Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO INDEMNIZAÇÃO MONTANTE RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA LIMITE DO CAPITAL SEGURO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Das normas em causa (arts. 128º, 130 nº1 e 131 nºs 1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro) decorre que no seguro de coisas o dano a ressarcir pela seguradora corresponde ao valor do interesse seguro (coisa) ao tempo do sinistro, com sujeição ao limite do capital seguro. II. Podem, no entanto, as partes expressamente convencionar o valor desse interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, desde que não seja manifestamente infundado, designadamente podendo convencionar que não seja considerada a depreciação do valor do interesse seguro (coisa) por virtude do seu uso ou vetustez. Sempre com sujeição ao limite do capital seguro. III. Cabe, pois, ao lesado que pretenda indemnização superior ao valor venal do bem segurado na data do sinistro alegar e demonstrar que no contrato de seguro consta expressa convenção nesse sentido; especificamente se pretender indemnização correspondente ao valor do capital seguro, terá que alegar e demonstrar que foi expressamente contratualizado que o valor indemnizatório é o do capital seguro. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório A veio instaurar contra B […. Seguros S.A.] a presente ação declarativa comum, por meio da qual peticiona a condenação desta no pagamento da quantia de €15.000,00, alegando para o efeito que celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 0004217045, que teve por objeto o veículo propriedade da autora da marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX (doravante VX), e que abrangia os danos próprios do mesmo. Mais alega que no dia 11/04/2019, pelas 21h30m, momento em que a referida apólice se encontrava em vigor, o veículo VX, conduzido pelo seu companheiro LL, foi interveniente num acidente de viação na EN 17, local de Catraia de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, tendo embatido na traseira do veículo que circulava à sua frente, da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG (doravante BG), pertencente à Associação Desportiva Nogueirense e então conduzido por PO . O referido embate ficou a dever-se ao facto de o veículo BG ter efetuado uma travagem brusca, não dando assim oportunidade ao condutor do veículo VX de parar e evitar o embate. Na sequência deste embate, o veículo VX sofreu danos no valor de €19.189,64, originando a sua perda total, uma vez que o valor comercial do veículo VX era, à data, de €13.062,00. A autora participou o sinistro à ré, a qual declinou qualquer responsabilidade, recusando-se a proceder à indemnização devida, que contabiliza em €12.812,00 (danos próprios no valor de €13.062,00 descontada a franquia de €250,00), acrescida da indemnização correspondente a 20% do valor do veículo por se ter verificado a sua perda total. Tal recusa determinou a instauração da presente ação, peticionando, assim, a condenação da ré no valor de €15.000,00 apesar de entender ter direito a €15.374,40. * Regularmente citada, a ré deduziu contestação, excepcionando a incompetência territorial do Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital e alegando que o sinistro não ocorreu da forma participada pela autora, a qual tinha o ónus de provar os factos alegados, razão pela qual não se mostram reunidos os pressupostos legais e contratuais de pagamento da indemnização peticionada nestes autos. * Por despacho datado de 26/06/2020, o Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Hospital, julgou-se territorialmente incompetente para apreciar o mérito da ação, a qual foi remetida e distribuída ao Juízo Local Cível de Lisboa em 06/10/2020. * Foi proferido despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e dos temas da prova. Realizou-se audiência de julgamento. * Foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Tudo visto e ponderado, julgo a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a ré B do pagamento à autora A da quantia de €15.000,00 e respetivos juros. Custas a cargo da autora (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Notifique. “ * Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões: “1. A presente ação reporta-se ao direito de indemnização da Autora, proprietária de veículo segurado, contra a Ré, seguradora. 2. A sentença objeto do presente recurso, ao julgar a ação improcedente, incorreu em manifesto erro de julgamento de facto e de direito. 3. Os factos em causa ocorreram no dia 11 de abril de 2015, pelas 21 horas,na Estrada Nacional 17, na Catraia de São Paio, Oliveira do Hospital, sendo que a testemunha LL conduzia o veículo de matrícula xx-xx-VX, marca Volvo, propriedade da Autora no sentido Seia-Coimbra. 4. Entrando numa reta, o veículo segurado deparou-se com o veículo da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG, (doravante BG), pertencente à Associação Desportiva Nogueirense e então conduzido por PO, e embateu na traseira deste. 5. O referido embate ficou a dever-se ao facto de o veículo BG ter efetuado uma travagem brusca, não dando assim oportunidade ao condutor do veículo segurado de parar e evitar o embate. 6. Em consequência do embate, a dianteira do veículo segurado sofreu danos, documentados fotograficamente, e os airbags apresentavam-se disparados. 7. O facto dado como provado n.º 8 (“8.º O veículo xx-xx-VX tinha, à data de 11/04/2019, uma das fichas de ligação dos airbags frontais desligada e outra cortada, o que impedia os airbags de serem acionados (de dispararem) em caso de colisão.”), foi incorretamente julgado. 8. O julgamento do tribunal recorrido baseia-se inteiramente nas declarações dos peritos avaliadores ao serviço da Ré. 9. A testemunha JM, a 8 minutos e 42 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 9 minutos e 16 segundos, refere que “não se recorda” de ter questionado a oficina se desligaram a ficha nem “se recorda” de perguntar se tinham mexido no carro. 10. A mesma testemunha, afirma, a 25 minutos e 50 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 26 minutos, “não digo que não” a que a ficha possa ter sido desligada por erro humano depois do acidente. 11. A testemunha NB, a 25 minutos e 43 segundos a 26 minutos e 26 segundos da gravação do seu depoimento, a instâncias da Sra. Dra. Juiz, diz que é possível depois do embate “ir alguém cortar as fichas” “quando confrontei o condutor do volvo ele desconhecia sequer isso por isso se ele desconhece acredito que não tenha sido ele, se ele não tenha dado indicação não tenha sido ele”. 12. Da prova produzida resultou que o condutor do veículo segurado não procedeu ao corte e desligamento dos airbags do veículo; pelo contrário, como a sentença recorrida faz eco em vários passos, o mesmo desconhecia esse facto. 13. A testemunha NB, que a 30 minutos e 27 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 30 minutos e 43 segundos, a instâncias da Sra. Dra. Juiz, refere que “o embate no papel sim, a dinâmica poderia ter feito disparar os airbags”. 14. Não se pode inferir sem mais que os airbags se encontravam desligados/cortados no dia do acidente, e muito mais particularmente, no momento do acidente. 15. O facto dado como provado n.º 8 deve passar a constar da factualidade dada como não provada. 16. O facto dado como provado n.º 9.º (“O veículo VX podia circular após os airbags terem sido acionados (disparados.)”, foi incorretamente julgado. 17. Se não se consegue afirmar sem sombra de dúvida que os airbags se encontravam desligados ou cortados no momento do acidente em causa nos presentes autos, não se consegue pôr em dúvida que os airbags dispararam no momento do acidente e, portanto, não se infirma a descrição constante da participação do acidente, sendo inteiramente irrelevante afirmar que o carro podia circular com os airbags disparados. 18. É plausível que as fichas dos airbags, por qualquer motivo ou circunstância desconhecida, tivessem sido cortadas ou desligadas após o acidente. 19. O facto dado como provado n.º 9, na enumeração da sentença recorrida, devendo deve ser eliminado da factualidade dada como provada. 20. O facto dado como provado: “13.º O veículo xx-xx-VX chegou à oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” com as fichas de ligação dos airbags frontais desligada e cortada.”, foi incorretamente julgado. 21. A testemunha, PO, a 17 minutos e 43 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 18 minutos e 20 segundos, refere que viu pela primeira o veículo sinistrado na oficina, e que “O carro vem do reboque. A oficina diz que entrou lá que não sei o que se passou. Entrou assim.” 22. E o relatório pericial constante dos Autos, referência 2452336, limita-se a confirmar que é possível que as fichas tenham sido desligadas e cortadas após o acidente, mas não esclarece onde e quando. 23. Não se pode afirmar com certeza se as fichas foram desligadas/cortadas por qualquer circunstância ou motivo no reboque ou já na oficina. 24. O perito limitou-se a repetir o que lhe foi declarado e não colocou em dúvida as informações que lhe foram prestadas. 25. Deve ser eliminado da factualidade dada como provada o facto n.º 13. 26. A sentença recorrida dá como não provado que “a) No dia 11 de abril de 2019, pelas 21h30m, na EN 17, local Catraia de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX, e o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG”, incorretamente. 27. Devem valorar-se as declarações das testemunhas LL. 28. A testemunha LL, a 2 dois minutos e 43 segundos, prosseguindo até aos 2 minutos e 58 segundos da gravação do seu depoimento, confirma que era o condutor do veículo Volvo, confirmando, a 3 minutos e 23 segundos da mesma, prosseguindo até aos 3 minutos e 55 segundos, que a testemunha PO era o condutor do outro veículo. xx. A testemunha PO, entre 2 minutos e 23 segundos e os 2 minutos e 57 segundos da gravação do seu depoimento, esclarece que o acidente ocorre em virtude do embate de um veículo na traseira do veículo que conduzia. 30. A testemunha LL, de 3 minutos e 58 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 4 minutos e 58 descreve a data do acidente, “abril de 2019”. 31. A 5 minutos e 30 segundos, até 5 minutos e 45 segundos da gravação do seu depoimento, essa testemunha descreve que ia na estrada “a carrinha que vinha à frente trava bruscamente” e que o condutor da carrinha era o sr. PO. 32. Aos 6 minutos e trinta segundos da gravação das suas declarações, prosseguindo até aos 6 minutos e 42, a testemunha LL. refere que “o senhor da frente faz uma travagem brusca, eu quando dei conta não conseguiu evitar o acidente e bati por trás”, o que a reafirma a 6 minutos e 48 segundos a 7 minutos da mesma gravação: “tentar travar travei mas quando travei já não fui a tempo” 33. O mesmo, 7 minutos e 59 minutos da gravação do seu depoimento, continuando até aos 8 minutos e 20 segundos, refere que “os airbags logicamente dispararam … o condutor da frente veio ter comigo.” 34. A 5 minutos e 55 segundos até aos 6 minutos e 47 segundos da gravação do seu depoimento, a testemunha LL que “que estaria a pouca distância ... oito, dez metros” do veículo da frente e que iria a “50-60” km por hora. 35. A testemunha LL, quanto à dinâmica do acidente, refere a 35 minutos e 8 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 35 minutos a 19 segundos, que viu algo a sair do airbag quando disparou. 36. O mesmo declara, a 45 minutos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até 45 minutos e 10 segundos da mesma, que era de noite aquando do acidente. 37. A testemunha PO afirma, a 4 minutos e 40 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 4 minutos e 48 segundos, que “seriam oito e meia, nove horas da noite” quando ocorreu o acidente. 38. O mesmo acrescenta, a 5 minutos 55 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 6 minutos e 20 segundos, que “seguia a 50/60 descrevo a curva que é muito ligeira na reta aparece um carro à frente com uma marcha ainda mais lenta … eu travei e depois ao fim de travar muito é que senti o embate”. 39. E refere, a 8 minutos e 40 segundos, prosseguindo até aos 9 minutos da gravação do seu depoimento, que “a traseira” do seu carro embateu na “frente” do outro carro que o choque foi “um pouco” violento. 40. A mesma testemunha aponta, a 11 minutos e 28 segundos até aos 11 minutos e 30 segundos da gravação do seu depoimento, que “os airbags dispararam, e aponta, entre os 11 minutos e 47 a segundos e os 11 minutos e 50 segundos da mesma gravação que “notava-se um ligeiro fumo a sair do motor.” 41. E a testemunha NB, a 30 minutos e 27 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 30 minutos e 43 segundos, a instâncias da Sra. Dra. Juiz, esclarece que “o embate no papel sim, a dinâmica poderia ter feito disparar os airbags”. 42. O acidente pode muito bem ter ocorrido como a Autora o descreveu e o condutor do veículo que seguia na frente confirma. 43. É perfeitamente plausível que na reta em questão, o condutor PO, por desatenção ou até de erro humano e má avaliação das distâncias naquele momento, tivesse travado inopinadamente perante outro veículo e se desse o embate. 44. As regras da experiência comum indicam que é perfeitamente possível ocorrer um embate considerável com dois veículos em velocidade relativamente baixa. 45. Deve eliminar-se da factualidade dada como não provada o facto não provado a), devendo o mesmo passar a constar da factualidade dada como provada. 46. O facto dado como não provado b): “b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo VX era conduzido pelo companheiro da autora, LL, e o veículo BG era conduzido por PO.”, foi incorretamente julgado. 47. As circunstâncias de tempo e de lugar do acidente e também a identidade dos condutores são confirmadas pelos dois condutores e por terceiros. 48. A testemunha LL, a 3 minutos e 58 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 4 minutos e 58 segundos, descreve a data do acidente, “abril de 2019”. 49. A testemunha PO declara, a 4 minutos e 40 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 4 minutos e 49 segundos, que “seriam oito e meia, nove horas da noite” quando ocorreu o acidente. 50. E identifica, a 5 minutos e 10 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 5 minutos e 19 segundos da mesma, o local do acidente, como sendo “reta de São Paio”, em Oliveira do Hospital, o que é confirmado pela testemunha LL entre 4 minutos e 4 segundos e 4 minutos e 26 segundos da gravação do seu depoimento. 51. A testemunha JP, a 15 minutos e 15 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 16 minutos e 12 segundos, identifica o local do acidente como sendo na Estrada Nacional 17 entre Coimbra e Guarda. 52. O facto dado como não provado b), deve eliminar-se da factualidade dada como não provada e passar a constar da factualidade dada como provada. 53. O facto dado como não provado c): “Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG seguia à frente do veículo VX sentido Seia- Coimbra.”, foi incorretamente julgado. 54. A testemunha LL a 5 minutos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 5 minutos e 24 segundos da mesma, refere que seguia no sentido “Seia-Coimbra”. 55. O que é confirmado pela testemunha PO, entre 5 minutos e 30 segundos e 5 minutos e 37 segundos da gravação do seu depoimento, e, a 3 minutos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 3 minutos e 10 segundos, que declara que ele próprio seguia no sentido Oliveira do Hospital- Coimbra. 56. A participação de sinistro e o respetivo croqui atestam com clareza que todos os veículos seguiam na mesma via e no mesmo sentido, e a sua posição relativa. 57. Deve eliminar-se da factualidade dada como não provada o facto não provado c), devendo o mesmo passar a constar da factualidade dada como provada. 58. O facto dado como não provado d): “Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou bruscamente, não dando oportunidade ao condutor do veículo VX de parar e evitar o embate, embora guardasse distância suficiente do veículo BG.”, foi incorretamente julgado. 59. A dinâmica do acidente resulta das declarações das testemunhas LL e PO. 60. Quanto a esta, a testemunha PO, logo no início do seu depoimento, entre 2 minutos e 23 segundos e os 2 minutos e 57 segundos da gravação do seu depoimento, esclarece que o acidente ocorre em virtude do embate de um veículo na traseira do veículo que conduzia. 61. Entre 10 minutos a 54 segundos a 10 minutos e 58 segundos da gravação do seu depoimento, a testemunha LL esclarece que embateu na traseira do veículo da frente. 62. A testemunha LL, quanto à dinâmica do acidente, refere ainda, a 35 minutos e 8 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 35 minutos a 19 segundos, que o mesmo viu algo a sair do airbag quando disparou. 63. O mesmo reitera, a 19 minutos e 49 segundos, prosseguindo até aos 19 minutos e 54 segundos da gravação do seu depoimento que “o carro da frente abrandou e foi então que eu travei.” 64. As fotos da dianteira do veículo segurado juntas como documento n.º 4 à contestação, e cuja versão colorida foi junta após audiência de 12.05.2023, comprovam os danos na dianteira do veículo segurado. 65. O conhecimento geral em matéria de acidentes rodoviários indica que é perfeitamente possível ocorrer um embate considerável com dois veículos em velocidade relativamente baixa. Basta que a travagem seja brusca e ocorra erro de avaliação na distância de segurança. 66. Como o acidente ocorreu de noite, é plausível, dado o nervosismo da situação, que os condutores, acordadas as culpas no sinistro, neste caso pela assunção de um, tivessem acordado preencher a declaração amigável no dia seguinte ao acidente. 67. A testemunha PO, de 31 minutos e 28 segundos a 32 minutos e 16 segundos da gravação do seu depoimento, indica que “o senhor disse que se dava como culpado e que assumia a responsabilidade por tudo o que aconteceu … quando liguei ao meu mediador … ele disse tudo bem se ele se dá como culpado e está disposto a aceitar a declaração amigável não há necessidade de chamar ninguém”. 68. O facto dado como provado d) deve ser eliminado da factualidade dada como não provada e passar a constar da factualidade provada. 69. O facto dado como não provado: “e) Por força do embate referido em a), b), c) e d), os airbags do veículo VX tenham disparado, a parte da frente tenha ficado completamente danificada, e este tenha sofrido os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º”, foi incorretamente julgado. 70. A sentença recorrida ignora inteiramente a consistência dos depoimentos das testemunhas, LL e PO, que confirmam que os airbags dispararam. 71. As declarações das testemunhas JM e NB não permitem excluir que o corte/desligamento das fichas tenha ocorrido posteriormente, pelo contrário. 72. A testemunha JM, a 9 minutos e 22 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 10 minutos e 59 segundos, refere que “estava a frente do veículo, os faróis, capot, assim mais na parte de cima, eventualmente radiadores”, sendo a reparação inviável devido à especificidade da marca e das peças, difíceis de encontrar, daí a perda total. 73. Quer o documento n.º 5 junto à contestação, quer o documento n.º 2 junto com a petição inicial, confirmam que os custo de reparação do veículo ascenderia a 19.189,64€ (dezanove mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos). 74. E o documento n.º 2 junto com a petição inicial confirma que foi posto condicionalmente à disposição da Autora o valor de 12.601,00€ (doze mil seiscentos e um euros). 75. O facto dado como não provado e) deve ser eliminado da factualidade dada como não provada o facto não provado devendo passar a constar da factualidade dada como provada que por força do embate referido, os airbags do veículo VX dispararam, a parte da frente ficou danificada, este sofreu danos cujo custo de reparação é avaliado pela ré em 19.189,64€, (dezanove mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6.º, tendo a Ré posto condicionalmente à disposição da Autora a quantia de 12.601,00€ (doze mil seiscentos e um euros). 76. A sentença recorrida aplicou incorretamente o disposto nos artigos 1.º, 102.º, n.º 1, e 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), e ao julgar a presente ação improcedente, violou estes preceitos. 77. A Autora logrou provar que o acidente ocorreu nos termos em que descreve. 78. Como tal, o dano do sinistro até ao montante do capital deve ser indemnizado, atendendo ao valor seguro, correspondente ao capital seguro ou valor declarado. 79. No caso concreto, atendendo ao custo de reparação do veículo sinistrado fixado pela Ré, segundo o documento n.º 5 junto à contestação, e o documento n.º 2 junto com a petição inicial, em 19.189,64€ (dezanove mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), é manifesto que a mesma deve indemnizar o tomador de seguro na que ela própria pôs condicionalmente à disposição da Autora 12.601,00€ (doze mil seiscentos e um euros), nos termos da apólice do seguro contratado entre as Partes. 80. Em suma, verificam-se os requisitos da obrigação de indemnização da Ré à Autora. 81. A presente ação deve ser julgada procedente. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, e, em consequência, deve ser revogada a douta sentença recorrida, devendo a decisão da matéria de facto ser objeto de aditamento e de correção, nos termos sufragados em sede de alegações e conclusões, e devendo tal sentença ser substituída por Acórdão que, aplicando devidamente o disposto nos artigos 1.º, 102.º, n.º 1, e 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), julgue procedente a presente ação. Assim se fazendo JUSTIÇA.” * A Ré contra-alegou, concluindo no sentido da improcedência do recurso. * O recurso foi admitido como Apelação, subindo imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – OBJECTO DO RECURSO: Considerando o teor das conclusões do recurso, as questões a apreciar no recurso são as seguintes: - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - Erro no julgamento de direito. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade: “1º À data de 11/04/2018, o veículo da marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX encontrava-se registado a favor da autora e possuía seguro do ramo automóvel válido, celebrado com a ré, titulado pela apólice n.º 0004217045, 2º A apólice celebrada entre autora e ré, melhor referida em 1º, contemplava entre outras, uma cobertura por danos próprios em caso de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, tendo sido acordado o capital seguro de €13.062,00 e a franquia de €750,00. 3º À data de 11/04/2019, o veículo da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG, encontrava-se registado a favor da Associação Desportiva …. e tinha seguro do ramo automóvel válido, celebrado com a empresa “Fidelidade”, titulado pela apólice n.º 752864068. 4º A autora comunicou à ré a ocorrência de um embate entre os veículos identificados em 1º e 3º, enviando-lhe para o efeito a “declaração amigável de acidente automóvel” junta como documento 1 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5º Nessa sequência, a ré efetuou uma peritagem para averiguação das causas do embate participado e avaliação dos danos correspondentes no veículo VX. 6º No dia 10 de maio de 2019, a ré enviou à autora a carta junta como documento 2 da petição inicial, com o seguinte teor: “No seguimento da vistoria efetuada constatámos que a viatura de V. Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação de €19.189,64 na oficina “Ascendum Camiões Unipessoal Lda.”, a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (€211,00), bem como o valor seguro à data do sinistro de €13.062,00, e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, colocamos condicionalmente à sua disposição a quantia de €12.601,00, já deduzida a franquia contratual de €250,00 mantendo V. Ex.ª a posse do veículo com danos, pelo que aguardamos que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura (…).”. 7º No dia 29 de maio de 2019, a ré enviou à autora a carta junta como documento 1 da contestação, com o seguinte teor: “Serve a presente para informar V. Ex.ª que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente averiguação efetuada e respetiva peritagem, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista, pelo que declinamos qualquer responsabilidade pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo.”. 8º O veículo xx-xx-VX tinha, à data de 11/04/2019, uma das fichas de ligação dos airbags frontais desligada e outra cortada, o que impedia os airbags de serem acionados (de dispararem) em caso de colisão. 9º O veículo VX podia circular após os airbags terem sido accionados (disparados). 10º As fichas de ligação dos airbags encontram-se localizadas no interior do tablier, junto à zona do porta luvas. 11º A autora indicou a oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” para reparação do veículo VX. 12º O veículo xx-xx-VX foi transportado para a oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” através de reboque. 13º O veículo xx-xx-VX chegou à oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.”com as fichas de ligação dos airbags frontais desligada e cortada. 14º À data de 11/04/2019, o veículo xx-xx-VX, do ano de 2004, tinha percorridos 248546 kms. 15º À data de 11/04/2019, o valor de mercado do veículo xx-xx-VX não era superior a €6.000,00.” E considerou não provada a seguinte factualidade: “a) No dia 11 de abril de 2019, pelas 21h30m, na EN 17, local Catraia de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX, e o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG. b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo VX era conduzido pelo companheiro da autora, LL, e o veículo BG era conduzido por PO. c) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG seguia à frente do veículo VX sentido Seia- Coimbra. d) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou bruscamente, não dando oportunidade ao condutor do veículo VX de parar e evitar o embate, embora guardasse distância suficiente do veículo BG. e) Por força do embate referido em a), b), c) e d), os airbags do veículo VX tenham disparado, a parte da frente tenha ficado completamente danificada, e este tenha sofrido os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º. f) Autora e ré acordaram, no âmbito da apólice identificada em 1º e 2º, que, em caso de perda total do veículo xx-xx-VX, seria devida, além do capital seguro, o pagamento de quantia correspondente a 20% do valor do veículo à data do sinistro.” * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto: Dispõe o artigo 640.º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pág. 858, na anot. 5 ao art.º 662º, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art.º 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão. No caso dos autos o recorrente pretende a alteração do decidido sob os pontos 8, 9 e 13 da matéria de facto dada como provada e dos pontos a), b) c) d) e) da matéria não provada. Pretende que os pontos 8, 9, e 13 passem a integrar a matéria não provada, e que os pontos a) a e) transitem para a matéria provada. Os factos 8 e 9 têm, respetivamente, a seguinte redação: - 8º O veículo xx-xx-VX tinha, à data de 11/04/2019, uma das fichas de ligação dos airbags frontais desligada e outra cortada, o que impedia os airbags de serem acionados (de dispararem) em caso de colisão; -9º O veículo VX podia circular após os airbags terem sido accionados (disparados). Por sua vez, o facto 13 tem a seguinte redação: -13º O veículo xx-xx-VX chegou à oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.”com as fichas de ligação dos airbags frontais desligada e cortada. Na sentença recorrida fundamentou-se a motivação do Tribunal quanto à prova de tais factos nos seguintes termos: “Os factos 8º, 9º, 10º e 13º resultaram provados com base nas declarações unânimes das testemunhas JM, NB, JP e PO, os quais, na qualidade de peritos averiguadores (os quatro primeiros) e de coordenador de peritos averiguadores (o último), os quais fizeram a peritagem ao veículo xx-xx-VX após a participação de embate comunicada pela autora e em discussão nos presentes autos, tendo constatado que as fichas dos airbags frontais estavam, respetivamente, desligada e cortada, o que se mostra consentâneo com a reportagem fotográfica efetuada pela testemunha JP e junta aos autos com a contestação (documentos 3 e 4), tendo a sua versão integral sido junta pela testemunha JP em 12/05/2023 (versão esta não impugnada pelas partes; cfr. ata de 12/05/2023). O depoimento das identificadas testemunhas foi sereno, objetivo e espontâneo, mostrando-se ainda coerente com as regras da lógica e experiência comuns. Com efeito, se as fichas de airbag estiverem desligadas ou cortadas, estes equipamentos de segurança rodoviária não são accionados em caso de colisão, mas o veículo pode circular com airbags acionados previamente, pois eles esvaziam alguns minutos após terem sido accionados. O depoimento das identificadas testemunhas mostra-se ainda credível face às regras da lógica e experiência comuns na parte em que referiram que o reboque não necessitaria de desligar ou cortar as fichas de airbag para transportar o veículo xx-xx-VX para a oficina. Da mesma forma que esta não o faria antes da ordem de reparação. Pelas razões expostas julgaram-se provados os factos 8º, 9º, 10º e 13º.” A recorrente pugna pela ausência de prova sobre tais factos, baseando-se, para o efeito em trechos dos depoimentos das testemunhas JM, NB, PO e no relatório pericial. A recorrida discorda. Avaliemos, sendo que para o efeito procedemos à audição integral dos depoimentos prestados nos autos. Quanto aos factos nº8 (“O veículo xx-xx-VX tinha, à data de 11/04/2019, uma das fichas de ligação dos airbags frontais desligada e outra cortada, o que impedia os airbags de serem acionados (de dispararem) em caso de colisão”), 9º (“O veículo VX podia circular após os airbags terem sido accionados (disparados)”) e 13º (” O veículo xx-xx-VX chegou à oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” com as fichas de ligação dos airbags frontais desligada e cortada), entendemos que não existe prova bastante dos mesmos. O tribunal a quo baseou-se nos depoimentos das testemunhas JM, NB, JP e PO que, por conta da Ré Seguradora, fizeram a peritagem ao veículo, tendo constatado que as fichas dos airbags frontais estavam, respetivamente, desligada e cortada, conforme reportagem fotográfica junta aos autos com a contestação (documentos 3 e 4), tendo a sua versão integral sido junta pela testemunha JP em 12/05/2023. Ora, é certo que as testemunhas JM, NB e PO referiram que se deslocaram à oficina e constataram que as fichas dos airbags frontais do veículo estavam, respetivamente, desligada e cortada (a testemunha JP referiu que não chegou a ir à oficina). E as fotografias juntas aos autos confirmam-no. Todavia, a testemunha NB referiu não ter questionado a oficina sobre a questão das fichas dos air bags, a testemunha JM referiu não ter perguntado nada sobre as fichas (pelo menos não se recorda), e a testemunha JP não chegou sequer a ir à oficina. Apenas a testemunha PO referiu ter sido perguntado na oficina se tinha havido alguma intervenção e que a resposta foi de que o carro entrou na oficina assim, que o carro chegou lá no reboque naquele estado; não indicou, contudo, com quem falou na oficina, sendo pois vaga a informação que prestou a esse respeito. Também não foi arrolada e inquirida qualquer testemunha que trabalhasse à data na oficina e pudesse confirmar ao tribunal que ali não houve qualquer atuação relativa às fichas dos air bags. Não há, pois, prova objetiva do facto 13, e as razões de experiência comum invocadas na motivação da decisão sobre os factos (no sentido de que a oficina não desligaria ou cortaria as fichas de air bag antes da ordem de reparação) não podem suprir a ausência de prova objetiva. Ainda que tais razões de experiência comum pudessem gerar a dúvida sobre a realidade daquele facto, esta dúvida sempre se resolveria contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do art.º 414º do CPC, ou seja, in casu, contra a Ré. Assim, o facto 13 deverá considerar-se não provado. O mesmo se diga relativamente ao facto 8. As testemunhas supra identificadas apenas tiveram contacto com o veículo quando este já se encontrava na oficina (a testemunha JP nem isso, porquanto não se chegou a deslocar à oficina) e portanto, não puderam nem podem afiançar o que em concreto se passou até ao momento em que viram o veículo. Dos respetivos depoimentos não se pode objetivamente extrair, com a necessária segurança, em que local, em que momento, e quem procedeu à ação de corte e desligamento das fichas dos air bags. E, portanto, não se pode excluir a possibilidade de essa ação ter ocorrido já depois do acidente (como aliás se refere como possível no relatório pericial), seja no âmbito do transporte do veículo para a oficina onde foi visto pelas referidas testemunhas do Réu, seja já nessa oficina. Portanto, apesar de as referidas testemunhas estarem convencidas que as fichas teriam sido desligadas anteriormente ao próprio acidente e que o veículo circularia com os air bags já acionados, o que é certo é que não foi feita qualquer efetiva prova dessa factualidade, a qual assenta apenas em conjeturas das testemunhas. E tanto basta para não se poder dar o facto 8 como provado. Acresce que foi até produzida prova em sentido contrario, porquanto as testemunhas LL e PO, os intervenientes no acidente, e portanto quem está efetivamente em condições de descrever o que se passou nesse momento, referiram que os air bags dispararam com o embate, o que, conforme resulta da perícia de 05.05.2022, só poderia acontecer se as fichas estivessem ligadas (se estiverem desligadas os air bags não são acionados). Consequentemente, também não se pode manter como provado o facto 9 (“O veículo VX podia circular após os airbags terem sido accionados (disparados)”), porquanto o mesmo pressupõe que os air bags foram efetivamente acionados e ainda assim o veículo podia andar. Mais do que a possibilidade/viabilidade técnica e abstrata do veículo circular com os air bags abertos (a qual existe, conforme confirmaram as testemunha JP e NB, e também resulta do relatório pericial junto aos autos a 05.05.2022- cf resposta ao quesito 5 do reu), o facto 9 reporta-se a uma realidade concreta: terem os air bags sido acionados/disparados e o veiculo poder circular após tal acionamento. Ora tal realidade concreta não se demostrou, pois da mesma forma que as testemunhas da Ré não puderam em concreto afiançar em que momento e circunstâncias ocorreu o corte/desligamento das fichas dos air bags, também não puderam afiançar que os air bags tenham sido efetivamente disparados (sem ser por via do embate alegado pela autora) e que, não obstante, o veiculo ainda pudesse circular. Inexiste, pois, prova bastante do facto. Assim sendo, os factos 8, 9, e 13 passam a não provados. Pretende também a recorrente que os pontos a), b) c) d) e) da matéria não provada passem a provados. Os referidos pontos a), b) c) d) e) têm a seguinte redação: “a) No dia 11 de abril de 2019, pelas 21h30m, na EN 17, local Catraia de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX, e o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG. b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo VX era conduzido pelo companheiro da autora, LL, e o veículo BG era conduzido por PO. c) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG seguia à frente do veículo VX sentido Seia- Coimbra. d) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou bruscamente, não dando oportunidade ao condutor do veículo VX de parar e evitar o embate, embora guardasse distância suficiente do veículo BG. e) Por força do embate referido em a), b), c) e d), os airbags do veículo VX tenham disparado, a parte da frente tenha ficado completamente danificada, e este tenha sofrido os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º. Relativamente a esta matéria considera a recorrente que a mesma deverá ser provada com base nos depoimentos de LL e PO e quanto ao ponto e) também nos docs. 2 da p.i. e 5 da contestação. A recorrida discorda. O tribunal a quo considerou o seguinte: “No que respeita aos factos não provados, cumpre referir que a autora não cumpriu o ónus de prova que sobre si impendia. Vejamos Para prova das circunstâncias de tempo e lugar e dinâmica do embate, a autora arrolou o alegado condutor do veículo xx-xx-VX – testemunha LL, seu companheiro, e o condutor do veículo xx-xx-BG (testemunha PO). Acontece que o depoimento de LL não mereceu credibilidade nesta parte. Com efeito, o mesmo declarou que não ia distraído; que circulava devagar (não mais de 50-60 kms/hora); que não estava nevoeiro; que conseguia ver o veículo que circulava à sua frente; e que circulava a uma distância de 8-10 metros desse veículo. Ora, de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, era possível à testemunha evitar o embate, à distância que se encontrava do veículo BG e à velocidade a que ambos seguiam (tb o condutor do veículo BG refere que ia devagar, não mais de 50 kms/hora). Acresce que não é credível, face às regras da lógica e experiência comuns, que dois condutores que não se conhecem, optem por se ausentar do lugar sem a comparência das autoridades policiais (sabendo que não havia testemunhas do embate), sem preencherem a “declaração amigável de acidente de viação” e venham a solicitar o preenchimento desta ao medidor de seguros do veículo BG, dois dias após a ocorrência do alegado embate. De não somenos importância se revela a circunstância de a testemunha LL ter faltado à verdade ao referir que os airbags dispararam após o alegado embate. É que, de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, isso não podia suceder porque as fichas de ligação estavam, respetivamente, desligada e cortada (facto que a testemunha certamente desconhecia, uma vez que tais fichas encontram-se no interior do tablier, junto à zona do porta luvas, e só após a desmontagem do tablier é possível verificar o estado das fichas de ligação …). É verdade que a testemunha PO afirma que o embate sucedeu nas circunstâncias descritas e que, nessa sequência, foi socorrer o condutor do veículo VX, tendo visto algum fumo a sair deste. Porém, pelas razões supra expostas, o tribunal não atribuiu credibilidade ao seu depoimento. Ainda que estivesse a falar a verdade, o que não se concede, sempre se diria que, se o embate tivesse sido um bocado violento (como qualificou) a ponto de danificar a parte frontal do veículo VX era expetável que o impacto tivesse danificado peças e que originasse fumo (por exemplo, sistema de refrigeração automóvel). Face ao exposto, o tribunal julgou não provados os factos descritos sob as alíneas a) a e). “ Ora, consideramos que os pontos a), b), e c) se encontram provados por virtude dos depoimentos das testemunhas LL e PO, os intervenientes no acidente de viação, e, como tal, quem está efetivamente em condições de descrever e confirmar as respetivas circunstâncias de tempo, modo e lugar. As referidas testemunhas confirmaram, de forma coerente, a factualidade contida nessas alíneas, em consonância, aliás, com a participação amigável que assinaram e que foi junta aos autos com a p.i.. As reservas manifestadas pelo Tribunal a quo relativamente à credibilidade dos referidos depoimentos não merecem acolhimento da nossa parte. Segundo o tribunal a quo LL declarou que não ia distraído; que circulava devagar (não mais de 50-60 kms/hora); que não estava nevoeiro; que conseguia ver o veículo que circulava à sua frente; e que circulava a uma distância de 8-10 metros desse veículo. E conclui o tribunal a quo que, de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, era possível à testemunha evitar o embate, à distância que se encontrava do veículo BG e à velocidade a que ambos seguiam (tb o condutor do veículo BG refere que ia devagar, não mais de 50 kms/hora). Mas com que base científica conclui o tribunal a quo que numa exígua distância de 8/10 metros é possível ao condutor de um veículo que circula a 50/60 Km/hora evitar o embate no veículo que seguia à sua frente com idêntica velocidade, mas que, posteriormente, conforme confirmam ambos os condutores, travou? Por outro lado, acrescenta o tribunal a quo não ser credível, face às regras da lógica e experiência comuns, que dois condutores que não se conhecem, optem por se ausentar do lugar sem a comparência das autoridades policiais (sabendo que não havia testemunhas do embate), sem preencherem a “declaração amigável de acidente de viação” e venham a solicitar o preenchimento desta ao medidor de seguros do veículo BG, dois dias após a ocorrência do alegado embate. Ora, a participação amigável permite exatamente dispensar a intervenção das autoridades policiais; e o facto de ela não ter sido logo preenchida no local, mas apenas no dia seguinte, no escritório do mediador de seguros do veículo BG, foi explicado pela testemunha PO que referiu que o condutor da outra viatura se assumiu logo como culpado, pelo que, após ter contactado telefonicamente com o seu mediador de seguros, em quem confia, combinou então com o condutor da outra viatura encontrarem-se no dia seguinte no escritório do mediador para fazerem a participação, tendo ficado com o numero de telefone do referido condutor. Pode não ser a forma de atuação mais previdente, mas não podemos olvidar que em circunstâncias imprevistas e desagradáveis como é o caso de intervenção em acidente de viação, as pessoas não reagirão todas da mesma forma. Mais a mais, temos de ter em conta a hora a que se deu o acidente (já de noite), e o facto de, segundo a testemunha PO, LL lhe parecer em choque, circunstâncias que objetivamente ajudam a perceber que a declaração amigável não tenha sido de imediato preenchida. Aliás, o facto de as duas testemunhas terem em audiência de julgamento referido que a participação amigável foi assinada no dia seguinte no escritório do mediador até aponta no sentido da autenticidade dos seus depoimentos, pois, caso quisessem enganar a seguradora e o tribunal, poderiam ter dito que a participação teria sido assinada no local e logo após o acidente, pois nenhuma outra testemunha, por não estar lá presente, o poderia desmentir. Considera também o tribunal a quo “a circunstância de a testemunha LL ter faltado à verdade ao referir que os airbags dispararam após o alegado embate”, pois” de acordo com as regras da lógica e experiência comuns, isso não podia suceder porque as fichas de ligação estavam, respetivamente, desligada e cortada”. Ora, conforme analisado a propósitos dos factos 8 e 13, não está provado que as fichas de ligação estavam desligada e cortada aquando do acidente; assim sendo, não existe fundamento para se considerar que a testemunha faltou à verdade ao referir que os air bags dispararam após o alegado embate. Refere ainda o Tribunal a quo, relativamente à testemunha PO, que “pelas razões supra expostas, o tribunal não atribuiu credibilidade ao seu depoimento. Ainda que estivesse a falar a verdade, o que não se concede, sempre se diria que, se o embate tivesse sido um bocado violento (como qualificou) a ponto de danificar a parte frontal do veículo VX era expetável que o impacto tivesse danificado peças e que originasse fumo (por exemplo, sistema de refrigeração automóvel). “ Ora, não se compreende esta observação, uma vez que a testemunha referiu expressamente ter visto fumo a sair do motor. Não relevam, pois, as reservas apontadas pelo tribunal a quo à credibilidade dos depoimentos de LL e PO. Sendo que tais depoimentos claramente comprovam a factualidade descrita nos pontos a) a c), que assim se consideram provados. No que tange à alínea d) (“Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou bruscamente, não dando oportunidade ao condutor do veículo VX de parar e evitar o embate, embora guardasse distância suficiente do veículo BG.”, considerando que o próprio condutor do veiculo VX, a testemunha LL, assumiu que ia a uns meros 8/10 metros de distância do veiculo BG, não se pode considerar provado que guardou distância suficiente daquele veiculo, pelo que, considerando os depoimentos das duas testemunhas em causa, que referiram a travagem feita pelo BG e o subsequente embate do VX naquele, referindo LL não ter conseguido evitar o acidente, apenas se pode dar como provado que: “Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou, não conseguindo o condutor do veículo VX parar e evitar o embate.” Por último, quanto ao ponto e) (“Por força do embate referido em a), b), c) e d), os airbags do veículo VX tenham disparado, a parte da frente tenha ficado completamente danificada, e este tenha sofrido os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º”), entendemos que o mesmo resulta provado com base nos depoimentos de LL e PO que referiram que aquando do embate os air bags dispararam (e tal aspeto, conforme supra referido, não foi concreta e objetivamente infirmado por qualquer outro meio de prova), e nas fotografias juntas aos autos que mostram os danos na parte da frente do veículo, sendo que a testemunha PO referiu que a frente do carro ficou destruída, e ainda na carta de 10.05.2019 junta à p.i., confirmado por JM e PO. Um último apontamento: resultou expressamente do depoimento da testemunha ML que a Ré seguradora/ora recorrida em junho de 2019 pagou à sua congénere seguradora do veículo conduzido por PO (Fidelidade) o montante dos danos sofridos por tal veículo, o que fez, com base na participação amigável subscrita por aquele e por LL. Ora, não faz sentido que não tenha então levantado reservas a tal pagamento (como a testemunha ML admitiu que poderia ter sido feito caso a Ré considerasse existir conluio entre os dois condutores) quando já antes havia declinado a sua responsabilidade relativamente aos danos do veículo da autora, pondo em causa os contornos do acidente (cf carta xx.05.2019 dirigida à autora). Está em causa o mesmo embate, sendo, pois incongruente que se aceite a existência e contornos do mesmo para uns fins (ressarcimento de danos de terceiro) e não se aceite para outros (ressarcimento de danos próprios). E esse aspeto não pode deixar de ser valorado quando se põe em causa a credibilidade dos depoimentos de PO e LL, pois afinal a participação por eles subscrita relativamente ao acidente foi aceite para outros fins, não tendo então sido questionada a credibilidade da participação nem dos seus autores. Em suma, os factos provados passarão a ser os seguintes: 1º À data de 11/04/2018, o veículo da marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX encontrava-se registado a favor da autora e possuía seguro do ramo automóvel válido, celebrado com a ré, titulado pela apólice n.º 000xx17045, 2º A apólice celebrada entre autora e ré, melhor referida em 1º, contemplava entre outras, uma cobertura por danos próprios em caso de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, tendo sido acordado o capital seguro de €13.062,00 e a franquia de €750,00. 3º À data de 11/04/2019, o veículo da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG, encontrava-se registado a favor da Associação Desportiva Nogueirense e tinha seguro do ramo automóvel válido, celebrado com a empresa “Fidelidade”, titulado pela apólice n.º 752864068. 4º A autora comunicou à ré a ocorrência de um embate entre os veículos identificados em 1º e 3º, enviando-lhe para o efeito a “declaração amigável de acidente automóvel” junta como documento 1 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5º Nessa sequência, a ré efetuou uma peritagem para averiguação das causas do embate participado e avaliação dos danos correspondentes no veículo VX. 6º No dia 10 de maio de 2019, a ré enviou à autora a carta junta como documento 2 da petição inicial, com o seguinte teor: “No seguimento da vistoria efetuada constatámos que a viatura de V. Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação de €19.189,64 na oficina “Ascendum Camiões Unipessoal Lda.”, a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (€211,00), bem como o valor seguro à data do sinistro de €13.062,00, e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, colocamos condicionalmente à sua disposição a quantia de €12.601,00, já deduzida a franquia contratual de €250,00 mantendo V. Ex.ª a posse do veículo com danos, pelo que aguardamos que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura (…).”. 7º No dia 29 de maio de 2019, a ré enviou à autora a carta junta como documento 1 da contestação, com o seguinte teor: “Serve a presente para informar V. Ex.ª que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, nomeadamente averiguação efetuada e respetiva peritagem, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista, pelo que declinamos qualquer responsabilidade pela liquidação dos danos decorrentes do mesmo.”. 10º As fichas de ligação dos airbags encontram-se localizadas no interior do tablier, junto à zona do porta luvas. 11º A autora indicou a oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” para reparação do veículo VX. 12º O veículo xx-xx-VX foi transportado para a oficina “Ascendum Camiões, Unipessoal, Lda.” através de reboque. 14º À data de 11/04/2019, o veículo xx-xx-VX, do ano de 2004, tinha percorridos 248546 kms. 15º À data de 11/04/2019, o valor de mercado do veículo xx-xx-VX não era superior a €6.000,00.” “a) No dia 11 de abril de 2019, pelas 21h30m, na EN 17, local Catraia de S. Paio, concelho de Oliveira do Hospital, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de marca Volvo, modelo S80, matrícula xx-xx-VX, e o veículo ligeiro de mercadorias, da marca Ford, modelo Transit, matrícula xx-xx-BG. b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo VX era conduzido pelo companheiro da autora, LL, e o veículo BG era conduzido por PO. c) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG seguia à frente do veículo VX sentido Seia- Coimbra. d) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em a), o veículo BG travou, não conseguindo o condutor do veículo VX parar e evitar o embate. e) Por força do embate referido em a), b), c) e d), os airbags do veículo VX dispararam, a parte da frente ficou completamente danificada, e o veiculo sofreu os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º. Erro no julgamento de direito (conclusões 76 a 81): Dispõe o art.º 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril que: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.” Por sua vez, o art.º 102º nº1 tem a seguinte redação: “O segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.” Considera a recorrente que logrou provar que o acidente ocorreu nos termos em que descreve, verificando-se os requisitos da obrigação de indemnização da Ré à Autora, tendo a sentença recorrida aplicou incorretamente o disposto nos artigos 1.º, 102.º, n.º 1, e 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril). A recorrida discorda. Cumpre apreciar. Provou-se a ocorrência, a 11.04.2019, em Catraia de S. Paio, de um embate entre o veículo da autora, conduzido por LL, e o veículo conduzido por PO, que seguia à frente daquele e travou, não conseguindo o condutor do veículo da autora parar e evitar o embate. Ou seja, provou-se o sinistro, as suas causas e circunstâncias. Provaram-se também as respetivas consequências: os airbags do veículo VX dispararam, a parte da frente ficou completamente danificada, e o veículo sofreu os danos avaliados pela ré em 19.189,64, melhor referidos na carta enviada à autora a que se alude no facto provado 6º. Ora, tendo em conta aquando do referido embate, o veiculo da autora possuía seguro do ramo automóvel válido, celebrado com a ré, titulado pela apólice n.º 0004217045, e que esta apólice contemplava entre outras, uma cobertura por danos próprios em caso de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros (tendo sido acordado o capital seguro de €13.062,00 e a franquia de €750,00) não pode a Ré/recorrida deixar de indemnizar a autora pelos danos próprios sofridos por via da colisão (embate). Recai, pois, sobre a seguradora o dever de indemnização dos danos próprios cobertos pela apólice, já que não se demonstrou que a ocorrência do debate tenha sido dolosa. Sobre esta questão veja-se o Acórdão do STJ de 03.10.2013 proferido no Proc. 2212/09.2TBACB.L1.S1, cujo sumário passamos a transcrever: “I - Em contrato de seguro automóvel com cobertura facultativa de danos próprios, causados entre outros, por choque, a seguradora responde perante o seu segurado por quaisquer danos causados pelo embate do veículo, em circulação, em qualquer corpo fixo, desde que se não prove qualquer actuação dolosa do segurado (ou de pessoas por quem ele responde) na eclosão de tal embate II – Sendo o ónus de prova precedido pelo ónus de alegação, este deve ser cumprido com a afirmação dos factos impeditivos, não bastando a mera insinuação de dúvidas e de suspeitas sobre a causa do acidente. III – Pela própria natureza das coisas deve ser presumida a natureza acidental de qualquer choque, colisão ou capotamento do veículo em circulação, incumbindo à seguradora demandada, o ónus de alegação e de prova de factos descaracterizadores do acidente.” Passemos agora a apreciar a medida da indemnização. Considera a Autora/recorrente que o dano do sinistro deve ser indemnizado até ao montante do capital seguro ou valor declarado, no caso concreto devendo ser indemnizado o valor de 12.601,00€ que a seguradora pôs condicionalmente à disposição da Autora. Pugna, assim, pelo pagamento do valor correspondente ao capital seguro, deduzido da franquia. A recorrida discorda. Na sentença recorrida, apesar de se ter afastado a obrigação de indemnização, entende-se, ainda assim, que tal obrigação não poderia exceder o valor correspondente ao valor venal do veículo. Expende-se na sentença o seguinte: “Nos termos do artigo 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril): “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” (artigo 128º). O valor seguro corresponde ao valor do capital seguro contratado entre as partes e, como tal, ao limite até ao qual a seguradora se obriga a indemnizar o seu segurado em caso de verificação do risco (acidente, furto, roubo, incêndio, etc.). O valor seguro diverge do valor em risco, que corresponde ao valor do objecto seguro à data do sinistro e, como tal, ao valor que a seguradora se obriga, em concreto, a pagar ao seu segurado (descontado de eventuais franquias e, eventualmente, valor do salvado) em caso de verificação do risco. Justamente porque o valor seguro não coincide com o valor do objeto seguro (u valor em risco) é que se consagrou o princípio indemnizatório de que, no seguro de coisas o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o valor do interesse seguro ao tempo do sinistro (artigo 130º, n.º 1). Não podemos deixar de concordar com este segmento da sentença. Refere o art.º 128 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro que: “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.” Acrescenta o art.º 130 nº 1 do mesmo Regime que: “No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.” E no art.º 131.º nºs 1 e 2 do referido Regime, respetivamente, que: ” Sem prejuízo do disposto no artigo 128.º e no n.º 1 do artigo anterior, podem as partes acordar no valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, não devendo esse valor ser manifestamente infundado.” “As partes podem acordar, nomeadamente, na fixação de um valor de reconstrução ou de substituição do bem ou em não considerar a depreciação do valor do interesse seguro em função da vetustez ou do uso do bem”. Das normas em causa decorre que no seguro de coisas o dano a ressarcir pela seguradora corresponde ao valor do interesse seguro (coisa) ao tempo do sinistro, com sujeição ao limite do capital seguro. Podem, no entanto, as partes expressamente convencionar o valor desse interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, desde que não seja manifestamente infundado, designadamente podendo convencionar que não seja considerada a depreciação do valor do interesse seguro (coisa) por virtude do seu uso ou vetustez. Sempre com sujeição ao limite do capital seguro. Cabe, pois, ao lesado que pretenda indemnização superior ao valor venal do bem segurado na data do sinistro alegar e demonstrar que no contrato de seguro consta expressa convenção nesse sentido; especificamente se pretender indemnização correspondente ao valor do capital seguro, terá que alegar e demonstrar que foi expressamente contratualizado que o valor indemnizatório é o do capital seguro. Sobre esta matéria veja-se o Ac. do TRL de 21.05.2020 proferido no Proc. 24171/17.8T8LSB.L1-2, com o qual concordamos, e cujo sumário, na parte que aqui interessa, passamos a transcrever: I) O capital seguro representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador, sendo que, salvo quando esteja determinado por lei, cabe ao tomador do seguro indicar ao segurador, quer no início, quer na vigência do contrato, o valor da coisa, direito ou património a que respeita o contrato, para efeito da determinação do capital seguro (cfr. art.º 49.º, n.ºs. 1 e 2, da Lei do Contrato de Seguro (LCS), aprovada pelo D.L. n.º 72/2008, de 16 de abril). II) Nos seguros de danos a prestação do segurador está limitada ao valor do efectivo prejuízo, sem ultrapassar o valor do capital seguro (art.º 128.º da LCS): O seguro de danos visa, apenas e no máximo, suprimir o dano efetivo, sofrido pelo segurado, não devendo proporcionar um lucro ao segurado. A prestação devida pelo segurador fica limitada ao dano decorrente do sinistro, até ao montante do capital seguro. III) O capital seguro não corresponde ao valor a pagar em caso de sinistro, mas ao valor até ao qual – ressalvados os casos em que ocorra, porventura, incumprimento ou cumprimento tardio da prestação convencionada a cargo do segurador – a seguradora se responsabiliza em caso de ocorrência de um sinistro. IV) A regra do artigo 128.º da LCS é supletiva, podendo ser afastada por convenção contrária das partes, acordando no valor do interesse seguro atendível para o cálculo da indemnização, muito embora esse valor não deva ser “manifestamente infundado” (cfr. artigo 131.º da LCS) e a convenção deva ser expressa (no sentido de que o valor do capital seguro será o valor indemnizatório) e prévia (ao momento de condicionamento da obrigação de indemnização). V) Na falta de estipulação nos termos do art.º 131.º da LCS, importará apreciar se o valor do capital seguro, corresponde ao valor do bem. Se tal suceder, o valor da prestação da seguradora estará encontrado. No caso de não haver tal correspondência, a prestação da seguradora corresponderá ao valor apurado (valor venal ou de mercado), como valor em risco. (…)” No caso dos autos, a autora não demonstrou ter sido expressamente contratualizado que o valor indemnizatório é o do capital seguro. Provou-se apenas que a apólice de seguro tinha cobertura por danos próprios em caso de choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros, tendo sido acordado o capital seguro de € 13.062,00 e a franquia de € 750,00, inexistindo, pois, qualquer contratualização no sentido de que esse capital seguro correspondesse, não só a um limite de responsabilidade, mas também ao próprio valor a indemnizar. E, assim sendo, uma vez que na data do sinistro (11/04/2019) o valor de mercado do veículo xx-xx-VX não era superior a €6.000,00, conforme se provou, é este valor de €6000,00 que deve ser considerado para efeitos de indemnização, sem prejuízo da franquia aplicável. Nessa sequencia, a Ré/recorrida deverá pagar à autora o valor €6.000,00, deduzido da franquia aplicável, e acrescido de juros de mora civis desde a data da citação até integral pagamento. É irrelevante para este efeito que, por carta de 10.05.2019, tenha colocado à disposição da autora quantia de € 12.601,00, porque o fez condicionalmente, não se tratando de proposta definitiva. As custas, quer em primeira quer em segunda instância, deverão ser suportadas pela Autora/recorrente e pela Ré/recorrida, na proporção do respetivo decaimento- – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. *** V- DECISÃO: Pelo exposto acordam os Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e em consequência, alteram a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar à autora o montante de €6000,00, ao qual haverá deduzir a franquia aplicável, acrescido de juros de mora civis desde a citação até integral pagamento. Custas, quer na 1ª quer na 2ª instância, por recorrente e recorrida, na proporção do respetivo decaimento. Notifique. Lisboa, 20.06.2024 Carla Cristina Figueira Matos Octávio Diogo Cristina Lourenço |