Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9983/2005-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
GERENTE
ADMINISTRADOR
DIRECTOR
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
DEVER DE INDEMNIZAR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I - A destituição dos gerentes, administradores e directores das sociedades pode ter lugar com justa causa ou sem justa causa.
II - A destituição sem justa causa, também designada por destituição “ad nutum”, enquanto manifestação do princípio da livre destituição do órgão de gestão, que o nosso direito consagra, verifica-se quando não ocorrer para o efeito motivo justificativo.
III - Por seu lado, a destituição com justa causa verificar-se-á quando ocorrer um motivo atendível, pelo qual não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.
III - A justa causa de destituição não tem, todavia, que traduzir-se num comportamento culposo do órgão de gestão, comportamento que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua manutenção em funções. A justa causa de destituição em apreço não pressupõe sequer a culpa daquele, ainda que esta também a possa determinar, bastando uma justificação objectiva e séria, ligada ao órgão de gestão ou à empresa.
IV - A destituição sem justa causa constitui sempre a sociedade no dever de indemnizar o membro do órgão de gestão destituído.
V – A destituição com justa causa não constitui a sociedade no dever de indemnizar, excepto nas hipóteses em que não haja culpa do órgão de gestão destituído, situações em que a sociedade se constitui igualmente no dever de indemnizar.
VI – Nos casos em que haja lugar a indemnização, para o seu cálculo haverá que ter em conta, em primeiro lugar, o convencionado no contrato se for a situação. Na sua falta, a indemnização deverá ser calculada nos termos gerais de direito, tendo por limite o valor das remunerações que o órgão de gestão destituído receberia até se perfazer o prazo por que foi designado.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a SOCIEDADE B, alegando, em síntese, que:
O Autor, que é de nacionalidade colombiana, no seu país de origem trabalhava por conta de um grupo de cervejeiras que adquiriu parte do capital social da SOCIEDADE C, com sede em Lisboa.
Em consequência dessa aquisição, a Administração daquele grupo de cervejeiras propôs ao Autor e este aceitou a sua transferência para Portugal, transferência que se concretizou em Maio de 1993.
Já instalado em Portugal, o Autor e a SOCIEDADE C, no dia 28 de Maio de 1993 celebraram um contrato que denominaram de contrato de prestação de serviços, mediante o qual o Autor se obrigou a prestar àquela, "dos serviços da competência do Conselho Executivo da Empresa, os que lhe solicitar, na área técnica", mediante o pagamento da retribuição anual de 8 092 000$00.
A Ré constituiu-se em sociedade comercial por quotas, tendo por objecto, exclusivamente, a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas.
Aquando da privatização da SOCIEDADE C, ficou vedado a residentes no estrangeiro fora do Espaço Comum Europeu, que cada um adquirisse mais de 30% do capital social desta sociedade.
Os proprietários do aludido grupo de cervejeiras pretendiam deter o controlo maioritário da SOCIEDADE C. Para tanto, adquiriram ou criaram várias holdings (SGPS) que, podendo deter cada uma até 20% do capital social da SOCIEDADE C, lhes permitia assim controlar esta sociedade. Uma das holdings adquiridas pelo citado grupo de cervejeiras foi a ora Ré que ficou detentora de cerca de 20% do capital social da SOCIEDADE C.
Por deliberação da sua Assembleia-geral de 26.06.98, a Ré nomeou dois membros para o seu Conselho de Administração, para o quadriénio de 1995-1998, um dos quais foi o ora Autor. Com essa nomeação, o Autor, sem mudar do local onde prestava os serviços e que pertencia à SOCIEDADE C, passou a administrador da Ré. Foi nessa qualidade de administrador e representante da Ré que o Autor continuou a exercer praticamente as mesmas funções que já exercia na SOCIEDADE C.
 Mas depois de designado administrador da Ré, esta ajustou com ele, Autor, pagar-lhe, directa e mensalmente, a remuneração decorrente das funções que ele continuou a exercer, desta feita, a coberto do cargo para que foi nomeado, pagando-lhe o equivalente a quinze meses de retribuição anual, pagamentos que passou a fazer-lhe desde Junho de 1998 em diante.
Por deliberação da Assembleia-geral de accionistas da Ré de 31 de Março de 1999, foi nomeado o seu Conselho de Administração para o quadriénio de 1999/2002, em cuja composição foi reconduzido o Autor.
Sucede que no princípio de Fevereiro de 2000, a Ré através do seu Administrador, informou o Autor de que citado grupo de cervejeiras, conjuntamente com outros accionistas pretendiam vender a SOCIEDADE C e as sociedades Holdings da mesma, mas que era condição do negócio ser concretizado que o Autor renunciasse ao cargo de Administrador e regressasse à Colômbia. Mas a Ré não informou o Autor em que condições ia regressar à Colômbia, nem que funções ia ali desempenhar, isto numa altura em que um dos filhos do Autor estava matriculado em Portugal a frequentar o ensino secundário.
Sem essa clarificação, o Autor recusou renunciar ao cargo, como lhe era proposto. No dia 10 de Março de 2000, o Autor foi chamado à presença de dois administradores da Ré os quais entregaram ao Autor uma carta na qual a Ré deu "por imediatamente terminadas as funções" que o Autor exercia no Conselho de Administração da sociedade Ré
O Autor considera-se assim prejudicado pela Ré, na sequência da revogação unilateral do mandato que lhe tinha sido conferido. Tal prejuízo decorre da perda das retribuições que o Autor auferiria como Administrador da Ré, se nela continuasse a exercer as funções para que foi contratado, até ao termo do prazo estabelecido para o efeito que decorreria até 31 de Março de 2003, bem como da perda de outras prestações complementares, algumas delas em espécie, que também lhe foram retiradas. Contabiliza o Autor esses prejuízos em 206 406 555$00, ou seja € 1 029 551,56.
Termina pedindo que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a supra referida quantia a título de indemnização pêlos prejuízos que lhe causou com a revogação unilateral do mandato, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Devidamente citada a Ré veio contestar, invocando a excepção da falta da causa de pedir e alegando que a destituição do Autor ocorreu com justa causa e portanto não é exigível qualquer indemnização.
De qualquer modo contesta ainda os valores pedidos a título de indemnização, por exagerados e termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção arguida pela ré e foi elaborada a especificação e a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a ré do pedido.
Inconformada com a decisão, quer quanto ao julgamento da excepção, quer ao conhecimento do mérito da causa, veio a R. interpor recursos para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
a) Quanto ao Agravo.
(…)
b) Quanto à Apelação:
(…)
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser proferido Acórdão que anule a Sentença proferida a fls. 564 a 578, ordenando a ampliação da Base Instrutória ao abrigo dos arts. 493º, n.º 3, 511º, n.º 1 e 712º, n.º 4 do C.P.C., incluindo-se na mesma os factos alegados nos arts. 7º, 8º, 9º, 10º, 13º, 14º, 15º, 16º, 26º, 27º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 39º, 40º, 47º, 50º, 53º, 70º, 71º e 75º da Contestação, na medida era que são integradores da excepção peremptória de justa causa de destituição do Autor ali invocada pela Ré, a qual não foi considerada pelo Digníssimo Tribunal a quo na selecção da matéria de facto relevante constante de fls. 164 a 167.
Caso assim não entenda, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, deverá ser proferido Acórdão que julgue integralmente procedente o presente recurso e, em consequência, absolva a Ré do pedido.
Se assim não o Julgar este Venerando Tribunal, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, deverá ser proferido Acórdão que:
1. Reduza para € 539.524,79 (€ 842.798,20 -€ 18.321,70 - € 284.951,71) o alegado prejuízo decorrente dos danos relativos às retribuições mensais perdidas, ao qual deverá ainda ser subtraído o valor das prestações complementares ou outras regalias que o Autor haja recebido da Empresa de Cervejas ... desde Junho de 2001, absolvendo a Ré do restante montante em cujo pagamento a esse título foi condenada;
2. Absolva a Ré do pagamento das restantes regalias relacionadas com utilização de viatura com motorista, seguro de saúde, viagens do Autor e família a Bogotá e regresso e atribuição de cartão de crédito, por ser inadmissível relegar a sua liquidação para execução de sentença, nos termos do art. 661º, n.º 2 do C.P.C..
A A. contra-alegou, em relação a ambos os recursos, pugnando pela manutenção das decisões recorridas.
Admitidos os recursos na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento dos mesmos, cumpre decidir.
As questões a resolver são as de saber
a) Quanto ao Agravo: Da falta de causa de pedir na acção.
b) Quanto à Apelação:
1. Da pretensa nulidade da sentença por necessidade de ampliação da base instrutória.
2. Do excesso da matéria provada em resposta aos quesitos.
3. Da existência (ou não) da justa causa de destituição do Apelado do cargo de administrador.
4. Da indemnização devida (ou não) ao Apelado.
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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
 (…)
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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
a) Quanto ao Agravo: da pretensa existência da falta de causa de pedir na acção.
(…)
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b) Quanto à Apelação:
1. Da pretensa nulidade da sentença por necessidade de ampliação da base instrutória.
(…)
2. Do excesso da matéria provada em resposta aos quesitos:
(…)
3. Da pretensa justa causa de destituição do Apelado do cargo de administrador:
Procura a Apelante mostrar na sua alegação que em face da matéria de facto que resultou provada existiu justa causa para destituir o Apelado do cargo de administrador. Isto porque, não só o aqui Recorrido tinha total conhecimento das práticas do Grupo (grupo de cervejeiras colombiano) neste tipo de situações, como, e no que respeita directamente ao caso em apreço, os termos e condições da respectiva venda eram conhecidos de todos os membros do Conselho de Administração da Ré, ora Recorrente, entre eles o Apelado. E, tendo este perfeita consciência da necessidade da sua renúncia ao cargo de Administrador no âmbito do processo em que se acordava a venda da Sociedade C e das sociedades "holdings" do grupo, entre as quais se encontrava a ora a Ré, o que se verifica é que, ainda assim, o mesmo se recusou a renunciar àquele cargo, facto que integra uma verdadeira justa causa de destituição do Apelado, por parte da Apelante, com dispensa da obrigação de o indemnizar.
Como se sabe a destituição dos gerentes, administradores e directores das sociedades, deliberada por iniciativa unilateral da sociedade ou dos sócios e independentemente da vontade daqueles, pode ter lugar, com, ou sem, justa causa.
A destituição sem justa causa, também designada por destituição “ad nutum”, enquanto manifestação do princípio da livre destituição dos gerentes, administradores e directores, que o nosso direito consagra, mostra-se aflorada nos arts. 257°, n.º 1, 403°, n.º 1 e 430°, n.° 3, todos do Código das Sociedades Comerciais. Por força deste princípio, em qualquer momento, podem, os sócios ou o conselho geral, deliberar a destituição de gerente, administrador ou director, conforme a situação, sem que tenham que invocar para o efeito qualquer motivo justificativo.
Por seu lado, a destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.
Mas a justa causa de destituição dos gerentes, administradores e directores não tem, necessariamente, que traduzir-se num comportamento culposo àqueles imputável e que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua manutenção em funções. A justa causa de destituição em apreço não pressupõe sequer a culpa do administrador, ainda que esta também a possa determinar. 
Na verdade, o Código das Sociedades Comerciais delineou, ainda que de forma imprecisa, os contornos do conceito de justa causa, ao enumerar, exemplificativamente, certas circunstâncias que a podem constituir. Assim, para os gerentes "constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções" (art. 257°, n.° 6 do CSC). E para os directores, "constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do director, a sua incapacidade para o exercício normal das suas funções e a retirada de confiança pela assembleia geral" (art. 430°, n.º 2). Por outro lado, o exercício, por conta própria ou alheia, sem o consentimento do órgão social competente, de actividade concorrente com a da sociedade constitui justa causa de destituição (arts. 254º, n.° 5 e 398°, n.° 4 do CSC).
Daquela enumeração exemplificativa retira-se que a justa causa há-de ser um facto ou situação que torne inexigível à sociedade o respeito pelo interesse da estabilidade do vínculo por parte do administrador. Há-de tratar-se de uma situação que torne praticamente impossível a subsistência do vínculo, independentemente de culpa do administrador.
Acresce que a destituição pondo termo à relação de administração e fazendo cessar todos os poderes e direitos do gerente, administrador e director, pode, todavia, originar a responsabilidade da sociedade para com o gerente, administrador ou director.
Assim, a destituição sem justa causa constitui sempre para a sociedade o dever de indemnizar o membro do órgão de gestão destituído. É o que resulta expressamente dos arts. 257°, n.º 7 e 430°, n.º 3, relativamente aos gerentes e aos directores, respectivamente. E o mesmo terá de suceder em relação aos administradores, porque embora o art. 403°, que disciplina a destituição dos administradores, não preveja qualquer indemnização, razões não há que possam impor uma solução diversa. Primeiro, porque os gerentes e os directores não são pessoas que exijam uma especial disciplina, neste aspecto, em relação aos administradores; depois porque os arts. 257º, n.° 7 e 430°, n.° 3, não são mais do que afloramentos de princípios gerais expressos nos arts. 987º, n.° 1 e 1156º do Código Civil e 245º do Código Comercial. Ainda porque não pode deixar de se dar garantia mínima adequada aos interesses dos administradores como contrapeso ao direito que assiste à sociedade de os destituir ad nutum.
Para o cálculo da indemnização para a destituição sem justa causa haverá que ter em conta, em primeiro lugar, a indemnização convencionada se for o caso.
Na sua falta, a indemnização deverá ser calculada nos termos gerais de direito, tendo por limite o valor das remunerações que receberia até se perfazer o prazo por que foi designado (arts. 257°, n.° 7 e 430°, n.º 3 do CSC). Como para os gerentes pode ser estabelecido um sistema de duração indefinida das funções, o legislador, para este caso e para este efeito, estabeleceu a presunção de que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos (cit. art. 257°, n° 7).
Quando se trata de destituição com justa causa não está prevista qualquer indemnização, nem se deve admitir que indemnização possa ser convencionada sempre que a justa causa consista em facto culposo imputável ao administrador. Na realidade, semelhante estipulação coarctaria inadmissivelmente o direito que a sociedade tem de ver excluído da gestão social aquele administrador que contribuiu com culpa para a verificação da justa causa de destituição.
Mas já não se vê que haja objecções a deduzir à estipulação de indemnização para as hipóteses de justa causa quando não haja culpa do administrador na sua verificação[1].
Isto até por força do que prevê a lei geral em relação ao contrato de mandato no art. 1172º do CC, aplicável ao contrato de administração (art. 987º/1 do CC), onde se prevê que a parte que revogar o contrato de mandato (ou administração) deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer, nomeadamente “se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente”.
Em comentário a este artigo dizem Pires de Lima e Antunes Varela que “a obrigação de indemnizar não supõe, em nenhum dos casos referidos neste artigo, a prática de um acto ilícito ou o não cumprimento de uma obrigação contratual…” E acrescentam “é mais um dos múltiplos casos em que com propriedade se pode falar, no nosso sistema jurídico, em responsabilidade fundada na prática de factos lícitos[2].
Ora, no caso vertente procura a Apelante demonstrar que a destituição do Apelado do cargo de administrador se verificou com justa causa pelo facto de este se ter recusado a renunciar àquele cargo. Sucede que nem dos factos que resultaram provados nem daqueles que a Apelante pretenderia ver agora quesitados e provados decorre que o Apelado tivesse qualquer obrigação de apresentar a renúncia que a Apelante desejaria que se tivesse verificado. Embora a Apelante chegue a invocar, timidamente, que o Apelado se recusou a apresentar a renúncia “como havia sido atempadamente acordado”, o certo é que nem sequer alegou em que termos é que tal foi acordado, parecendo antes pretender extrair um pretenso acordo à renúncia das circunstâncias em que o Apelado e outros administradores eram nomeados para os seus cargos na administração da Apelante, isto é, com carácter de tal modo precário que devessem renunciar ao cargo logo que lhes fosse dada indicação nesse sentido. Porém, tal não decorre dos factos.
Aliás na carta, através da qual foi operada a destituição do Apelado, junta de fls. 32 a 34, não se refere a Apelante a qualquer acordo existente no sentido de o Apelado dever renunciar ao cargo, mas antes “à necessidade da apresentação da respectiva renúncia ao cargo que tem vindo a exercer no Conselho de Administração”, de que o Apelado tinha conhecimento por ter acompanhado as negociações de venda da Sociedade (…).
O que conduz a concluir que o Apelado não estava obrigado a renunciar ao cargo de administrador e, deste modo, a Apelante ao destitui-lo com o fundamento de ele não ter apresentado a renúncia ao cargo de administrador, não operou uma destituição com justa causa, mas antes uma destituição “ad nutum”, o que confere direito ao Apelado a indemnização, como acima se viu.
É certo que a Apelante poderia eventualmente possuir justa causa para a destituição do Apelante do cargo de administrador, fundamentada, não no facto de o Apelado não ter apresentado a renúncia ao cargo, mas antes no interesse, real e objectivo, de venda da Sociedade C e das empresas “holdings” do grupo e de o cargo não poder subsistir. Mas então a justa causa já não estaria ligada a um comportamento culposo do Apelado, mas antes a um motivo relevante da empresa. Certo é que não foi esse o fundamento que a Apelante invocou na aludida carta (e aí é que teria de o fazer), pelo que não se pode considerar com justa causa a destituição do Apelado do cargo de administrador.
Saliente-se, no entanto, que também nesta última situação o Apelado teria direito a ser indemnização nos mesmos termos, como se deixou exposto.
E o facto de ter vindo através da presente acção peticionar a indemnização a que se arroga com direito não integra uma situação de abuso de direito, como alega a Apelante.
Nos termos do art. 334º do CC, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Verdadeira válvula de segurança do nosso sistema jurídico, o abuso do direito foi consagrado no Código de 1966 segundo a concepção objectiva, conforme salienta A. Varela ao escrever: "para que haja lugar ao abuso de direito, é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”.[3]
Existirá abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, do sentimento jurídico dominante, ainda que ajustado ao conteúdo formal do direito.
Ora, o pedido da indemnização reclamada pela Apelado na acção não se configura como um exercício anómalo do direito, reprovado por um elementar sentido de justiça e que vá contra os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Deste modo, nada obsta em termos de direito ao reconhecimento da indemnização devida ao Apelado e que, de seguida, se passa a determinar.
4. Da indemnização devida ao Apelado.
Considerou-se, e bem, na sentença sindicada que a indemnização a pagar pela Apelante ao Apelado deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido (art. 1172º do CC), determinado nos termos gerais de direito, isto é, em função do prejuízo (dano emergente e lucro cessante) que for efectivamente provado (art.s 562º a 564º e 798º do CC), incumbindo o ónus da prova ao administrador (art. 342º/1 do CC).
Deste modo, a indemnização a pagar ao Apelado há-de incluir, portanto, o montante equivalente a todas as quantias que o Autor iria receber pelo exercício do seu cargo, desde a data da destituição até Março de 2003, deduzido do valor das remunerações que o Autor passou a auferir no seu novo emprego. Esse o valor do prejuízo que foi sofrido pelo Autor.
As remunerações que o Apelado deveria ter auferido ao serviço da Apelante de Março de 2000 a Março de 2003, foram liquidadas, com base na retribuição que o Apelado auferia em Março de 2000, ajustada por acordo - que era de € 18 321,70, quinze meses por ano - nos valores de € 842 798,20, acrescidas de € 36 643,40 de férias e de subsídio de férias vencidas em 01.01.2003 e de € 13 741,27 de partes proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, ou seja, no total de € 893 182,87.  Saliente-se que este valor é ilíquido sobre ele devendo incidir os descontos legais, pois que foi calculado com base na retribuição ilíquida, como decorre do documento junto a fls. 35.
Os cálculos parecem correctamente efectuados, não apresentando as partes qualquer discordância dos mesmos, apenas a Apelante veio alegar que não ficou provado, sendo o ónus probatório do Apelado, que ao Apelado não tivesse sido paga a remuneração de € 18 321,70, respeitante ao mês de Março de 2000, pelo que tal importância sempre deveria ser deduzida da indemnização devida.
Porém, não lhe pode assistir razão, porque tendo o Apelado vindo reclamar o pagamento das remunerações a partir de Março de 2000 em virtude de ter sido destituído das suas funções no dia 10 desse mês, não era ao Apelado que competia provar que a Apelante não lhe pagara a remuneração desse mesmo mês, mas antes a esta é que cabia provar ter procedido a tal pagamento, enquanto facto impeditivo do direito alegado pelo primeiro (art. 432º/2 do CC). Como a Apelante não realizou tal prova teria de ser condenada no respectivo pagamento.
Para além do reconhecimento do direito do Apelado ao valor descrito, reconheceu-se ainda na sentença direito ao Apelado ao valor das regalias de que este usufruía, de  dispor de uma viatura, propriedade da Apelante, para seu uso exclusivo e da sua família, com motorista pago por aquela, de um contrato de seguro para cobertura das despesas de saúde do Autor, bem como da sua família, esposa e três filhos, de uma viagem anual de Lisboa a Bogotá, com regresso a Lisboa, em avião, classe executiva, para o Apelado e sua família e de um cartão de crédito, para pagamento de despesas de consumo pessoal e de representação, até ao montante de € 12 469,95, relegando-se, todavia, para execução de sentença a liquidação do valor destas regalias.
A Apelante, porém, vem colocar em crise este segmento da sentença, alegando ser inadmissível relegar a liquidação para execução de sentença, nos termos do art. 661º, n.º 2 do C.P.C..  Isto porque, a quantificação dos benefícios em questão não foi apurada pela simples razão de que o Autor não procedeu a essa quantificação, como era seu ónus, podendo fazê-lo, na medida em que os danos alegados já haviam sido produzidos aquando da entrada da presente acção em juízo e eram totalmente determináveis, o que implicaria a absolvição da Ré do pedido.
Ora, não parece que a Apelante tenha razão.
Diz o art. 661º, n.º 2 do CPC que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Na sua redacção primitiva estipulava o mesmo art. 661º (2ª parte) que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, a sentença condenará no que se liquidar em execução”.
Comentando este normativo afirmava Alberto dos Reis:
“O 2º  período do art. 661º prevê a hipótese de não haver elementos para se fixar o objecto ou a quantidade da condenação e prescreve que, em tal caso, a sentença condene no que se liquidar em execução.
Era o que se dispunha no art. 282.º do Código anterior.
O tribunal encontra-se perante esta situação: verificou que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse.  A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução da sentença”. E acrescentava que tal condenação “tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico ...  como ao caso de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação” [4].
O entendimento ensinado por A. dos Reis e sufragado ao longo dos anos pela jurisprudência, tem sido nos últimos anos objecto de uma interpretação restritiva por parte de certa corrente jurisprudencial, segundo a qual  o nº 2 do artigo 661º só permite remeter para execução de sentença por falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade quando esta falta de elementos resultar de ainda se não conhecerem, com exactidão, todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa e não como consequência do fracasso da prova, na acção declarativa. Isto porque não seria permitido dar ao autor nova oportunidade para o mesmo fim, uma nova ocasião para provar os mesmos factos que não logrou provar na acção declarativa, por a lei não permitir um segundo julgamento sobre uma questão de facto definitivamente já decidida.
Porém, esta corrente não parece ser a dominante, pois que em sentido oposto se têm pronunciado também vários arestos dos tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça. E esta corrente é que nos parece que faz a correcta interpretação da lei. Com efeito, a letra da lei é suficientemente clara, para não dizer cristalina, no sentido de facultar a condenação no que se liquidar em execução de sentença em todos os casos em que não haja elementos para fixar o objecto ou a quantidade.
A nosso ver a lei não comporta a interpretação restritiva que a corrente oposta faz, esgrimindo para tanto argumentos de natureza meramente formal, aparentemente válidos, mas que não podem prevalecer sobre os princípios que informam o processo, particularmente a partir da reforma de 1995/96, que convergem na ideia de se acautelar o efeito útil da acção, através da realização de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, pois que só desse modo se pode realizar uma sã administração da justiça.
Assim, quando o tribunal verificar a existência de um crédito, mas não possuir elementos factuais para determinar o seu montante exacto, quer o autor tenha pedido uma quantia certa ou formulado um pedido genérico, pode e deve relegar a fixação desse montante para execução de sentença. É que seria de uma clamorosa falta de justiça que se constatasse a existência do crédito e não se facultasse ao lesado a possibilidade de provar o seu valor em execução de sentença, ainda que já tenha usufruído dessa possibilidade no âmbito da acção declarativa, onde, por qualquer circunstância ou contingência, se tenha frustrado.
A não ser assim, a não se poder relegar para execução de sentença o apuramento do valor exacto dos danos, por a prova da acção declarativa não ter sido idónea para tanto e não se poder facultar ao lesado uma segunda oportunidade de o fazer, então o tribunal teria que os determinar por recurso à equidade como manda o n.º 3 do art. 566º do CC. Ora, não parece que se deva recorrer à equidade para fixar o valor dos danos se ainda não se mostram esgotados todos os mecanismos processuais para a sua correcta averiguação.
Acresce que quando se remete para a execução de sentença a liquidação do crédito não se está a facultar um segundo julgamento sobre a matéria de facto já decidida, porque o que apenas se verifica é que se remete para decisão posterior a pronúncia sobre uma questão de facto que se considerou não poder ser decidida na acção declarativa.
Diga-se por último que se mostra tão enraizada a prática de relegar para execução de sentença tudo o que não tenha sido liquidado na acção declarativa por falta de prova bastante, qualquer que seja o motivo que a determine, que não seria fácil, nem expedito, em cada caso aquilatar se o credor lesado teve, ou não, possibilidade de fazer a prova na acção declarativa, sabendo-se até que esta sempre carece de passar pelo crivo da livre apreciação do tribunal, que pode ser mais ou menos rigoroso na formação do seu convencimento. É que o próprio tribunal com uma pequena parcela de dúvida sobre o valor exacto do dano terá natural tendência a relegar para execução de sentença o seu correcto apuramento. O que significa que há vicissitudes na produção de prova, que à parte podem ser alheias e pelas quais não parece dever ser prejudicada. Por isso, será salutar manter um critério uniforme nesta matéria, não se caindo no subjectivismo da avaliação, caso a caso, no sentido de verificar se o credor teve, ou não, a possibilidade de produzir todas as provas no âmbito da acção de declaração.
Do que se conclui que no caso sub judice, tendo-se provado que o Apelado sofreu prejuízos determinados pela destituição das funções em que se encontrava investido,  para além dos decorrentes das remunerações a que tinha direito, mas não se tendo provado o valor de tais prejuízos, inteiramente se justificava a condenação na respectiva indemnização a liquidar em execução de sentença. Importa ainda acrescentar que, ao contrário do alegado pela Apelante, como se verifica da petição inicial o Apelado quantificou o valor dos prejuízos emergentes das sobreditas regalias, não logrando, todavia, foi realizar a prova do valor alegado, mas esta poderá ainda ser feita em execução de sentença, que por outras razões sempre terá de ter lugar, como a seguir se especificará.
Como acima se disse, ao valor da indemnização que o Apelado teria a receber da Apelante haverá que deduzir o valor das remunerações que o Apelado passou a auferir no sua nova ocupação profissional. Sobre o valor destas remunerações foi dado como provado que após Março de 2000, o Apelado passou a exercer funções de consultor para a Empresa de Cervejas … e mais tarde foi contratado por essa empresa como assessor do Conselho de gerência dessa empresa, tendo recebido a quantia de 4 000 000$00, durante o ano de 2000. Em 2001, aquela empresa pagou ao Autor 6 250 000$00, desde Janeiro a Maio. A partir de Junho de 2001, o Autor passou a receber o vencimento mensal de 1 663 594$00.
Quanto a estas remunerações, alega a Apelante que não pode deixar de impugnar a matéria dada como provada porque o Doc. n.º 4 junto com os documentos de fls. 260 a 272, nos quais se baseou o tribunal a quo para produzir a resposta, não é suficiente nem idóneo para permitir concluir que a partir de Junho de 2001 o Apelado passou a receber o vencimento mensal de Esc. 1.663.594$00, posto que se trata de um único recibo respeitante ao mês de Dezembro de 2001, que não contempla, designadamente, os subsídios de férias e de Natal. Sublinha ainda que o valor de Esc. 1.663.594$00 do recibo em referência é líquido de descontos, antes devendo ser considerada a quantia ilíquida de Esc. 2.130.804$00 nele indicada.
Também o Apelado, em face dos documentos em que se baseou a resposta, defende ter havido lapso na resposta e que deve considerar-se provado que o Apelado de Junho a Dezembro de 2001 auferiu de vencimento base mais compensação por isenção de horário de trabalho a quantia ilíquida mensal de Esc. 1.001.200$00, equivalente a € 4 993,96 e de Janeiro a Março a quantia ilíquida mensal de € 5 195,00.
Ora, antes de mais tem de se reconhecer que a resposta produzida pelo tribunal se mostra viciada, desde logo por dar por assentes valores nuns casos ilíquidos e no outro líquido, sem fazer a respectiva menção. Com efeito, quanto aos valores que as partes não contestam, ou seja, a quantia de 4 000 000$00, que o Apelado recebeu durante o ano de 2000 e a de 6 250 000$00 que recebeu desde Janeiro a Maio de 2001, estamos perante valores ilíquidos, pois que sobre a primeira incidiu o desconto de 800.000$00 (doc. de fls. 261) e sobre a segunda o desconto de 1.250.000$00 (doc. de fls. 262). Já a quantia de 1.663.594$00, que é retirada do doc. de fls. 270, é uma quantia que nesse documento é indicada como líquida a pagar ao Apelado. Por outro lado esta última quantia, conforme decorre do respectivo documento (recibo de remunerações) diz respeito não só ao vencimento base e retribuição por isenção de horário de trabalho do mês de Dezembro de 2001, como também a subsídio de férias, ajudas de custo e subsídio de alimentação, pelo que com base neste documento não podia ser dado como provado que o Apelado a partir de Junho de 2001 passou a receber o vencimento mensal de 1 663 594$00.
O que parece decorrer do documento em causa é que o Apelado em Dezembro de 2001 auferiu de vencimento base mais compensação por isenção de horário de trabalho a quantia ilíquida de Esc. 1.001.200$00, mas fica sem se saber se já auferia esta importância em Junho do mesmo ano e se a partir de Janeiro de 2002 aquela remuneração se manteve ou se foi aumentada como invoca o Apelado. Daí que o apuramento desta remuneração deve ser relegada para execução de sentença, impondo-se em consequência alterar o ponto 24 da matéria de facto para o seguinte:
Após Março de 2000, o Autor passou a exercer funções de consultor para a Empresa de Cervejas … e mais tarde foi contratado por essa empresa como assessor do Conselho de gerência dessa empresa, tendo recebido a quantia (ilíquida) de 4 000 000$00 durante o ano de 2000. Em 2001, aquela empresa pagou ao Autor 6 250 000$00 (ilíquidos) desde Janeiro a Maio. A partir de Junho de 2001, o Autor passou a receber vencimento mensal (ilíquido) não concretamente apurado.
Em execução de sentença o montante ilíquido que venha a ser apurado relativo a remunerações auferidas pelo Apelado ao serviço da Empresa de Cervejas …, será subtraído ao montante ilíquido acima mencionado de € 893 182,87, relativo a remunerações que o Apelado deveria auferir ao serviço da Apelante até Março de 2003, encontrando-se um valor ilíquido a pagar pela Apelante ao Apelado, valor sobre o qual incidirão os descontos legais. O valor líquido resultante será acrescido do outro valor líquido que venha a ser apurado, correspondente à liquidação do valor das regalias de que o Apelado usufruía ao serviço da Apelante e que também fica relegado para execução de sentença.
Por último importa referir que a Apelante alega que ao valor a que o Apelado tenha direito deve ser deduzido ainda o valor das regalias que aquele haja recebido da Empresa de Cervejas …, desde Junho de 2001, uma vez que da cópia do contrato de trabalho celebrado entre o Apelado e aquela empresa, junta aos autos, o Apelado tinha ainda direito a ajudas de custo, viatura para uso em serviço e próprio, telemóvel para uso em serviço e próprio, despesas de representação, despesas de deslocação dos móveis necessários à instalação da sua habitação, tudo suportado pela Empresa de Cervejas ….
Sucede que esta matéria é apenas alegada por via do recurso, não tendo sido objecto de alegação e discussão na primeira instância, não se tendo o tribunal recorrido também sobre a mesma pronunciado, pelo que a sua alegação agora feita é extemporânea.
Com efeito, decorre dos arts. 676º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do CPC, que os recursos constituem os meios de impugnação de decisões proferidas pelos tribunais inferiores, pelo que o seu âmbito, por regra, está objectivamente delimitado pelas questões já colocadas ao tribunal de que se recorre.
É neste sentido que a jurisprudência se tem manifestado, ou seja, de que com os recursos se visa a modificação de decisões impugnadas e não a produção de decisões sobre matéria nova, não sendo lícito, por isso, invocar nos recursos questões diferentes das que tenham sido objecto de apreciação nas decisões recorridas, nem devendo neles conhecer-se de questões que as partes não hajam suscitado no tribunal recorrido. A finalidade do recurso é essencialmente o reestudo por parte do tribunal superior de questões já vistas e apreciadas pelo tribunal inferior e não a pronúncia do tribunal superior sobre questões suscitadas de novo[5].
Mesmo em relação à decisão sobre a matéria de facto, como decorre do disposto no art. 712º do CPC, os poderes da Relação são os de reapreciação da matéria já decidida pela 1.ª instância e não o de apreciar matéria nova invocada apenas nas alegações de recurso. O que é de fácil entendimento, pois que, de contrário, seria eliminado um grau de jurisdição, o que a lei não faculta.
Ora, sobre a matéria em apreço, embora exista um documento no processo, junto na fase de instrução (a fls. 263 e ss) pelo Apelado para prova de outros factos e no qual a Apelante se apoia para invocar que o Apelado tinha direito a determinadas regalias enquanto ao serviço da Empresa de Cervejas  …, o certo é que a Apelante não invocou tais regalias na 1.ª instância, o que poderia ter feito, designadamente, através de um articulado superveniente ao abrigo do art. 506º do CPC. Como não o fez até ao encerramento da discussão em 1.ª instância ficou precluído o direito de o fazer agora através das alegações de recurso.
Do que se conclui que as deduções a efectuar sobre a indemnização que a Apelante deve pagar ao Apelado são apenas as que acima ficaram descritas e nos moldes que se indicaram.
Improcedendo, embora, no essencial, as conclusões dos recursos, há que confirmar o despacho agravado e de alterar a sentença recorrida.
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IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o despacho recorrido e concede-se parcial provimento à apelação e altera-se a sentença recorrida, no sentido de condenar a Apelante a pagar ao Apelado o montante ilíquido de € 893 182,87, relativo a remunerações que o Apelado deveria auferir ao serviço da Apelante até Março de 2003, que será deduzido do montante ilíquido que venha a ser apurado em execução de sentença relativo a remunerações auferidas pelo Apelado ao serviço da Empresa de Cervejas …., encontrando-se um valor ilíquido a pagar pela Apelante ao Apelado, valor sobre o qual incidirão os descontos legais. O valor líquido resultante será acrescido do outro valor líquido que venha a ser apurado, também em execução de sentença, correspondente à liquidação do valor das regalias de que o Apelado usufruía ao serviço da Apelante.

Custas nas instâncias pela Apelante.

Lisboa, 17 de Novembro de 2005. 

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES
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[1] Veja-se sobre toda a problemática que fica exposta Ilídio Duarte Rodrigues, in “A Administração da Sociedade por Quotas e Anónimas”, 1990, pg. 242 e ss. cuja teoria aqui se segue de perto.
[2] In Código Civil anotado, Vol. II, 1968, pg. 493).
[3] In “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6ª ed., pág. 516.
[4] In C.P.C. anotado, vol. V, pg. 70-71.

[5] Cf. Acs do STJ de 2.4.92, in BMJ 416/485; de 7.1.93, in BMJ 423/539 e de 25.2.93, in CJ, ACSTJ, 1993, I, 150.