Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
572/08.1TBBNV.L1-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
FORMA DO CONTRATO
RESOLUÇÃO
LEI APLICÁVEL
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Nas acções intentadas após o início de vigência da NRAU é, em princípio, aplicável o novo regime do arrendamento urbano, ainda que os factos em discussão tenham ocorrido no domínio da lei antiga. O que importa é que esses factos subsistam e que possam produzir o efeito pretendido na vigência da nova lei. Se os factos ocorreram no domínio da lei antiga e aí produziram já plenos efeitos, é-lhes aplicável a lei então vigente.
II - Relativamente ao arrendamento para habitação, consta do artigo 30.º NRAU que as rendas a que se refere o presente capítulo podem ser actualizadas até ao limite de uma renda determinada nos termos previstos no artigo seguinte. A renda actualizada tem como limite máximo o valor anual correspondente a 4% do valor do locado, conforme art. 31.º NRAU.
III - Contudo, a actualização da renda depende da iniciativa do senhorio e tem de ser comunicada ao arrendatário o montante da renda futura que não pode exceder o limite fixado no artigo 31.º (artigo 34.º NLAU), além de que essa actualização tem de obedecer aos requisitos e trâmites ali previstos, nomeadamente tem de existir uma avaliação do locado nos termos do CIMI e o nível de conservação do prédio não pode ser inferior a 3 (art. 30º e segs. NRAU).
IV - O artigo 1069.º do Código Civil exige que o contrato de arrendamento urbano para habitação, seja celebrado por escrito, já que apenas não estão sujeitos à forma escrita os contratos de arrendamento para habitação não permanente ou para fim especial transitório com prazo inicial igual ou inferior a 6 meses e os contratos de arrendamento para fim não habitacional com prazo inicial igual ou inferior a seis meses.
V - Existe uma forma legal para disposições contratuais relativas à actualização de rendas, que é a forma escrita, aplicando-se os critérios do n.º2 do artigo 1077.º do Código Civil. A declaração negocial que careça da forma legal é nula quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (artigo 220.º do Código Civil).
VI - A forma escrita do contrato de arrendamento tem natureza ad substatiam e não ad probationem (artigo 364.º, n.º1 do Código Civil), uma vez que não pode ser suprida por outra forma de prova, como a confissão.
( Da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO
A intentou contra B e esposa, C , todos com os sinais dos autos, acção de despejo, sob a forma de processo sumária, pedindo:
A) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento habitacional celebrado entre o autor e os réus, fazendo-se a sua entrega;
B) a condenação dos réus a pagar as rendas vencidas e juros moratórios vencidos, tudo no valor de € 1.063,36 e rendas e juros de mora vincendos;
Alegou para o efeito que é dono e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua …., n.º1 e que, por contrato escrito de 01.08.1980 foi cedido o gozo do 1.º andar direito aos réus para a sua habitação, tendo os réus deixado de pagar a renda relativa ao mês de Outubro de 2007, no montante de €150, apesar de devidamente interpelados.
Citados, os réus apresentaram contestação, tendo excepcionado a ilegitimidade da ré mulher e impugnado a matéria relativa ao valor da renda e da falta de pagamento da mesma.
O autor veio responder à contestação apresentada.
Realizou-se audiência preliminar, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação. Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade da ré C (fls. 84), seleccionando-se a matéria de facto assente e a que se mostrava controvertida.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção, improcedente, por não provada, e em consequência absolveu os réus B e C dos pedidos formulados por A.
Recorre a A. da sentença tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1 - A sentença em recurso considerou improcedente o pedido de condenação dos R.R. no pagamento das rendas demandadas na p.i. pelo valor de 150 € mensais, vencidas e vincendas, e considerou que as declarações negociais para a alteração do montante da renda do contrato, em termos meramente verbais, são nulas por falta de forma.
2 - O Tribunal a quo entendeu que a declaração negocial das partes no sentido de procederem à alteração do valor da renda, com ausência de forma escrita, é nula.
3 - O art. 1077º nº 1 não se aplica ao presente caso, pois que, aquilo que ali é dito tem apenas aplicação aos contratos celebrados à luz da lei nova, o NRAU.
4 - Quando este preceito refere a palavra “escrito”, não se está a referir a um acordo por escrito de uma alteração à renda relativa a um contrato que seja anterior à entrada em vigor daquele artigo.
5 - Refere-se sim à exigência de forma escrita quanto à questão do futuro aumento das rendas extravagante ao previsto no nº 2 do mesmo artigo, e seu regime. São assim coisas distintas.
6 - Assim a conclusão a que se deve chegar é outra, ou seja, a da não obrigação de forma escrita.
7 - Ora atendendo a este período contratual de 6 meses, face ao disposto no NRAU - art. 1069º - os contratos celebrados não têm forma escrita obrigatória.
8 - Pelo que aplicando-se o presente regime ao contrato em apreço, nunca se poderá afirmar que um acordo de actualização de renda, referente a um contrato de 1980, celebrado por 6 meses, tem obrigatoriamente de ter a forma escrita.
9 - Consequentemente não tem aqui aplicação o disposto no art. 220º do C.C. Pois que no caso em apreço não há obrigatoriedade de forma escrita.
10 - Assim, e havendo encontro de vontades, não tem de se cumprir os formalismos do art. 35º do NRAU: Avaliação nos termos do CIMI; Nível de Conservação não inferior a 3.
11 - O acordo celebrado entre as partes em que foi fixada a renda mensal de 150 € mensais tem fundamento e aceitação legal, mesmo que o enquadramento legislativo fosse o constante da douta sentença.
12 - Temos assim que houve uma conversa inicial entre A. e R., propondo aquele a este que fosse aumentada a renda para 150,00 € mensais. E que este teria solicitado que tal lhe fosse transmitido por escrito. O que aconteceu pela carta datada de 13/2/2007.
13 - Houve assim uma declaração de vontade do A., por escrito e recepcionada pelo R..
14 - Tiveram assim as declarações negociais, de ambas as partes, expressão escrita.
15 - Entre a carta que está datada de 13/02/2007 e o início de pagamento da nova renda pelo R. em Abril de 2007 decorreram mais de dois meses e meio, tempo mais que suficiente para o R. se informar do que havia de novo quanto a aumentos extraordinários de rendas
16 - Ao ter feito o pagamento da nova renda pelo período de 6 meses, efectuando-o repetidamente durante estes 6 meses traduz uma actuação do R. de que aceitou a validade do aumento acordado.
17 - E mais, convenceu o A. de que a sua aceitação era total. Pois que se assim não fosse não se teria repetido o pagamento por 6 vezes.
18 - Daí que ao invocar agora a anulabilidade do aumento, o R. está a venire contra factum proprium. Estando assim os R.R. a incorrer em abuso de direito.
19 - Foi assim violado os art.s 220º, 221º, 1069º e 1077º todos do C.Civil, pelo que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, condenando-se os R.R. ao pagamento das rendas demandadas na p.i. pelo valor de 150 € mensais, vencidas e vincendas; e considerar que as declarações negociais para a alteração do montante da renda do contrato, nos termos em que o foram, não são nulas por falta de forma.
Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), pelo que fundamentalmente importa decidir se o autor tem direito de obter a resolução do contrato de arrendamento, o que pressupõe a resposta à questão da regular fixação da renda a pagar.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.º A, na qualidade de senhorio, e B, na qualidade de inquilino, assinaram um documento, datado de 1 de Agosto de 1980, intitulado Arrendamento, em que declaram ajustar entre si o arrendamento do 1.º andar direito do prédio Rua …., freguesia de ..., (…) concelho de Benavente de que o primeiro é senhor e possuidor, sob as seguintes condições:
1.º Que este arrendamento é pelo prazo de seis meses que principia no dia 1 do mês de Agosto de 1980 e finda no último dia do mês de Janeiro de 1981, supondo-se sucessivamente renovado por igual período e condições nos termos do artigo 1095.º do Código Civil. (facto assente A);
2.º Ficou ainda a constar que 2.º A renda será da quantia de Escudos 6.500$00 – Seis mil e quinhentos escudos por cada mês, devendo ser paga nesta cidade em casa do senhorio ou de quem o representar no primeiro dia do mês anterior àquele a que respeita.
(…) 5.º A parte arrendada é destinada à habitação (…) (facto assente B);
3.º O réu B e a ré C casaram um com o outro no dia 04-06-2001 (facto assente C);
4.º O autor enviou ao réu, que recebeu, uma carta, datada de 13 de Fevereiro de 2007, com os seguintes dizeres: Venho por este meio comunicar-lhe depois da nossa conversa, que além do aumento da renda anual que foi efectuada, existe uma nova lei que é permitido um aumento extraordinário das rendas de casa ao abrigo dessa lei, para evitar que todo o processo de burocracia, venho oferecer-lhe um acordo amigável de um aumento de renda para 150.00 euros, para que assim seja evitada uma avaliação, que estou convencido que o aumento seria superior à minha proposta, agradecia que me desse uma resposta à minha carta, assim como consentimento para ver a casa em que o senhor é inquilino. (facto assente D);
5.º O advogado do réu, remeteu ao autor uma carta, datada de 12 de Outubro de 2007, que este recebeu, com os seguintes dizeres: Sou à V/ presença na qualidade de advogado do Sr. B o qual me pediu que lhe restituísse o documento que segue em anexo, que é um aditamento ao contrato de arrendamento celebrado em 6 de Agosto de 1980, o que ele se recusa a assinar. O meu cliente só, induzido em erro por V. Ex.ª (porque alegadamente a tal se encontraria obrigado pela entrada em vigor da Nova Lei do Arrendamento) lhe liquidou durante 5 meses uma renda de €150, razão pela qual lhe liquidou a mais a quantia global de €344,50 (trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) correspondente a um excesso de renda paga no valor de €68,90 (€150,00 - €81,10) sobre o valor mensal da renda de €81,10. Pelo exposto serve a presente para interpelar V. Ex.ª ao pagamento da supra mencionada quantia que lhe foi indevidamente paga pelo meu cliente, para o que lhe concedo um prazo de 8 dias para o fazer (facto assente E);
6.º O autor entregou ao réu, assinado por si, um documento denominado Aditamento ao contrato de arrendamento urbano celebrado em 6 de Agosto de 1980, a folhas 42 dos autos, e que se dá por inteiramente reproduzido (facto assente F);
7.º O réu pagou ao autor, a título de renda dos meses de Abril a Setembro de 2007, o montante de 150,00 euros (facto assente G);
8.º No dia 8 de Outubro de 2007, o réu dirigiu-se a casa do autor a fim de efectuar o pagamento do montante de 81,10 euros, a título de renda, o que o autor recusou (facto assente H);
9.º O réu depositou na Caixa Geral de Depósitos a partir de Outubro de 2007, com referência à renda do mês de Novembro e seguintes, rendas no montante de 81,10 euros mensais (facto assente I);
10.º O réu, com referência aos meses de Março e Abril de 2007, liquidou em Fevereiro e Março do mesmo ano, por conta da renda devida pela ocupação do locado, a importância de 81,10 euros (facto assente J);
11.º O réu efectuou, na Caixa Geral de Depósitos, o depósito da quantia de €1.296,00 euros, a título de diferença entre o montante de €150 e €81,10, acrescidos de €75 de indemnização (facto assente L);
12.º O réu concordou pagar ao autor, a partir de Maio de 2007, a renda de 150 euros (resposta restritiva ao quesito 1.º);
13.º Em Outubro de 2007, mês em que se vencia a renda relativa ao mês de Novembro de 2007, os réus deixaram de pagar a renda referida em 11.º (resposta ao quesito 2.º);
14.º Até Janeiro de 2007, o réu pagava ao autor uma renda de €81,10 (resposta ao quesito 3.º);
15.º No mês de Janeiro de 2007, o autor procurou o réu dando-lhe conta de que havia entrado em vigor a Nova Lei do Arrendamento pela qual podia proceder a um aumento extraordinário da renda. (resposta ao quesito 4.º);
16.º Pelo que lhe propôs o pagamento de uma renda actualizada no valor de €150,00 (resposta ao quesito 5.º);
17.º Incutindo-lhe a ideia de que, por aplicação da nova lei de arrendamento, o aumento seria maior (resposta ao quesito 6.º);
18.º O réu, convencido pelo autor de que a aplicação da nova lei do arrendamento iria pagar uma renda superior à proposta pelo autor aceitou pagar uma renda no valor de €150,00 referente aos meses de Abril a Setembro de 2007 (resposta ao quesito 7.º);
19.º O propósito do autor era convencer o réu que iria pagar uma renda superior em consequência da entrada em vigor da Lei n.º6/2006, de 27.01 e levá-lo a aceitar a renda de 150 euros (resposta ao quesito 8.º).

III _ FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Do art. 1077º, nº 1 do CCivil
O Recorrente defende que o art. 1077º nº 1 não se aplica ao presente caso, pois que, aquilo que ali é dito tem apenas aplicação aos contratos celebrados à luz da lei nova, o NRAU. Deste modo a actualização a que se refere o nº 1 deste preceito é aquela que as partes acordam no momento em que contratualizam e não qualquer outra. Quando este preceito refere a palavra “escrito”, não se está a referir a um acordo por escrito de uma alteração à renda relativa a um contrato que seja anterior à entrada em vigor daquele artigo, mas à exigência de forma escrita quanto à questão do futuro aumento das rendas extravagante ao previsto no nº 2 do mesmo artigo, e seu regime.
Assim, segundo o Recorrente, a conclusão a que se deve chegar é outra, ou seja, a da não obrigação de forma escrita.
1.1. Segundo o nº 1 do art. 1077º n.º do CCivil, as partes estipulam, por escrito, a possibilidade de actualização da renda e o respectivo regime.
Ora, ficou provado que A, na qualidade de senhorio, e B, na qualidade de inquilino, assinaram um documento, datado de 1 de Agosto de 1980, intitulado arrendamento, em que declararam ajustar entre si o arrendamento do 1.º andar direito do prédio sito em Rua das …., ..., freguesia de .... Mais declararam que o arrendamento era celebrado pelo prazo de seis meses, com início no dia 1 de Agosto de 1980 e termo no último dia do mês de Janeiro de 1981, supondo-se sucessivamente renovado por igual período e condições nos termos do artigo 1095.º do Código Civil.
Mais consta do mencionado contrato que a renda seria no montante de 6.500$00 mensais, a ser paga em casa do senhorio ou de quem o representar no primeiro dia do mês anterior àquele a que respeita, destinando-se o arrendamento a habitação do inquilino.
Sucede que em Janeiro de 2007, o autor procurou o réu dando-lhe conta de que havia entrado em vigor a Nova Lei do Arrendamento pela qual podia proceder a um aumento extraordinário da renda, propondo o pagamento de uma renda actualizada no valor de €150,00 e, no seguimento enviou-lhe carta, que, expressamente, refere: “ para evitar que todo o processo de burocracia, venho oferecer-lhe um acordo amigável de um aumento de renda para 150.00 euros”.
Portanto a questão que se coloca é de saber se tal aumento extraordinário de renda é válido, tendo em conta o momento de celebração do contrato e o regime introduzido pela Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro.
1.2. Da aplicação da lei no tempo
A fundamentação da sentença recorrida, que aqui se acolhe, é suficientemente convincente e esclarecedora na solução desta questão.
Com efeito, em 28 de Junho de 2006, entrou em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU (Lei n.º6/2006, de 27 de Fevereiro), que introduziu modificações em outros diplomas, nomeadamente o Código Civil.
Nos termos do artigo 59.º do NRAU e 12.º do Código Civil, aquela lei aplica-se imediatamente a todos os contratos, nomeadamente às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, abstraindo dos factos que lhes deram origem.
Assim, nas “acções intentadas após o início de vigência da NLAU, em princípio, é aplicável o novo regime do arrendamento urbano, ainda que os factos em discussão tenham ocorrido no domínio da lei antiga. O que importa é que esses factos subsistam e que possam produzir o efeito pretendido na vigência da nova lei. Se os factos ocorreram no domínio da lei antiga e aí produziram já plenos efeitos, é-lhes aplicável a lei então vigente”. [1]
Aliás, como faz notar a sentença recorrida, o Capítulo II do Título II da Lei n.º6/2006, de 27-02, diz respeito às normas transitórias relativas a contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n.º257/95, de 30 de Setembro. Assim, o artigo 27.º estabelece que as normas daquele capítulo se aplicam aos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º321-B/90, de 15 de Outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º257/95, de 30 de Setembro.
Relativamente ao arrendamento para habitação, consta do artigo 30.º NRAU que as rendas a que se refere o presente capítulo podem ser actualizadas até ao limite de uma renda determinada nos termos previstos no artigo seguinte. A renda actualizada tem como limite máximo o valor anual correspondente a 4% do valor do locado, conforme art. 31.º NRAU.
E o valor do locado é o produto do valor da avaliação, nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código de Imposto sobre Imóveis (CIMI), realizada há menos de 3 anos, multiplicado pelo coeficiente de conservação previsto no artigo seguinte. Se a avaliação fiscal tiver sido realizada mais de um antes da fixação da nova renda, o valor previsto no artigo anterior é actualizado de acordo com os coeficientes de actualização das rendas que tenham entretanto vigorado. O coeficiente de actualização está previsto no artigo 33.º da NRAU.
Contudo, como se escreve na sentença recorrida, “a actualização da renda depende da iniciativa do senhorio e tem de ser comunicada ao arrendatário o montante da renda futura que não pode exceder o limite fixado no artigo 31.º (artigo 34.º NLAU)”. Resulta, ainda, do teor dos artigos 30.º e ss. da NRAU que a actualização das rendas por iniciativa do senhorio tem de obedecer aos requisitos e trâmites ali previstos, nomeadamente tem de existir uma avaliação do locado nos termos do CIMI e o nível de conservação do prédio não pode ser inferior a 3.
1.3. Pois bem, no caso concreto, o senhorio optou por não proceder à avaliação de acordo com os mecanismos supra referidos, tendo, antes, proposto ao inquilino uma nova renda.
Afigura-se possível a actualização da renda pelos contraentes, fora do esquema do artigo 30.º e seguintes da NRAU, nada impedindo que as partes estipulem, por escrito, uma actualização da renda ao abrigo do artigo 1077.º, n.º1 do Código Civil. Claro que, senhorio e inquilino terão que acordar nesse sentido.
Assim, o regime legal transitório de actualização das rendas apenas será aplicável por iniciativa do senhorio, na falta de acordo das partes.
Sabe-se que até Janeiro de 2007, o inquilino pagava uma renda de 81,10 euros. Por carta datada de 13-02-2007, o senhorio propôs ao inquilino a actualização da renda para 150 euros mensais, à revelia do mecanismo previsto no artigo 30.º e ss. da NRAU, tendo, nessa sequência, o inquilino pagou passou a pagar as rendas dos meses de Abril a Setembro de 2007, no montante de 150 euros.
À primeira vista parece não restarem dúvidas de que o réu aceitou pagar ao autor, a partir de Maio de 2007, a renda de 150 euros, ou seja, senhorio e inquilino, teriam celebrado um acordo verbal, no sentido do aumento de renda para 150€ mensais.
2. Da validade do acordo verbal de aumento de renda
A sentença recorrida, considerando a existência deste acordo verbal, entendeu que o mesmo não era válido.
Ao invés o Recorrente defende a validade do acordo verbal, nos termos do art. 1069º do CCivil, que não exige forma escrita para os arrendamentos com período contratual até 6 meses, como é o caso, além de que, o senhorio, posteriormente, comunicou por escrito o valor da actualização.
Porém, sem razão.
2.1. Com efeito, a nova lei do arrendamento permite que o arrendamento para a habitação, pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada, (art. 1094.º do CCivil).
Da regulação jurídica dos dois tipos de contrato de arrendamento para habitação, permanente, depreende-se que o prazo dos mesmos será sempre superior a seis meses.
Na verdade, no contrato com prazo certo, o seu limite mínimo é de cinco anos, como decorre do disposto no art. 1095.º, n.º 2, do CCivil, enquanto no contrato de duração indeterminada, tal prazo é seu pressuposto, designadamente porque, para o senhorio denunciar sem justificação o contrato, carece de o fazer com uma antecedência não inferior a cinco anos sobre a data pretendida para a sua cessação (art. 1101.º, alínea c), do CCivil), sem prejuízo da confirmação referida no art. 1104.º do CCivil.
Deste modo, como os contratos de arrendamento para habitação permanente são sempre celebrados por mais de seis meses, estão os mesmos sujeitos à forma escrita, por exigência expressa do disposto no art. 1069.º do CCivil.
E, em caso de inobservância da forma legal prescrita, o contrato de arrendamento será nulo (art. 220.º do CCivil).
Face ao contexto legal descrito, e revertendo à situação concreta dos autos, é manifesto que, correspondendo o alegado contrato a um arrendamento para a habitação permanente, o prazo desse contrato sempre seria superior a seis meses, se celebrado na vigência da actual lei do arrendamento, pelo que forçosamente, sujeito a forma escrita, nos termos do art. 1069.º do CC.
É por isso que a sentença recorrida afirma que o artigo 1069.º do Código Civil exige que o contrato de arrendamento urbano para habitação, seja celebrado por escrito, já que apenas não estão sujeitos à forma escrita os contratos de arrendamento para habitação não permanente ou para fim especial transitório com prazo inicial igual ou inferior a 6 meses e os contratos de arrendamento para fim não habitacional com prazo inicial igual ou inferior a seis meses.
Assim, e tal como conclui a sentença recorrida, no caso concreto, atendendo ao contrato de arrendamento em causa, a alteração da renda teria de ser sempre feita por escrito, o que não aconteceu.
Por outro lado, o artigo 1077.º, n.º1, do Código Civil, que foi introduzido pelo artigo 3.º da Lei n.º6/2006, de 27-02, de aplicação imediata a todos os contratos de arrendamento, mesmo aos pretéritos, vem estabelecer que as partes podem estipular a actualização da renda ou o seu regime, desde que o façam por escrito.
Existe uma forma legal para disposições contratuais relativas à actualização de rendas, que é a forma escrita, aplicando-se os critérios do n.º2 do artigo 1077.º do Código Civil. A declaração negocial que careça da forma legal é nula quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei (artigo 220.º do Código Civil).
É, pois, lícita a conclusão que consta da sentença recorrida que considera que “a forma escrita do contrato de arrendamento tem natureza ad substatiam e não ad probationem (artigo 364.º, n.º1 do Código Civil), uma vez que não pode ser suprida por outra forma de prova, como a confissão.
(…)
No caso concreto, as partes não se limitaram a actualizar a renda com base em pressupostos ou coeficientes pré-determinados, mas acordam verbalmente uma nova renda, alterando a norma contratual relativamente à renda paga”.
Falecem as conclusões do recurso, na medida em que as declarações negociais para alteração do montante da renda do contrato em termos meramente verbais são nulas por falta de forma.
2.2. E nem a carta enviada pelo A. ao Réu, propondo aquele a este que fosse aumentada a renda para 150,00 € mensais, seguida pelo depósito das rendas dos meses de Abril a Setembro, sana o vício da falta de forma, na medida em que, de tal circunstancialismo não decorre a existência de um acordo por escrito para actualização da renda, não podendo concluir-se que foram produzidas declarações negociais, de ambas as partes, com expressão escrita.
O que ao lei exige é que a actualização de renda respeite a forma escrita e que desse documento resulte que essa actualização foi feita por acordo entre ambas as partes.
3. Do abuso de direito
Ao ter feito o pagamento da nova renda pelo período de 6 meses, efectuando-o repetidamente durante estes 6 meses traduz uma actuação do R. de que aceitou a validade do aumento acordado e convenceu o A. de que a sua aceitação era total, estando assim os R.R. a incorrer em abuso de direito.
3.1. Da matéria provada resultou que o inquilino, ao efectuar os depósitos em causa, actuou convencido pelo senhorio de que, com a entrada em vigor da nova lei do arrendamento, iria pagar uma renda superior a 150 euros, montante de renda proposto pelo senhorio.
Claro que, para a existência de erro relevante por parte, invocado na contestação, importava que ficasse demonstrado que existiu uma falsa representação da realidade, isto é, que a renda a pagar por força da actualização extraordinária prevista nos novos mecanismos do NRAU fosse efectivamente mais elevada do que a nova renda acordada. Só no caso de existir uma não coincidência entre o que foi dito e a realidade é que se pode falar de erro.
No caso concreto, não resulta dos autos que a renda actualizada por força dos artigos 30.º e ss. do NRAU fosse efectivamente inferior à renda que foi proposta, o que também não foi alegada. Na verdade, a actualização legal depende da avaliação fiscal do bem e a determinação do estado de conservação do imóvel através de vistoria para o efeito, o que não aconteceu.
Não basta que o inquilino tenha acordado na nova renda convencido de que a renda seria mais baixa, o dolo pressupõe a existência de um distorção entre o que foi dito e a realidade, o que não está provado.
Assim, não resultando provado a existência de uma falsa representação da realidade, não procedeu a invocação pelo inquilino do dolo na formação da sua vontade.
3.2. Mas isso não significa que o A. possa invocar a existência de abuso de direito por parte do Réu, quando, acreditando na sugestão ou artifício daquele, efectuou o depósito das rendas em causa.
Como é sabido, o abuso de direito – art. 334º do Código Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como refere Baptista Machado, o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”[2].
O conceito de boa fé constante do art. 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” [3].
Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se as condutas dos pretensos abusantes foram no sentido de criar, razoavelmente, uma expectativa factual, sólida, que poderia não conduzir à celebração do contrato definitivo, através da execução do contrato promessa..
Assim, uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.
Mas, não resulta da matéria assente que o Recorrido tenha de algum modo violado os princípios da boa fé e da confiança que o Recorrente alegadamente nele depositou, até porque foi este que induziu o comportamento do Réu fazendo-lhe crer que o A., face à nova legislação tinha direito ao aumento de renda extraordinário e que sempre seria superior ao proposto.
Pelo simples facto do Réu ter depois de esclarecido ter negado a continuação do pagamento da renda com a actualização pretendida pelo A., não se pode entender que houve abuso de direito.
Improcedem assim no todo as conclusões.

IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, assim se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo Autor/Apelante.

Lisboa, 1 de Março de 2012.

Fátima Galante
Manuel Aguiar Pereira
Gilberto Santos Jorge
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[1] Laurinda Gemas e outros, in Arrendamento Urbano – Novo regime anotado e legislação complementar, Quid Juris, 2007, p. 102.
[2] Baptista Machado (Obra Dispersa, I, 415 e ss.)
[3] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pags. 104-105. (5)- vide - Ac. STJ, de 15.5.2007, www.dgsi.pt) e Menezes Cordeiro - Da Boa Fé no Direito Civil,45,ROA, 58º, 1998, 964.