Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
302/2006-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DANO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Sumário: 1- Admite-se como perfeitamente razoável que o requerimento de arresto seja dirigido a mais bens do que os aparentemente necessários para garantir o crédito do requerente, acertando-se, depois, já no confronto com o arrestado, a medida em que a providência já efectivada deve subsistir, ou ser reduzida.
2- A providência cautelar pode ser recusada com base no prejuízo dela resultante para o requerido, se este prejuízo exceder consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
3- O facto de o arresto ter sido substituído por caução não alterou a natureza cautelar da medida aplicada, nem a fez cessar. Tal cessação só foi operada com o trânsito da decisão que julgou improcedente a acção, da qual a providência era dependente.
4- E, também não permite concluir que o ora apelado tivesse agido, ao requerer a providência, ou na sua posterior tramitação, com prudência inferior à normal.
5- Para avaliar se o requerente de providência cautelar, que foi julgada injustificada ou caducou, agiu com prudência inferior à normal, importa ter em consideração os elementos de que o mesmo dispunha na data em que a providência foi requerida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

K…, cidadão alemão, com residência escolhida …, 65, em Ponta Delgada, intentou contra S…, também cidadãos alemães, com domicílio na Marina de Ponta Delgada, a presente acção declarativa de condenação com processo comum, forma ordinária.
Pediu que os réus fossem solidariamente condenados a devolver-lhe a quantia de 160.000 marcos alemães, acrescida de juros de mora desde a data da citação para o arresto que precedeu a presente acção, até efectiva devolução, e nos danos morais que vierem a apurar-se em execução de sentença.
Alegou, para tanto, em síntese:
É proprietário da embarcação de recreio “T…”.
Em Agosto/Setembro de 1997 o autor contratou com os réus a reparação da referida embarcação pelo preço global de 100.000,00 marcos alemães, devendo tal reparação ficar pronta em Abril de 1999.
Aquela quantia foi entregue aos réus, por transferência bancária, no dia 16-09-1997.
Em Fevereiro de 1999 o autor entregou aos réus, que alegaram ter subestimado o valor das obras, mais a quantia de 60.000,00 marcos alemães.
Na primeira semana de Setembro de 1999 as obras não tinham progredido e o pouco que estava feito tinha defeitos graves, tendo um dos réus admitido que tinham utilizado o dinheiro do autor para comprar ou apetrechar outro barco.
O autor tem estado impedido de utilizar a sua embarcação.
O prejuízo do autor está consubstanciado na perda dos 160.000 marcos alemães e na impossibilidade de utilização do seu barco de recreio.
Citados, os réus contestaram, dizendo, em síntese:
Tendo sido acordado que os RR procederiam à reparação e revisão geral da embarcação do A., não foi previamente fixado ou, sequer estimado, qualquer preço, nem estabelecido qualquer prazo, tendo apenas sido admitido que, em cerca de dois anos, teriam a embarcação pronta a navegar.
O custo dos trabalhos já efectuados excede o montante recebido do autor.
Os trabalhos só não estão completos – falta o mastro e uma ou outra reparação de última hora - porque o autor se tem recusado a entregar o dinheiro necessário para a sua conclusão.
Em reconvenção pediram que o autor reconvindo fosse condenado a pagar-lhes o montante dos prejuízos directamente decorrentes do arresto das embarcações dos reconvintes, incluindo danos emergentes, lucros cessantes e danos não patrimoniais, a liquidar em momento posterior, por não ser possível fazê-lo de imediato. Pediram ainda que lhes fosse reconhecido o direito de retenção sobre a embarcação do reconvindo.
O autor replicou.
Os autos prosseguiram para julgamento, tendo-se verificado nesta fase o falecimento do réu S…, tendo sido habilitados para a acção os sucessores incertos deste.
A matéria de facto foi decidida pela forma que consta de fls. 644 a 647, após o que foi proferida sentença a julgar improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo dos respectivos pedidos. Em relação ao pedido do autor, entendeu-se que o mesmo tinha implícita a resolução do contrato, para a qual não havia fundamento. Em relação ao pedido reconvencional, considerou-se que “ o arresto não foi julgado injustificado, não caducou por facto imputável ao autor, nem tampouco se apurou ter este agido extravasando a prudência normal”.

Inconformados, o autor e o reconvinte D… apelaram do assim decidido, tendo ficado deserto, por falta de alegações, o recurso interposto pelo autor, cujos mandatários judiciais vieram renunciar ao mandato, sem que o autor tivesse conferido novo mandato.

O reconvinte D… apresentou alegações onde formulou as seguintes conclusões:
………………….
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre agora decidir.

Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, está em causa na presente apelação saber se estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo apelante com o arresto das suas embarcações “N.” e “K.”, decretado a requerimento do ora apelado.

A matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte, apenas reordenada e numerada:
1 - Os réus giram comercialmente sob a denominação "S…", por meio da qual organizam “safaris” em veículo 4x4 e passeios e pesca desportiva em dois iates denominados “N.” e “K.”, de sua propriedade.
2 - Em 04-01-99, a "S…” estava provisoriamente inscrita no registo de pessoas colectivas, sob o n.º 974957240.
3 - O autor é o proprietário de uma embarcação de recreio à vela, denominada “T.”, ora em seco no molhe da Marina de Ponta Delgada.
4 - Em Agosto de 1997, o autor entrou no porto de Ponta Delgada, a cuja Marina atracou a dita embarcação.
5 - O autor havia sido surpreendido pelo mau tempo, chegando a Ponta Delgada com diversos danos na sua embarcação.
6 - Quando atracou em Ponta Delgada, a embarcação T. apresentava um rombo no costado traseiro, donde decorria perigo para a navegabilidade.
7 - Tomava-se perigoso levar a embarcação de volta à Europa sem efectuar as reparações necessárias.
8 - O autor contratou com os réus a reparação geral da sua embarcação, sendo o custo daquela estimado em DM 100.000 e a duração da mesma prevista para cerca de 2 anos.
9 - A 16 de Setembro de 1997, o autor, por transferência bancária, entregou aos réus a quantia de 100.000,00 marcos alemães, sensivelmente € 79.879,79 ( 10.000.000$00 = dez milhões de escudos), para a conta dos réus no Banco Totta & Açores em Ponta Delgada.
10 - Em Fevereiro do ano de 1999 o autor veio a Ponta Delgada para verificar o andamento do serviço dos réus.
11 - Quando o autor veio a Ponta Delgada, em Fevereiro de 1999, os réus, alegando terem subestimado o valor das obras, pediram ao autor que lhes adiantasse mais 60.000.00 marcos alemães, cerca de € 29.927,87 (6.000.000$00 = seis milhões de escudos), para poderem comprar o mastro e as velas, deste modo ficando habilitados a terminar o serviço até ao fim do Verão.
12 - Novamente o autor acedeu, tendo enviado aquela quantia em 8 de Março de 1999.
13 - A 8 de Março de 1999, o autor, por transferência bancária, entregou aos réus a quantia de 60.000.00 marcos alemães, cerca de € 29.927,87 (6.000.000$00 = seis milhões de escudos), para a conta dos réus no Banco Totta & Açores em Ponta Delgada.
14 - Em execução da obra, os réus:
a) Construíram uma estrutura em V (berço para ancoradouro), de modo a vararem a embarcação e a colocarem em seco, mas direita;
b) Contrataram uma grua, em duas ocasiões sucessivas, para a varagem e desmontagem do mastro;
c) Desmontaram todos os acessórios do exterior da embarcação e encomendaram madeira para aplicarem no convés;
d) Compuseram o rombo no casco;
e) Compraram nova hélice, que ainda não colocaram;
f) Repararam a âncora e galvanizaram-na;
g) Desmontaram todas as saídas e entradas de água;
h) Mudaram todo o sistema de canalizações;
i) Apetrecharam o barco com uma fossa séptica;
j) Elevaram e instalaram duas casas de banho;
l) Refizeram toda a cozinha, placas de fogão, torneiras lavatórios;
m) Remodelaram os beliches, forraram e remodelaram estofos;
n) Refizeram todo o tecto interior da embarcação;
o) Refizeram o convés;
p) Fizeram a revisão do sistema eléctrico e do sistema hidráulico, repondo materiais novos;
q) Pintaram a embarcação com uma "primeira de mão", e trataram e envernizaram o seu interior.
15 - Os réus entregaram aos fornecedores do mastro e das velas, cujo preço era de DM 45.981,94 CIF Ponta Delgada + IVA, o montante de DM 13.531,31, estando aqueles prontos para entrega contra o pagamento do restante.
16 - Os réus desenvolveram esforços para ver se criavam condições para virem a recuperar o IVA, na compra do mastro, o que não conseguiram.
17 - As obras não estão concluídas, na medida em que é necessário fazer as provas de mar da embarcação, e que há deficiente aplicação dos parafusos de fixação das tábuas do convés.
18 - Para fazer as obras, os réus tinham contratado um alemão de nome Georg Reinke.
19 - O custo dos materiais e equipamentos adquiridos pelos réus para reparação da embarcação, de que lograram obter facturação, perfazem a quantia de Esc. 6.663.078$00.
20 - Os réus fizeram trabalhos no convés da embarcação (30 m2), precedidos de execução prévia de moldes, seguida de preparação do material a aplicar na embarcação e de aplicação dos materiais e equipamentos.
21 - O custo da madeira aplicada ascende a 75.000$00/m2.
22 - Os réus trabalharam no TANAI durante cerca de um ano e meio.
23 - O custo da mão de obra especializada dos réus, um é engenheiro e outro é construtor, é no mínimo de 3.500$00/hora.
24 - É de 60 a 70% do custo total da reparação naval, o custo em mão de obra, e de 30 a 40%, o custo em materiais e equipamentos.
25 - Os réus contrataram trabalhadores, nomeadamente para execução de trabalhos de pintura e electricidade, tendo despendido entre Julho de 1999 e Fevereiro de 2000 em remunerações de trabalhos de pinturas a quantia de Esc. 1.350.000$00.
26 - Encontra-se por pagar a contrapartida da ocupação do cais por parte da embarcação T. .
27 - As embarcações identificadas foram objecto de arresto preventivo por decisão proferida no Proc. n.º 2864/99-E do 1.º Juízo do tribunal judicial de Ponta Delgada.
28 - Entre 28 de Outubro de 1999 e 26 de Junho de 2000 as embarcações “N.” e “K.” mantiveram-se arrestadas.
29 - Devido á paralisação entre 28.10.99 e 26.06.2000, os réus cancelaram um cruzeiro às Caraíbas e outros contratos que tinham agenciado.
30 - Os cruzeiros da embarcação “N.” rendiam aos réus a quantia semanal se Esc. 250.000$00.
31 - No período do Verão a embarcação “K.” rendia aos réus cerca de 20.000$00/dia.
32 - A empresa “S…” publicitava a sua actividade num site publicitário na Internet, promoveu a sua actividade na feira ITB e na Feira de Barcos na Alemanha, e era indicada como ponto de contacto dos veleiros que contactassem a Marina de Ponta Delgada, pela associação Transocean Association, tendo uma actividade empresarial de sucesso.
33 - O autor sabia que os réus, sobretudo o réu S…, se dedicavam a outras actividades, além da de pequenas reparações, como a realização de cruzeiros turísticos, quer no Verão, no arquipélago, quer no Inverno, em outras partes do globo, desde que o tempo e as encomendas o justificassem.
34 - O autor é um industrial, cujas empresas estão a cargo de seus filhos, razão pela qual goza 3 meses de férias, todos os anos.
35 - Durante as férias, o autor utilizava o veleiro T. em cruzeiros, que poderiam durar algumas semanas, e durante os fins de semana utilizava a embarcação em pequenas viagens perto do porto onde a embarcação estava atracada.
35 - Enquanto aquela não estiver pronta, o autor tem e terá mais dificuldade em desenvolver essas actividades, por não dispor de outra embarcação própria.
35 - O autor foi visto a velejar nas Caraíbas.

O Direito

Como se referiu, está em causa na presente apelação saber se estão verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo ora apelante com o arresto das suas embarcações “N.” e “K.”, decretado a requerimento do ora apelado.
Tais pressupostos mostram-se enunciados no art.º 621.º do C. Civil e, também, nos art.ºs 390.º, n.º 1 e 392.º n.º 1, ambos do CPC. Ali se estipula que, “ Se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal”.
Tendo em conta esta previsão legal, afirmou-se, sem mais, na decisão recorrida que: “In casu, o arresto não foi julgado injustificado, não caducou por facto imputável ao autor, nem tampouco se apurou ter este agido extravasando a prudência normal”. É esta conclusão que o apelante não aceita e que agora importa reapreciar o que, por maior comodidade, se fará acompanhando as conclusões formuladas no recurso.

Nas primeiras três conclusões do recurso, o apelante limita-se a identificar o objecto do recurso, e a afirmar a sua não aceitação dos fundamentos da decisão. Trata-se, claramente, de uma simples introdução à matéria do recurso propriamente dito, não sendo ali suscitada qualquer questão de que cumpra conhecer.

A conclusão quarta é do seguinte teor:
d) Em primeiro lugar, o arresto foi feito por apenso a um processo crime Inquérito n° 2864/99-E que foi arquivado; entendo por isso que o procedimento cautelar caducou pelo facto da acção principal ter sido proposta mais de 30 dias depois da notificação do arquivamento.
A dúvida aqui suscitada, da eventual caducidade do arresto quando foi arquivado o processo de inquérito crime, por apenso ao qual o mesmo fora requerido e decretado, é questão que, tanto quanto se julga, em nada releva no sentido de considerar fundada a pretensão indemnizatória do ora apelante. Por um lado, o momento relevante para se determinar a maior ou menor justeza do requerimento de arresto é aquele em que tal requerimento foi apresentado, parecendo claro que era com base nos elementos então disponíveis que o requerente, por si e através do seu mandatário judicial, deveriam ponderar o recurso a tal meio cautelar. Uma vez decretada a providência, a sua eventual caducidade era uma questão que já não estava na disponibilidade do requerente.
Por outro, e fundamentalmente, essa questão da caducidade podia ser suscitada pelos requeridos, tal como, efectivamente o foi a fls. 74 dos respectivos autos, tendo sido requerido o cancelamento do arresto, pretensão que foi indeferida por decisão de que não foi interposto recurso. Deste modo, a manutenção do arresto para além do arquivamento do processo crime ao abrigo do qual foi decretado, não pode ser directamente imputada ao requerente do arresto, mas antes ao despacho judicial que assim decidiu e que não foi impugnado.

Continua o apelante:
e) Além disso, da própria decisão recorrida constam factos dados como assentes que demonstram que o arrestante agiu sem a necessária prudência e com a intenção de prejudicar os arrestantes. A saber:
f) O autor é um industrial de sucesso, sendo por isso um homem conhecedor do mundo dos negócios, o que, aliado ao facto de ser igualmente conhecedor da arte de velejar e o mundo que a rodeia, era conhecedor do valor dos dois veleiros dos arrestados;

Nesta conclusão, parece estar subjacente a ideia de que, mesmo que fosse justificado, o arresto tinha sido requerido e ordenado em demasiados bens, mais do que os necessários para garantir a totalidade do crédito que o autor se arrogava, e que foi desatendido a final.
Ora, com todo o respeito, julga-se que não se pode julgar provado que o autor seja um industrial de sucesso, parecendo mais um pai de sucesso, já que serão os filhos quem gere as empresas, não estando igualmente esclarecido se foi o autor quem as criou. E, pelo menos na forma como tratou com os réus a questão da reparação do seu barco, - entregando-lhes antecipadamente todo o montante do preço estimado para uma reparação que se iria prolongar por cerca de dois anos, e não reduzindo a escrito o acordo assim firmado - não revelou uma particular prudência negocial.
No mais, nem sequer está determinado ou, sequer, estimado o valor dos bens arrestados. Chegou a ser promovida a sua avaliação, mas não se chegou a efectuar uma vez que o arresto foi, entretanto, substituído por caução. Não existem, pois elementos para aferir da medida do excesso do valor dos bens arrestados em relação ao do crédito invocado pelo requerente do arresto.
O facto de nenhum crédito ter sido reconhecido a final não é aqui decisivo. A decisão proferida teve em vista os termos em que a acção foi proposta e só nesses termos é que se verificou a improcedência. Da mesma matéria de facto, que permitiu julgar improcedente o concreto pedido formulado, continua a decorrer que o autor é credor dos réus, tendo o seu crédito como objecto o integral cumprimento do contrato de reparação do seu barco. E nem em relação a este crédito, de valor não determinado, se pode considerar excessivo o arresto decretado, atenta a indisponibilidade de valores. Até porque, até ao momento em que o arresto se torna efectivo sobre um determinado bem, não é fácil para quem requer limitar utilmente a quantidade de bens a arrestar, parecendo claro que o insucesso de uma diligência de arresto pode comprometer definitivamente a possibilidade de se obter arresto em quaisquer outros bens do mesmo devedor. Admite-se, assim, como perfeitamente razoável que o requerimento de arresto seja dirigido a mais bens do que os aparentemente necessários para garantir o crédito do requerente, acertando-se, depois, já no confronto com o arrestado, a medida em que a providência já efectivada deve subsistir, ou ser reduzida.
Aliás, no caso, os requeridos requereram, para além do mais, a redução do arresto, pedido que não chegou a ser apreciado por, estando dependente da avaliação dos bens arrestados, o arresto ter sido substituído por caução antes de aquela avaliação ter sido efectuada.
E, por último, também estava na disponibilidade dos arrestados a já referida prestação de caução, que foi efectivamente requerida e determinou o levantamento do arresto. É verdade que uma tal solução exige capacidade financeira e também tem custos, mas, no caso, tais obstáculos foram superados.
Julga-se, pois, que a matéria de facto assente não permite considerar excessivo o arresto que foi requerido, ordenado e mantido até ser prestada caução.

As conclusões seguintes são do seguinte teor:
g) De igual modo, consta dos factos dados como assentes, que o autor sabia que os RR. - arrestados, exerciam outras actividades, mais concretamente fazendo passeios no arquipélago durante o Verão e cruzeiros nas Caraíbas durante o Inverno, utilizando para tanto os veleiros arrestados.
h) Os veleiros estiveram arrestados entre 28 de Outubro de 1999 e 26 de Junho de 2000, e só foram libertados porque os arrestados prestaram caução, melhor demonstrado no apenso para prestação de caução cível.

Nestas conclusões o apelante salienta, por um lado o tempo em que, por força do arresto, esteve impedido de explorar as embarcações arrestadas e, por outro, o facto de o autor conhecer aquela actividade dos réus, o que implicaria saber que aquele arresto lhes ia causar prejuízos.
Aceitando-se que tudo isso seja exacto, o que aqui está em causa é, mais uma vez, a ponderação entre os interesses protegidos e sacrificados pelo arresto, situação que a lei regula no art.º 387.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual a providência cautelar pode ser recusada quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar. Ora, em relação a esta questão a matéria de facto assente também não permite formular conclusões no sentido pretendido pelo apelante. Sendo seguro que o arresto das embarcações lhe causou prejuízos, nada permite afirmar que o valor desses prejuízos seja superior ao do crédito que o requerente visava assegurar.
Continua o apelante:
i) Neste mesmo apenso, o arrestante consentiu que o montante da caução fosse reduzida para metade, o que, no nosso entender, encerra um juízo implícito de que o arresto terá sido injustificado ou pelo menos exagerado face ao direito de crédito que se pretendia acautelar.
j) A isto não poderá ser alheio o facto da existência do mesmo direito ter sido negada nesta mesma acção.
k) Tudo conjugado e utilizando o critério do homem diligente, o arrestante terá excedido, ou pelo menos terá infligido aos arrestados um dano muito superior ao direito que pretendia acautelar - sublinhe-se - inexistente à luz da sentença recorrida.

O acordo do ora apelado em relação à redução do montante da caução para apenas metade do valor inicial do arresto também não é particularmente significativo no sentido pretendido pelo apelante. O montante assim fixado por acordo é ainda bem significativo e a venda de bens em execução não garante a realização de meios de pagamento correspondentes ao valor de mercado dos bens vendidos. Em bom rigor, o autor pode ter obtido uma melhor garantia, em particular isenta de riscos, com a prestação da caução, feita por depósito, de metade do valor indicado no arresto, do que a que resultava do próprio arresto.
A improcedência da acção fez, naturalmente, caducar a providência, então subsistente sob a forma de caução, nos termos do art.º 389.º n.º 1 al. c) do CPC, não sendo de confirmar, neste ponto, a decisão recorrida. O facto de o arresto ter sido substituído por caução não alterou a natureza cautelar da medida aplicada, nem a fez cessar. Tal cessação só foi operada com o trânsito da decisão que julgou improcedente a acção, da qual a providência era dependente.
E, sendo essa a forma de extinção da providência, a mesma não pode deixar de ser imputada ao autor, que viu soçobrar a sua pretensão deduzida em juízo. Mas, aceitando isso, julga-se que a improcedência da acção não permite formular maiores conclusões.
Não permite, designadamente, considerar injustificada a providência que assim caducou, situação que parece corresponder aos casos em que a providência é logo recusada e, sobretudo, àqueles em que, tendo a mesma sido decretada, a respectiva decisão vem a ser alterada ainda no âmbito do processamento do procedimento cautelar.
Ora, no caso, o processamento do procedimento cautelar findou com a confirmação da providência decretada em via de recurso da decisão que desatendera a oposição contra ela deduzida pelos requeridos.
E, também não permite concluir que o ora apelado tivesse agido, ao requerer a providência, ou na sua posterior tramitação, com prudência inferior à normal.
Para este efeito importa ter em consideração os elementos de que o autor dispunha na data em que requereu a providência, plasmados no respectivo requerimento inicial e inteiramente confirmados pela prova indiciária então produzida e, no essencial, confirmados no julgamento efectuado no processo principal. Com aqueles elementos estava mais do que justificado o recurso a uma medida cautelar para assegurar a garantia patrimonial do crédito que assistia ao requerente contra os requeridos, tal como, de resto, foi decidido e confirmado no âmbito do respectivo processo.
Observa-se, por exemplo, que, em sede de oposição à providência, a testemunha …, arrolada pelos requeridos, veio dizer que o “ K.” pertencia ao requerido H…, que o mandara vir da Alemanha naquele ano, tal como havia adquirido, no mesmo verão dois jipes, que destinaria a revenda. E, entretanto, continuava por pagar uma parte significativa do preço do mastro destinado à embarcação, e que só esperava o respectivo pagamento para ser entregue.
Ou seja, este depoimento parece confirmar a alegação feita pelo requerente da providência de que parte do seu dinheiro, que fora entregue e recebido para pagar o preço da reparação da sua embarcação, estava a ser utilizado para fins diferentes.
Depois, já no âmbito da presente acção, o autor logrou fazer prova do núcleo essencial dos factos que alegou na petição inicial, designadamente os respeitantes aos termos em que foi acertado o custo da reparação a efectuar pelos réus, bem diferentes daqueles que estes alegaram. Estes alegaram, por exemplo, que não foi previamente fixado ou, sequer estimado, qualquer preço, mas provou-se que o preço foi estimado em DM 100.000,00 posteriormente acrescido de mais DM 60.000,00, tudo como o autor alegou e foi impugnado pelos réus. O que significa que em matéria de litigância infundada, é mais fácil questionar a posição dos réus do que a do autor.
E que o autor é credor dos réus é ponto que, no actual estado dos autos não suscita dúvidas em face da matéria de facto assente. O que não está determinado é o valor desse crédito, sendo que ao julgar improcedente a acção o tribunal apenas desatendeu o pedido nos termos concretos em que o mesmo foi formulado.
Poderia questionar-se, ainda e sempre, o eventual excesso de bens abrangidos pelo arresto mas, como já se deixou referido, julga-se que, tendo em vista o requerimento inicial, é difícil caracterizar a existência de tal excesso, mediando uma grande distância entre o que se requer e o que se obtém. Para além disso, a própria lei comete ao tribunal uma função moderadora no que respeita ao eventual excesso de bens envolvidos no requerimento de arresto, estabelecendo no art.º 408.º n.º 2 do CPC a redução do mesmo aos “justos limites” quando estes se mostrem excedidos. E, por último, o excesso de bens arrestados sempre poderia ser corrigido a posteriori, a requerimento de qualquer das partes.
Não se vê, pois, que o autor possa ser censurado por ter requerido o arresto nos termos em que o fez, mesmo sabendo que, ao requerer dessa forma, ia gerar prejuízos para os requeridos.

As últimas conclusões do recurso são do seguinte teor:
l) O facto do arresto não ter sido julgado infundado após a oposição, não invalida que os arrestados venham demandar o arrestante nos termos do disposto nos arts 390º n° 1 e 392º 1 do CPC conjugado com o art.° 621º do CC, de resto com ampla consagração na jurisprudência nacional atrás citada.
m) Os arrestados, reconvintes na presente acção vieram expressamente peticionar aqueles danos, na vertente de danos emergentes, lucros cessantes e danos morais a liquidar em execução de sentença, atendendo a que à data do pedido tais danos, ou parte deles, eram ainda inquantificáveis.
n) A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 390º n° 1, 392º n° 1 do CPC e 621º do CC.
Em relação à primeira destas conclusões nada temos a objectar, o que, de resto, já decorre dos termos em que foi apreciado o objecto deste recurso. Se se entendesse que toda a discussão findara com a decisão definitiva proferida em sede de providência cautelar, bastaria afirmá-lo e a questão ficaria, sem mais, resolvida. Em todo o caso, o facto de a providência ter sido mantida depois de apreciada a oposição contra ela deduzida, incluindo em via de recurso, também indicia o bem fundado da mesma.
Na conclusão seguinte – a m) – o apelante refere-se aos danos que sofreu e à necessidade de relegar a sua liquidação para execução de sentença. A questão não chega a colocar-se, uma vez que, nos termos já referidos, não está verificado os pressupostos da obrigação de indemnizar enunciado na parte final do art.º 621.º do C. Civil e também no n.º 1 do art.º 390.º do CPC. A identificação dos danos indemnizáveis seria a questão subsequente, caso aquela fosse resolvida em sentido positivo.
A última conclusão apenas contém a indicação das normas jurídicas que teriam sido desrespeitadas na decisão recorrida, não vindo ali suscitada qualquer questão.
Improcedem, pois, todas as conclusões formuladas pelo apelante.

Termos em que se julga improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 09-03-2006

( Farinha Alves )
( Tibério Silva )
( Ezagüy Martins )