Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7016/2003-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
PERDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/16/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: IMPROCEDENTE.
Sumário: A providência de arresto, que se concretiza numa apreensão judicial de bens, destina-se a acautelar o “periculum in mora”, decorrente da normal tramitação dos processos judiciais, apenas deve ser decretada se, através do mecanismo sumário próprio dos procedimentos cautelares, for de concluir pela probabilidade séria da existência do crédito e pelo receio da perda da garantia patrimonial.
Só será legítimo o recurso a este meio coercivo de garantia patrimonial se se verificar, pelo menos, a aparência da existência de um direito e o perigo ou justo receio da insatisfação desse direito, devendo o critério de avaliação destes requisitos assentar, não em juízos puramente subjectivos, mas em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata.
O justo receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar de haver indicação de o devedor estar em risco de se tornar insolvente, como de estar a ocultar o seu património ou de tentar alienar bens de modo que se torne consideravelmente difícil ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito, como do facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação.
Verificando-se, após a oposição ao arresto, a prova de que os requeridos possuem património suficiente para solver o crédito e que os requeridos não venderam o estabelecimento comercial que possuem, nem se ausentaram da localidade que habitam, possuindo ainda outro património se que se indicie que se estejam a desfazer do mesmo, é de ordenar o levantamento da providência decretada, por resultar afastado o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.
No Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha,  APARTELAR .., Ldª, com sede na Avenida Comendador Abílio Sedora, n.º X, 1.º, sala 2, em Castelos da Cepêda, Paredes, instaurou o presente Procedimento Cautelar de Arresto contra ARLINDO ... e mulher MARIA ADÉLIA ..., residentes na Rua , em Caldas da Rainha e contra VASCO ..., residente na Travessa ... , em Caldas da Rainha, pedindo que se decretasse o arresto do imóvel correspondente ao prédio urbano, sito em Melfa, no lugar de Trás de Outeiro, freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz sob o artigo 1930 (pendente de rectificação), descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob a ficha n.º 2098/Santa Maria.
Produzida a prova oferecida pela requerente, sem audiência da parte contrária, veio a ser proferida decisão pela qual o 3.º requerido foi absolvido da instância e a providência cautelar foi julgada improcedente, sendo os 1.º e 2.º requeridos absolvidos do pedido.
Inconformada com a douta decisão, a requerente recorreu da mesma, na parte em que julgou a providência cautelar improcedente e absol­veu os 1.º e 2.º requeridos do pedido. Porém, depois de apresentadas as respectivas alegações, foi proferido despacho a reparar o agravo, julgando totalmente procedente o procedimento cautelar quanto aos 1.º e 2.º requeridos, pelo que foi decretou o arresto do imóvel atrás identificado.
Efectuado o arresto, foram os 1.º e 2.º requeridos notificados para recorrerem do despacho determinativo do arresto ou para deduzirem oposi­ção, tendo aqueles optado por deduzir oposição, pugnando pela indeferimento da providência cautelar decretada, com todas as consequências legais.
Prosseguindo os autos seus trâmites, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, por fim, proferiu-se sentença, julgando a oposição totalmente procedente e ordenando-se o levantamento do arresto decretado.
Inconformado com a decisão, veio a requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, concluindo:
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, sendo, em consequência, revogada a decisão proferida em primeira instância e, consequentemente, ser proferida decisão que decrete o arresto relativamente ao imóvel correspondente ao prédio urbano sito em Melfa, sito no lugar de Trás de Outeiro, freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz sob o artigo 1930 (pendente de rectificação), descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob o n.º 2098, da freguesia de Santa Maria, para garantia do crédito da requerente, assim se fazendo justiça.
Os recorridos contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde foram colhidos os legais vistos, pelo que, nada obstando ao conhecimento do agravo, cumpre decidir.
A questão a dirimir é a de saber se a providência cautelar requerida devia ser decretada e mantida por existência de justo receio de perda da garantia patrimonial
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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
São os seguintes os factos indiciariamente dados como provados:
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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
O art. 619º, n.º 1 do Código Civil dispõe que «o credor que tenha receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo».
Por outro lado, resulta do estatuído nos art.s 406º, n.º 1 e 407º, n.º 1, do Código de Processo Civil que o arresto deve ser decretado se, através do mecanismo sumário, próprio dos procedimentos cautelares, for de concluir pela probabilidade séria da existência do crédito e pelo receio da perda da garantia patrimonial.
Destina-se a providência de arresto a acautelar o “periculum in mora”, resultante da normal tramitação do processo da dívida e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito, que não necessita de ser certo e exigível, por declarado, mas tão-só que, a nível de uma indagação sumária, se verifique uma indiciária probabilidade ou verosimilhança da sua existência.
Para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial é necessário, pois, que concorram duas circunstâncias condicionantes: a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito. Não é necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumus boni juris”, ou seja, que o direito se apresente como verosímil.  Também não é necessário que exista certeza de que a perda da garantia se vai tornar efectiva com a demora, bastando que se verifique um justo receio de tal perda vir a concretizar-se[1].
E como bem se anota na decisão recorrida, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos pu­ramente subjectivos do juiz ou do credor (simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), mas deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob pena de total ineficácia da acção declarativa ou da acção exe­cutiva.
E importa salientar que o justo receio da perda da garantia patrimonial tanto pode resultar de haver indicação de o devedor estar em risco de se tornar insolvente, como de estar a ocultar o seu património ou de tentar alienar bens de modo que se torne consideravelmente difícil ao credor promover a cobrança coactiva do seu crédito. E mais segura razão para o receio justificado da perda da garantia patrimonial haverá se a dissipação, ou mera tentativa, estiver conexa com a exiguidade do património do devedor em face do montante da dívida e, porventura, com o facto de aquele se furtar ao contacto com o credor ou, de qualquer modo, denotar pretender eximir-se ao cumprimento da obrigação.
No caso vertente entendeu-se na decisão sindicada que mostrando-se embora provado indiciariamente a existência do crédito, não se mostrava, todavia, verificado o justo receio da perda da garantia patrimonial.
A recorrente discorda deste entendimento no que respeita ao receio justificado da insatisfação do seu direito, procurando mostrar nas suas doutas alegações que ele se verifica. Porém, não parece que lhe assista razão.
Com efeito, na parte que interessa, resultou provado que os requeridos são proprietários de três fracções autónomas de pré­dios sitos em Caldas da Rainha e embora duas delas estejam oneradas a terceira não está, tendo esta um valor patrimonial de cerca de € 100.000. Além disso, os requeridos exploram a Pastelaria ... e desde há cerca de 10 anos que residem em Caldas da Rainha, mantendo o mesmo posto de trabalho na Travessa ..., n.º 14.
Destes factos decorre que os requeridos possuem património suficiente para solver a crédito (aparente) da recorrente (cerca de 13.378.544$00), sendo que, após a oposição deduzida pelos recorridos, não se provaram aqueles factos que a recorrente alegou e que haviam justificado o decretamento do arresto, que depois veio a ser levantado pela decisão recorrida. É que, ao contrário do alegado pela recorrente, provou-se que os recorridos não venderam o estabelecimento comercial que possuem em Caldas da Rainha nem se ausentaram daquela localidade; mostra-se que possuem outro património para além do indicado por aquela e não se indicia que se estejam a desfazer do mesmo, apesar de, em altura não apurada, ter sido colocada placa publicitária no imóvel dos requeridos, dizendo "VENDE-SE".
Alegam os recorrentes por via do recurso que constituem fundamentos suficientes para a verificação do requisito de receio de perda de garantia patrimonial o facto de: os devedores terem cancelado os cheques destinados ao pagamento do preço do negócio depois de o mesmo já estar formalizado, impedindo o credor de receber o preço; assumirem postura evasiva em relação ao pagamento da dívida e terem promovido a venda do imóvel colocando uma placa dizendo "VENDE-SE", bem como, negarem alguma vez ter celebrado qualquer negócio com a credora, ora requerente e recorrente.
Ora, não parece que, do facto de os recorridos se recusarem a pagar voluntariamente a dívida e até de não a assumirem e de em determinada altura terem eventualmente tido intenção de vender um dos imóveis que integram o seu património, se possa inferir, sem mais,  que exista perigo actual da perda do direito, tanto mais que outros factos se provaram que contradizem, ou afastam, a existência de tal perigo.
E não se tendo provado factos integradores do fundado receio da perda da garantia do direito, tinha de ser ordenado o levantamento do arresto, que havia sido decretado com fundamento em pressupostos distintos, sendo para o caso irrelevante o valor atribuído ao imóvel com apoio em prova testemunhal. Em todo o caso se dirá que a nível da “sumario cognitio”, própria dos procedimentos cautelares, nada impede que a prova indiciária do valor de um imóvel seja feita através do depoimento das testemunhas, sabendo-se que não se trata de um prova definitiva e que há razões de celeridade processual que não aconselham o recurso à prova pericial.
Em conclusão: não ocorre no caso em recurso justo receio de perda da garantia patrimonial, pelo que bem se decidiu na decisão sindicada ao ordenar o levantamento do arresto.
Improcedem, por isso, as conclusões do recurso.

IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento agravo e confirma-se a decisão recorrida.
Custas nas instâncias pela agravante.
Lisboa,  16 de Outubro de 2003.

FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
FERNANDA ISABEL PEREIRA
MARIA MANUELA GOMES
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[1]Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volu­me 1, 1967, páginas 452.