Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
335/16.0T8VPV.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: COOPERATIVAS
DESTITUIÇÃO DE MEMBROS DA DIRECÇÃO
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Decorre do disposto no art. 25º do Cód. Cooperativo, aprovado pela Lei 119/2015, de 31/8, que a aplicação aos cooperadores de qualquer sanção aí prevista é sempre precedida de processo escrito - sendo a referida na al. d) do nº1 (perda de mandato) da competência da assembleia geral.
-Tem, pois, de se entender que, por implicar perda de mandato, a destituição dos membros da direcção das cooperativas, competindo à assembleia geral (art. 38º do citado Código), se acha dependente da existência do processo a que se refere o aludido art. 25º.
-A ocorrência de dano apreciável, não tendo de se traduzir em prejuízo material, pode, como no caso de destituição de cargo de direcção, resultar da própria natureza da deliberação impugnada.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa .


Relatório:


1.-C... propôs, contra R... CRL, providência cautelar, distribuída à comarca dos Açores - Instância Local da Praia da Vitória, pedindo a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da requerida, de 27/8/2016, que destituiu o requerente do cargo de vogal da direcção respectiva, bem como a inversão do contencioso a tal respeitante.

Deduziu a requerida oposição - concluindo pela improcedência do pedido.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou procedente a providência, determinando-se a inversão do contencioso.

Inconformada, veio a requerida interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :

-As decisões recorridas violam o disposto nos arts. 362°, n°1, e 369°, n°1, do Cód. Proc. Civil, bem como nos arts. 44°, n°1, e 49° a), com referência ao regime dos arts. 37° e 38° do Cód. Cooperativo, aprovado pela Lei 51/96, de 7/9, a que correspondem os arts. 33°, n°1, e 38° a), com referência ao regime dos arts. 26° e 25° da Lei 119/2015, de 31/8, pelo que devem ser declaradas nulas, de nenhum efeito e revogadas, para todos os legais efeitos.
-Acresce que não existem factos alegados nem especificados em concreto nos autos que sejam susceptíveis de vir demonstrar qualquer aparência de direito ou de direitos realmente existentes ("fumus boni juris").
-E também não foram alegados pelo apelado no seu requerimento factos susceptíveis de demonstrar que tinha urgência na decisão, quer do procedimento cautelar, quer para compaginar a natureza legal deste último com o pedido de inversão do contencioso para transformar uma decisão provisória (de natureza urgente) numa decisão que já é principal e definitiva (até ser revogada, como urge fazer).
-Trata-se de uma decisão pouco cautelosa e nada cautelar, mas que não acautela nada e que não abordou nem mesmo minimamente qualquer um dos referidos pressupostos da verdadeira natureza cautelar deste tipo de procedimentos, tal como vêm exigidos na lei, nomeadamente no art. 362º, n°1, do CPC.
-Estamos perante meras suposições do Tribunal a quo, que assentam numa estranha circunstância de dar por definitivo e bom um "receio" que o apelado atira para o ar, sem que se consiga entender onde estará a "lesão grave" provocada com a mera destituição de um vogal da direcção de uma cooperativa, que não é nem nunca foi remunerado e que nenhuma lesão sofreu - eis porque porque não a invoca no seu requerimento.
-Mesmo admitindo que o apelado pretende ver-se ressarcido por danos não patrimoniais, já os teria certamente reclamado, se soubesse que tinha alguma razão para tal - mas nunca o fez, sendo mais que certo que nunca o irá fazer.
-Ao confundir e ao provocar uma absurda confusão no Tribunal a quo, quanto a situações de destituição de membro de órgão social e situações de exclusão de cooperador, o apelado acabou por convencer-se de que pode indefinidamente vir obter suspensões de deliberações sociais, mas que acabam por ser repetidas sucessivamente mais tarde pela assembleia geral, no exercício normal de uma competência de que entendeu não dever nem poder abdicar, quanto mais não seja em defesa do seu património, contra os abusos e desvios do apelado.
-As referidas decisões de recusa são nulas e como tal deverão ser consideradas, quer quanto à sentença recorrida, quer quanto à decisão que concedeu a inversão do contencioso.

Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.-Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1)-Em 26/6/2003 foi constituída a cooperativa R... CRL, tendo como fundadores J... (NIF ...), M... (NIF ...), M... (NIF ...), C... (NIF ...), C... (NIF ...) e J... (NIF ...), sendo todos residentes na cidade de Lisboa.
2)-A requerida tem como objecto social a construção de imóveis, pertencendo ao ramo de habitação e construção.
3)-À data da constituição a sua sede era ... em Lisboa, sendo que em 2014 passou a ser na ... Praia da Vitória.
4)-Em 14/4/2015 foi realizada uma assembleia geral da requerida, a qual teve lugar na Rua de Campo de Ourique, nº 105, 1ºB, Lisboa, e na qual foi deliberado por unanimidade eleger para o quadriénio 2015/2018 os seguintes órgãos sociais da requerida: i) Direcção: Presidente J...; Vogal – C...; Vogal – C...; ii) Mesa da Assembleia Geral: Presidente – M...; iii) Conselho Fiscal: Presidente – M...
5)-No dia 23/4/2016 ocorreu uma assembleia geral de cooperadores da requerida, tendo aí sido decidida a destituição do requerente do cargo de vogal da direcção, por fundadas suspeitas de actuação pelo menos negligente e por falta de colaboração com Presidente da Direcção, a destituição do cooperador C..., pai do requerente; a eleição de J... para presidente da direcção, de M... para vogal da direcção e de M... também para vogal da direcção.
6)-Mais ainda foi deliberado na referida assembleia geral a admissão de quatro novos cooperadores, pessoas singulares residentes no continente: J..., J..., C... e F...
7)-No dia 30/5/2016, o aqui requerente apresentou providência cautelar de suspensão de deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 23/4/2016, a qual correu termos nesta Instância Local sob o nº 229/16.0T8VPV, tendo sido requerido o registo da mesma a 1/6/2016.
8)-A 6/7 foi proferida sentença no âmbito da referida providência cautelar, que a julgou procedente, e decidiu suspender as deliberações tomadas na assembleia geral de 23/4 da requerida e determinar a inversão do contencioso.
9)-A referida sentença foi alvo de recurso, com efeito meramente devolutivo.
10)-No dia 15/5/2016 foi realizada assembleia geral no Restaurante Cataplana & Companhia, em Lisboa, conforme melhor resulta da acta cuja cópia se mostra junta a fls. 73 e ss e cujo teor se dá aqui por reproduzido, e na qual, no essencial, foram ratificadas e reproduzidas as deliberações tomadas na assembleia de Abril.
11)-No dia 11/6/2016 foi realizada uma outra assembleia geral, novamente no Restaurante Cataplana & Companhia, em Lisboa, conforme melhor resulta da acta cuja cópia se mostra junta a fls. 122 e ss e cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual, no essencial, foram eleitos para a direcção dois dos novos cooperadores acompanhados de M...
12)-Relativamente a estas duas assembleias o requerente avançou igualmente com providência para suspensão de deliberações sociais, que corre termos sob o nº 272/16.9T8VPV.
13)-No entretanto, foi convocada, para ser realizada no dia 27/8/2016, às 9.30 h, uma nova assembleia geral, de cuja ordem de trabalhos constava a destituição do requerente e de seu pai, supra identificado, bem como a eleição de directores da Cooperativa para o tempo restante do quadriénio 2015/2018.
14)-A convocatória foi enviada para a mandatária do aqui requerente.
15)-Assim, no referido dia, no Restaurante Cataplana & Companhia, em Lisboa, reuniu a assembleia geral da requerida para discutir sobre os pontos da ordem de trabalho supra referidos, conforme melhor resulta da acta cuja cópia se mostra junta a fls. 152 e ss e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
16)-Nesse âmbito, foi aprovada por maioria a destituição do requerente e ainda do seu pai das funções que exerciam como vogais da direcção.
17)-Não foi votado o terceiro ponto - eleição de directores da cooperativa para o tempo restante do quadriénio - por não terem sido apresentadas propostas.
18)-A destituição dos cooperadores C... e C..., aqui requerente, não foi precedida de processo disciplinar escrito.

3.-Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, assim, na apreciação da impugnada deliberação da assembleia geral da requerida, ora apelante.

Decorre do disposto no art. 25º do Cód. Cooperativo, aprovado pela Lei 119/2015, de 31/8 (correspondente ao art. 38º do anterior Código) que a aplicação aos cooperadores de qualquer sanção aí prevista é sempre precedida de processo escrito - sendo a referida na al. d) do nº1 (perda de mandato) da competência da assembleia geral.

Tem, pois, de se entender que, por implicar perda de mandato, a destituição dos membros da direcção das cooperativas, competindo à assembleia geral (art. 38º – correspondente ao anterior art. 49º – do citado Código), se acha dependente da existência do processo a que se refere o aludido art. 25º.

Como decidido, se impõe, assim, considerar que, na ausência de tal procedimento, enferma a deliberada destituição do requerente, ora apelado, de vício gerador da respectiva nulidade.

Nos termos do art. 380º, nº1, do C.P. Civil, se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.

Constituindo entendimento pacífico que a ocorrência de dano apreciável, não tendo de - ao invés do que pretende a apelante - se traduzir em prejuízo material, pode, como no caso (destituição de cargo de direcção), resultar da própria natureza da deliberação impugnada.

Concluindo-se, assim, pela verificação dos pressupostos da requerida providência, terão de improceder as alegações da apelante.

4.-Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 23.2.2017



Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta
Decisão Texto Integral: