Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1558/2003-7
Relator: PROENÇA FOUTO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
COMPETÊNCIA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Sumário: O conhecimento do pedido de caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação cabe aos tribunais comuns.
A declaração de utilidade pública caduca se não for pedida a constituição da arbitragem no prazo de um ano a contar da data da publicação do acto declarativo da expropriação (artºs 13, nº 3, 17º e 90º do Código das Expropriações).
A declaração de utilidade pública caduca se o processo de expropriação não for remetido ao tribunal competente no prazo de dezoito meses a contar da data da publicação do acto declarativo da expropriação (artºs 13, nº 3, e 51º, nº1, do Código das Expropriações.
Tratando-se de obra contínua (construção de via pública, de execução faseada ao longo do tempo) em que a expropriação já respeita à última fase da execução da mesma – não se articulando que “os trabalhos não foram suspensos” ou “estiveram interrompidos”, por um “período superior a três anos” – não é admissível a caducidade da declaração de utilidade pública – artºs 5º, nº2 e 3, e 13, nº 7, do Código das Expropriações.
Decisão Texto Integral: 1. A e marido B intentaram acção com processo ordinário contra a Região Autónoma da Madeira, pedindo que se declare a caducidade da expropriação por utilidade pública relativa a uma parcela com a área de 77 m2 do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 01883/200396, correspondente à assinalada com o nº 207 na planta parcelar do projecto da obra e, outra, com a área de 766 m2 do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 00817/231090, correspondente à assinalada com o nº 206 na planta parcelar do projecto da obra, a eles pertencentes, por decurso do prazo na promoção da constituição de arbitragem e na remessa do processo ao Tribunal.
Na contestação a Ré excepcionou a incompetência do tribunal comum para conhecer da caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação e, defende-se também por impugnação, sustentando que promoveu em tempo a constituição da arbitragem e que ainda decorre o prazo para a remessa do processo de expropriação do tribunal competente.
Houve réplica.
De seguida foi proferido saneador-sentença que julgou o tribunal competente e declarou a caducidade da declaração de expropriação por utilidade pública relativa aos prédios dos Autores.
Inconformada a Ré apelou desta decisão que concluiu em resumo ser incompetente o tribunal comum em razão da matéria para conhecer do pedido de caducidade da expropriação e estarem ainda em curso os prazos da promoção da constituição da arbitragem e da remessa do processo de expropriação ao tribunal competente.

2. A) Consideram-se assentes os seguintes factos:
1 – Os autores são proprietários de:
- um prédio misto, ao Sítio da Tendeira, Caniço, Santa Cruz, inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo nº 10, Secção YY e urbana sob o artigo 1082, o qual confronta pelo Norte com José de Ornelas Mascarra e Domingos Caires de Assunção; Sul com José de Nóbrega da Fonte; Leste com Caminho; Oeste com José de Nóbrega Chicharro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 00817/7231090;
- um prédio rústico, ao Sítio da Tendeira, Caniço, Santa Cruz, inscrito na matriz predial sob o artigo nº 44, secção WW, confrontando pelo Norte com Cristiano Drumond; Sul e Leste com Manuel Correia Lica; Oeste com Azinhaga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 01883/200396.
2 – Tendo os autores adquirido estes prédios por compra, titulada por escritura pública de 31-10-1995 exarado a fls. 63v a 66v do Livro 87-A do Cartório Notarial de Santa Cruz.
3 – Em 31 de Março de 1998 os autores foram notificados pela Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente da ré de que teria sido expropriada uma parcela de terreno e suas benfeitorias com a área de 77 m2, pertencente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 44, do Secção WW, correspondente à parcela assinalada com o nº 207 na planta parcelar do projecto da obra, com base na declaração de utilidade pública inserido no Diário da República, II Série, nº115, de 19 de Maio de 1998.
4 – Bem como, de uma parcela de terreno e suas benfeitorias com a área de 766, pertencente ao prédio misto inscrito na matriz a parte rústica sob o artigo 10, secção YY e a urbana sob o artigo 1081, correspondente à parcela assinalada com o nº 206 na planta parcelar do projecto da obra, com base na declaração de utilidade pública inserida igualmente no Diário da República, II Série, nº 115, de 19 de Maio de 1998.
5 – Foram também notificados de que no dia 17 de Julho de 1998 se iria proceder à vistoria “ad perpetuam rei memoriam” que se realizou no dia previsto.
6 – Em 25-02-99, a ré diligenciou no sentido de promover a constituição da arbitragem, solicitando, para tanto, ao Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a nomeação de 3 grupos de árbitros, vindo tal designação a ter lugar a 09-03-1999, pelo ofício nº 1718 – 1ª AS/45.2b) do Tribunal da Relação de Lisboa.
7 – Os expropriados não foram notificados da designação dos árbitros.
8 – Os presentes autos deram entrada em juízo em 23-06-2000.
9 – Da resolução nº 3/98/M (2ª Série) do conselho de Governo da Região Autónoma da Madeira, publicada no DR – II Série, de 19.05.98 consta que a “Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente tem em execução a 2ª e última fase da obra de construção da via rápida Funchal – Aeroporto” e que “para a conclusão desta última fase (...) é urgente a aquisição das parcelas de terrenos constantes das plantas e relações anexas, por forma a permitir a execução ininterrupta dos trabalhos já em curso” – cfr. fls. 28 e ss. (constam as parcelas dos Autores a fls. 30).

Foi publicada a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência da expropriação, entre outros, das parcelas nº 206 e 207 dos prédios dos AA., declaração que também se encontra publicada no Jornal Oficial da R.A.M., I Série, nº23, de 08.04.98.

B) O Direito
Duas questões a dilucidar:
1 – incompetência do tribunal comum em razão da matéria para conhecer do pedido de caducidade das expropriações;
2 – caducidade das expropriações por intempestividade da promoção da constituição de arbitragem e da remessa do processo de expropriação ao tribunal competente.

1ª Questão – incompetência absoluta do tribunal comum
A declaração de utilidade pública é o facto constitutivo da relação de expropriação, ou seja, o acto constitutivo da expropriação reside no acto declarativo de utilidade pública (cfr. Marcelo Caetano, Estudos de Direito Administrativo, pag. 182, e Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, pags. 110 e 178).
As expropriações tiveram lugar através de um acto administrativo – o acto declarativo de utilidade pública sendo permitido ao expropriado impugnar a sua legalidade por via contenciosa – pois está sujeito ao recurso contencioso da anulação, como acto administrativo que é.
E, para tal efeito, é inequívoco que só os tribunais administrativos são os competentes.
No caso vertente, discute-se a caducidade da declaração de utilidade pública em processo litigioso suscitada pelo beneficiário.
Será que está em causa a apreciação da ilegalidade do acto declarativo de utilidade pública.
A nosso ver, o conhecimento da caducidade da declaração de utilidade pública não está incluído na jurisdição dos tribunais administrativos, cabendo aos tribunais comuns.
É que não se põe em crise o acto administrativo (existência, falta ou vício) não há alteração da ordem jurídica, unicamente se declara que o direito emergente do dito acto caducou, caso tenham decorrido os prazos legalmente previstos – se reconheça que o direito se extinguiu ipso jure – é o morrer do direito, nas palavras de Cabral Moncada, Lições de Direito Civil, vol. 1, pags. 53 e ss. –, isto é, extinção dos efeitos jurídicos que é o simples chegar ao fim do tempo previamente fixado (prazo prefixo) para o seu exercício.
A extinção verifica-se sem necessidade de qualquer manifestação de vontade jurisdicional ou privada.
Não está em apreço, pois, o conteúdo da relação jurídico-administrativa (incluindo qualquer litígio emergente da mesma).
Há apenas uma constatação judicial (comprovação) em acção comum do facto jurídico strictu sensu – o decurso do tempo –. O juiz não declara a caducidade do acto, limita-se a constatá-lo – cfr. Aníbal de Castro, in “A Caducidade”, pag. 218. O acto declarativo extingue-se, por decorrido o tempo previsto para a produção dos seus efeitos (cfr. Marcelo Caetano, Manual do Direito Administrativo, 1, 9 ed., pag. 506).
O tribunal não julga da legalidade do acto.
É um caso normal de extinção do acto.
Do jeito que não estando em caso a apreciação da ilegalidade do acto declarativo de expropriação por utilidade pública os tribunais comuns são competentes para conhecer da caducidade do mesmo, como sustenta o Ac. S.T.J. de 15.10.91, BMJ nº 410, pag. 748, o que se harmoniza com o preceituado no nº4 do artigo 13º do Novo Código de Expropriações – Lei nº 168/99 de 18.9, que entrou em vigor em 17.11.99 (cfr. artigo 4º do Dec. Preambular) aqui aplicável dada a natureza interpretativa, daquele inciso, que dispõe: “a declaração de caducidade pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer outro interessado ao tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral...”.

2ª Questão – intempestividade da promoção da arbitragem e da remessa do processo
No que tange à caducidade do acto recorrido por intempestividade da promoção da arbitragem, temos que em 25.02.99 a Ré solicitou ao Presidente da Relação de Lisboa a nomeação de três grupos de árbitros (fls. 54), designação que ocorreu em 09.03.99 – cfr. ofício nº 1718 – 1ª AS/45.2b do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 56).
Desta sorte, a arbitragem, referente ao processo de expropriação dos imóveis abrangidos pela resolução do Governo Regional nº 3/98/M, de 19.5, entre os quais se encontram as parcelas expropriadas nºs 206 e 207, propriedade dos Autores, encontra-se constituída desde 09.03.1999, logo, antes de decorrido um ano (ou...) da publicação do acto declarativo de 12.06.98 no JORAM e 16.06.98 – DR.
É que o prazo conta-se a partir da data da publicação do despacho que declarou a utilidade pública urgente da expropriação das parcelas de terreno já referidas e a do pedido de constituição de arbitragem (cfr. Ac. S.T.J. de 15.10.91, BMJ nº410, 753) e não com a notificação da decisão aos interessados como pretendem os Autores.
E também não se verifica a caducidade com base na falta de remessa oportuna do processo expropriatório ao tribunal competente.
A Lei nº 168/99, de 18.9, entrou em vigor em 17.11.99 (artº 4º do Dec. Preambular), aqui aplicável (é doutrina que as leis que alteram prazos são de aplicação imediata – cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.Civil, Vol. II, pag. 59).
Tratando-se de obra contínua (construção de via pública, de execução faseada ao longo do tempo) vem provado que as expropriações já respeitam à fase 2ª e última da execução da obra, pelo que não é admissível a caducidade nos termos dos artigos 5º, nºs 2 e 3, e 13º, nº 7, do Código vigente, tanto mais que não foi alegado, nem demonstrado, que “os trabalhos foram suspensos” ou “estiveram interrompidos”, por um “período superior a três anos”, situação em que já seria possível a caducidade – cfr. C. Exp. de Sá Pereira e outro, pag. 29 e Osvaldo Gomes, Expropriação por Utilidade Pública, pag. 419.

3. Termos em que se julga o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, e, em consequência, se julga a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido, com custas pelos Autores.
Lisboa, 20 de Maio de 2003

Proença Fouto
Vasconcelos Rodrigues
Roque Nogueira