Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3768/05.4TBVFX.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
TAXA DE JUSTIÇA
CUSTAS
REDUÇÃO
ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- Ainda que não resultante de imperativo legal ( cfr. artºs 1525º e segs. do CPC), caso em que a respectiva violação consubstanciaria a preterição de tribunal necessário , também a preterição de tribunal arbitral voluntário - tribunal convencionado pelas partes - integra infracção das regras de competência, constituindo a violação da convenção de arbitragem uma excepção dilatória ( cfr. artº 494º, alínea j) do CPC ) que , ao contrário do caso da preterição do tribunal arbitral necessário, não é porém de conhecimento oficioso ( cfr. artº 495º do mesmo Código ).
II - É que, como é unanimemente por todos reconhecido, para além de um efeito positivo - força potestativa decorrente da convenção, no sentido de qualquer um dos outorgantes poder dar inicio à instância arbitral, obrigando o outro a vincular-se às suas decisões -, acarreta outrossim a celebração de uma convenção de arbitragem um efeito negativo ,a saber, a impossibilidade de a contra-parte socorrer-se da intervenção do Estado, recorrendo ao tribunal judicial, de tal modo que, se o fizer, pode sempre o outro contraente excepcionar a preterição do tribunal arbitral, conduzindo/forçando assim a respectiva absolvição da instância ( cfr. artºs 493º e 494º, do cpc ).
III - Resulta da conjugação dos artºs 21º e 12º, nº4, da LAV ( Lei de Arbitragem Voluntária ) que o nosso legislador sufragou o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado por Kompetenz-kompetenz , razão porque, ao tribunal judicial apenas é permitido, para decidir da procedência ou improcedência da excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, apreciar tão só dos casos de manifesta nulidade, ineficácia, inabitrabilidade ou inaplicabilidade da convenção arbitral.
IV- Tal equivale a dizer que, apenas nos casos em for manifesta a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, pode o Juiz do tribunal judicial declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção, sendo que, nos restantes casos, tal aferição incumbe em primeira linha ao tribunal arbitral.
V- No âmbito da faculdade que ao juiz assiste de dispensar o pagamento do remanescente , ao abrigo do disposto no artº 27º, nº3, do C. das Custas Judiciais, inclui-se obviamente outrossim a de reduzir o valor do montante do remanescente a considerar na conta a final.
VI- Considerando que, com o RCP (Regulamento das Custas Processuais ), o valor da taxa de justiça , partindo é certo e também do valor da acção, tem este último o limite máximo fixado em € 600 000,01, afigura-se-nos equilibrado e justo, em razão da efectiva complexidade da causa, reduzir o pagamento do remanescente a pagar a final em função de um valor da acção de € 600 000,01, que não de € 2 005.748,11.
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.Relatório.
A , advogado, intentou acção declarativa , com processo ordinário, contra,
A) B -­ Sociedade de Advogados ;
B) C , advogado ;
C) D , advogado ;
D) E, advogado ;
E) F , advogada ; e
F) G , advogado,
Pedindo:
A condenação dos RR, solidariamente , a pagarem ao Autor :
I ) o valor de € 82.705,46 , que o A. está obrigado a suportar a título de juros de mora e aditivo para liquidação das suas dívidas fiscais pelo não cumprimento das suas obrigações fiscais relativas ao exercício de 2001 e 2003, ao qual acresce ainda, desde essa data e até que o A. consiga liquidar a quantia em dívida, juros de mora à taxa de 1 % ao ano, nos termos conjuntos do artigo 44° da Lei Geral Tributária e do nº 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 73/99, de 16/3, bem como juros de mora à taxa legal, contabilizados, desde a data da citação e até integral pagamento ;
II) o valor de € 97.413,87 , a título de despesas de investimento na criação do seu novo escritório - o que inclui encargos bancários com o desconto e reforma de letras - que o A. se viu forçado a suportar por forma a criar condições para poder exercer a sua profissão de Advogado fora da Sociedade lª Ré, bem como nos juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da citação e até integral pagamento;
III) o montante de € 100.000,00 , a título de danos emergentes sofridos pelo mesmo como consequência da confusão criada pelo uso ilegítimo do seu nome por parte dos RR., os quais exercem a mesma actividade profissional do A., em concorrência com este, bem como nos juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da citação e até integral pagamento ;
IV) o montante de € 130.744,76 , a título de lucros cessantes causados ao A. por se ter visto impedido de constituir a nova sociedade de advogados como decorrência da utilização ilícita do nome do Autor por parte dos RR., bem como nos juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da citação e até integral pagamento;
V) o montante de € 1.517.577,00, a título de lucros cessantes causados ao A. por se ter visto forçado a abandonar a sociedade lª Ré., bem como nos juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da citação e até integral pagamento;
VI ) uma indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo, a qual deve ser fixada equitativamente pelo Tribunal em valor não inferior a € 100.000,00, bem como nos juros de mora à taxa legal, contabilizados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
1.1. - Para tanto, alegou o autor, em síntese que :
- Em fins de 1998 e inícios de 1999, após longo processo negocial e conclusão de um Acordo Parassocial, o A. e o R. C fundiram as duas sociedades de advogados de que eram os sócios principais: a J…. & Associados e a B.…..& Associados ;
- Por escritura pública outorgada a 15/2/2000, procedeu-se então à alteração do pacto social da anterior B….& Associados , e o autor procedeu à dissolução e liquidação da J…. & Associados ;
- Iniciada a nova vida societária, a sociedade adquiriu um lugar de destaque entre as principais sociedades de advogados portugueses , mas , por incompatibilidades de feitios e forma de actuar, cedo as relações entre os sócios- principais e fundadores da sociedade, o Autor e o Réu C , acabaram por deteriorar-se , originando um conflito aberto entre ambos, a ponto de o réu C ter afirmado a todos os outros sócios que na sociedade ou estava ele ou o A., tendo um dos dois de a abandonar;
(…)
1.2.- Citados, contestaram os RR, por excepção ( considerando inepta a pi ; invocando a preterição de tribunal arbitral voluntário e a violação de caso julgado) e por impugnação, e deduziram ainda pedido reconvencional , peticionando a condenação do autor a pagar à sociedade Ré a quantia de € 41.324,90, acrescida de juros, contados à taxa legal supletiva desde a notificação desta contestação ao mandatário por si constituído até pagamento integral.
Em sede de causa petendi da Reconvenção, alegaram os RR que, além de honorários, o Autor cobrou despesas, tais como taxas de justiça, deslocações, certidões, etc., aos clientes da Sociedade Ré , de sua gestão, despesas essas que foram suportadas por esta, no valor total de € 41.324,90, que o A. cobrou a esses clientes, mas nem sequer restituiu à Sociedade Ré o valor dessas despesas, inteiramente suportadas por esta, fazendo-o seu até à presente data.
(…)
1.3.- O Autor Replicou, pugnando pelo indeferimento da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, bem como quanto às excepções dilatórias de preterição de tribunal arbitral voluntário e de caso julgado, da excepção dilatória de incompetência do tribunal e demais excepções peremptórias invocadas, impugnando todo o mais alegado pelos RR.
(…)
1.4.- Houve Tréplica e, por despacho de fls. 1858 , foi admitida a intervenção a título principal de H , advogado, o qual veio apresentar a sua contestação.
1.5.- O Autor apresentou Articulado Superveniente, pedindo a ampliação dos pedidos deduzidos sob as alíneas a) e e) da PI., com a alteração que lhes foi introduzida na Réplica, por se tratar do desenvolvimento ou consequência desses pedido já formulados, os quais passariam a ter a seguinte redacção.
Admitido o articulado superveniente, ao mesmo vieram os RR responder, alegando que os factos supervenientes e a respectiva ampliação do pedido, baseiam-se em pretensas consequências da falta de pagamento, pela Ré Sociedade, dos invocados créditos de lucros do Autor , sendo que parte desses lucros reclamados pelo A. - concretamente os referentes a 2002 - foram integralmente pagos sob a forma de adiantamento por conta de lucros, por excesso, nesse mesmo ano, o que bem demonstra a má fé do A.
1.6.- Apresentou ainda o A novo articulado superveniente face ao período temporal entretanto decorrido desde a dedução do articulado superveniente do A. e a data da sentença , pedindo a final que por estar em tempo e se tratarem de factos supervenientes aos articulados deduzidos no presente processo, deveriam os factos ser admitidos ao abrigo e para os efeitos do estatuído no nº 1 e nº 3 al. a) do art. 506° do Cód. Proc. Civil, procedendo-se à ampliação do pedido deduzido sob a alíneas a 1), o qual passaria a ter a seguinte redacção: "devem os 2° a 6° RR. ser condenados, solidariamente, quer por actos praticados a título pessoal, quer por actos praticados pela lª Ré, mas que, ao abrigo do instituto da desconsideração da personalidade colectiva, devam ser imputados àqueles: al ) no pagamento ao Autor do valor de € 82.705,46 (oitenta e dois mil setecentos e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), que o mesmo suportou a título de juros de mora e demais custas para liquidação das suas dívidas fiscais pelo não cumprimento atempado das suas obrigações tributárias relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, ao qual acrescem juros de mora à taxa legal desde a data de 22 de Agosto de 2007 e até integral e efectivo pagamento; ( ... ) respondendo, subsidiariamente, caso se entenda serem os actos imputáveis à sociedade 1ª Ré e não aos sócios 2° a 6° RR., aquela sociedade por esses mesmos danos." .
1.7.- Os RR vieram responder, impugnando os factos alegados pelo A., e , mais uma vez, vieram impetrar a sua condenação como litigante de má fé, uma vez que dos lucros de € 391.983.14 distribuídos por deliberação da Assembleia Geral referentes a 2001, a Ré Sociedade pagou-lhe € 139.444,99, tanto assim que o A., na respectiva acção de cobrança, apenas reclama a diferença de EUR 252.537,14.
1.8.- Designado dia para a audiência preliminar , no seu decurso e por decisão de 30/6/2009, foi o interveniente H , absolvido do pedido efectuado pelos 2º a 6ª RR, tendo ainda a primeira instância indeferido o requerido pelos RR no sentido de o interveniente H permanecer nos autos como interveniente acessório.
1.9.- Proferido despacho saneador, foram enumerados os Factos assentes e a Base Instrutória da Causa , que não sofreram reclamação.
Em sede de despacho saneador o tribunal a quo pronunciou-se pela ampliação do pedido, admitindo-a, e decidiu-se pela procedência da excepção de litispendência relativamente ao pedido reconvencional deduzido pelos RR , absolvendo o Autor reconvindo da respectiva instância.
Mais decidiu o tribunal a quo pela verificação da excepção de preterição do tribunal Arbitral, absolvendo em consequência os RR D e E da instância relativamente a pedidos ancorados na responsabilidade contratual e decorrentes da resolução do acordo parassocial.
Decidiu-se ainda o tribunal a quo pela procedência da excepção de caso julgado sobre a mesma matéria quanto a C , e julgou improcedente a excepção de incompetência material suscitada quanto à matéria relativa ao processo crime por falsificação de documentos.
Finalmente, declarou o tribunal a ilegitimidade passiva da Ré sociedade e dos RRs F e G , quanto à matéria relativa à resolução do acordo parassocial por deles não fazerem parte, por um lado e, por outro lado, por não o terem resolvido.
1.10.- Não se conformando com a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância na parte em que, considerando verificar-se a excepção de preterição do tribunal Arbitral, absolveu os RR D e E da instância relativamente a pedidos ancorados na responsabilidade contratual e decorrentes da resolução do acordo parassocial, da mesma veio o autor agravar, agravo que foi admitido com subida deferida.
1.11.- Realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu o tribunal a quo à matéria da base instrutória da causa, não tendo as partes , do respectivo despacho, deduzido quaisquer reclamações.
1.12.- Por fim, elaborou o tribunal a quo Sentença , sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ V- Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condeno a primeira Ré e solidariamente os demais RRs, após o cumprimento do benefício de excussão prévia daquela, a pagar ao A:
A) a quantia de € 53 244,76, a título de lucros cessantes por ter sido impedido de constituir, até Agosto de 2004, uma nova sociedade de advogados, devido ao uso indevido do seu nome pela sociedade R. já depois da exoneração do A, quantia à qual acrescem juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até efectivo e integral pagamento.
B) A quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
C) Absolvo os RR do demais peticionado.
D) Absolvo o A e os RRs do pedido de condenação como litigantes de má fé.
E) Custas pela autora e pelo R na proporção do decaimento , respectivamente.
Registe e Notifique. “.
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1.13.- Inconformados, vieram Autor e RRs da referida sentença Apelar.
Nas respectivas instâncias recursórias (no Agravo do Autor e apelações do Autor e dos RR ), formularam os recorrentes as seguintes conclusões :
1.13.1.- No Agravo do Autor.
A) Não se conformando o Recorrente com o teor do douto despacho que julgou procedente a excepção de preterição de Tribunal Arbitral, assim absolvendo os Réus, D e E , no que respeita à sua responsabilidade contratual pela resolução do acordo parassocial datado de 23 de Dezembro de 1999, interpôs o mesmo o presente recurso de agravo.
B) A convenção de arbitragem consiste, antes de mais, num negócio jurídico para cuja interpretação há que atender às regras constantes do art. 236.º do Código Civil.
C) Nos negócios formais - como é o caso da convenção de arbitragem - a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238.º, n.º 1, do Código Civil).
D) Ou seja, pode suprir-se a falta de correspondência entre a vontade real do declarante e o texto do documento, mas não pode afastar-se a correspondência entre essa vontade real e esse texto.
E) Resulta inequivocamente do texto da cláusula 19.ª do “Acordo Parassocial” que não foi vontade das partes sujeitar todo e qualquer litígio resultante do Acordo Parassocial à apreciação de Tribunal Arbitral, caso em que, como advogados experientes e competentes que são, teriam apenas estabelecido que “qualquer litígio resultante do presente acordo será sujeito a mediação e arbitragem”.
F) Pelo contrário, foi intenção das partes limitar a apreciação do Tribunal Arbitral apenas aos “litígios entre sócios da …” e enquanto estes mantivessem essa qualidade, assegurando-se, dessa forma, que a paz e a estabilidade da sociedade a que todos os contraentes na altura pertenciam seria protegida, assim se acautelando um interesse comum a todos eles.
G) Só assim se compreende que a resolução do litígio estivesse sujeito a prévia mediação da administração da sociedade e do Senhor Bastonário “tendo em vista os melhores interesses da sociedade como um todo”.
H) Este objectivo primordial da Cláusula Compromissória não poderá ser atingido a partir do momento em que uma das partes deixou de ser membro daquela sociedade e assim deixou de partilhar desse interesse comum, uma vez que, nessa altura, já não é possível chegar à melhor solução para as partes do contrato e para a sociedade “como um todo”.
I) Tendo em conta que o A. e o R. E não eram (como não são actualmente) sócios da 1.ª R. no momento da propositura da presente acção (matéria de facto unanimemente aceite pelas partes), há que concluir que o Tribunal arbitral não tem competência para julgar a matéria em discussão, dado que a convenção de arbitragem já não é aplicável ao A. e ao mencionado R..
J) A esta mesma conclusão (no que respeita à inaplicabilidade da convenção de arbitragem ao A.) chegou o Tribunal Arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem de Litígios Civis, Comerciais e Administrativos, no âmbito do processo n.º 1/2007, ao decidir (com trânsito em julgado) ser incompetente para apreciar o processo proposto pelo aqui 2.º Réu, C (Demandante nessa arbitragem), contra o A./Recorrente (ali Demandado), o qual tinha por base esta mesma convenção de arbitragem.
K) Nos termos do art. 21.º da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), o Tribunal Arbitral é a única entidade competente para aferir da sua própria competência - princípio da Kompetenz-Konpetemz.
L) Assim, os Tribunais Judiciais apenas se podem limitar a remeter a questão para ser analisada pelo Tribunal Arbitral e, caso este se considere incompetente, pronunciando-se pela ineficácia da convenção arbitral, aqueles Tribunais judiciais ficarão vinculados a tal decisão (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de Fevereiro de 2009, publicado in www.dgsi.pt).
M) Acresce que, o princípio geral consiste na atribuição da competência para dirimir conflitos entre entidades privadas aos Tribunais comuns, sendo a atribuição dessa competência a Tribunais Arbitrais feita de forma meramente excepcional - neste sentido vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Abril de 1986, publicado in www.dgsi.pt.
N) Já tendo havido uma decisão do Tribunal arbitral que decidiu pela ineficácia perante o A./Recorrente da convenção de arbitragem constante da cláusula 19.ª do Acordo Parassocial de 23 de Dezembro de 1999, a propositura de nova acção arbitral, na sequência do provimento da excepção de preterição de Tribunal Arbitral ora em análise, apenas para que o Tribunal Arbitral se pronuncie, novamente, sobre a ineficácia da mesma convenção de arbitragem, consiste na prática de um acto manifestamente inútil, que redundará na posterior propositura de uma nova acção judicial para apreciar, agora definitivamente, a matéria de fundo suscitada pelo aqui A.;
O) Por último, não podemos deixar de salientar que é falso que o A. tenha já sido ressarcido por todos os danos derivados da resolução ilícita do Acordo Parassocial por parte dos 3.º e 4.º RR., em virtude da indemnização que recebeu do 2.º R. em cumprimento da Sentença arbitral proferida no processo nº 2002.07, não havendo qualquer caso julgado a este respeito.
Pelo que, deve o Tribunal reparar o agravo, ou, caso sustente a douta decisão recorrida, deve a mesma ser anulada, como é de elementar
JUSTIÇA
1.13.2 - Nas Apelações.
(…)
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Os RR apelados não contra-alegaram , apenas tendo-o feito o Autor apelado, concluindo na respectiva peça nos seguintes termos :
(…)
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O tribunal a quo proferiu despacho de sustentação do agravo.
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Thema decidendum
1.14. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 690º, nº 1, do Cód. de Proc. Civil ), sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a decidir são as que se indicam já a seguir.
Importa porém e desde já precisar que em causa estão Três recursos, sendo o primeiro de agravo, e os dois restantes de apelação .
Nos termos do art 710º , nº1, do CPC, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição, razão porque se impõe conhecer em primeiro lugar do agravo e , depois , das apelações.
No âmbito de cada instância recursória, as questões a decidir são:
A) No agravo interposto pelo Autor.
Se in casu, tal como o decidiu o tribunal a quo, se verificava a excepção de preterição do tribunal Arbitral, razão porque bem andou a primeira instância em absolver os RR D e E da instância relativamente a pedidos do autor ancorados na responsabilidade contratual e decorrentes da resolução do acordo parassocial.
B) Na Apelação do Autor A .
I - Se devem ser alteradas as respostas dadas sobre a matéria de facto no que concerne aos pontos de facto (quesitos) nº s 2º, 20º, 43º a 46º, 58º, 61º, 68º, 70º e 86º da base instrutória.
II - Se deve ser alterada a decisão apelada no que concerne à condenação dos RR no pagamento de indemnização de quantia de € 10.000,00 por danos não patrimoniais sofridos, porque escassa em função dos danos morais que sofreu .
III - Se da factualidade assente resultam factos capazes de alicerçar a atribuição de uma indemnização no montante de € 250.000,00 , pelos lucros cessantes resultantes de exoneração forçada do autor/apelante da sociedade ;
IV - Se da factualidade assente resultam factos capazes de alicerçar a atribuição ao apelante de uma indemnização no montante de € 90.668,00 , por forma a compensar as despesas de investimento na criação do seu novo escritório ;
V - Se em resultado da factualidade assente se impõe a atribuição ao apelante de uma indemnização no montante de € 82.705,46 , a título de compensação pelos danos patrimoniais resultantes do pagamento de juros de mora e outros encargos com os processos de execução fiscal que lhe foram instaurados , revogando-se assim a sentença apelada ;
VI - Se em resultado da factualidade assente se impõe a atribuição ao apelante de uma compensação (a fixar segundo a equidade ) para ressarcir os prejuízos resultantes da diminuição da facturação em virtude de diversos colaboradores seus que tomaram conhecimento das execuções fiscais terem ficado receosos do seu futuro profissional e, consequentemente, terem deixado de colaborar com o autor e, bem assim, de uma compensação de € 10 000 para ressarcimento da diminuição da produção profissional e facturação ,em virtude das horas despendidas na preparação de peças processuais no âmbito das execuções fiscais por conta dos seus rendimentos de 2001, 2002 e 2003;
VII - Se em resultado da utilização abusiva da Ré sociedade, a boa fé impõe que seja desconsiderada a respectiva personalidade jurídica , sendo imputada exclusivamente à pessoa dos seus sócios (2º a 6º RR.) a responsabilidade pela prática de todos os actos provados na presente acção, ainda que sob a veste de deliberações ou actos sociais.
VIII- Se deve a decisão do tribunal a quo ser modificada/alterada no sentido de da mesma ficar a constar que está o apelante dispensado do pagamento do remanescente de taxa de justiça ou, pelo menos , ser tal montante reduzido em função da aplicação dos montantes máximos que seriam devidos de acordo com o art. 6.º n.º 5 e Tabela I-C do Regulamento das Custas Processuais.

C) Na Apelação dos RR
I - Se deve ser alterada a resposta dada sobre a matéria de facto no que concerne ao ponto de facto (quesito) nº 39º da base instrutória da causa.
II – Se deve ser revogada a decisão apelada em sede de condenação da primeira Ré e solidariamente os demais RRs, após o cumprimento do benefício de excussão prévia daquela, a pagar ao A:
A) a quantia de € 53 244,76, a título de lucros cessantes por ter sido impedido de constituir, até Agosto de 2004, uma nova sociedade de advogados, devido ao uso indevido do seu nome pela sociedade R. já depois da exoneração do A, quantia à qual acrescem juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até efectivo e integral pagamento.
B) A quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
*
2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi considerada provada a seguinte factualidade:
A)
Em fins de 1998 e inícios de 1999 o A. e o R. C concluíram um longo processo negocial visando a fusão das duas sociedades de advogados de que eram os sócios principais: a J…… & Associados, com sede e escritório na Avenida ….., em Lisboa e a B…. & Associados, com sede e escritórios na Avenida….., em Lisboa.
B)
O referido processo negocial levou à conclusão de um Acordo Parassocial entre todos os sócios e à adopção de um novo Pacto Social da sociedade, donde decorriam claramente os princípios que presidiram a essa associação .
C)
Tendo, anteriormente a esses documentos, sido celebrado um outro acordo entre o A. e o Réu C , como sócios fundadores e principais participantes na sociedade que resultaria da fusão, donde se extraem igualmente os princípios que presidiam a essa fusão - cfr doc de fl.s 124 e seguintes cujo teor se reproduz.
D)
Como primeiro e elementar princípio foram fixadas as quotas de capital e indústria dos sócios, cabendo ao A. uma percentagem de 35% de capital e 35% de indústria, sendo a sua participação nos resultados em proporção das referidas participações (Artigos terceiro e sexto do Pacto Social).
E)
Nos termos do artigo 6º, n.º 1 do Contrato Social: os resultados apurados em cada exercício eram distribuídos, 20 % destinar-se-ão a remunerar as participações de capital, e 80 % a remunerar as participações de industria.
A quota parte dos resultados destinada a remunerar as participações de capital será atribuída aos sócios de capital na proporção das referidas participações, tal como definida no artigo 3.
(…)
4- A sociedade através da sua administração poderá atribuir mensalmente aos sócios de capital e de industria e aos sócios só de industria importâncias fixas por conta dos resultados a distribuir, podendo alterar, periodicamente o valor desses levantamentos autorizados que quanto aos sócios de capital e industria, manterão sempre a proporção referida no artigo 4º, numero um, acima.
F)
Sendo que esses adiantamentos, sempre praticados nas sociedades de advogados, correspondem a uma espécie de remuneração mensal, pois os sócios, como advogados, vivem exclusivamente do produto da sua actividade profissional.
G)
Do Acordo celebrado entre o A. e o R. C (doravante designado simplesmente por Acordo) ressaltam “as regras que regerão as relações entre ambos no seio da sociedade”.
H)
Desde logo resulta desse Acordo - como resulta também do Acordo Parassocial a que adiante se fará referência - a intenção de constituir uma sociedade onde ambos exerceriam e terminariam a sua actividade profissional, passando depois a clientela e prestígio que haviam angariado ao longo da sua vida profissional para os seus filhos, igualmente Advogados.
I)
Nos termos do Considerando F) do Acordo foi dito:
Que, no plano pessoal, ambos reconhecem que as suas senioridades, competência, prestígio e capacidade de angariação de clientela se equivalem, de forma a que nenhum deve adquirir, na Sociedade, uma posição superior, hierárquica ou funcionalmente, à do outro”.
J)
E, no Considerando J) do Acordo, afirmava-se:
Que, contudo, a posição de sócios principais que deterão na Sociedade lhes permitirá, se mantiverem uma frente unida e coordenada, uma posição decisiva de controlo sobre o funcionamento, opções estratégicas e planeamento da Sociedade, bem como assegurar a união e motivação de todos os advogados que participarão na Sociedade, zelando por prevenir e solucionar quaisquer conflitos que possam surgir”.
K)
Quanto aos filhos de ambos, também advogados, do considerando K) constava explicitamente:
“ Que C e A. têm filhos advogados, aos quais pretendem assegurar, na medida em que os mesmos o desejem, um futuro profissional na Sociedade, beneficiando da clientela e prestígio angariados por C. e A. e possibilitando, à medida que a experiência profissional, o mérito e a dedicação desses filhos o justificar, a sua ascensão a sócios de capital, sucedendo nas posições de B.e A. , e a sua inserção como sócios de indústria da Sociedade, com participações que serão, a todo o momento, rigorosamente iguais”.
L)
Na parte dispositiva do Acordo e considerando que as participações combinadas de ambos na Sociedade constituíam uma confortável maioria de 70% (setenta por cento), estabeleceram-se os preceitos que permitiam obter os resultados anunciados nos Considerandos.
M)
Assim, conforme consta do artigo 1º do Acordo, comprometeram-se o A. e o R. C , “a formar um núcleo duro e a votar, com o mesmo sentido de voto, em todas as deliberações fundamentais relativas à constituição, funcionamento, alianças estratégicas e planeamento da Sociedade”.
N)
Segundo consta do art. 2º do Acordo, conjuntamente com outros sócios da sociedade B. e A. , participam numa sociedade por quotas que é a locatária financeira das instalações onde funcionará a sociedade. Em relação a essa sociedade por quotas (…) ambos se comprometem, igualmente a votar com o mesmo sentido de voto em todas as deliberações fundamentais.
O)
(…)
(…)
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3. - Do Agravo do Autor e apelante A
Em sede de contestação, aduzindo que os pedidos do A. ancorados na resolução pelos RR. D e E , do acordo parassocial , caíam sob a alçada do respectivo art. 19º, o qual contém uma convenção de arbitragem, estando assim subtraídos à jurisdição dos Tribunais Judiciais, deduziram os referidos RR. a excepção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral e, em consequência, impetraram a respectiva absolvição da instância.
O Autor veio responder, alegando que aquando da instauração do processo arbitral ainda era sócio, situação que nos presentes autos já não se verifica, não se estando assim perante um litígio entre sócios, sendo antes o A. um terceiro, razão porque são assim os tribunais comuns os competentes.
Decidindo tal excepção, veio o tribunal a quo ,em sede de Despacho saneador, a julgá-la procedente, e , em consequência , nos termos do art. 493º, n.º 2, 494º, al. j), 495º, absolveu os RRs D e E , da instância, relativa à sua responsabilidade contratual no decurso da resolução do acordo parassocial datado de 23 de Dezembro e no que concerne à matéria alegada e constante dos art. 74 a 90 da PI..
Para tanto, justificou a primeira instância a sua decisão, em parte, da seguinte forma :
(…)
“ Dispõe a cláusula 19ª, n.º 1 do acordo parassocial que caso ocorram quaisquer litígios entre os sócios da BAP que não possam ser dirimidos por negociação directa entre os sócios envolvidos, com mediação da administração se a mesma não for parte interessada, os sócios comprometem-se a solicitar ao Bastonário da AO em exercício a nomeação de um mediador independente que tentará conciliar as partes, tendo em vista os melhores interesses da sociedade como um todo e o n.º 2 refere que caso essa mediação não conduza a uma conciliação, o litígio será obrigatoriamente dirimido por um tribunal arbitral, organizado sob a égide e segundo o regulamento do centro de arbitragens Voluntárias da AO, não cabendo recurso dessa decisão arbitral. O tribunal Arbitral julgará segundo a equidade.
Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários. Os tribunais arbitrais necessários são impostos por lei para o julgamento de determinadas questões - arts. 1525º a 1528º do C.P.C. Os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes, através de uma convenção de arbitragem - art. 1º, nº1, da Lei 31/86. Esta convenção designa-se compromisso arbitral, quando respeita a um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando se reporta a litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual - art. 1, nº 2, da Lei 31/86.
In casu, pese embora, à data da entrada da PI o A já não seja sócio da sociedade R., ainda assim entende o tribunal que o pedido dos arts. 74º a 90º que o mesmo faz relativamente aos RRs D e E é da competência dos tribunais arbitrais. A cláusula compromissória que as partes inseriram, no seu acordo, regula os litígios entre sócios e os factos são relativos à data em que o A. ainda era sócio, sendo os mesmos factos que conduziram o A. a requerer a intervenção do tribunal arbitral, pelo que apesar de à data da propositura da acção o A já não ser sócio da sociedade, ainda assim, o tribunal arbitral é competente para conhecer da matéria resultantes dos artigos 74º a 90º da PI..
Ora Bem.
Consta do acordo parassocial a que se alude na alínea B da motivação de facto do presente Acórdão , outorgado a 23/12/1999 entre o autor A e os RR C , D e E , sob o o Artº 19º, item 19.1 e 19.2, que :
19.1. Caso ocorram quaisquer litígios entre os sócios da BAP que não possam ser dirimidos por negociação directa entre os sócios envolvidos, com mediação da administração se a mesma não for parte interessada, os sócios comprometem-se a solicitar ao Bastonário da AO em exercício a nomeação de um mediador independente que tentará conciliar as partes, tendo em vista os melhores interesses da sociedade como um todo.
19.2. Caso essa mediação não conduza a uma conciliação, o litígio será obrigatoriamente dirimido por um tribunal arbitral, organizado sob a égide e segundo o regulamento do centro de arbitragens Voluntárias da Ordem dos Advogados, não cabendo recurso dessa decisão arbitral. O tribunal Arbitral julgará segundo um critério de equidade.
Perante o teor da referida cláusula, considera o agravante que dela resulta , inequivocamente , que não foi vontade das partes sujeitar todo e qualquer litígio resultante do Acordo Parassocial à apreciação de Tribunal Arbitral, caso em que, como advogados experientes e competentes que são, teriam apenas estabelecido que “qualquer litígio resultante do presente acordo será sujeito a mediação e arbitragem”, antes foi intenção das partes limitar a apreciação do Tribunal Arbitral apenas aos “litígios entre sócios da BAP” e enquanto estes mantivessem tal qualidade.
Quid Juris ?.
Antes de mais, importa reconhecer que inquestionável é que no âmbito de acordo parassocial outorgado a 23/12/1999, foi pelas respectivas partes ( designadamente o autor A e os RR D e E ) no mesmo incluída uma convenção de arbitragem , mais exactamente uma cláusula compromissória ( cfr. artº 1º, nº 2, da Lei 31/86, de 29 de Agosto, doravante designada apenas por LAV), pois que referente a litígios eventuais - potenciais ou futuros - emergentes de uma determinada relação jurídica.
Agravante e agravados, portanto, no âmbito e ao abrigo da autonomia privada, celebraram um negócio jurídico substantivo (1) e/ou processual (2) , nos termos do qual acordaram todos que os litígios entre si e emergentes de determinada relação jurídica que eventualmente viessem a surgir no futuro, seriam obrigatoriamente resolvidos por decisão de árbitros ( em tribunal arbitral ) .
Ainda que não resultante de imperativo legal ( cfr. artºs 1525º e segs. do CPC), caso em que a respectiva violação consubstanciaria a preterição de tribunal necessário , também a preterição de tribunal arbitral voluntário - tribunal convencionado pelas partes - integra infracção das regras de competência, constituindo a violação da convenção de arbitragem uma excepção dilatória ( cfr. artº 494º, alínea j) do CPC ) que , ao contrário do caso da preterição do tribunal arbitral necessário, não é porém de conhecimento oficioso ( cfr. artº 495º do mesmo Código ).
É que, como é unanimemente por todos reconhecido, para além de um efeito positivo - força potestativa decorrente da convenção, no sentido de qualquer um dos outorgantes poder dar inicio à instância arbitral, obrigando o outro a vincular-se às suas decisões -, acarreta outrossim a celebração de uma convenção de arbitragem um efeito negativo ,a saber, a impossibilidade de a contra-parte socorrer-se da intervenção do Estado, recorrendo ao tribunal judicial, de tal modo que, se o fizer, pode sempre o outro contraente excepcionar a preterição do tribunal arbitral, conduzindo/forçando assim a respectiva absolvição da instância ( cfr. artºs 493º e 494º, do cpc ).
Dito isto, e porque deveras relevante para a decisão do agravo, importa agora ponderar como há-de/deve o tribunal judicial agir em sede de averiguação da verificação da excepção dilatória invocada pelo réu, ou seja, será que deve então o Juiz (3) analisar “(…) exaustivamente a existência e validade da convenção invocada ?“, ou antes incumbir-lhe-á tão só a “(…)aplicação automática da absolvição da instância, assim que a excepção é alegada pelo reú ?
A propósito da mesma questão, “adverte” o Supremo Tribunal de Justiça (4) que não se pode olvidar que, “(…) sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares - não poderá deixar de lhes estar reservada uma relevante parcela da jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem.
Seja como for, sobre tal matéria, como bem nota Mariana França Gouveia (5), três diferentes abordagens são possíveis e, maxime doutrinalmente, têm sido defendidas.
Uma, amparada no efeito negativo do principio da competência da competência (6), considera que aos tribunais judiciais está vedada a possibilidade de analisarem qualquer questão que possa implicar a incompetência do tribunal arbitral, razão porque lhes incumbe tão só suspender a instância judicial e remeter o processo para o tribunal arbitral a quem incumbirá tomar a decisão.
Tal equivale a dizer, como refere Mariana França Gouveia (7), que “ (…) não só os tribunais arbitrais têm competência ( cfr. artº 21º ,nº1, da LAV ) para apreciar a sua competência, como a têm prioritariamente em relação aos tribunais judiciais. Estes não têm competência para aferir da jurisdição dos tribunais arbitrais antes de proferida a decisão pelo tribunal arbitral .
No outro extremo, situa-se a posição que entre nós é defendida por Miguel Teixeira de Sousa (8), e que, com base no poder que o tribunal judicial tem de examinar a validade do compromisso arbitral celebrado na pendência da acção ( cfr. artº 290º, do cpc ), considera não estar o mesmo tribunal sujeito a quaisquer limites no âmbito da análise , que pode e deve efectuar , para decidir da procedência ou improcedência da excepção em apreço, podendo, quer apreciar o preenchimento dos requisitos da respectiva validade, incluindo a arbitrabilidade, quer ainda a eficácia e a aplicabilidade da convenção (9) .
Finalmente, uma terceira corrente ( intermédia ) (10) , entende ( com base em interpretação - do principio da competência da competência - conjugada dos artºs 21º e 12º, nº4, da LAV ) que ao tribunal judicial é permitido, para decidir da procedência ou improcedência da excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, apreciar tão só de casos de manifesta nulidade, ineficácia, inabitrabilidade ou inaplicabilidade da convenção arbitral, sendo que, nos restantes casos, tal aferição incumbe em primeira linha ao tribunal arbitral, pois que só dessa forma se respeitará o principio Kompetenz-kompetenz .
Socorrendo-nos das palavras do próprio Lopes dos Reis (11) , diz ele que do “(…) aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial “.
Ou seja, como mais à frente melhor explicita o seu pensamento “ todas estas cautelas da lei significam que ela quis que o tribunal judicial olhasse a convenção de arbitragem como um sinal de proibição: há convenção de arbitragem, é plausível que ela vincule as partes no litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão em sede de impugnação da decisão arbitral.
Para que esse limite fique claro, para que fique nitidamente delimitada essa fronteira estabelecida ao poder do juiz, questões relativas à própria convenção, como a sua validade, a sua eficácia, a sua aplicabilidade, só podem ser apreciadas pelo tribunal judicial depois de o árbitro proferir a sua decisão final.
Só se ocorrer nulidade da convenção de arbitragem é que o tribunal judicial pode decidir de outro modo“.
Este último entendimento , intermédio , é aquele que , para além de já sufragado por este Tribunal da Relação de Lisboa (12), tem vindo a merecer a adesão uniforme do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, sendo de salientar, designadamente , quer a recente decisão supra citada de 10/3/2011, quer ainda a também recente de 20/1/2011 (13), e na qual figura como Relator o ilustre Conselheiro Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues.
É assim que, no citado Ac. desta Relação, a dado passo, se concluiu que “ A questão da validade, a questão da eficácia, mesmo a questão da aplicabilidade da convenção de arbitragem ao litígio submetido ao tribunal judicial estão subtraídas à jurisdição do juiz, quer se discuta a validade da própria convenção (…), quer se discuta a sua eficácia (…)quer se discuta apenas a sua aplicabilidade (…).
É assim, ainda e como também se decidiu no citado e douto aresto deste mesmo tribunal da Relação, que “ (…) Apenas com uma excepção: a que decorre da aplicação da doutrina do artigo 12º, nº 5 da LAV). Se for manifesta (óbvia, evidente) a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção. “.
Em conclusão, agora como adverte o STJ (14), ao apreciar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, devem “(…) os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (…).
Postas estas breves considerações e chegados aqui, vemos que in casu a controvérsia relacionada com a cláusula compromissória acordada não se relaciona com qualquer questão que se prenda com a respectiva validade, incluindo a questão da arbitrabilidade ou de eficácia, antes se interliga tão só com a sua aplicabilidade em face da causa petendi da presente acção e, bem assim, em função de uma sua correcta/adequada interpretação.
Ora, como é consabido, no âmbito do nosso ordenamento jurídico (processual), e em resultado do princípio dispositivo (artº 264.º, do cpc) e, outrossim, do principio/teoria da substanciação que nele vigora, não basta a indicação - pelo demandante - genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessário a indicação especificada dos factos constitutivos desse direito (15).
As partes, portanto, estando obrigadas a procederem à indicação da causa petendi ( na acção e na reconvenção ), apenas satisfazem tal exigência de indicação da causa de pedir quando alegam em concreto quais os factos com relevância jurídica dos quais se servem para sustentar/derivar o seu pedido (cfr. arts. 193.º, n.º 2, al. b), 264.º, n.º 1, e 498.º, n.º 4, do CPC).
É, portanto, em última análise, com observância dos princípios do dispositivo e da substanciação, que as partes ( o autor , na petição inicial, e o réu em sede de pedido reconvencional ) determinam/delimitam o objecto do litígio , sendo depois através dele que, ao tribunal (arbitral ou judicial), incumbirá verificar da conformidade ou da sua desconformidade com o âmbito objectivo da convenção de arbitragem (16).
Dito isto, tal como decorre da petição inicial do agravante, os factos jurídicos concretos que enformam a causa petendi dos pedidos direccionados contra os agravados D e E , estão relacionados com a alegada violação por ambos de artigo (o 5º) de Acordo Parassocial de 23/12/1999, maxime com a alegada prática [ em meados de Dezembro de 2002 , na qualidade de sócios e no âmbito na nova sociedade BAP a que se refere o referido acordo parassocial ] de factos que obstaram a que o agravante lograsse concretizar a sua intenção de ceder 1 (um) por cento da sua participação de capital a favor do seu filho, sócio e advogado da Sociedade Ré, o H, acompanhada de igual participação de indústria .
Mais exactamente, violando - no dizer do agravante - de forma expressa aquilo a que se haviam obrigado no Acordo Parassocial celebrado a 23 de Dezembro de 1999, terão os agravados D e E, com a sua conduta e já na qualidade de sócios de BAP ( a nova sociedade ), obstado à passagem de participação social do Autor agravante para o seu filho, impedindo assim a carreira deste na sociedade , e levando a que tivesse ele de procurar outros rumos para sua vida profissional, causando-lhe, e ao Autor agravante, angústia por indefinição do seu futuro, o qual julgava o agravante estar perfeitamente assegurado por acordos celebrados entre pessoas de bem.
Temos assim que, em rigor, o objecto do litígio submetido à apreciação do tribunal judicial a quo, está relacionado com litígio emergente de Acordo Parassocial, maxime com a alegada violação por dois dos seus outorgantes e já na qualidade de sócios na nova sociedade BAP, de cláusula reguladora de condições e termos a observar no âmbito da “ Cessão de Quotas de Capital e Indústria “.
Por sua vez , como vimos supra, reza a cláusula compromissória 19º, inserta no acordo parassocial , que quaisquer litígios que ocorram entre os sócios da BAP e que não possam ser dirimidos por negociação directa entre os sócios envolvidos e com a mediação da administração, ou através de mediador independente nomeado pelo Bastonário da Ordem dos Advogados em exercício, serão obrigatoriamente dirimidos por um tribunal arbitral.
Perante a respectiva redacção e termos, será que, como se impõe e para efeitos - como vimos supra - de improcedência da arguida ( pelos agravados ) excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral , é patente e manifesta a sua inaplicabilidade ao objecto do litigio ?
A nosso ver, tal conclusão não ressalta com manifesta evidência da cláusula compromissória em apreço, antes pelo contrário.
Vejamos.
Diz-nos o nº 3, do artº 2º, da LAV, que a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitam.
Sendo a convenção de arbitragem um negócio inter partes (17), consubstanciando portanto um encontro de vontades ancorado em declarações negociais necessariamente reduzidas a escrito (cfr. artº2, nº1, da LAV), no âmbito da respectiva interpretação , maxime com vista a determinar qual o objecto do litígio que pelas partes é relegado para o Tribunal arbitral, aplicam-se as regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos previstas nos artºs 236º a 238º, do Cód. Civil. (18)
Destarte , como igualmente defende Manuel Pereira Barrocas (19) “ A convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as regras contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, do CC: a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir da posição do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento “.
Ou seja, após a análise do sentido da cláusula, e alcançado um determinado resultado em sede de actividade interpretativa ( desenvolvida nos termos do disposto nos artºs 236º e 237º, do CC ), porque na presença de um negócio formal , não poderá ele valer com um sentido que “(…) não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso” - cfr. n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil -, a não ser que, correspondendo à vontade real e concordante das partes ( falsa demonstratio non nocet ), as razões determinantes da forma do negócio não se oponham à sua validade ( cfr. nº 2, do artº 238º do Código Civil ).
É que “ nos negócios formais não há sentido possível que se admita a valer se não estiver minimamente comportado - ainda que imperfeitamente - nos termos da declaração exarada no documento “.(20)
In casu, porém , sempre será inaplicável a ressalva a que alude o nº2, do artº 238º, do CC ( no sentido de a declaração que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso, poder valer se, correspondendo à vontade real das partes, as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a tal validade ) , pois que, no âmbito da convenção de arbitragem, é precisamente a ratio da respectiva natureza formal [ delimitação precisa do seu conteúdo, em especial do seu objecto, conferindo às partes e aos árbitros certeza e segurança acerca do âmbito das questões submetidas à jurisdição arbitral e, portanto, subtraídas à jurisdição estadual (21) ] que obsta ao apontado aproveitamento.
Dito isto, em face da declaração negocial inserta no artº 19º, do Acordo Parassocial em apreço, dúvidas não se colocam/justificam de que pretenderam os seus outorgantes/subscritores relegar para o tribunal arbitral a apreciação/decisão dos litígios que viessem a surgir entre sócios da BAP, resultando eles obviamente de relações societárias .
E, ainda em face da declaração negocial referida , porque emergentes de conflitos entre sócios da BAP, e decorrentes da referida qualidade , estariam os litígios a resolver relacionados com o eventual cumprimento/incumprimento do respectivo e subjacente contrato social ou ainda de pactos/acordos definidores de relações societárias referentes à BAP.
Temos assim que, prima facie, considerando o objecto do litígio ( litigio despoletado entre subscritores de acordo Parassocial no qual se mostra inserta a cláusula compromissória , na qualidade de sócios da BAP, e estando ele relacionado com o eventual cumprimento/incumprimento de pacto/acordo definidor de relações societárias referentes à BAP ) e, bem assim, o âmbito objectivo da convenção de arbitragem referida, não se descortina que entre ambos exista uma qualquer desconformidade, encaixando-se perfeitamente um no outro.
É verdade que, ex adverso, considera o agravante que, ainda assim, não pode o objecto do litígio ser pelo tribunal arbitral dirimido, pois que, segundo a interpretação que faz ( e que na sua óptica é a correcta ) da cláusula compromissória em apreço, aquando da sua subscrição foi intenção das partes limitar a apreciação do Tribunal Arbitral aos litígios entre sócios da BAP, é certo, mas apenas enquanto mantivessem eles tal qualidade, o que já não sucede com o autor.
Com todo o respeito por tal entendimento, afigura-se-nos não encontrar ele o devido , necessário e mínimo suporte no texto da declaração negocial inserto na cláusula compromissória em apreço nos autos, antes a referência a “ quaisquer litígios entre os sócios“ visa tão só deixar claro que há-de o litigio concreto a dirimir resultar e/ou ter-se verificado no momento ou aquando da qualidade - e por causa da mesma - de sócios ( da BAP) dos litigantes.
Ou seja, para todos os efeitos, será de todo irrelevante, para aferição da competência do tribunal arbitral e com referência à data do início da respectiva instância, a efectiva qualidade de sócio do/s demandante/s e demandado/s .
De resto, uma tal interpretação, para além de não encontrar o exigível mínimo amparo no texto da cláusula compromissória ( cfr. artº 238º,nº1, do CC), é ainda nada consentânea com a redacção manifestamente abrangente ( logo não restritiva ou exclusiva ) da mesma ( “ quaisquer litígios entre os sócios da BAP “ ) .
Acresce que, ainda que outra fosse a conclusão a extrair da interpretação da cláusula compromissória em apreço, o certo é que , mediante um juízo perfunctório, nada permitiria em todo o caso concluir que estar-se-ia perante uma patente, óbvia e manifesta inaplicabilidade ( antes aponta ela para a sua aplicabilidade à causa petendi da presente acção ) da convenção de arbitragem invocada, o que , só por si, também e como vimos supra, obstava a que tivesse o tribunal a quo decidido de forma diversa , ou seja, tivesse enveredado pela prolação de decisão que julgasse improcedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral.
Não assiste, portanto, razão ao alegado pelo Recorrente agravante nas suas doutas alegações, que assim improcedem, o que inevitavelmente determina a improcedência do agravo interposto e a manutenção da decisão agravada .
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4.- Da Apelação do Autor A.
(…)
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6.- Motivação de Direito
(…)
6.2.6.- Da condenação do autor apelante no pagamento das custas na proporção do decaimento e sem que, apesar de solicitado, tenha decidido o tribunal a quo pela aplicação do disposto no art. 27.º n.º 3 do C.C.J.
Insurge-se o apelante A pelo facto de o tribunal a quo , em sede de condenação no pagamento das custas da acção , não ter atendido um seu pedido no sentido de , ao abrigo do disposto no artº 27º, nº3, do Código das Custas Judiciais, ser dispensado do pagamento, em sede de conta final, do remanescente da taxa de justiça inicial e subsequente .
É que, no seu entendimento e do disposto no artº 27.º n.º 3 do C.C.J. , resulta um poder-dever do Tribunal em dispensar ou reduzir o montante final devido a título de custas judiciais, quando se verifiquem os necessários pressupostos, o que na sua óptica sucede in casu.
Recordando, o tribunal a quo , na sentença apelada, justificou a sua decisão da seguinte forma :
“ (…)
O ora requerido pelo A não pode obter provimento. Efectivamente tal como o mesmo refere, os presentes autos apresentam-se complexos quer pelas inúmeras questões e factos levantados, quer pelo número de testemunhas inquiridas, devendo as custas remanescentes reflectir tal trabalho.
Tal preceito legal ainda que permita face à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento do remanescente do pagamento da taxa de justiça, in casu, face às circunstâncias particulares, entende o tribunal que não pode ser aplicado.
Sublinha-se e congratula-se desde já a colaboração das partes com o tribunal, nos presentes autos, que foi concretizada e sentida. Tal conduta é e deve ser apanágio de todos os sujeitos processuais. No entanto, a mesma, não pode servir de motivo justificativo para que não se tribute as custas na proporção em que as partes fazem valer os seus alegados direitos, tanto mais num processo com muitos volumes e bastante complexo onde existiram várias sessões de julgamento.
Nestes termos, indefere-se a requerida isenção de pagamento das custas requerida pelo A. “.
Apreciando.
Todos os processos, salvo se beneficiarem de isenção legal, estão sujeitos a custas [ que em rigor são a única fonte de financiamento do sistema judicial que se encontra directamente relacionada com os seus utilizadores ], compreendendo estas a taxa de justiça e os encargos ( cfr. artº 1º do CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL 324/2003, de 27.12).
Podendo o custo do serviço judiciário ser fixado com base em diversos critérios, a saber: a) uma taxa fixa prevista na lei para cada acto processual, sendo o número e o tipo de actos praticados em cada processo que determinará o seu custo final; c) uma taxa fixada pelo juiz, com limites previamente estabelecidos, e , c) uma taxa fixa prevista na lei, proporcional ao valor da causa, do nº1, do artº 13º do Código das Custas Judiciais aplicável , resulta que foi este último critério o adoptado pelo legislador.
Ainda assim, o critério do valor da causa mostra-se, em diversas outras disposições legais - do CCJ - , atenuado, o que sucede, v.g., quer através da redução da taxa de justiça em resultado da natureza de diversas espécies processuais ( cfr. artº 14º do CCJ ), quer através de redução especial em virtude da utilização pela parte de concretos e específicos meios de prática de actos processuais (cfr. artº 15º, do CCJ).
Não obstante, reconhecendo o legislador que a circunstância de o montante da taxa de justiça devida, acompanhando é certo o valor da causa, tal não obstava, antes propiciava, que por vezes o utente do serviço judiciário acabasse por suportar uma taxa de justiça de um montante manifestamente desproporcionado em relação ao custo do serviço prestado, e à concreta actividade judicial desenvolvida ( o que contrariava ainda o principio da causalidade que enforma a responsabilidade pela dívida de custas em sede cível - cfr. artº 446º, do cpc ), veio ele , com as alterações introduzidas no CCJ através do DL 324/2003, de 27.12 ( nos seus artºs 27º, nº 3 e 73º-B ), a desencadear mecanismos que permitissem obstar/impedir a cobrança de taxas desproporcionadas .
É assim que, com a preocupação de introduzir critérios de tributação mais justos e objectivos do que os vigentes à data (como o justifica expressamente no respectivo preâmbulo, maxime destinados a atenuar as consequências de o valor da taxa de justiça depender unicamente do valor da acção), veio o legislador, com as alterações introduzidas - no CCJ - pelo já referido DL 324/2003, de 27.12 , e tendo presente que dois processos de igual valor, mas de complexidade e carga de trabalho totalmente diferentes, eram até então tributados pelo mesmo valor, a consagrar a faculdade de o juiz isentar o pagamento de taxa de justiça, quer determinadas questões incidentais atípicas, quer as acções de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas fossem de menor monta.
E daí a nova redacção do artº 27º, do CCJ, passando o mesmo a dispor, nos respectivos nºs 1 a 3 , que :
1 - Nas causas de valor superior a € 250.000 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o remanescente é considerado na conta a final.
3 - Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
Foi pois, com as alterações introduzidas pelo DL nº 324/2003 , que se permitiu uma efectiva intervenção moderadora do juiz no âmbito da tributação e responsabilização das custas processuais, estabelecendo-se o limite - do valor da acção - em € 250.000,00 para efeitos do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente, e o valor a partir do qual, por cada € 25.000,00 ou fracção, acresciam 5UC a final ( cfr. tabela anexa ao CCJ), mas atribuindo-se ao juiz o poder, em face da complexidade dos autos e da conduta processual das partes, de dispensar o pagamento do remanescente (artigo 27º, nº 3).
Ainda assim, e não olvidando que em causa está a prestação de um serviço público essencial vocacionado para a concretização do direito de acesso aos tribunais , e que tem assento no artigo 20º da CRP, é apenas com o RCP ( Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Dec-Lei n.º 34/2008 , de 26 de Fevereiro) que dá o legislador um passo decisivo no sentido de desligar o valor das custas processuais do valor da causa , desfazendo a estreita conexão que entre ambos até então existia.
Justificando tal opção, explicou, no respectivo preâmbulo ,o legislador ,que com vista, designadamente, a implementar uma repartição mais justa e adequada dos custos da justiça e a adoptar critérios de tributação mais claros e objectivos , com o RCP almejava-se “ (…) também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores.
Daí que, acrescenta o legislador no mesmo local, “ De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.
Deste modo, conclui o legislador, “(…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção , passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”
E, em consonância/harmonia com a nova filosofia tributária do RCP ( no tocante a regras quantitativas e de procedimento sobre custas , maxime no que respeita à quantificação da taxa de justiça e ao modo de pagamento das custas , quer relativamente ao processamento da correspectiva conta), logo o Dec-Lei n.º 34/2008 , de 26 de Fevereiro, alterando o Código de Processo Civil, nele introduz (no âmbito das normas centrais relativas à responsabilidade pelo pagamento de custas) também modificações em diversas disposições legais do respectivo Capítulo VII ( com a epígrafe de “ Das custas, multas e indemnizações “) , e nele acrescenta outras, maxime o artº Artigo 447.º-A , com a epígrafe de “ Taxa de justiça “, e cujo nº 7 passou a dispor que :
“ 7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções que: a) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e
b) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. “
Chegados aqui, recorda-se que o tribunal a quo considerou que os presentes autos apresentavam-se complexos, não justificando assim ,na sua óptica ,que se lançasse mão da faculdade prevista no artº 27º, nº 3, do CCJ.
Ao invés, considera o apelante precisamente o contrário , sustentando ainda que em sede de decisão da aplicabilidade da faculdade prevista no artº 27º,nº3, do CCJ, importava lançar mão dos novos critérios de quantificação da taxa de justiça consagrados pelo RCP.
Ora, de alguma forma na linha do entendimento sufragado pelo autor apelante, já este Tribunal da Relação de Lisboa (43) veio a utilizar - sem deixar de notar que não se trata de aplicar retroactivamente a nova legislação - os critérios aferidores da complexidade dos autos estipulados no artº Artigo 447.º-A, do cpc, precisamente para efeitos de aplicação, ou não, da faculdade a que alude o artº 27º, nº 3, do CCJ.
É assim que, no Ac. de 22/10/2009 , se refere que “ (…) à falta de outros critérios, e por forma a obviar ao subjectivismo e à arbitrariedade, podemos considerar os critérios aferidores da complexidade estabelecidos pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26.02, com a advertência de que não se trata de aplicar retroactivamente a nova legislação, mas tão só lançar mão da mais recente valoração do legislador nesta matéria e equacionar a problemática da complexidade dos autos em apreço à luz desses parâmetros “.
Subscrevendo-se tal argumentação, quer porque o CCJ a estes autos aplicável não fornece quaisquer critérios orientadores para o efeito, quer sobretudo porque de alguma forma se mostram eles em consonância com uma nova e adequada filosofia de justiça distributiva no âmbito da responsabilização /pagamento das custas processuais, importa pois aquilatar da efectiva complexidade da causa para efeitos do mérito da apelação nesta parte.
Ora, compulsados os autos, comporta ele é certo mais de uma dezena de volumes, mas, de algum modo, tal fica-se a dever sobretudo à circunstância de nos mesmos se incorporarem largas dezenas de documentos, muitos deles com dezenas de páginas.
As questões no processo a decidir são efectivamente complexas mas, no nosso entendimento, não exigem para o efeito uma especialização jurídica elevada , ou , sequer, não demandam o conhecimento de questões jurídicas de elevada especificidade/exigência técnica , maxime quando em comparação com a maioria das acções cíveis que no dia a dia se confrontam aqueles que os têm de decidir/julgar .
No total, em sede de audiência de discussão e julgamento, foram inquiridas cerca de 14 testemunhas e, o respectivo número de sessões não ultrapassou a dezena, sendo que algumas delas foram céleres.
Temos assim que, não obstante o valor do processo ( superior a € 2.000.000 ) , não se pode dizer, se compararmos com processos com centenas de testemunhas , uns , e , outros , com audiências de julgamento que se prolongam por vários meses, senão mesmo anos, que se esteja na presença de um processo de especial complexidade, ainda que seja trabalhoso e exigente.
Não obstante, ainda assim, considerando o valor da acção, e a tabela anexa ao CCJ aplicável e a que se refere o respectivo artigo 13º, e , bem assim o valor da Uc à data da propositura da acção ( valor da UC para o triénio 2004-2006 = 89,00 € ), temos que o valor do remanescente da taxa de justiça a considerar in casu na conta final poderá atingir o valor de € 31 595 ( 355 Ucs x € 89,00 ).
Já ao invés, se in casu fosse aplicável, que não é, a taxa de justiça fixada na tabela I-A, do Regulamento Das Custas Processuais (cfr. art.º 6º, nº1) não ultrapassariam as custas totais devidas (cfr. artº 6º, nº1) por cada parte o valor de 90 Ucs ( € 8 010,00 ) e ainda que também no âmbito de uma acção de especial complexidade , pois que, mesmo na presença de uma acção complexa , a taxa de justiça devida, pressupondo é certo e também o valor da acção , mostra-se este último sujeito a um limite máximo fixado em € 600 000,01 [ sendo a taxa de justiça máxima normal devida por cada parte a de 60 Ucs ( € 5 340,00 ) ] .
Em face do quadro acabado de traçar, é assim nossa convicção de que, de alguma forma, o montante das custas devidas nos presentes autos em função do respectivo valor (que ultrapassa os € 2 000 000) , mostra-se bastante desfasado da real e efectiva complexidade da causa , tudo apontando para uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado e os custos a cobrar, a que acresce ainda, importa não olvidar, a conduta processual das partes, a qual, no entendimento do próprio tribunal a quo, sempre se pautou por um profundo sentimento e esforço de cooperação com o tribunal ( o que porém não é de estranhar considerando a craveira das partes envolvidas ), razão porque também por tal motivo nada justifica uma sua penalização em sede de taxa de justiça.
Acresce que, importa não olvidar , e como bem se acentua nos doutos arestos deste tribunal da Relação já citados, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais , quer de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2º CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º igualmente da Constituição da República Portuguesa .
Tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, e porque no âmbito da faculdade que ao juiz assiste de dispensar o pagamento do remanescente ( cfr. artº 27º, nº3, do Código das Custas Judiciais ), se inclui obviamente outrossim a de reduzir o valor do montante do remanescente a considerar na conta a final, tendo presente que , com o RCP , o valor da taxa de justiça , partindo é certo e também do valor da acção , tem este último o limite máximo fixado em € 600 000,01, afigura-se-nos equilibrado e justo, em razão da efectiva complexidade da causa, reduzir o pagamento do remanescente a pagar a final em função de um valor da acção de € 600 000,01, que não de € 2 005.748,11.
A apelação do autor, procede, portanto, parcialmente nesta parte.
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7. - Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa ,em :
7.1.- Não conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelo autor apelante A ;
7.2 - Concedendo parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelos RR :
a) revogar a sentença apelada na parte em que condenou a primeira Ré e solidariamente os demais RRs, após o cumprimento do benefício de excussão prévia daquela, a pagar ao A a quantia de € 53 244,76, a título de lucros cessantes por ter sido impedido de constituir, até Agosto de 2004, uma nova sociedade de advogados, devido ao uso indevido do seu nome pela sociedade R. já depois da exoneração do A, quantia à qual acrescem juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até efectivo e integral pagamento.
7.3 – Concedendo provimento parcial ao recurso de apelação interposto pelo autor apelante A :
a ) revogar a sentença apelada na parte em que condenou os RR a pagar ao A quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, fixando-se a indemnização devida no valor de € 30 000,00 .
b) Reduzir o pagamento do remanescente a pagar a final , devendo ele ser fixado em função de um valor da acção de € 600 000,01, que não de € 2 005.748,11.
7.4. - Manter no mais a decisão do tribunal a quo, maxime na parte em que absolveu os RR dos diversos pedidos de indemnização formulados pelo autor apelante :
7.5. Fixar as custas devidas nas instâncias recursórias nos seguintes termos e cfr. artº 446º, nºs 1 e 2 , do CPC :
A) As do agravo, ficam in totum a cargo do agravante ;
B) As das Apelações :
1 - na proporção de 53% e de 47 % , respectivamente para os apelantes RR e apelado Autor A:
2 - na proporção de 96 % e de 4 % , respectivamente para o apelante autor A e apelados RR .
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(1) De natureza contratual ,pois que em causa está , em rigor, a celebração de um negócio jurídico bilateral - cfr. Carlos Ferreira de Almeida, “ Convenção de Arbitragem : Conteúdo e Efeitos “, 2008, pág. 83 .
(2) Consoante o entendimento daqueles que , no tocante à convenção de arbitragem, ou acentuam os seus efeitos e aspectos substantivos em sede de resolução do litígio, ou acentuam antes os respectivos efeitos processuais - cf., neste último caso José Lebre de Freitas, in Estudos em Homenagem à Professora Isabel Magalhães Colaço, vol. II, pág. 625 .
(3) Cfr. Mariana França Gouveia, in “ Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, 2011, Almedina, Pág.112 .
No recente Ac. de 10/3/2011, sendo Relator o Conselheiro Lopes do Rego, in www.dgsi.pt.
(5) Ibidem , pág. 118 e segs..
(6) Mais conhecido como Kompetenz-kompetenz e que ( cfr. artº 21º, nº1 , da LAV, o qual reza que “ o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção “ ) na sua acepção positiva, atribui ao tribunal arbitral a competência para julgar a sua própria competência
(7) Ibidem , pág. 118
(8) In Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 134 .
(9) Cfr. Joana Galvão Teles, in Análise de Jurisprudência Sobre Arbitragem, Almedina, 2011, “A arbitrabilidade dos litígios em Sede de Invocação de Excepção de Preterição do Tribunal Arbitral Voluntário “ , pág. 95”.
(10) Defendida por João Lopes dos Reis [ in “ A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário), ROA, 1998, pág. 1129 ] e Luís de Lima Pinheiro [ in “Arbitragem Transnacional, pág. 136 ] .
(11) ibidem, pág.1112 .
(12) Designadamente no douto Ac. de 5/6/2007, in www.dgsi.pt, que de uma forma exaustiva e bastante completa aborda o âmbito da abordagem do tribunal judicial em sede de conhecimento da excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral .
(13) in www.dgsi.pt.
(14) No supra citado Ac. de 10/3/2011.
(15) Cfr. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. II, pág. 356, e Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág.. 297 .
(16) cfr. José Lebre de Freiras, “Alcance da determinação pelo Tribunal Judicial do Objecto do litígio a submeter a Arbitragem “, in O Direito, Lisboa, ano 138, págs. 65 e segs., citado por Rute Santos , “ Os requisitos Formais e Materiais da Convenção de Arbitragem, in Análise de Jurisprudência Sobre Arbitragem, Almedina, 2011,pág. 198.
(17) Vide Pedro Gonçalves, apud Rute Santos , “ Os requisitos Formais e Materiais da Convenção de Arbitragem, in Análise de Jurisprudência Sobre Arbitragem, Almedina, 2011,pág. 169.
(18) Cfr. Ac. do STJ citado, de 10/3/2011.
(19) In Manual de Arbitragem, Almedina, Janeiro de 2010, pág. 171).
(20) Cfr. E.Santos Júnior, in “ Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos” , 1988, AALisboa, pág. 151
(21) Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, ibidem, pág.91.
(…)
(43) Vide os Ac.s de 22/10/2009 e de 20/5/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
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Lisboa, 4 de Outubro de 2011

António Santos (Relator)
Eurico José Marques dos Reis ( 1º Adjunto)
Ana Maria Fernandes Grácio ( 2º Adjunto)