gerais do artigo 236.º CC, ex vi artigo 295.º CC.”[6] Não se poderá confundir com a discordância – se a decisão é percetível, embora dela se discorde, já não ocorrerá nulidade.
Para os efeitos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. Também a alínea d) do nº1 do art. 615º deve ser conjugado com o artº 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº2 do art. 608º.
Na lição de Ferreira de Almeida[7] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.”
Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[8] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
“Na verdade, o que a lei impõe é, antes de mais, que os fundamentos e a parte dispositiva de uma decisão sejam construídos em jeito de resposta aos problemas fundamentais com que as partes construíram a causa de pedir, os pedidos ou as exceções; não em jeito de resposta aos raciocínios em que as partes suportam as suas posições. Deste modo, uma decisão não tem de ser o espelho do teor argumentativo da extensão do requerimento ou dos articulados respetivos.
Dito isto, é natural que uma decisão bem fundamentada “dialogue” com a argumentação das partes quando esta seja decisiva na substanciação da causa de pedir, pedidos ou exceções. Ou seja: a não apreciação de certo argumento expendido pela parte pode, indiretamente, ter consequências na (já referida) suficiência do mérito demonstrativo dos fundamentos da decisão, sindicável por recurso, quando admissível.”[9]
Não integra omissão de pronúncia a situação em que a solução dada a determinada questão prejudique o conhecimento de outras.
“O excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes.”[10]
Exemplo típico do excesso de pronúncia é a situação em que o juiz se pronuncia sobre uma questão em relação à qual já esgotou o poder jurisdicional: “Claro que se o tribunal já esgotou o poder jurisdicional quanto a elas não as deve conhecer, sob pena de excesso de pronúncia (cf. segunda parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º)).”[11]
O excesso de pronúncia ocorre[12]:
(i) por violação da segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º (por força do qual, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”),
(ii) por já ter esgotado o seu poder jurisdicional, por efeito do disposto no artigo 613.º, n.º 1,
(iii) por violar caso julgado anterior, o que a força obrigatória o impede, enquanto proibição de repetição decisória (cf. artigos 619.º e 620.º), mesmo se o tribunal que decidiu fora outro.
Não ocorre excesso de pronúncia se a questão for de conhecimento oficioso, desde que não esteja já coberta por caso julgado, tal como não há excesso se o juiz utilizar fundamentos jurídicos diversos dos discutidos pelas partes – sem prejuízo de assegurar que não ocorram decisões surpresa.
Finalmente, para os efeitos da alínea e) do nº1 do art. 615º do CPC, ocorrerá nulidade sempre que o tribunal viole o princípio do dispositivo, não observando os limites previstos no art. 609º do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior à peticionada ou em objeto diverso do pedido. “Não só o âmbito da jurisdição que a lei lhe atribui se mede pelo pedido, como o réu não se pôde antes defender de um efeito jurídico que o tribunal decretou, ao arrepio do objeto processual contra o qual pôde concretamente deduzir contestação.”[13]
Feito este excurso temos assim que analisar se:
4.1.1. a decisão proferida, de não homologação, é nula por excesso de pronúncia por se ter pronunciado sobre a homologação sem verificar se o plano se encontrava aprovado, e sem apreciar qualquer dos requisitos de homologação legalmente previstos, nos termos da alínea d) do art. 615º nº1 do CPC ou se, essa omissão de verificação consubstancia nulidade por falta de fundamentação nos termos da al. b) do mesmo preceito;
4.1.2. se a decisão proferida é nula por omissão de fundamentação por não especificar a existência ou inexistência de uma maioria de votos necessária à aprovação do plano, não especificando o universo de credores ou a natureza dos créditos – al. b) do nº1 do art. 615º do CPC;
4.1.3. se a inexistência de decisão quanto à graduação dos créditos configura nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do preceito citado;
4.1.4. se o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que deveria conhecer ao omitir decisão sobre as impugnações à lista provisória apresentadas nos autos, nos termos da al. d), sempre do mesmo artigo;
4.1.5. se a decisão recorrida era a sede própria para pronúncia relativa à natureza (subordinada) do crédito reconhecido à credora TU ou se o conhecimento desta questão o foi sobre uma questão de que o tribunal não poderia tomar conhecimento – al. d), última parte;
4.1.6. se a parte da decisão relativa à existência de uma relação de domínio – que leva à conclusão pela natureza subordinada do crédito da TU – é nula por contradição na respetiva fundamentação, para os efeitos da alínea e) do nº1 do art. 615º do CPC.
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 4.1.1. Nulidade da decisão proferida, de não homologação, por se ter pronunciado sobre a homologação sem verificar se o plano se encontrava aprovado, e sem apreciar qualquer dos requisitos de homologação legalmente previstos - alíneas b) e d) do art. 615º nº1 do CPC
Nos termos do nº7 do art. 17º-F do CIRE, «O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194º a 197º, no n.º1 do artigo 198º e nos artigos 200º a 202º, 215º e 216º.»
Os números anteriores preveem a remessa ao tribunal da documentação que demonstre ou a aprovação unânime do plano (17º-F nº4), ou a sua votação sem unanimidade (nºs 5 e 6 do mesmo preceito).
É evidente que um plano votado sem aprovação unânime pode ser aprovado ou rejeitado, sendo as regras de aprovação previstas no nº5 do art. 17º-F, no qual se estatui que se considera aprovado o plano de recuperação que:
«a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.»
A letra da lei não refere expressamente uma declaração judicial da aprovação do plano, o que bem se compreende, já que a aprovação (ou a rejeição) é o resultado da soma dos votos exercidos pelos credores, pelo que, teoricamente, o juiz apenas verifica se o plano está aprovado e, nesse caso, homologa ou não o mesmo.
A aprovação do plano, de acordo com as regras vigentes, é pressuposto indispensável da decisão de homologação ou recusa da mesma. Por outras palavras, apenas um plano de recuperação aprovado pelos credores pode ser sujeito ao juízo de homologação.
Tal resulta expressamente do nº1 do art. 17º-A que prevê como finalidade do processo especial de revitalização a conclusão, entre o devedor em determinadas condições e os seus credores, de «acordo conducente à sua revitalização», da previsão do art. 17º-G que regula expressamente a tramitação posterior à não aprovação, obrigando ao encerramento do processo, o que deixa ao nº7 do art. 17º-F como único campo de aplicação os casos de aprovação do plano e, bem assim, da letra do art. 215º do CIRE, aplicável nos termos do mesmo nº7 do art. 17º-F, onde se estabelece que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano aprovado, nomeadamente nos casos de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de regras aplicáveis ao seu conteúdo.
Usámos acima a expressão teoricamente porque, na verdade, do próprio regime legal resulta que, em determinadas circunstâncias, a própria aprovação pode ser objeto de decisão judicial autónoma.
O proémio do nº5 do art. 17º-F aponta-nos um dos casos em que tal sucede, indicando que o juiz pode computar, para efeitos de aferição de aprovação, no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.
Trata-se de hipótese limitada ao caso de as impugnações à lista provisória que tenham sido apresentadas não terem sido conhecidas, mas que, claramente, concedem ao tribunal um espaço decisório que pode influir na verificação da aprovação ou rejeição do plano.
Neste exato sentido se pronunciaram Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[14] comentando ao art. 17º-F (com sublinhado nosso) que “Embora não sendo a solução ideal, não existindo decisão aquando da votação, e estando a aprovação do plano dependente da decisão do tribunal quanto ao cômputo dos créditos impugnados, pode o plano já votado ser remetido para o tribunal: a) determinar o cômputo dos créditos impugnados e, em consequência, determinar a aprovação ou rejeição do plano; e b) caso o plano tenha ou deva considerar-se aprovado, decidir pela homologação ou não do plano.”
Mas logramos discernir pelo menos mais dois casos legalmente previstos em que o tribunal pode ser chamado a declarar a aprovação ou rejeição do plano:
- na avaliação da atribuição de direito de voto a credores cujos créditos não sejam afetados pelo plano por aplicação do disposto no art. 212º nº2, al. a) do CIRE;
- pela fixação do número de votos conferidos por créditos reclamados sob condição suspensiva, por aplicação do disposto no nº2 do art. 73º do CIRE.
Quanto ao primeiro caso, depois de ter sido maioritariamente entendida a aplicabilidade da al. a) do nº2 do art. 212º do CIRE à votação em PER, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, na primeira versão do regime jurídico do PER, que remetia para o nº1 do art. 212º do CIRE no então nº3 do art. 17º-F[15], verificou-se a manutenção dessa posição após a alteração de 2015 (que eliminou essa remissão, criando a regra própria ora prevista no nº5 do art. 17º-F)[16].
O segundo caso referido, discutindo-se se a fixação do número de votos é oficiosa ou a requerimento (ou sequer se é possível), é de grande relevância prática, ocorrendo com muita frequência, nomeadamente em certos setores de atividade (como a construção civil e obras públicas) e por vezes com um peso decisivo na votação[17].
Ou seja, e como se decidiu no Ac. TRL de 27/04/2021 (Amélia Rebelo)[18] “O controlo do sentido dos votos e do resultado da votação com vista à aferição das maiorias legais de aprovação do Plano não integra nem se confunde com a aferição dos requisitos negativos da homologação ou de recusa de homologação previstos pelos arts. 215º e 216º do CIRE, constituindo aquelas questões prévias e autónomas da sindicância judicial do Plano.”
Feito este excurso há que analisar a fundamentação do despacho recorrido para discernir se esta se dirigiu aos pressupostos da aprovação do plano ou à respetiva homologação, com vista a aferir da existência das arguidas nulidades da decisão que recusou a homologação do plano.
Foram os seguintes os fundamentos da decisão – que, recorde-se, foi de recusa de homologação:
“A questão que cumpre decidir consiste em determinar se o crédito da TU deve ser considerado subordinado ou comum e decidir consequentemente sobre eventual recusa de homologação do plano.
Nos termos dos arts. 486.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) existe relação de domínio entre sociedades quando uma delas exerce direta ou indiretamente uma influência dominante sobre a outra. Nestes casos existe necessariamente um especial interesse e acesso a informação especial e privilegiada em detrimento de outros credores, o que justifica a colocação deste credor com relações especiais em categoria diferenciada do credor comum.
A existência de uma relação especial de subordinação entre credor e devedor tem como consequência a natureza subordinada do crédito (arts. 48.º, al. a), e 49.º, n.º 2, do CIRE), com repercussões na votação a que alude o art. 17.º-F, n.º 5 do CIRE.
No caso concreto, é notória a natureza subordinada e não comum do crédito da TU, Lda. uma vez que à data de entrada desta ação a devedora e a credora tinham como gerente e administrador a mesma pessoa singular.
Acresce que têm alguns sócios em comum. Assim, é óbvia a influência recíproca e possível instrumentalização de uma sociedade aos interesses da outra. Acresce que a documentação junta aponta para pagamentos efetuados pela credora TU para satisfação de dívidas da devedora, o que é elucidativo do que acabei de referir.
Note-se ainda que a própria devedora parece ter aceitado o entendimento do Tribunal de que a declaração que acompanha o requerimento inicial para efeitos do art. 17.º-C/1 do CIRE não poderia ser subscrita pela TU, por ser credor subordinado e não comum, ao não se opor ao despacho acima referido e vir juntar novas declarações subscritas por credores não subordinados. Entendimento divergente neste momento por parte da devedora, ao não aceitar agora tratar-se de crédito subordinado, pareceria mesmo configurar “venire contra factum proprium”, figura do abuso de direito.
***
Atendendo à questão acima, em face da percentagem relativa de votos da TU, torna-se despicienda a análise de outras questões sub judice, nomeadamente impugnações pendentes.
***
Em face da ausência de maioria necessária à aprovação do Plano, dada a natureza subordinada do crédito da TU, nos termos do art. 17.º-F/5, al. a) e b) do CIRE, recuso a homologação do mesmo.”
Como é patente do próprio segmento decisório, o tribunal considerou não estar formada a maioria necessária à aprovação do plano, quer nos termos da alínea a), quer nos termos da alínea b) do nº5 do art. 17º-F do CIRE, pelo que deveria ter declarado o mesmo não aprovado, ao invés de recusar a respetiva homologação.
Na verdade, o que o tribunal a quo apreciou foi apenas um dos pressupostos da homologação ou recusa de um plano de recuperação em PER – a respetiva aprovação.
Como já se referiu, só um plano aprovado, seja por unanimidade, seja por maioria, é sujeito ao juízo de homologação previsto no nº7 do art. 17º-F, juízo esse que passa pela apreciação e aplicação das regras previstas nos arts. 194º a 197º, 198º nº1, 200º a 202º, 215º e 216º, todos do CIRE.
Se o plano for aprovado o juiz terá que, oficiosamente, verificar se o seu conteúdo respeita o princípio da igualdade (194º), se contém todos os elementos prescritos por lei aplicáveis (195º), se respeita o nº2 do art. 197º, se é cumprido o nº1 do art. 198º, se, contendo proposta com conteúdos alternativos, indica qual a aplicável caso não seja exercida a faculdade de escolha (200º), se, contendo condições suspensivas, foram já praticados os atos ou executadas as medidas que devam proceder a homologação (201º), se foram prestados os consentimentos devidos (202º) ou se houve violação não negligenciável de normas procedimentais ou de normas aplicáveis ao conteúdo do plano (215º), e, se for arguido por um dos interessados, se se verifica o circunstancialismo previsto no art. 216º.
A decisão recorrida não abordou qualquer destes temas, pelo que, entre estas duas constatações atingimos a conclusão segura de que foi recusada a homologação num caso em que o plano deveria ter sido considerado – de acordo com os fundamentos da decisão recorrida, que ainda não estamos a analisar de mérito – não aprovado.
Qual a consequência?
Não se trata da nulidade prevista na alínea d) do nº1, 2ª parte do art. 615º do CPC, dado que, materialmente, o tribunal conheceu apenas da matéria da aprovação do plano e não conheceu da questão da homologação do mesmo. Assim sendo não conheceu de qualquer questão de que não devesse tomar conhecimento.
Relembrando os casos de excesso de pronúncia como caraterizados supra é bastante claro que a homologação era uma das questões sobre a qual cabia ao juiz pronunciar-se em processo especial de revitalização, sobre a qual não se havia ainda pronunciado e que não se encontrava coberta por caso julgado anterior.
A decisão proferida, de recusa de homologação, não se mostra fundamentada, como já expusemos. O tribunal não apreciou qualquer das questões previstas no nº7 do art. 17º-F, tal como não apreciou qualquer dos pedidos de não homologação formulados por vários credores nos autos. A decisão de homologação deveria ter sido declarada prejudicada pela solução dada à aprovação do plano, mas como esta decisão não foi proferida, não obstou ao que efetivamente foi decidido e declarado, sem qualquer fundamento.
Surpreendemos, assim, efetivamente, a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC – a decisão proferida, de recusa de homologação carece, em absoluto de fundamentação, apenas tendo apreciado um pressuposto que carecia de declaração judicial (no caso concreto).
Trata-se de nulidade suscetível de suprimento, mas que, na economia do objeto do presente recurso, dependerá da solução dada, de mérito, à questão da aprovação do plano.
*
4.1.2. Nulidade da decisão proferida por omissão de fundamentação por não especificar a existência ou inexistência de uma maioria de votos necessária à aprovação do plano, não especificando o universo de credores ou a natureza dos créditos – al. b) do nº1 do art. 615º do CPC;
O vício seguinte apontado refere-se à decisão pressuposta – ou seja de que o plano não está aprovado - e aponta como falha de fundamentação a omissão de indicação dos votos emitidos, respetiva contabilização e referência ao universo de credores.
Percorrendo a decisão proferida, podemos constatar que em nenhum passo foram enumerados os votos emitidos – seja considerando o voto do credor TU como comum, seja como subordinado – ou seja, do próprio despacho não consta qualquer “contagem” que ilustre a conclusão atingida de não aprovação do plano.
Mas a conclusão pela ausência da maioria necessária para aprovação mostra-se, de alguma forma, documentada por referência e por remissão para outros elementos dos autos.
A determinado passo o tribunal declara que: “Da análise do resultado da votação a que alude o art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE resulta claro o peso do voto da credora TU, Lda., com percentagem próxima de 50% relativamente aos votos expressos.
E após prosseguir o relatório o tribunal refere que:
“Analisada a documentação junta relativa ao crédito, a AJP veio a alterar a sua posição, considerando o crédito subordinado e não comum, por os documentos demonstrarem pagamentos efetuados pela TU para satisfação de dívidas da devedora, o que demonstra uma relação de instrumentalização da primeira à segunda (cfr. ref. 10237044).
Foi junta nova votação do Plano, considerando-se o crédito da TU subordinado (cfr. ref. 10237044). Nos termos desta votação, o Plano foi recusado, com 58,73% dos votos contra nos termos do art. 17.º-F, n.º 5, al. a) do CIRE, e com 56,97% dos votos contra de acordo com o art. 17.º-F, n.º 5, al. b) do CIRE.”
Ora, efetivamente, como resulta do relatório, a Administradora da Insolvência juntou um primeiro resultado da votação, do qual resultava a aprovação do plano, e, bastante mais tarde (requerimento de 21/12/2020) juntou, cumprindo ordem do tribunal nesse sentido, novo mapa de votação no pressuposto da qualificação do crédito da credora TU como subordinado.
Desse segundo mapa constava a não aprovação do plano e é desse segundo mapa que o tribunal retira a percentagem[19] de 58,73% dos votos contra nos termos da al. a) do nº5 do art. 17º-F e a percentagem de votos contra de 56,97% nos termos da alínea b) do mesmo artigo mencionadas na decisão recorrida.
A diferença entre o primeiro mapa de votação e o segundo mapa de votação é a qualificação do crédito da TU como subordinado pelo que, do percurso da decisão recorrida, que enumera estes resultados e depois decide pela qualificação do crédito da credora TU como subordinado, resulta claro porque razão o tribunal conclui que não está reunida a maioria de aprovação.
Trata-se de uma fundamentação sintética e por remissão, mas perfeitamente alcançável, que permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção – e discuti-la, como o faz a recorrente no seu recurso – e não configura a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC.
Esta específica nulidade é, assim, improcedente.
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4.1.3. Nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC por inexistência de decisão quanto à graduação dos créditos;
Se bem compreendemos os argumentos da recorrente quanto a este específico fundamento de nulidade, esta entende que teria que ter sido proferida nos autos uma decisão prévia à decisão recorrida que graduasse os créditos reclamados por forma a permitir com que fundamentos o tribunal decidiu que uns créditos têm certa natureza e outros têm outra, o que não sucedeu, o que entende consubstanciar nulidade da decisão por partir de pressupostos inexistentes.
Nas alterações de 2012 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que instituíram o processo especial de revitalização não se previu expressamente qual o direito subsidiariamente aplicável. O que desde logo foi defendido pela aqui relatora[20], em consonância com a consideração do PER como um processo especialíssimo, foi a aplicação da regra geral do art. 549º do Código de Processo Civil, resultando que ao processo especial de revitalização, como processo especialíssimo que é, se aplicarão, em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, caso seja necessário, as regras do Código de Processo Civil sempre com o crivo do art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tal obrigava sempre à indagação, face a uma lacuna, de qual a filosofia e finalidade do instituto da revitalização e se, no caso concreto, tais finalidade e filosofia consentem a aplicação das regras subsidiárias, seja de primeira, seja de segunda linha, nos ditames do art. 9º do Código Civil.
Nas alterações do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas de 2017 introduziu-se uma nova regra, no art. 17º-A, replicada no art. 222º-A, que indica claramente que o direito subsidiário é o próprio CIRE, com as devidas adaptações. Ninguém nunca discutiu a aplicabilidade do CIRE, mas, se de forma direta ou com adaptações, é outra questão e pode dar resultados muito diferentes.
As regras prescrevem agora que o processo especial de revitalização/para obtenção de acordo de pagamento tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.
Tal implica que a estes processos se aplicam, como já era entendido:
- em 1º lugar as regras próprias;
- depois as regras do CIRE, com as devidas adaptações;
- finalmente o CPC, com as devidas adaptações.
Não há, na tramitação própria do PER, qualquer regra que prescreva a necessidade de proferir uma decisão de graduação de créditos previamente à decisão de homologação (e de aprovação, se necessária).
A única hipótese seria, assim, a de considerar a existência de uma lacuna, e, consequentemente, a aplicação das regras dos arts. 128º a 140º do CIRE ao PER, nomeadamente este último preceito.
Mas, na verdade, com muita clareza, tal preceito não é aplicável: o juiz, em PER, apenas tem que decidir as questões relativas à composição do quórum deliberativo (ou de confirmação, na modalidade do 17º-I). A qualificação e graduação dos créditos não é necessária, dado que não releva para as finalidades do procedimento a determinação da ordem de pagamento dos créditos sobre o produto da venda de determinados bens – visa-se a recuperação e não a liquidação; pretende-se um acordo com os credores e o prosseguimento da atividade da empresa – cfr. nº1 do art. 17º-A do CIRE.
Compreendemos a dúvida da recorrente: há uma ponderação a fazer entre créditos subordinados e não subordinados, nos termos, quer da alínea a), quer da alínea b) do nº5 do art. 17º-F. Mas, de facto, essa função não exige uma decisão de graduação de créditos.
Como no dá conta Catarina Serra[21]:
“A lista definitiva de créditos (rectius: a sentença judicial de verificação de créditos) pode resultar, seja da conversão da lista provisória de créditos (quando não há impugnações da lista provisória), seja da decisão judicial sobre as impugnações.
Ela cumpre, em princípio, duas funções.
A primeira função é de identificar os créditos para efeitos de votação do plano de recuperação e, acessoriamente, de os qualificar, discriminando os créditos subordinados, que são relevantes para aquilo que se chama “segundo quórum de aprovação”.”
E adverte que, face à redação do proémio do nº5 do art. 17º-F, essa função pode mesmo ser desempenhada pela lista provisória, apreciando o juiz sumariamente as impugnações e atribuindo-lhes votos.
A segunda função, que para nós na presente sede não releva, é a de evitar que, em eventual futuro processo de insolvência sequencial os credores tenham de novo que reclamar os seus créditos.
Ou seja, efetivamente, o que é necessário esteja determinado no momento da contagem dos votos para saber se um plano está ou não aprovado é, qual o número de créditos com direito a voto, qual o número de votos expressos, nestes quantos a favor e contra e, em caso de aprovação, qual a proporção de créditos subordinados.
A lista provisória já contém estas menções e, em caso de impugnação – do próprio crédito ou da respetiva qualificação – a lista definitiva resolverá a mesma, apenas para efeitos de aprovação ou rejeição do próprio PER.
A desnecessidade de proferimento de uma decisão de graduação de créditos para efeitos do PER resulta das normas próprias do processo, afastando, assim, a aplicabilidade do disposto no art. 140º do CIRE.
Em conclusão, a omissão de prolação de decisão de graduação de créditos previamente à verificação da aprovação ou rejeição do plano apresentado pela devedora, não consubstancia qualquer nulidade, nomeadamente nos termos da alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC.
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4.1.4. Nulidade nos termos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC - omissão de decisão sobre as impugnações à lista provisória apresentadas nos autos
Argumenta a recorrente que a sentença recorrida padece de vicio de nulidade por omissão de pronúncia quanto às impugnações de créditos feitas pela recorrente, cuja procedência levaria à aprovação do plano ainda que o crédito da TU viesse a ser considerado subordinado, sem conceder.
Percorrendo as regras legais aplicáveis e recuperando o que já deixámos exposto no ponto anterior, resulta da conjugação entre os arts. 17º-D nºs 3 e 4 e 17º-F nº5, proémio, que a própria lei, após impor a decisão das impugnações em cinco dias, admite que, ao fim de dois meses (três, com prorrogação), as impugnações não estejam decididas, consagrando uma solução de recurso à lista provisória.
Esta aparente contradição foi o ponto de partida para uma das questões mais discutidas na jurisprudência e doutrina desde o início de vigência deste processo especial – o alcance da verificação de créditos em PER[22].
Não se trata de questão que aqui nos importe resolver, mas a discussão gerada deixou importantes subsídios para a solução da omissão apontada pela recorrente.
O tribunal a quo não conheceu das impugnações apresentadas à lista provisória apresentada pela Sra. AJP, elencadas nos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada.
Na decisão recorrida consignou, na fundamentação do decidido: “Atendendo à questão acima, em face da percentagem relativa de votos da TU, torna-se despicienda a análise de outras questões sub judice, nomeadamente impugnações pendentes.”
Temos, assim, expressamente assumida a decisão de não conhecer das impugnações deduzidas.
No entanto e como já referimos, trata-se de uma omissão que a própria lei previu e solucionou, sem distinção de situações aplicáveis. Catarina Serra[23] pronuncia-se no sentido de que o 17º-F nº5 não visaria essencialmente solucionar situações (próprias) de atraso na decisão das impugnações, mas antes a antecipação do fim das negociações, mas reconhece que “Sem excepções ou ressalvas, a lei admitiu que as impugnações possam não estar decididas passados dois ou mesmo três meses sobre o fim do prazo para as impugnações e concebeu um expediente com o propósito de suprir a falta daquela decisão.”
Assim, pela omissão da decisão das impugnações não surpreendemos qualquer irregularidade.
No entanto a decisão recorrida também não efetuou o exercício previsto no proémio do nº5 do art. 17º-F do CIRE, ou seja, não fez, por qualquer forma a apreciação sumária daquelas impugnações com vista à atribuição (ou não atribuição) de votos a créditos impugnados. Não enumerou qualquer dos créditos impugnados, não aludiu à motivação das impugnações, não apreciou se existia alguma probabilidade, séria ou não, de os créditos impugnados serem reconhecidos.
Assim sendo, a questão que se coloca, em perspetiva – e interpretando a alegação da recorrente de acordo com o processado dos autos – é de se poderia o tribunal ter concluído que não estava reunida a maioria necessária à aprovação do Plano, como concluiu, sem ter decidido as impugnações de créditos e sem ter feito o juízo de atribuição de votos a créditos impugnados previsto no nº5 do art. 17º-F.
Recordando, o proémio do art. 17º-F nº5 estabelece que o juiz pode computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos. E a referência legal é a da indicação das maiorias de aprovação sem prejuízo deste exercício[24].
Uma das questões colocadas a propósito deste preceito foi a da natureza oficiosa deste exercício. João Labareda e Carvalho Fernandes[25], argumentando com a similitude da solução com o disposto no art. 73º nº4 do CIRE, defenderam a aplicação da mesma solução por analogia, ou seja, a recusa do poder do juiz agir oficiosamente, por ser a mais conforme ao princípio do dispositivo.
Em sentido contrário se pronunciaram a aqui relatora[26] e Catarina Serra[27] esta relevando a inexistência na regulamentação própria do PER de qualquer lacuna que justifique a aplicação do nº4 do art. 73º do CIRE.
Mantemos a posição que então defendemos, acrescentando que se pode até ver aqui um traço de acesso ao direito – quem exerce um direito previsto por lei tem o direito à apreciação, mesmo que sumária, da sua pretensão, desde que no quadro e nos limites dos objetivos do procedimento em que foi exercido.
Então como interpretar a expressão “pode”, usada pela lei e que, por regra, significa uma faculdade?
A resposta é-nos dada exatamente pela finalidade da referida apreciação – nos quadros e limites do processo especial de revitalização está consagrado um poder-dever do juiz de efetuar, oficiosamente, este juízo de probabilidade, quando possa influenciar o resultado da votação e o apuramento das maiorias.
Como referem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[28] “Sabendo-se, aquando da votação, quais os credores cujos créditos foram impugnados, mas que pretendem que os seus créditos sejam computados nos termos do nº3 do artigo 17º-F in fine, pode acontecer que o plano seja aprovado ou recusado sem necessidade de aguardar pela decisão do tribunal sobre o computo de tais créditos impugnados, na medida em que – face ao valor dos créditos impugnados ou ao sentido de votação desses credores – a decisão judicial não seja susceptível de alterar o resultado global da votação.”
Note-se, o que o devedor visa com o PER é a aprovação de um plano de recuperação. Os credores, por sua vez, ao reclamarem créditos, pretendem habilitar-se a formar o quórum e votar, no sentido em que entenderem, esse mesmo plano de recuperação.
Negar o carater oficioso da avaliação judicial prevista no art. 17º-F nº5 é conferir às impugnações um carater automaticamente excludente dos créditos impugnados (no caso, admitido por lei, de não ser proferida decisão das impugnações). Negar, de forma acrítica, a possibilidade de influenciar o resultado da votação de um plano a credor ou credores que são claramente afetados por esse plano, se for homologado (cfr. nº 10 do art. 17º-F) com base num argumento de analogia com uma situação que, na verdade, não apresenta pressupostos semelhantes[29], parece-nos, claramente, excessivo, mas apenas na medida em que, precisamente, afete o resultado final.
Como teremos ocasião de desenvolver, o processo especial de revitalização tem como caraterísticas essenciais e que enformam o respetivo regime – e devem nortear a respetiva interpretação – o facto de ser um procedimento pré-insolvencial, a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor.
Assim sendo, justifica-se a limitação defendida de circunscrever a obrigatoriedade de conhecimento das impugnações, seja no momento próprio, seja sumariamente, na altura da apreciação da votação, aos casos em que tal apreciação seja suscetível de influenciar o resultado final. Não estamos a definir juridicamente qualquer situação com eficácia extraprocessual, devemos manter o processo rápido e eficiente, não perdendo tempo a conhecer de questões que não vão ter qualquer consequência no desfecho, e, principalmente, tratar-se-á de atividade processual inútil, seja do ponto de vista do devedor, que não vê o plano aprovado ou rejeitado em resultado de tal avaliação, seja do ponto de vista do credor (impugnante ou impugnado), que, indiferentemente, ficará afetado pelo plano se preencher a previsão do nº 10 do art. 17º-F (e se o plano for aprovado e subsequentemente homologado).
Aqui chegados analisando o mesmo segmento da decisão, temos que o tribunal adiantou como justificação para não efetuar a avaliação prevista no nº5 do art. 17º-F a “percentagem relativa de votos da TU”, que havia acabado de classificar como subordinados.
Para saber se o tribunal podia pronunciar-se quanto à existência de uma maioria de aprovação sem fazer a apreciação em causa teremos que, em termos gerais, compreender se o facto de o crédito da credora TU ser considerado subordinado tornava irrelevante avaliar as probabilidades de procedência das impugnações.
Foram reconhecidos pela AJP créditos garantidos, privilegiados e comuns no valor global de € 12.106.788,43 (segunda lista provisória apresentada em 17/04/2019).
Destes foi reconhecido à credora TU, Lda € 4.108.258,65, com a natureza de comum.
Temos a considerar, hipoteticamente, e como ponto de partida, dois cenários:
- um primeiro de total improcedência das impugnações;
- um segundo de total procedência das impugnações.
Há que frisar que uma impugnação foi deduzida por credor ao não reconhecimento do seu crédito e as demais foram deduzidas pela devedora ao reconhecimento dos créditos impugnados.
Como sub-hipótese temos anda que verificar, se necessário, a correção do raciocínio da AJP que reduziu a 3% os direitos de voto dos créditos reconhecidos sob condição, sempre para efeitos hipotéticos, e porque o tribunal não apreciou esta questão, sob qualquer forma, durante todo o decurso do processo.
Foram emitidos os seguintes votos:

credorcrédito reconhecidocondicionalnaturezaimpugnaçãosentido de voto
ACC, Lda € 40.841,49nãocomumnãofavorável
Banco B, SA€ 997,41nãocomumnãocontra
Banco C, SA€ 411.926,23€ 17.538,38garantidoImpugnado pela devedoracontra
Banco S, SA€ 13.812,19nãocomumnãocontra
BBG€ 53.345,69€ 36.815,58comumImpugnado pelo próprio credor contra
Caixa A€ 1.214.072,52€ 235.284,51garantidoImpugnado pela devedoracontra
Caixa C, SA€ 142.355,05€ 5.099,06comumImpugnado pela devedoracontra
Caixa B, SA€ 446.619,04nãocomumImpugnado pela devedoracontra
CB, Lda€ 4.232,18nãocomumnãocontra
CHI, Lda€ 76.865,21nãocomumImpugnado pela devedoracontra
CR, Lda€ 18.617,80nãocomumnãofavorável
CC, Lda€ 87.127,00nãocomumImpugnado pela devedoracontra
ESE, Lda€ 120.765,38nãocomumnãofavorável
Fazenda Pública€ 200.132,68nãocomumnãocontra
GII, Lda€ 22.267,03nãocomumnãocontra
GL, Lda€ 178.020,21nãocomumnãofavorável
GR€ 22.086,95nãoprivilegiadoImpugnado pela devedoracontra
IAC II, SA€ 1.285,06nãocomumnãofavorável
IAC, Lda€ 818.822,12nãocomumnãofavorável
JF, SA€ 139.616,02nãocomumImpugnado pela devedoracontra
JG€ 2.838,80nãoprivilegiadoImpugnado pela devedorafavorável
NG, SA€ 178.324,45€ 47.788,62garantidoImpugnado pela devedoraAbstenção expressa
N ACE€ 2.039,63nãocomumnãofavorável
NG€ 2.796,80nãoprivilegiadoImpugnado pela devedorafavorável
PG€ 2.719,53nãoprivilegiadoImpugnado pela devedorafavorável
TM, Lda€ 566.118,51nãocomumImpugnado pela devedoracontra
TU, Lda€ 4.108.258,65nãocomumnãofavorável
VE, Lda€ 7.380,00nãocomumnãofavorável


Foi o seguinte o teor das impugnações apresentadas (5 e 6):
 - BBG impugnou a relação provisória de créditos no tocante ao crédito por si reclamado, listado como não reconhecido pelo montante de € 50.650,61, pedindo o reconhecimento deste montante como crédito sob condição.
- A devedora impugnou a lista provisória de créditos quanto aos créditos relacionados aos seguintes credores:
- Caixa B, SA, impugnando integralmente o crédito reconhecido de € 446.619,04;
- CHI, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 76.865,21 para a quantia de € 54.750,86;
- TM, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 566.118,51 para a quantia de € 491.290,43;
- TSE, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 125.559,24 para a quantia de € 120.578,19;
- CC, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 87.127,00 para a quantia de € 80.000,88;
- SSA, SA, pedindo a eliminação do crédito de € 17.873,59;
- JF, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 139.616,02 para a quantia de € 136.245,26;
- VF, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 73.334,28 para a quantia de € 70.900,42;
- Banco C, SA, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 17.538,38, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- Caixa A, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 494.750,06, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- Caixa C SA, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 72.224,71, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
- os seguintes ex-trabalhadores, AC, CG, CM, ES, EM, FN, FB, GR, GT, JG,  JO, JS, JA, JR, JV, JP, JM, JB, JR, MR, MF, MS, NM, NG e PG, impugnando o reconhecimento do montante global de € 189.993,10, por terem sido pagos pelo Fundo de Garantia Salarial;
- NG, SA, impugnando um crédito superior ao reclamado e relacionado e pedindo o não reconhecimento de € 1.023.620,26, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%.
Num primeiro cenário de total improcedência das impugnações apresentadas e votando os créditos condicionais com todo o crédito reclamado, temos:
Total dos créditos com direito de voto – € 12.106.788,43;
Total de votos emitidos (sem contar abstenções): € 8.505.852,02;
Total de votos contra: € 3.379.486,76;
Total de votos a favor: € 5.126.365,26;
17º-F nº5, al. a) – votaram credores representando mais de um terço do total de créditos com direito de voto (1/3 de € 12.106.788,43 = € 4.035.596,4);
- votaram a favor credores representando menos de 2/3 dos direitos de voto (2/3 de 8.505.852,02 = € 5.670.568,01);
Conclusão: não aprovado;
17º-F nº5, al. b) -  votaram a favor credores representando menos de metade do total de créditos com direito de voto (1/2 de € 12.106.788,43 = € 6.053.394,21);
Conclusão: não aprovado;
Vejamos agora um cenário de total procedência das impugnações apresentadas, ainda considerando como votando integralmente os créditos condicionais:
Total dos créditos com direito de voto – € 10.696.915,67;
Total de votos emitidos (sem contar abstenções): € 7.408.631,92;
Total de votos contra: € 2.290.621,87;
Total de votos a favor: € 5.118.010,07;
17º-F nº5, al. a) – votaram credores representando mais de um terço do total de créditos com direito de voto (1/3 de € 10.696.915,67 = € 3.565.638,55);
- votaram a favor credores representando mais de 2/3 dos direitos de voto (2/3 de 7.408.631,92 = € 4.939.087,94);
De entre os credores que votaram a favor, o credor TU representa 80,27%, ou seja, mais de 50%.
Mesmo considerando a interpretação[30] do artigo 17º-F nº5 que pondera a percentagem dos créditos não subordinados, não em função dos votos expressos, mas em função dos direitos de voto existentes (em termos simplificados, o plano é aprovado se, na maioria de votantes se contiver metade dos direitos de voto dos créditos não subordinados existentes no universo de credores com direito de voto), concluímos que, considerando o credor TU como subordinado não temos presente no universo de credores votantes a favor € 3.294.328,51 (metade dos créditos relacionados com direito de voto excluído o credor TU, ou seja, 10.696.915,67 – 4.108.258,65 = 6.588.657,02/2 = 3.294.328,51).
Conclusão: aprovado se o crédito do credor TU for considerado um crédito comum e não aprovado se o mesmo crédito for considerado subordinado;
17º-F nº5, al. b) -  votaram a favor credores representando menos de metade do total de créditos com direito de voto (1/2 de € 10.696.915,67 = € 5.348.457,83);
Conclusão: não aprovado.
Aqui chegados, embora com uma análise bastante mais detalhada que aquela a que procedeu o tribunal recorrido – que se limitou a aceitar acriticamente percentagens fornecidas pela AJP em documento elaborado a ordem sua, ao invés de fazer por si a verificação – concluímos pela correção do fundamento invocado pelo tribunal – no pressuposto de que o crédito da credora TU é subordinado, o conhecimento das impugnações e a atribuição de votos a créditos impugnados era irrelevante e não influiria o resultado final.
Na verdade, tendo testado os dois cenários mais extremos, chegámos sempre ao mesmo resultado, o de não aprovação do plano, o que inclusive determina a desnecessidade de abordar a questão dos votos a atribuir aos créditos condicionais (que correspondem todos a créditos impugnados).
Assim, no concreto, e com os pressupostos que já traçámos, não foi cometida qualquer nulidade quando o tribunal não conheceu das impugnações deduzidas, nomeadamente a nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC.
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4.1.5. A pronúncia do despacho recorrido quanto à natureza subordinada do crédito reconhecido à credora TU – 615º, nº1, al. d) do CPC
Alega a recorrente ser “absolutamente incompreensível que na antecâmara da decisão final de que aqui se recorre, a meritíssima juíza “a quo” tenha afirmado que “(…) em face da percentagem relativa dos votos da TU, torna-se despicienda a análise de outras questões sub judice, nomeadamente impugnações pendentes.”, referindo, textualmente que “uma das impugnações pendentes é precisamente a desta credora TU que alega e fundamenta que o seu crédito sobre a ora recorrente tem natureza comum.”
Defende a natureza comum do crédito da credora TU, Lda, pese embora referindo não ser esta (o presente recurso) a sede própria para discutir a natureza deste crédito.
Apreciando, dir-se-á que não é, de facto, este recurso a sede própria para discutir a natureza do crédito da credora TU, Lda.
Em primeiro lugar não tendo o tribunal conhecido de qualquer das impugnações à lista provisória de créditos tempestivamente deduzidas nos autos – tendo efetivamente considerado o respetivo conhecimento prejudicado no despacho sob recurso – não foi, em tempo, apresentada qualquer impugnação da lista provisória de créditos relativamente ao crédito ali reconhecido à credora TU, Lda, como crédito comum. Assim, não pendia e não pende qualquer impugnação do crédito reconhecido na lista provisória à credora TU, Lda.
Nos termos do disposto no art. 17º-D nº4 do CIRE, «Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em definitiva.».
O alcance desta norma não se limita aos casos de total ausência de impugnações, estabelecendo um efeito cominatório que serve sobremaneira os objetivos e caraterísticas do processo especial de revitalização – os créditos que não sejam impugnados consideram-se de imediato reconhecidos para os efeitos próprios do PER.
É o que nos dão conta João Labareda e Carvalho Fernandes[31] quando referem que “No processo de revitalização, porém, é útil que todos os créditos não impugnados sejam de imediato reconhecidos, porque isso facilita o seguimento da negociação e a definição do quórum de aprovação do acordo recuperatório.”, afirmando que “Aqui, no processo de revitalização, contamos, para mais, com a regra do já aludido art. 17.-F, nº3, in fine (hoje correspondente à parte final do proémio do nº5), da qual resulta, indiscutivelmente, a atribuição imediata e direta de direito de voto aos créditos impugnados.” (com entre parêntesis nosso), E concluem: “A falta de impugnação da lista implica que se converta em definitiva; a existência de impugnação apenas afeta os créditos envolvidos, devendo todos os demais considerar-se assentes, sem necessidade sequer de qualquer ato judicial que os confirme.”
A decisão recorrida analisa-se na qualificação como subordinado de um crédito que foi reclamado e relacionado na lista provisória como comum. Porém sucede que, pese embora a lista tenha sido tempestivamente impugnada, por um dos credores e pelo devedor, nenhuma das impugnações se dirigiu a este crédito, em relação ao qual se deu o efeito previsto no nº4 do art. 17º-D do CIRE – o crédito está reconhecido como comum para os efeitos do PER e goza dos direitos de voto correspondentes.
A lista poderia e deveria ter sido impugnada no prazo previsto no art. 17º-D nº3 quanto à qualificação do crédito em causa como comum ou subordinado, não o tendo sido.
Os requerimentos apresentados por vários credores, no sentido da qualificação do crédito em causa como subordinado, alguns dos quais a claro impulso do tribunal, efetivamente, analisam-se em impugnações de créditos intempestivas, aliás, deduzidas apenas na constatação do peso do referido crédito na votação já efetuada – peso que a lista apresentada pela AJP já anunciava.
A conclusão é muito clara: o crédito da credora TU, Lda, para os efeitos do presente processo especial de revitalização, é um crédito comum e a decisão que alterou a sua natureza, após o exercício do direito de voto, sem que houvesse sido tempestivamente impugnada a natureza daquele crédito, não pode subsistir. Trata-se de matéria relativamente à qual o tribunal não poderia ter-se pronunciado, dado que a impugnação respetiva não foi oportunamente deduzida por nenhum dos interessados.
A única ocasião em que, em processo especial de revitalização, o tribunal se pode pronunciar, alterando ou mantendo, sobre a natureza de um crédito reclamado para efeitos de constituição e determinação do quórum deliberativo, é na decisão (ou na apreciação sumária, para os efeitos do art. 17º-F nº5) da específica impugnação que tenha sido apresentada por legitimado. A alteração da natureza de um crédito reconhecido e não impugnado não é de conhecimento oficioso, nem na fase da impugnação de créditos, nem em fase posterior.
Mesmo que se entendesse diversamente – entendimento aqui sugerido como mera hipótese, extremamente dificultado pela letra do nº4 do art. 17º-D do CIRE – sempre os princípios gerais que norteiam o PER se oporiam a esta consequência: o PER é um processo consensual, de natureza urgente, que visa a obtenção de uma solução negociada entre devedor e os seus credores, priorizando a recuperação dos devedores em dificuldades, pelo que os respetivos trâmites processuais foram previstos por forma a garantir a celeridade e eficácia que o mercado necessita na resposta à recuperação (ou seu insucesso) dos seus atores.
Veja-se, de outro ponto de vista, que o prazo de suspensão da instância das ações de cobrança de dívida contra o devedor, previsto para durar durante o período das negociações (art. 17º-E nº1 do CIRE), que é de 2 meses, prorrogável por mais um (art. 17º-D nº5 do CIRE), acaba por perdurar enquanto não seja proferida decisão de homologação ou não homologação, sendo a extensão desmesurada desta suspensão suscetível de causar aos credores prejuízos já não justificáveis pelo propósito da recuperação do devedor.
Assim, todos os interesses pesados num procedimento desta natureza, quer os do devedor, quer os dos credores, impõem uma tramitação célere, simplificada e de acordo com as regras previstas por lei, interpretadas de acordo com os objetivos das normas.
Foi por causa dessa essencialidade da eficiência e necessidade de resposta atempada, o mais aproximada possível do tempo real do mercado que potencie as hipóteses de recuperação dos devedores sem prejudicar injustamente os credores, que se criou um processo híbrido, na verdade o primeiro processo simultaneamente judicial e extrajudicial usado em larga escala nos tribunais portugueses, e se previram cominatórios, prazos muito curtos e limitações ao contraditório e aos meios de instrução disponíveis.
Nos presentes autos, apresentado o resultado da votação em agosto de 2019, o desvio às normas previstas no art. 17º-D e 17º-F do CIRE levou a que apenas em agosto de 2021 tenha vindo a ser proferido o despacho recorrido que, como já constatámos se analisa numa decisão de não aprovação do plano e não de recusa de homologação do mesmo. Trata-se de um hiato temporal que desafia todas as regras e princípios que norteiam o PER e demonstra bem o que sucede quando aquelas não são seguidas e interpretadas de acordo com estes.
Assim, no cômputo dos votos para apuramento de se o presente plano está ou não aprovado, a decisão recorrida, enquanto qualifica como subordinado um crédito cuja natureza comum se achava já estabelecida para os efeitos próprios do PER, é uma decisão sobre uma questão da qual o tribunal não podia tomar conhecimento, o que consubstancia uma nulidade da decisão recorrida nos termos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC.
Trata-se de nulidade não suprível, no sentido em que não deve ser refeita pela sanação da causa de invalidade, mas antes eliminada, na constatação de que não poderia ter sido proferida, sendo essa eliminação a sanação da invalidade cometida.
Por outras palavras, o crédito reconhecido à credora TU, Lda é, para todos os efeitos, no presente procedimento especial de revitalização, um crédito comum.
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4.1.6. Nulidade por contradição na fundamentação na parte da decisão relativa à existência de uma relação de domínio – que leva à conclusão pela natureza subordinada do crédito da TU – alínea e) do nº1 do art. 615º do CPC
Atenta a solução atingida no ponto anterior, ou seja, de que a decisão não poderia, independentemente da averiguação de qualquer pressuposto substantivo, nomeadamente a existência de uma relação de domínio, ter sido qualificado como subordinado o crédito da credora TU, Lda, por a lista provisória de créditos (que o reconheceu como crédito comum) não ter sido nessa parte impugnada, passa a irrelevar a fundamentação daquela constatação.
Assim, a nulidade arguida quanto à fundamentação da decisão na parte relativa à existência de uma relação de domínio encontra-se prejudicada pela solução dada a outra das nulidades arguidas, ficando consumida pela nulidade já declarada.
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Em síntese final, procedem duas das nulidades arguidas, uma das quais passível de sanação, a qual deve ser aferida após apreciação de mérito.
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4.2. Determinação de se o plano de recuperação apresentado pelo devedor reuniu os votos suficientes para ser considerado aprovado nos termos de qualquer das alíneas do nº5 do art. 17º-F do CIRE.
O processo especial de revitalização (PER) é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. Foi introduzido no CIRE pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril e alterado pelo Decreto-Lei nº 26/2015, de 6 de fevereiro e ainda pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas viu a luz do dia em 2004, totalmente orientado para a liquidação e substituído o Código dos Processos Especiais da Recuperação de Empresas e falência, cuja matriz de favorecimento da recuperação era marcada.
Os anos de 2004 a 2011 demonstraram a extrema dificuldade de recuperar uma empresa através do único mecanismo então legalmente previsto para o efeito – o plano de insolvência em processo de insolvência. A crise de 2008 demonstrou a completa inadequação do modelo eleito e foi preciso chegar a 2012 e ao programa de assistência financeira para vermos consagrado entre nós o PER, que no seu percurso como instrumento de recuperação já conta com dois ajustes importantes – em 2015, quanto ao quórum de votação e em 2017, com a correção de alguns problemas diagnosticados.
Aliás, o propósito de criação do PER foi claramente enunciado na Proposta de Lei do Governo 39/XII, que está na génese da Lei nº16/2012, e em cuja exposição de motivos se declarou: “O principal objectivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para a promoção de recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.”
O PER destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. Tem desde logo uma característica essencial a este fim a que se propõe: permite aos devedores em situação económica difícil ou situação de insolvência eminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
O processo especial de revitalização é um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência, no sentido em que este é já um processo especial na aceção do art. 549º nº1 do Código de Processo Civil, criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa.
Os demais traços caraterísticos deste procedimento especial são a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor.
A celeridade enquanto traço essencial e condição de eficácia surge consagrado não só pela regra do art. 17º-A nº3 (“O processo especial de revitalização tem caráter urgente”), como pelos prazos e organização do próprio procedimento.
A consensualidade porque a finalidade do procedimento é possibilitar a negociação entre o devedor e os seus credores sujeitando-os a algumas regras para o procedimento, orientações para a negociação (resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10) e consequências quando reunidos os pressupostos previstos.
Iniciativa do devedor porque a ele, e apenas a ele, cabe o desencadear deste específico procedimento, com exclusão de todos os demais legitimados para pedir a sua declaração de insolvência.
Ou, e nas palavras de Catarina Serra “Sem preocupações de exaustividade, identificam-se como caraterísticas a voluntariedade, a informalidade, a consensualidade, a transparência, o contraditório e a celeridade.”[32]
Estes traços essenciais do regime explicam-no, justificam muitas das suas regras e integram as demais regras aplicáveis em função das lacunas do regime próprio. O legislador optou por consagrar uma tramitação escassa em regras, deixando ao intérprete a tarefa de integrar as lacunas, mas sempre de acordo com estas caraterísticas.
É um procedimento híbrido, no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última, a recuperação do devedor, se trata de um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos chave: no seu início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo, para recusar a sua homologação ou para extrair as devidas consequências da não aprovação do mesmo.
A questão que constitui o objeto deste recurso prende-se com a aprovação do plano. A nulidade julgada procedente quanto à decisão de recusa de homologação deve ser suprida reunindo-se as condições necessárias à respetiva prolação, o que implica, em primeiro lugar, aferir se o plano foi aprovado.
A decisão recorrida, cometendo uma nulidade insuprível e já declarada, alterou a natureza de um crédito que havia sido reconhecido e em relação ao qual a lista provisória não foi impugnada, havendo agora que, e no exercício de substituição previsto no art. 665º do CPC, refazer a decisão expurgada da referida nulidade.
Por outro lado, e como já ase assinalou no despacho prévio proferido, o conhecimento do objeto da apelação – saber se o plano está ou não aprovado – pressupõe agora, o conhecimento de várias questões que foram consideradas prejudicadas.
Assim, e relativamente às impugnações, respeitando a regra legal do nº5 do art. 17º-F do CIRE, quando é omitido o conhecimento das impugnações à lista provisória de credores, o tribunal pode, em registo necessariamente simplificado, «computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.»
É este o exercício que foi assinalado como necessário, ou seja, não exatamente conhecer das impugnações tempestivamente deduzidas nos autos e não decididas, mas antes ponderar se devem ser atribuídos votos aos créditos impugnados, para o que devem ser ponderados os argumentos e elementos aduzidos nas impugnações, respetivo contraditório e amplo processado produzido.
Igualmente se mostra necessário, porque foram listados créditos qualificados como sujeitos a condição (todos coincidentes com créditos impugnados), atribuir direitos de voto aos créditos nessas circunstâncias, tanto mais que tal pedido foi efetuado, seja pela devedora, seja por alguns dos credores em causa. Acresce que a Administradora Judicial Provisória, na ausência de decisão judicial, assumiu uma posição expressa quanto aos votos a considerar para os créditos condicionais, cuja correção importa verificar (sendo a signatária de opinião, tal como grande parte da doutrina, que a atribuição de votos a créditos condicionais é oficiosa).
Como resulta da apreciação acima efetuada quanto às nulidades arguidas – em especial no ponto 4.1.4. – a motivação única do segmento que considerou não reunida a maioria de aprovação foi o carater subordinado do crédito reconhecido à credora TU, Lda.
Como resulta da solução dada à nulidade arguida e conhecida no ponto 4.1.5., esse pressuposto não se mantém, sendo o crédito desta credora, para os efeitos do presente processo especial de revitalização, um crédito comum.
Assim, teremos que reconstruir o percurso decisória a partir desta constatação, começando pela avaliação da probabilidade do reconhecimento dos créditos impugnados.
Simultaneamente, e porque todos os credores que viam reconhecidos créditos sob condição suspensiva foram objeto de impugnação, será aferida a atribuição de votos a essa parcela de créditos.
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4.2.1. Apreciação sumária das impugnações à lista provisória para os efeitos previstos no nº5 do art. 17º-F do CIRE e atribuição de votos a créditos sob condição suspensiva
Na única impugnação deduzida por credor, BBG impugnou a relação provisória de créditos no tocante ao crédito por si reclamado, listado como não reconhecido pelo montante de € 50.650,61, pedindo o reconhecimento deste montante como crédito sob condição.
Alegou, em síntese, que recamou créditos pedindo, em alternativa, o reconhecimento de € 36.815,58 reclamado na perspetiva da resolução do contrato de locação celebrado com a devedora ou de € 50.650,61 reclamado na perspetiva da vigência do mesmo contrato, dado tratar-se do pedido contra si formulado pela devedora em ação pendente.
Considera que o crédito reconhecido não pode ser reconhecido como condicional nos termos em que o foi e que o crédito não reconhecido o deverá ser sob condição da procedência da ação pendente.
Pede lhe seja reconhecido o crédito de:
a) € 36.815,58, a título de valores em dívida decorrentes da rescisão do Contrato, acrescidos dos respetivos juros de mora calculados até 09.04.19, sob condição de improcedência da “validade” (vigência) do contrato.
Ou,
b) € 50.650,61, a título de valores em dívida decorrentes da “validade” (vigência) do Contrato, acrescidos dos respetivos juros de mora calculados até 09.04.19, sob condição de procedência da “validade” (vigência) do contrato.
Acrescido, em qualquer dos casos, do crédito de,
c) € 16.530,11, a título de valores em dívida decorrente da reparação do veículo, acrescido dos respetivos juros de mora calculados até 09.04.19;
Juntou cópia dos articulados da ação referida.
A Sra. Administradora Judicial Provisória pronunciou-se entendendo dever a reclamação apresentada pelo credor BBG proceder.
A devedora não respondeu.
A credora impugna o reconhecimento da parcela do crédito que reclamou de € 16.530,11 como sujeito a condição, mas, como se constata da pg. 10 da lista provisória apresentada pela AJP, tal parcela foi reconhecida sem subordinação a qualquer condição, pela que nesta parte nada há a apreciar.
No mais a razão da impugnação é meridianamente evidente: havendo dois pedidos contrapostos, em ação e reconvenção, a probabilidade de procedência de ambos existe.
A AJP (e agora o tribunal) neste cenário têm duas hipóteses: ou se analisam de mérito os argumentos esgrimidos na ação pendente e se decide qual dos dois tem mais probabilidades, reconhecendo um, sem qualquer condição, e não reconhecendo o outro, o que não se mostra consentâneo, nem com a natureza da apreciação a fazer nesta sede de PER, em que apenas se decidem efeitos políticos (de voto) dos créditos, nem com o total desconhecimento dos pressupostos de facto da discussão que se trava na ação pendente; ou se reconhecem os dois créditos sob a respetiva condição – de procedência da ação e de procedência da reconvenção, tal como a credora pede, e se fazem refletir na atribuição de votos relativos à condição as perspetivas de razoabilidade, nesta estrita perspetiva.
É a segunda opção que tomamos, considerando que a impugnação apresenta perspetivas razoáveis de procedência na totalidade, devendo ambos os créditos ser reconhecidos sob condição.
Face ao facto de o veículo objeto da locação já ter sido entregue (afirmado pela credora, pela AJP e patente do facto de já terem sido suportadas despesas com a respetiva reparação), entende-se adequado atribuir à parcela de € 36.815,58 votos correspondentes a 100% do crédito e à parcela de € 50 650,61 nenhum voto.
Assim, a credora BBG vota com um crédito de € 53 345,69.
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A devedora impugnou a lista provisória de créditos quanto aos créditos relacionados a vários credores.
Em primeiro lugar impugnou o crédito reconhecido a Caixa B, SA, impugnando integralmente o crédito de € 446.619,04;
Alegou, em síntese, terem os créditos sido reclamados com base num contrato de factoring celebrado entre a credora e FS, Lda, que lhe foi notificado, não o tendo, porém, sido qualquer fatura vencida e não paga, que assim sendo desconhece e cuja cessão não produz, em relação a si qualquer efeito.
Não juntou qualquer documento e arrolou testemunhas.
- Caixa B, SA respondeu pedindo o reconhecimento do valor de € 647.845,60 e no mais pedindo a improcedência da impugnação;
Alegou, em síntese, que por lapso não considerou uma nota de crédito entretanto emitida, no valor de € 115.000,00, e que a devedora, dadas as faturas vencidas para cujo pagamento foi interpelada, é devedora, a título de capital, de € 331.619,04, a que acrescem € 316.226,56, de juros vencidos até ao momento, num total de € 647.845,60, valor que reclama como crédito comum.
A devedora foi notificada da celebração do contrato de factoring e foi notificada para efetuar todos os pagamentos à Caixa B, tendo sido interpelada para o pagamento da quantia de € 331.619,04, por carta registada com aviso de receção. Reclamou o crédito no anterior PER e ali foi reconhecido, incluindo outros créditos entretanto pagos.
Arrolou testemunhas e juntou cópia da reclamação de créditos e dos documentos juntos, incluindo notificação do contrato de factoring, autos de medição e faturas, notificação do montante em dívida com listagem de faturas, avisos de receção assinados pela devedora, nota de crédito no valor de € 115.000,00, cópia da reclamação de créditos apresentada no anterior PER e lista provisória do anterior PER.
Entrando na apreciação sumária que nos propomos fazer, antes de mais há que referir que a credora não impugnou a lista provisória, na qual lhe foi reconhecido um crédito de € 446.619,04. A resposta à impugnação não é o meio próprio de impugnação da lista provisória, pelo que a pretensão deduzida de reconhecimento de um crédito no valor de € 647.845,60, não pode sequer ser apreciada. Se a credora entendia ser credora de montante superior, deveria tê-lo reclamado em tempo ou, no mínimo, deveria ter impugnado a lista provisória[33]. Assim, nota-se desde já que do conhecimento sumário que aqui fazemos com vista à atribuição de votos nunca serão atribuídos votos superiores a € € 446.619,04.
Ao montante de capital reclamado há que deduzir a nota de crédito de € 115.000,00 quantia assumida pela credora como indevidamente reclamada.
A impugnação deduzida pela devedora, totalmente fundada na alegação de que não foi notificada de cada um dos créditos cedidos mostra-se infirmada pelos documentos juntos. Foi notificada do contrato de factoring e de que todos os pagamentos passavam a ser efetuados à credora, pelo que, a partir daí, aceites os autos de medição e emitidas as faturas, que lhe foram identificadas, o pagamento era devido. A devedora não impugnou as prestações de serviços ou que os pagamentos eram devidos pelo que, sem mais, a impugnação não demonstra ter qualquer hipótese razoável de procedência.
Chegados aqui e verificando que a credora, na sua reclamação, não quantificou juros e reclamou capital indevido, cientes de que os juros, se tivessem sido reclamados, seriam superiores ao montante que nos limita, de € 494. 619,04, mantém-se este o valor como o do crédito e dos respetivos votos.
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A devedora impugnou o crédito reconhecido a CHI, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 76.865,21 para a quantia de € 54.750,86;
Alegou ter sido reclamado uma parcela de crédito de € 16.587,96 com base num auto de medição que não se encontra assinado e ainda a incorreção do cálculo dos juros reclamados.
Juntou cópia de extrato de conta extraído da sua contabilidade (e arrolou testemunhas).
CHI, Lda respondeu pedindo a improcedência da impugnação.
Alegou, em síntese, que os trabalhos e produtos constantes do auto de medição correspondentes a valor de € 16.587,96 foram efetivamente executados e fornecidos e que o auto de medição foi enviado à devedora e aceite por esta, apenas não tendo sido emitida a fatura dado que então a devedora foi sujeita a PER (anterior), onde aliás reclamou o seu crédito nos exatos termos em que o fez agora não tendo a devedora apresentado qualquer impugnação. Os juros estão corretamente contabilizados às taxas corretas, não sendo as taxas indicadas pela devedora as legalmente corretas.
Indicou testemunhas e requereu a tomada de declarações de parte do seu sócio gerente.
Apreciando:
Em relação às taxas de juro usadas para os cálculos, tem inteira razão a reclamante, remetendo-se aqui para as cópias da publicação no DR dos Avisos da Direção Geral do Tesouro e Finanças de fixação da taxa supletiva de juros moratórios nos termos do § 3.º do art. 102º do Código Comercial juntas pela credora TSE (infra).
Ambas, devedora e credora, são empresas na aceção do art. 230º do Código Comercial.
Nos termos do art. 102º do Código Comercial:
«Art.º 102.º
Obrigação de juros
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1 .º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil.
§ 3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais.»
A Portaria n.º 277/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 163, veio fixar a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, e revogou a Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, fixando-a na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou de julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais sem prejuízo da taxa aplicável às transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
Nos termos do respetivo art. 3º “O valor das taxas a que se refere o artigo anterior é divulgado no Diário da República, 2.ª série, por aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, até 15 de janeiro e 15 de julho de cada ano.”
Não tendo a devedora alegado a celebração de acordo com a credora para estabelecimento de taxa de juro diversa, aplicam-se as taxas de juro supletivas, verificando-se a correção dos cálculos apresentados pela credora.
Passando à questão do auto de medição, deve assinalar-se que a devedora não alegou que os serviços não tenham sido prestados ou que o preço não seja devido, apenas que o auto de medição não foi assinado. Como impugnante, pelo menos essa factualidade negativa deveria ter sido alegada e não foi.
Assim, não se mostra razoável a probabilidade de procedência da impugnação, votando a credora CHI com o crédito de € 76.865,21, que lhe foi reconhecido.
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A devedora impugnou o crédito reconhecido a TM, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 566.118,51 para a quantia de € 491.290,43;
Alegou ter procedido a uma dação em cumprimento para pagamento de parte de uma das faturas reclamadas e ainda a incorreção do cálculo dos juros.
Juntou cópia de escritura pública de dação em cumprimento (e arrolou testemunhas).
TM, Lda, respondeu, confirmando dever o crédito por si reclamado ser reduzido nos termos da impugnação.
No tocante a este crédito, sem necessidade de outra apreciação, dada a posição assumida pelo credor e os documentos juntos, a impugnação sempre procederia, pelo que o credor TM, Lda vota com € 491.290,43.
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A devedora veio impugnar o crédito reconhecido a TSE, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 125.559,24 para a quantia de € 120.578,19;
Alega a incorreção do cálculo de juros.
TSE, SA respondeu pugnando pela improcedência da impugnação.
Alegou, em síntese, que os cálculos da devedora são incorretos, dado que as taxas de juro que indicou são incorretas de acordo com a legislação em vigor. Especifica as taxas de juro aplicáveis e confirma a correção do cálculo efetuado.
Juntou cópia da reclamação de créditos e cópia da publicação no DR dos Avisos da Direção Geral do Tesouro e Finanças de fixação da taxa supletiva de juros moratórios nos termos do § 3.º do art. 102º do Código Comercial para o 1º semestre de 2013, 2º semestre de 2013, 1º semestre de 2014, 2º semestre de 2014, 1º semestre de 2015, 2º semestre de 2015, 1º semestre de 2016, 2º semestre de 2016, 1º semestre de 2017, 2º semestre de 2017, 1º semestre de 2018, 2º semestre de 2018 e 1º semestre de 2019, e arrolou testemunha.
Apreciando:
A única questão a apreciar sumariamente, quanto a este crédito, respeita às taxas de juro aplicadas para os juros moratórios.
Ambas, devedora e credora, são empresas na aceção do art. 230º do Código Comercial.
Nos termos do art. 102º do Código Comercial:
«Art.º 102.º
Obrigação de juros
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1 .º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.
§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil.
§ 3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais.
A Portaria n.º 277/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 163, veio fixar a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, e revogou a Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, fixando-a na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou de julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais sem prejuízo da taxa aplicável às transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio.
Nos termos do respetivo art. 3º “O valor das taxas a que se refere o artigo anterior é divulgado no Diário da República, 2.ª série, por aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, até 15 de janeiro e 15 de julho de cada ano.”
Não tendo a devedora alegado a celebração de acordo com a credora para estabelecimento de taxa de juro diversa, aplicam-se as taxas de juro supletivas, verificando-se a correção dos cálculos apresentados pela credora.
Assim na probabilidade séria de improcedência total da impugnação, a credora TSE vota com o crédito relacionado de € 125 559,24.
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Foi também impugnado pela devedora o crédito reconhecido a CC, Lda, pedindo aquela a redução do crédito relacionado de € 87.127,00 para a quantia de € 80.000,88;
Alega a prescrição, nos termos da al. d) do art. 310º do CC, dos juros reclamados desde a data do vencimento de parte das faturas até cinco anos antes da data de apresentação da reclamação de créditos (08/04/2014).
CC, Lda respondeu, pedindo o reconhecimento do crédito de € 80.000,88, tal como resulta da impugnação da devedora.
No tocante a este crédito, sem necessidade de outra apreciação, dada a posição assumida pelo credor, a razoabilidade da procedência da impugnação é bastante alta, pelo que o credor CC, Lda vota com € 80.000,88.
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A devedora impugnou o crédito reconhecido a SSA, SA, pedindo a eliminação do crédito de € 17.873,59; e impugnou também o reconhecimento na lista provisória do crédito reconhecido a JF, SA, pedindo a redução do crédito relacionado de € 139.616,02 para a quantia de € 136.245,26;
Alegou, em síntese, que a SSA foi integrada, por fusão por incorporação, na JF, a qual sucedeu àquela, tendo o crédito sido reclamado em duplicado, pela incorporada e pela incorporante, pelo que deve ser eliminado relativamente à SSA, já extinta.
No tocante ao crédito de JF, SA alega a prescrição, nos termos da al. d) do art. 310º do CC, dos juros reclamados desde a data do vencimento de parte das faturas até cinco anos antes da data de apresentação da reclamação de créditos (02/04/2014).
JF, SA respondeu a ambas as impugnações, reconhecendo haver duplicação de créditos e ter reclamado o crédito devido à SSA, SA, que incorporou por fusão e dever o crédito por si reclamado ser reduzido nos termos da impugnação.
No tocante a este crédito, sem necessidade de outra apreciação, dada a posição assumida pelo credor, a probabilidade de procedência da impugnação é total, pelo que o credor SSA, SA deixa de dispor de qualquer direito de voto e o credor JF, SA vota com € 136.245,26.
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Foi também impugnado pela devedora o crédito relacionado a VF, Lda, pedindo a redução do crédito relacionado de € 73.334,28 para a quantia de € 70.900,42;
Alega a prescrição, nos termos da al. d) do art. 310º do CC, dos juros reclamados desde a data do vencimento de parte das faturas até cinco anos antes da data de apresentação da reclamação de créditos (01/04/2014).
Não foi apresentada resposta, apesar de a oportunidade para a mesma ter sido conferida.
No tocante a este crédito, sem necessidade de outra apreciação, dada a posição assumida pelo credor, existe forte probabilidade de procedência da impugnação, pelo que o credor VF, Lda vota com € 70.900,42.
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A devedora impugnou parcialmente o crédito reconhecido a Banco C, SA, impugnando o valor de € 17.538,38, ou, caso assim se não entenda, pedindo o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
Alegou, em síntese, ter solicitado à reclamante a emissão de uma garantia bancária, neste momento reduzida a € 17.538,38, a qual, por ter sido emitida em 14/09/2012 para assegurar o bom e integral cumprimento das obrigações resultantes da adjudicação e uma empreitada, já se encontra prescrita por já ter decorrido o prazo de 5 anos previsto no art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2021, de 22/08.
Ainda que assim se não entenda, sempre será um crédito condicionado suspensivamente cujo valor para efeitos de votação, nos termos do disposto no art. 73º nº2 do CIRE, sempre deverá ser fixado em valor não superior a 3% do crédito reclamado, dado tratar-se de garantia prestada há 7 anos e as obras não apresentarem defeitos conhecidos ou reclamados.
Banco C, SA respondeu, pedindo o reconhecimento do crédito tal como reclamado.
Alegou que a garantia bancária em causa foi emitida em 14/09/2012, tendo sido reduzida pelo beneficiário em 18/03/2016 de um valor inicial de 44.696,93 para € 17.538,38. O respetivo cancelamento nunca foi comunicado e as comissões têm sido pagas. Assim, reclamou o crédito como condicional, não se vislumbrando qualquer razão para a redução a 3% do valor do crédito reclamado.
Juntou cópia da reclamação de créditos e dos documentos relativos à garantia questionada.
Apreciando, são duas as questões a decidir: se as garantias está vigente e é ainda possível o seu acionamento e, em caso de resposta positiva, a fixação do número de votos, nos termos do disposto no nº2 do art. 73º do CIRE.
Estabelecem os arts. 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 190/2012, que estabelece um regime excecional e temporário de libertação das cauções prestadas para garantia de execução de contratos de empreitadas de obras públicas:
Artigo 3.º
Liberação da caução
«1 - O dono da obra pode autorizar a liberação das cauções que tenham sido prestadas no âmbito dos contratos referidos no artigo anterior, decorrido um ano contado da data de receção provisória da obra.
2 - A liberação da caução é feita faseadamente, durante um período de cinco anos, contado da data da receção provisória da obra, nos termos seguintes:
a) No 1.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
b) No 2.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
c) No 3.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
d) No 4.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
e) No 5.º ano após receção provisória da obra, 10 % da caução total da obra.
3 - Para o cômputo do período previsto no número anterior, nas empreitadas celebradas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, são considerados os anos completos já decorridos desde a receção provisória da obra até àquela data, liberando-se a caução correspondente aos anos entretanto decorridos, sendo o restante liberado nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º
4 - Para efeitos do n.º 2, nas empreitadas celebradas ao abrigo do CCP, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e em que já tenha tido lugar a liberação parcial da caução, é considerado o montante já liberto, procedendo-se ao acerto necessário para respeitar as percentagens previstas relativas aos anos completos já decorridos.
5 - É condição de liberação da caução a inexistência de defeitos da obra da responsabilidade do empreiteiro, salvo se o dono da obra considerar que os defeitos denunciados, ainda não modificados ou corrigidos, são pouco relevantes e não justificam a não liberação da caução.
 Artigo 4.º
Procedimentos de liberação da caução
1 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o empreiteiro pode requerer a liberação da caução ao dono da obra, através de carta registada com aviso de receção, solicitando, para esse fim, a realização de uma vistoria a todos os trabalhos da empreitada.
2 - O dono da obra ordena a realização da vistoria, que tem lugar nos 30 dias subsequentes à receção do pedido, convocando para tal o empreiteiro, por meio de carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 5 dias da data prevista para a realização da vistoria.
3 - Se o empreiteiro não comparecer, a vistoria tem lugar na presença de duas testemunhas, que assinam o auto respetivo.
4 - A decisão de liberação da caução é comunicada ao empreiteiro, através de carta registada com aviso de receção ou correio eletrónico com recibo de leitura, no prazo de 30 dias contados da data da realização da vistoria.
5 - A liberação da caução considera-se autorizada se o dono da obra não ordenar a realização da vistoria no prazo previsto no n.º 2 ou não comunicar a sua decisão no prazo previsto no número anterior.
6 - Para efeitos de liberação efetiva da caução é suficiente a exibição pelo empreiteiro, perante a entidade emissora da mesma, da comunicação a que se refere o n.º 4 ou, no caso previsto no número anterior, de prova do requerimento referido no n.º 1 ou do auto de vistoria, sem prejuízo do direito de verificação da respetiva conformidade dos documentos.»
Em primeiro lugar, e como decorre do texto legal, a data determinante para a contagem, quer do prazo geral de cinco anos, quer dos prazos de redução, não é data da emissão da garantia, mas antes a data da receção provisória da obra.
Cabia à devedora, na sua veste de impugnante, arguindo a inexigibilidade das garantias prestadas a seu pedido, alegar o decurso do prazo, para o que deveria ter alegado, em relação a cada uma das garantias, a respetiva data de receção provisória.
Mas a própria credora indica que a garantia foi já reduzida e mesmo a respetiva data, o que indicia que a receção provisória da obra ocorreu e nos permite calcular, por aproximação, a data da mesma (embora não alegada pela devedora).
Como refere a credora, enquanto a caução – no caso prestada através de garantia bancária – não for liberada, mantém-se, pelo que a credora pode vir a ser chamada a honrá-la.
O procedimento para liberação da caução está previsto nos artigos transcritos do Decreto-Lei n.º 190/2012 e pode resumir-se o respetivo procedimento pela seguinte forma:
1ª hipótese (3º nº1 e art. 4º): - ou, decorrido um ano sobre a receção provisória da obra, o empreiteiro requer a liberação da caução, solicitando a vistoria a todos os trabalhos da empreitada, caso em que a caução é liberada se:
a) o dono da obra ordenar a vistoria nos 30 dias seguintes e tomar a decisão de liberação nos 30 dias seguintes à realização da vistoria, que é comunicada, dentro do mesmo prazo, ao empreiteiro;
b) o dono da obra não ordenar a vistoria no prazo de 30 dias;
c) se a vistoria se realizar mas a decisão não for comunicada ao empreiteiro no prazo de 30 dias contados da referida vistoria.
2ª hipótese (3º nº2 e nº5): decorridos que sejam cinco anos sobre a data da receção provisória desde que não existam defeitos da obra de responsabilidade do empreiteiro ou que não sejam considerados relevantes pelo dono da obra.
Não temos qualquer vislumbre ou alegação do procedimento de liberação correspondente à primeira hipótese. Passando à segunda hipótese, a redução da garantia indicia que a receção provisória da obra se deu até 18/03/2014 (os € 17.538,38 correspondem, grosseiramente, a 40% do valor inicial, ou seja, após as duas reduções de 30% correspondentes às alíneas a) e b) do nº2 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2012. No entanto, a alegação de que a obra “caucionada” não tem defeitos não se acha demonstrada nem apoiada pela declaração de qualquer dono de obra.
Assim, e como alega a credora, os créditos são de considerar exigíveis, não sendo provável a procedência da impugnação.
Passando à fixação da condição, quanto às garantias não reduzidas, ao abrigo do disposto 73º nº2 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-A nº3 do mesmo diploma, devem ser considerados os direitos de voto correspondentes à probabilidade de verificação da condição. Dado que a garantia já foi reduzida e sabemos, grosseiramente, a data de receção provisória da obra, tendo decorrido, pelo menos sete anos, fixam-se os direitos de voto em 10% dos créditos.
O credor Banco C vota, assim, com € 396.141,68 (394.387,85+1.753,83).
*
A devedora impugnou parcialmente o crédito reconhecido ao credor Caixa A, relativamente ao valor de € 494.750,06, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
Alegou, em síntese ter celebrado com a reclamante oito contratos de emissão de garantia bancária relativamente aos quais já decorreu o prazo de 5 anos previsto no art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2021, de 22/08, pelo que as garantias já se encontram prescritas.
Ainda que assim se não entenda, sempre será um crédito condicionado suspensivamente cujo valor, para efeitos de votação nos termos do disposto no art. 73º nº2 do CIRE, deverá ser fixado em valor não superior a 3% do crédito reclamado, dado tratarem-se de garantias prestada há 8 e 9 anos e as obras não apresentarem defeitos conhecidos ou reclamados.
Caixa A respondeu à impugnação, pedindo o reconhecimento do crédito tal como reclamado.
Alegou, em síntese, que em relação às garantias nº 034-43.010175-7 (€ 208.955,81) e nº 034-43.010183 (€ 128.356,88) não foram reclamadas sob condição, dados que estas duas, do elenco de Garantias bancárias indicadas pela ora Requerente foram acionadas pelas respetivas beneficiárias e honradas pela credora, que as pagou, como resulta dos documentos que juntou à reclamação e novamente junta com a resposta à impugnação.
As demais foram reclamadas sob condição e mantêm-se em vigor, dado que o respetivo cancelamento não foi comunicado à credora pela respetiva beneficiária.
Algumas das garantias já foram, efetivamente reduzidas, mas até à data nenhum cancelamento foi demonstrado nem a devedora demonstrou ter cumprido o disposto no art. 4º do Decreto-Lei n.º 190/2012. A alegação de que as obras não padecem de qualquer defeito carecem de sustentação fáctica.
Juntou cópia da reclamação de créditos e de documentos que comprovam o pagamento das referidas garantias, incluindo quitação dos respetivos beneficiários.
Apreciando:
Como se verifica das pags. 12 a 14 da lista provisória, a Sra. AJP reconheceu todas as garantias como créditos sob condição, exceto quanto às duas garantias identificadas pela credora como pagas, e cujos montantes foram reconhecidos como incondicionados.
Tendo as garantias sido honradas, os créditos são créditos atuais e vencidos, que devem ser reconhecidos como tal, exatamente como o fez a Sra. AJP.
No mais, e quanto ao montante total de € 235.284,51 subsistem duas questões: se as garantias estão vigentes e é ainda possível o seu acionamento e, em caso de resposta positiva, a fixação do número de votos, nos termos do disposto no nº2 do art. 73º do CIRE.
Estabelecem os arts. 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 190/2012, que estabelece um regime excecional e temporário de libertação das cauções prestadas para garantia de execução de contratos de empreitadas de obras públicas:
Artigo 3.º
Liberação da caução
«1 - O dono da obra pode autorizar a liberação das cauções que tenham sido prestadas no âmbito dos contratos referidos no artigo anterior, decorrido um ano contado da data de receção provisória da obra.
2 - A liberação da caução é feita faseadamente, durante um período de cinco anos, contado da data da receção provisória da obra, nos termos seguintes:
a) No 1.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
b) No 2.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
c) No 3.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
d) No 4.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
e) No 5.º ano após receção provisória da obra, 10 % da caução total da obra.
3 - Para o cômputo do período previsto no número anterior, nas empreitadas celebradas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, são considerados os anos completos já decorridos desde a receção provisória da obra até àquela data, liberando-se a caução correspondente aos anos entretanto decorridos, sendo o restante liberado nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º
4 - Para efeitos do n.º 2, nas empreitadas celebradas ao abrigo do CCP, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e em que já tenha tido lugar a liberação parcial da caução, é considerado o montante já liberto, procedendo-se ao acerto necessário para respeitar as percentagens previstas relativas aos anos completos já decorridos.
5 - É condição de liberação da caução a inexistência de defeitos da obra da responsabilidade do empreiteiro, salvo se o dono da obra considerar que os defeitos denunciados, ainda não modificados ou corrigidos, são pouco relevantes e não justificam a não liberação da caução.
 Artigo 4.º
Procedimentos de liberação da caução
1 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o empreiteiro pode requerer a liberação da caução ao dono da obra, através de carta registada com aviso de receção, solicitando, para esse fim, a realização de uma vistoria a todos os trabalhos da empreitada.
2 - O dono da obra ordena a realização da vistoria, que tem lugar nos 30 dias subsequentes à receção do pedido, convocando para tal o empreiteiro, por meio de carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 5 dias da data prevista para a realização da vistoria.
3 - Se o empreiteiro não comparecer, a vistoria tem lugar na presença de duas testemunhas, que assinam o auto respetivo.
4 - A decisão de liberação da caução é comunicada ao empreiteiro, através de carta registada com aviso de receção ou correio eletrónico com recibo de leitura, no prazo de 30 dias contados da data da realização da vistoria.
5 - A liberação da caução considera-se autorizada se o dono da obra não ordenar a realização da vistoria no prazo previsto no n.º 2 ou não comunicar a sua decisão no prazo previsto no número anterior.
6 - Para efeitos de liberação efetiva da caução é suficiente a exibição pelo empreiteiro, perante a entidade emissora da mesma, da comunicação a que se refere o n.º 4 ou, no caso previsto no número anterior, de prova do requerimento referido no n.º 1 ou do auto de vistoria, sem prejuízo do direito de verificação da respetiva conformidade dos documentos.»
Em primeiro lugar, e como decorre do texto legal, a data determinante para a contagem quer do prazo geral de cinco anos, quer dos prazos de redução, não é data da emissão da garantia, mas antes a data da receção provisória da obra.
Cabia à devedora, na sua veste de impugnante, arguindo a inexigibilidade das garantias prestadas a seu pedido, alegar o decurso do prazo, para o que deveria ter alegado, em relação a cada uma das garantias, a respetiva data de receção provisória.
Mas a própria credora indica que algumas das garantias foram já reduzidas, o que indicia que a receção provisória da obra ocorreu (embora a respetiva data não tenha sido alegada em concreto).
Como refere a credora, enquanto a caução – no caso prestada através de garantias bancárias – não for liberada, mantém-se, pelo que a credora pode vir a ser chamada a honrá-la.
O procedimento para liberação da caução está previsto nos artigos transcritos do Decreto-Lei n.º 190/2012 e pode resumir-se pela seguinte forma:
1ª hipótese (3º nº1 e art. 4º): - ou, decorrido um ano sobre a receção provisória da obra, o empreiteiro requer a liberação da caução, solicitando a vistoria a todos os trabalhos da empreitada, caso em que a caução é liberada se:
a) o dono da obra ordenar a vistoria nos 30 dias seguintes e tomar a decisão de liberação nos 30 dias seguintes à realização da vistoria, que é comunicada, dentro do mesmo prazo, ao empreiteiro;
b) o dono da obra não ordenar a vistoria no prazo de 30 dias;
c) se a vistoria se realizar mas a decisão não for comunicada ao empreiteiro no prazo de 30 dias contados da referida vistoria.
2ª hipótese (3º nº2 e nº5): decorridos que sejam cinco anos sobre a data da receção provisória desde que não existam defeitos da obra de responsabilidade do empreiteiro ou que não sejam considerados relevantes pelo dono da obra.
Não temos qualquer vislumbre ou alegação do procedimento de liberação correspondente à primeira hipótese. Temos, e passando à segunda hipótese, entre as garantias reclamadas, três que apresentam redução, mas nenhuma a € 00,00. Não sabemos, por outro lado, qual a data de receção provisória de cada uma das obras. Finalmente, a alegação de que as obras não têm defeitos não se acha demonstrada nem apoiada pela declaração de qualquer dono de obra.
Assim, e como alega a credora, os créditos são de considerar exigíveis, dada a improbabilidade de procedência da impugnação.
Passando à fixação da condição, quanto às garantias não reduzidas, ao abrigo do disposto 73º nº2 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-A nº3 do mesmo diploma, devem ser considerados os direitos de voto correspondentes à probabilidade de verificação da condição. Na ausência de elementos, terá que que considerar que as hipóteses de acionamento das garantias são, no mínimo, iguais às hipóteses de não acionamento, fixando-se os direitos de voto em 50%. Quanto às garantias já reduzidas, dado que não se sabendo a respetiva data, sabemos, pelo menos, que já ocorreu a receção provisória da obra e pelo menos um ano, fixam-se os direitos de voto em 25% dos créditos.
A credora Caixa A vota, assim, com € 1.075.038,77 (978.788,01+85.565,95/4+149718,56/2).
*
A devedora impugnou também a lista provisória relativamente a parte do crédito relacionado à credora Caixa C SA, impugnando parte do crédito relacionado, no valor de € 72.224,71, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%;
Alegou, em síntese ter celebrado com a reclamante quatro contratos de emissão de garantia bancária e que, em relação a três destes, já decorreu o prazo de 5 anos previsto no art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2021, de 22/08, pelo que já se encontram prescritas.
Ainda que assim se não entenda, sempre será um crédito condicionado suspensivamente cujo valor, para efeitos de votação nos termos do disposto no art. 73º nº2 do CIRE, deverá ser fixado em valor não superior a 3% do crédito reclamado, dado tratarem-se de garantias prestada há 6 anos e as obras não apresentarem defeitos conhecidos ou reclamados.
Quanto à outra garantia bancária reclamada não se encontra assinada nem lhe foi aposta qualquer data, sendo nula. Se assim não se entender, dado que terá sido emitida em setembro de 2010, está prescrita ou dever-se-á proceder à fixação de votos nos termos referidos para as demais garantias.
Caixa C SA veio responder, pedindo a correção de parte do crédito impugnado (€ 71.117,52) para crédito comum sob condição e € 1.107,19€ como crédito comum, no mais pedindo a improcedência da impugnação e pedindo a fixação do número de votos aos créditos sob condição.
Alega, em síntese, que por certo lapso da Sra. AJP não foram qualificados como condicionais créditos que assim qualificou, no valor de € 71.117,52. Não têm essa natureza créditos no valor de € 1.107,19, que se referem a comissões e juros de mora.
Quanto à alegada prescrição das garantias, não lhe foi comunicada a receção definitiva da obra nem a extinção da responsabilidade garantida, pelo que as garantias permanecem ativas.
O capital inicial garantido da garantia PT 00350930019324693 era de 23.269,01€ e foi reduzido para € 5.817,25 em 27/04/2017.
O capital inicial da garantia PT 00350930019325493 era de € 31.401,44 e foi reduzido para € 7.620,24 em 05/12/2018.
O dono da obra comunicou a existência de defeitos pelo que a condição para liberação das garantias não se verifica.
O mesmo se diga quanto às demais garantias.
Não aceita a fixação de 3% do crédito reclamado.
Juntou cópia da reclamação de créditos e documentos relativos às garantias bancárias e cópia de auto de vistoria para efeitos de liberação de caução quanto à garantia 00350930019324693, reportando defeitos e informando não se encontrarem reunidas as condições para o cancelamento da garantia, bem como oficio reportando não terem sido corrigidos os defeitos. Juntou também cópia da comunicação de redução da garantia nº PT 00350930019325493.
Juntou ainda cópia da garantia PT 00350930018996693, datada e assinada, que por lapso não havia junto com a reclamação de créditos.
Apreciando:
Começando pela garantia PT 00350930018996693, no valor de € 52.690,41, face ao documento junto pela credora, é evidente a probabilidade de improcedência da impugnação da devedora nesta parte.
Começaremos por referir que, contrariamente ao assinalado pela credora, a Sra. AJP qualificou os créditos reclamados com base em garantias como condicionais, como muito claramente resulta da leitura das pgs. 15 e 16 da lista provisória (“sob condição de pagamento ao beneficiário”).
A credora não impugnou a lista, pelo que a qualificação da parcela de € 1.107,19 como crédito comum não sujeito a condição, não é possível. A devedora não deduziu impugnação a essa parte e a credora também não, não valendo a resposta à impugnação como impugnação. Assim, estamos a discutir a qualificação como crédito sob condição de € 72.224,71.
São essencialmente duas as questões a decidir: se as garantias estão vigentes e é ainda possível o seu acionamento e, em caso de resposta positiva, a fixação do número de votos, nos termos do disposto no nº2 do art. 73º do CIRE.
Estabelecem os arts. 3º e 4º do Decreto-Lei n.º 190/2012, que estabelece um regime excecional e temporário de libertação das cauções prestadas para garantia de execução de contratos de empreitadas de obras públicas:
Artigo 3.º
Liberação da caução
«1 - O dono da obra pode autorizar a liberação das cauções que tenham sido prestadas no âmbito dos contratos referidos no artigo anterior, decorrido um ano contado da data de receção provisória da obra.
2 - A liberação da caução é feita faseadamente, durante um período de cinco anos, contado da data da receção provisória da obra, nos termos seguintes:
a) No 1.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
b) No 2.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
c) No 3.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
d) No 4.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
e) No 5.º ano após receção provisória da obra, 10 % da caução total da obra.
3 - Para o cômputo do período previsto no número anterior, nas empreitadas celebradas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, são considerados os anos completos já decorridos desde a receção provisória da obra até àquela data, liberando-se a caução correspondente aos anos entretanto decorridos, sendo o restante liberado nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º
4 - Para efeitos do n.º 2, nas empreitadas celebradas ao abrigo do CCP, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e em que já tenha tido lugar a liberação parcial da caução, é considerado o montante já liberto, procedendo-se ao acerto necessário para respeitar as percentagens previstas relativas aos anos completos já decorridos.
5 - É condição de liberação da caução a inexistência de defeitos da obra da responsabilidade do empreiteiro, salvo se o dono da obra considerar que os defeitos denunciados, ainda não modificados ou corrigidos, são pouco relevantes e não justificam a não liberação da caução.
 Artigo 4.º
Procedimentos de liberação da caução
1 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o empreiteiro pode requerer a liberação da caução ao dono da obra, através de carta registada com aviso de receção, solicitando, para esse fim, a realização de uma vistoria a todos os trabalhos da empreitada.
2 - O dono da obra ordena a realização da vistoria, que tem lugar nos 30 dias subsequentes à receção do pedido, convocando para tal o empreiteiro, por meio de carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 5 dias da data prevista para a realização da vistoria.
3 - Se o empreiteiro não comparecer, a vistoria tem lugar na presença de duas testemunhas, que assinam o auto respetivo.
4 - A decisão de liberação da caução é comunicada ao empreiteiro, através de carta registada com aviso de receção ou correio eletrónico com recibo de leitura, no prazo de 30 dias contados da data da realização da vistoria.
5 - A liberação da caução considera-se autorizada se o dono da obra não ordenar a realização da vistoria no prazo previsto no n.º 2 ou não comunicar a sua decisão no prazo previsto no número anterior.
6 - Para efeitos de liberação efetiva da caução é suficiente a exibição pelo empreiteiro, perante a entidade emissora da mesma, da comunicação a que se refere o n.º 4 ou, no caso previsto no número anterior, de prova do requerimento referido no n.º 1 ou do auto de vistoria, sem prejuízo do direito de verificação da respetiva conformidade dos documentos.»
Em primeiro lugar, e como decorre do texto legal, a data determinante para a contagem quer do prazo geral de cinco anos, quer dos prazos de redução, não é data da emissão da garantia, mas antes a data da receção provisória da obra.
Cabia à devedora, na sua veste de impugnante, arguindo a inexigibilidade das garantias prestadas a seu pedido, alegar o decurso do prazo, para o que deveria ter alegado, em relação a cada uma das garantias, a respetiva data de receção provisória.
Mas a própria credora indica que duas das garantias foram já reduzidas e informa a respetiva data, o que indicia que a receção provisória da obra ocorreu e nos permite calcular por aproximação a data da mesma (embora não alegada pela devedora).
Como refere a credora, enquanto a caução – no caso prestada através de garantias bancárias – não for liberada, mantém-se, pelo que a credora pode vir a ser chamada a honrá-la.
O procedimento para liberação da caução está previsto nos artigos transcritos do Decreto-Lei n.º 190/2012 e pode resumir-se pela seguinte forma:
1ª hipótese (3º nº1 e art. 4º): - ou, decorrido um ano sobre a receção provisória da obra, o empreiteiro requer a liberação da caução, solicitando a vistoria a todos os trabalhos da empreitada, caso em que a caução é liberada se:
a) o dono da obra ordenar a vistoria nos 30 dias seguintes e tomar a decisão de liberação nos 30 dias seguintes à realização da vistoria, que é comunicada, dentro do mesmo prazo, ao empreiteiro;
b) o dono da obra não ordenar a vistoria no prazo de 30 dias;
c) se a vistoria se realizar, mas a decisão não for comunicada ao empreiteiro no prazo de 30 dias contados da referida vistoria.
2ª hipótese (3º nº2 e nº5): decorridos que sejam cinco anos sobre a data da receção provisória desde que não existam defeitos da obra de responsabilidade do empreiteiro ou que não sejam considerados relevantes pelo dono da obra.
Quanto à garantia 00350930019324693 foi seguido o procedimento do art. 4º. A credora juntou o auto de vistoria que reporta a não libertação dada a existência de defeitos.
Quanto às demais garantias não temos qualquer vislumbre ou alegação do procedimento de liberação correspondente à primeira hipótese. Passando à segunda hipótese, quanto à garantia 00350930019325493 a redução da garantia indicia que a receção provisória da obra se deu até 05/12/2005 (os € 7.620,24 correspondem, grosseiramente, a 25% do valor inicial, ou seja, após as duas reduções de 30% e uma de 15% correspondentes às alíneas a), b) e c) do nº2 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2012. No entanto, a alegação de que a obra “caucionada” não tem defeitos não se acha demonstrada nem apoiada pela declaração de qualquer dono de obra.
No tocante às demais garantias não temos qualquer redução documentada e não temos qualquer apoio para a alegação de inexistência de defeitos.
Assim, e como alega a credora, dada a probabilidade de improcedência da impugnação deduzida pela devedora, os créditos são de considerar exigíveis.
Passando à fixação da condição, quanto às garantias não reduzidas, ao abrigo do disposto 73º nº2 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-A nº3 do mesmo diploma, devem ser considerados os direitos de voto correspondentes à probabilidade de verificação da condição que são equivalentes quanto às possibilidades de serem exigidas ou não. Deve, assim, ser fixada uma percentagem de voto correspondente a 50%.
Quanto às garantias reduzidas, temos duas situações diferentes. Numa temos documentada a existência de defeitos e não só, resultando que esses defeitos não foram reparados pela devedora em prazo fixado para o efeito, pelo que a probabilidade de acionamento é alta e justifica uma percentagem de 75%. A outra garantia, dado que já foi reduzida e sabemos, grosseiramente, a data de receção provisória da obra, tendo decorrido, pelo menos quinze anos, fixam-se os direitos de voto em 10% dos créditos.
O credor Caixa C vota, assim, com € 104.648,12 (70.130,34+34.517,78).
*
A devedora impugnou os créditos reconhecidos aos seguintes ex-trabalhadores, AC, CG, CM, ES, EM, FN, FB, GR, GT, JG,  JO, JS, JA, JR, JV, JP, JM, JB, JR, MR, MF, MS, NM, NG e PG, impugnando o reconhecimento do montante global de € 189.993,10, por terem sido pagos pelo Fundo de Garantia Salarial;
Alega, em síntese, que os referidos trabalhadores receberam do Fundo de Garantia Salarial os valores assim discriminados:
(…)
ES, FB, JA, JP, JB, MR e MF responderam alegando ser falso terem recebido qualquer quantia do Fundo de Garantia Salarial, apesar de terem apresentado os requerimentos para o efeito.
JM veio responder, informando ter reclamado junto do Fundo de Garantia Salarial mas nada ter recebido.
JO informou não ter recebido qualquer quantia do Fundo de Garantia Salarial.
CG declarou por sua honra não ter recebido qualquer pagamento relativo ao crédito reclamado.
CG, CM, FN, JS, JR, MS e NM vieram responder, alegando nada terem recebido do Fundo de Garantia Salarial.
AC, GT e JV, responderam nos mesmos termos.
EM, informou ter, entretanto, recebido do Fundo de Garantia Salarial € 3.137,10, devendo constar o valor de € 1.465,51 como crédito a receber.
O Fundo de Garantia Salarial, ao qual foi solicitada informação, informou ter pago a três trabalhadores no âmbito do anterior PER apresentado pela devedora e terem requerido, no âmbito do presente PER pagamento sete trabalhadores, cujos pedidos ainda não haviam sido analisados à data da informação.
JR veio responder, alegando nada ter requerido ao Fundo de Garantia Salarial.
A devedora, notificada para o efeito, veio requerer a redução dos créditos das duas trabalhadoras que o FGS identificou como tendo pago (EM e SR).
Apreciando:
Face à informação prestada pelo Fundo de Garantia Salarial, é manifesta probabilidade de improcedência da impugnação deduzida pela devedora quanto a todos os trabalhadores, exceto parcialmente no tocante a EM.
EM havia recebido do Fundo de Garantia Salarial, relativamente ao crédito reclamado no anterior PER da devedora € 3.137,10, que aqui veio reclamar novamente e que, notificada, reconheceu que não deveria ter reclamado.
Quanto à credora SF, a devedora não impugnou o crédito reconhecido a esta credora, em tempo e nos termos do art. 17º-D do CIRE, pelo que a pretensão deduzida na resposta a notificação do tribunal para se pronunciar quanto à informação prestada pelo Fundo de Garantia Salarial, não pode e não irá ser apreciada como tal.
Assim, todas as impugnações deduzidas pela devedora quanto aos créditos reconhecidos aos trabalhadores são, com toda a probabilidade, improcedentes, sendo os direitos de voto correspondentes aos créditos reconhecidos, à exceção da impugnação quanto à credora EM, que vota com € 1.465,74.
*
A devedora impugnou a lista provisória relativamente ao crédito reconhecido a NG, SA, impugnando um crédito superior ao reclamado e relacionado e pedindo o não reconhecimento de € 1.023.620,26, ou, caso assim se não entenda, o respetivo reconhecimento como condicional, com fixação de percentagem de voto não superior a 3%.
Alega que as garantias se encontram prescritas e que, ainda que assim se não entenda, sempre serão créditos sob condição, as quais não devem ser conferidos votos em percentagem superior a 3% do crédito reclamado.
NG, SA, respondeu à impugnação, alegando que o valor globalmente reclamado de € 180.164,84 que respeita apenas a garantias tempestivamente acionadas e pagas deve ser reconhecido e pedindo seja atribuída percentagem de voto aos demais créditos relacionados sob condição.
Alegou, em síntese:
- que procedeu ao pagamento da garantia 2010.12456 em 02/12/2013, no valor de € 8.928,50, conforme documentos que juntou à reclamação;
- que as garantias 2012.01212, 2012.08221, 2013.01407 e 2013.04636, foram emitidas ao abrigo da Lei da Contratação Pública e prescrevem no prazo de cinco anos, mas esse prazo só se aplica ao prazo de acionamento da garantia/libertação da caução nos termos dos artigos 295.º e 295.º do DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro ou artigo 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 190/2012. Os valores foram acionados e pagos aos beneficiários, sendo o prazo de prescrição aplicável ao crédito (de € 121.607,33), o prazo geral de prescrição;
- quanto a 11 das garantias que prestou e que identifica, o prazo de acionamento já decorreu, de facto, não tendo sido reclamadas;
- quanto às garantias 2012.03827 e 2013.01385, as mesmas não se encontram extintas dado que a devedora só pode alegar a prescrição do acionamento caso o beneficiário não o faça nos cinco anos posteriores à data da receção provisória da obra, o que não é o caso;
- a devedora obrigou-se a pagar comissões de garantias ao ano que são independentes das mesmas, sendo devidos € 27.416,92 e juros de mora e imposto de selo no valor global de € 50.715,60.
Apreciando, começaremos por referir que a Sra. AJP, na lista provisória, reconheceu à credora NG o crédito global de € 178.324,45 (cfr. pg. 58 da lista provisória) e não € 180.164,84. A Norgarante não impugnou, ela própria, a lista, pelo que nunca poderá ser fixado valor superior.
Aliás, a soma dos valores indicados na impugnação pela credora importa a € 199.739,85, a não a € 180.164,84.
A devedora impugnou, como se referiu, um valor muito superior – ou é o que resulta da sua impugnação, dado que não primou pela clareza. Dado que a impugnação deduzida foi no sentido da exclusão do crédito, também por via da apreciação desta nunca se poderá chegar a direitos de voto superiores ao reconhecido pela AJP, ou seja € 178.324,45.
A AJP qualificou os créditos como garantidos e, sem condição, reconheceu € 130.535,83 que especificou tratarem-se das garantias 2010.12456 e 2011.CM.00066.
Nem a devedora, na sua impugnação, nem a credora na respetiva resposta, ignorando totalmente o carater hibrido do processo, juntaram documentos, sequer cópia dos juntos com a reclamação de créditos (dirigido à AJP e não ao processo).
No entanto, o alegado pela credora – que se tratam de comissões – bate certo com o carater não condicionado atribuído pela Sra. AJP, pelo menos quanto ao montante de € 27.416,92.
A partir daqui, sem documentos (por opção expressa e, obviamente, consciente, quer da devedora quer da credora[34]), nenhum dos montantes bate certo, pelo que não sabemos, rigorosamente mais nada que não que se tratam de garantias, no que concordam devedora e credora. O que também podemos retirar dos elementos da impugnação e resposta é que foram enumeradas várias garantias não reclamadas.
Assim, todo o restante crédito excedente a € 27.416,92 será tratado como garantia – não paga, dado que não temos qualquer documento que o comprove e o ónus respetivo cabia à credora.
Prescreve o art. 3º do Decreto-Lei n.º 190/2012 de 22/08, que estabelece um regime excecional e temporário de libertação das cauções prestadas para garantia de execução de contratos de empreitadas de obras públicas:
«1 - O dono da obra pode autorizar a liberação das cauções que tenham sido prestadas no âmbito dos contratos referidos no artigo anterior, decorrido um ano contado da data de receção provisória da obra.
2 - A liberação da caução é feita faseadamente, durante um período de cinco anos, contado da data da receção provisória da obra, nos termos seguintes:
a) No 1.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
b) No 2.º ano após receção provisória da obra, 30 % da caução total da obra;
c) No 3.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
d) No 4.º ano após receção provisória da obra, 15 % da caução total da obra;
e) No 5.º ano após receção provisória da obra, 10 % da caução total da obra.
3 - Para o cômputo do período previsto no número anterior, nas empreitadas celebradas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, são considerados os anos completos já decorridos desde a receção provisória da obra até àquela data, liberando-se a caução correspondente aos anos entretanto decorridos, sendo o restante liberado nos termos do número anterior, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º
4 - Para efeitos do n.º 2, nas empreitadas celebradas ao abrigo do CCP, cujo prazo de garantia esteja em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei e em que já tenha tido lugar a liberação parcial da caução, é considerado o montante já liberto, procedendo-se ao acerto necessário para respeitar as percentagens previstas relativas aos anos completos já decorridos.
5 - É condição de liberação da caução a inexistência de defeitos da obra da responsabilidade do empreiteiro, salvo se o dono da obra considerar que os defeitos denunciados, ainda não modificados ou corrigidos, são pouco relevantes e não justificam a não liberação da caução.»
Como decorre do texto legal, a data determinante para a contagem quer do prazo geral de cinco anos, quer dos prazos de redução, não é data da emissão da garantia, mas antes a data da receção provisória da obra.
Cabia à devedora, na sua veste de impugnante, arguindo a inexigibilidade das garantias prestadas a seu pedido, alegar o decurso do prazo, para o que deveria ter alegado, em relação a cada uma das garantias, a respetiva data de receção provisória. Não o tendo feito, os créditos devem considerar-se exigíveis.
Resta, pois, atribuir ao restante crédito que pode ser considerado (178.324,45-27.416,92=150.907,53) ao abrigo do disposto 73º nº2 do CIRE, aplicável ex vi art. 17º-A nº3 do mesmo diploma, os direitos de voto correspondentes à probabilidade de verificação da condição. Na ausência de elementos, terá que que considerar que as hipóteses de acionamento das garantias são, no mínimo, iguais às hipóteses de não acionamento, fixando-se os direitos de voto em 50%.
O credor dispõe, assim, de direitos de voto correspondentes a € 102.870,68 (150.907,53/2+27.416,92).
*
Em resumo final das alterações – apenas quanto aos votantes e recordando que os efeitos desta fixação de direitos de voto também se fazem sentir sobre os demais créditos impugnados não votantes, para efeitos de determinação do quórum – é o seguinte o quadro de direitos de voto exercidos e a considerar para efeitos de computo das maiorias:

credorcrédito reconhecidocondicionalnaturezaDireitos de votosentido de voto
ACC, Lda € 40.841,49nãocomum€ 40.841,49favorável
Banco B, SA€ 997,41nãocomum€ 997,41contra
Banco C, SA€ 411.926,23€ 17.538,38garantido€ 396.141,68contra
Banco S, SA€ 13.812,19nãocomum€ 13.812,19contra
BBG€ 53.345,69€ 36.815,58comum€ 53.345,69contra
Caixa A€ 1.214.072,52€ 235.284,51garantido€ 1.075.038,77contra
Caixa B, SA€ 142.355,05€ 5.099,06comum€ 104.648,12contra
Caixa C, SA€ 446.619,04nãocomum€ 446.619,04contra
CB, Lda€ 4.232,18nãocomum€ 4.232,18contra
CHI, Lda€ 76.865,21nãocomum€ 76.865,21contra
CR, Lda€ 18.617,80nãocomum€ 18.617,80favorável
CC, Lda€ 87.127,00nãocomum€ 80.000,88contra
ESE, Lda€ 120.765,38nãocomum€ 120.765,38favorável
Fazenda Pública€ 200.132,68nãocomum€ 200.132,68contra
G II, Lda€ 22.267,03nãocomum€ 22.267,03contra
GL, Lda€ 178.020,21nãocomum€ 178.020,21favorável
GR€ 22.086,95nãoprivilegiado€ 22.086,95contra
IAC II, SA€ 1.285,06nãocomum€ 1.285,06favorável
IAC, Lda€ 818.822,12nãocomum€ 818.822,12favorável
JF, SA€ 139.616,02nãocomum€ 136.245,26contra
João Carlos da Silva Gonçalves€ 2.838,80nãoprivilegiado€ 2.838,80favorável
NG, SA€ 178.324,45€ 47.788,62garantido€ 102.870,68Abstenção expressa
N ACE€ 2.039,63nãocomum€ 2.039,63favorável
NG€ 2.796,80nãoprivilegiado€ 2.796,80favorável
PG€ 2.719,53nãoprivilegiado€ 2.719,53favorável
TM, Lda€ 566.118,51nãocomum€ 491.290,43contra
TU, Lda€ 4.108.258,65nãocomum€ 4.108.258,65favorável
VE, Lda€ 7.380,00nãocomum€ 7.380,00favorável

*
4.2.2. Apuramento do resultado da votação
Atento o regime legal aplicável existem duas hipóteses alternativas de aprovação do plano de recuperação.
Embora aparentemente na hipótese prevista na alínea b) o quórum de aprovação seja mais elevado, cumprindo o desígnio de facilitar a aprovação de planos de recuperação que presidiu à sua introdução na lei[35] “A verdade é que nos casos em que participem espontaneamente na votação todos os credores ou, pelo menos, participem credores que representem mais do que um terço dos créditos relacionados, a aprovação do plano fica facilitada: são suficientes os votos favoráveis de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados em vez dos dois terços que exige a alínea a).”[36]
Nos autos foi junta uma ata, em agosto de 2019, atestando a aprovação do plano.
A função da ata é atestar a receção e abertura de votos e a consignação do resultado, nos termos do nº6 do art. 17º-F do CIRE.
Porém, consideramos que a consignação desse resultado não dispensa o juiz de verificar, mediante a consulta dos elementos pertinentes – ou seja, a conjugação da lista de créditos com os votos expressos – se o resultado declarado corresponde aos votos emitidos e aos direitos de voto correspondentes.
Até porque, neste caso, como vimos, ficaram por resolver várias questões relativas à atribuição de direito de voto que só agora, de forma sumária, nos termos supra foram conhecidas.
Assim, conjugando a lista de credores tal como ficou organizada após a decisão de atribuição de votos a créditos impugnados e fixação de votos a créditos condicionais com os votos emitidos e juntos aos autos temos a considerar que:
- o total de créditos com direito de voto correspondeu a € 11.730.039,82;
- votaram (a favor, contra e abstendo-se expressamente) credores representando € 8.530.979,67;
- descontando a (única) abstenção expressa, significa que o total de votos emitidos, não se considerando as abstenções é de € 8.428.108,99;
Votaram, assim, mais de um terço dos créditos relacionados com direito de voto (votaram credores representando mais de € 3.910.013,27);
Votaram a favor credores representando créditos no valor de € 5.304.385,47, nenhum dos quais correspondente a créditos subordinados.
Votaram contra credores representando créditos no valor de € 3.123.723,52.
Assim, e para os efeitos da alínea a) do nº5 do art. 17º-F, o plano não logrou aprovação por os votos favoráveis não terem completado a maioria de dois terços dos votos emitidos, descontando as abstenções. Os votos favoráveis ficaram abaixo de € 5.618.739,32 (dois terços de € 8.428.108,99).
Para os efeitos da alínea b) do nº5 do art. 17º-F verificamos que metade dos créditos com direito de voto corresponde a € 5.865.019,91 (metade de € 11.730.039,82).
Tendo sido expressos votos a favor correspondentes a € 5.304.385,47, significa que o plano foi favoravelmente votado por credores representando menos de metade dos créditos relacionados com direito de voto (mais exatamente por 45,22%).
O que significa que o plano de recuperação apresentado pela devedora não está aprovado, nem nos termos da al. a), nem nos termos da al. b) do nº5 do art. 17º-F do CIRE, devendo o despacho recorrido ser substituído por despacho que declare a não aprovação do plano, assim se suprindo a nulidade constatada em 4.1.1.
*
Em resumo final, procede a apelação, dado que a decisão recorrida padece de nulidade, sendo que, em suprimento da mesma, este tribunal apreciou as questões julgadas prejudicadas e declara o plano de recuperação apresentado pela devedora não aprovado.
*
Não são devidas custas na presente instância recursiva, da responsabilidade da recorrente, que do recurso tirou proveito, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [37].
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em, julgando parcialmente procedente a apelação:
a) Declarar a nulidade da sentença recorrida que recusou a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora DFR, Lda;
b) Declarar não aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora DFR, Lda.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.
*
Lisboa, 11 de janeiro de 2022
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[2] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 4ª edição, Almedina, 2019, pg. 736.
[5] Em Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, maio de 2020, pgs. 18 e ss.
[6] Rui Pinto, local citado na nota anterior.
[7] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371.
[8] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 738.
[9] Rui Pinto, local citado, pg. 26.
[10] Novamente Rui Pinto, local citado, pg. 27 e ss.
[11] Rui Pinto, local citado, pg. 23.
[12] Idem, pg. 27.
[13] Rui Pinto, local citado, pg. 30.
[14] Em O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, março de 2014, pg. 134.
[15] Na doutrina ver, entre outros Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, local citado, pg. 137, e, na jurisprudência, entre muitos outros os Acs. TRL de 23/01/2017 (Maria José Mouro), TRC de 01/04/2014 (Henrique Antunes), TRG de 12/02/2015 (Manso Rainho) e TRE de 22/10/2015 (Francisco Matos), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[16] No sentido da aplicabilidade do art. 212º nº2, al. a) do CIRE ao PER depois da entrada em vigor do DL 26/2015 de 06/02 pronunciaram-se Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 425 a 426), e, na jurisprudência, entre outros, os Acs. TRC de 16/02/16, 21/04/15 e 21/04/15 e 07/06/16, TRP de 24/10/16 e de 06/04/17, TRL de 6/12/16 e de 15/12/16 e TRE de 06/10/16.
[17] Defendendo, e citando a aqui signatária que também já o defendia, a aplicação do nº2 do art. 73º ao PER e a oficiosidade da atribuição de votos a créditos reclamados sob condição Catarina Serra em O processo especial de revitalização na jurisprudência, Almedina, 2016, pg. 84, e na jurisprudência, entre outros, o Ac. TRL de 26/05/2020 (Amélia Rebelo).
[18] Disponível, como todos os demais sem indicação de proveniência, em www.dgsi.pt.
[19] Cuja correção ainda não estamos a analisar.
[20] Em Processo Especial de Revitalização, Notas práticas e jurisprudência recente, Porto Editora, 2014, pg. 18.
[21] Local citado, pg. 409.
[22] Cfr. entre outros, Catarina Serra em O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, Almedina, 2016, pgs. 67 e ss., Lições…, pgs. 406 e ss., Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis em PER…, pgs. 78 e 79, bem como a aqui relatora em Processo Especial…, pgs. 43 a 46.
[23] Local citado, pg. 407.
[24] O preceito estabelece «Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano que: a) (….); b) (…).»
[25] Em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pgs. 168 e 169.
[26] Local citado, pgs. 61 e 62.
[27] Lições…, pg. 424.
[28] Per…, pg. 133, embora defendendo a necessidade de requerimento, ou seja o carater não oficioso da atribuição de votos.
[29] O 73º nº4 do CIRE pressupõe a presença física dos credores numa assembleia presidida pelo juiz.
[30] Que se tem por mais correta, mas que aqui não importa detalhar ou explicitar, dado que estamos a trabalhar em hipóteses.
[31] Local citado, pgs. 156 e 157.
[32] Em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 333.
[33] Temos verdadeiras dúvidas quanto à admissibilidade de uma impugnação nestes termos, mas como se trata de uma situação hipotética, não emitimos opinião definitiva, dado que não se mostra necessário.
[34] Ambas se encontram representadas por advogado, ambas conhecem o texto da lei que prescreve ao juiz um prazo de cinco dias para decidir, que não se compadece com notificações para pedir documentos ao AJP, ambas conhecem o carater hibrido do processo e sabem que as reclamações não são dirigidas ao processo e não figuram neste.
[35] Pode ler-se na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 26/2015 “O Governo entende, por isso, ser necessário implementar um conjunto de medidas que promovam um contexto alinhado com as melhores práticas internacionais, mais favorável à aprovação de planos de recuperação de empresas, ao financiamento de longo prazo da atividade produtiva e à emissão de instrumentos híbridos de capitalização que facilitem a entrada de investidores que aportem capital e competências adicionais. Estas medidas são concretizadas pelo presente decreto-lei através da introdução de alterações aos regimes do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - SIREVE e do Processo Especial de Revitalização - PER, e aos regimes de emissão de obrigações e ações preferenciais do Código das Sociedades Comerciais.”
[36] Catarina Serra, local citado, pg. 425.
[37] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.