Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CRISTINA ISABEL HENRIQUES | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA CRIME DOLOSO PRISÃO EFECTIVA EXTINÇÃO DA PENA NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | Sumário: Estando assente que o arguido foi, durante o período da suspensão, condenado pela prática de crime doloso, em pena de prisão efectiva, não se vislumbra que o tribunal possa declarar extinta a pena, invocando tão somente que é sensível aos argumentos da defesa, sem sequer elencar tais argumentos e expor criticamente os motivos pelos quais tais fundamentos determinam um desvio ao regime regra estabelecido para a revogação da suspensão da execução da pena. No caso, o tribunal a quo não enumerou as circunstâncias de facto relevantes para a tomada de decisão, nem tão pouco os fundamentos jurídicos da mesma, e muito menos explicitou a convicção que está subjacente à ideia de que deve declarar extinta a pena, não obstante durante o período da suspensão – 12.02.2018 e 12.02.2021 – o arguido ter sido condenado no processo nº 333/22.5PALSB, por acórdão do TRL transitado em julgado em 04.04.2024, por factos praticados entre 2016 e Maio de 2022, como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.° n.° 1, al. B) e c) e n.° 2, al. A) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva. Acresce que, tratando-se de decisão que põe fim ao processo, deve ser-lhe aplicável o regime de nulidade a que alude o artigo 379º do CPP, mormente aos actos decisórios com conteúdo definitivo. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório: Nos autos de Processo n.º1165/16.5SGLSB.L1 foi proferido despacho no qual foi decidido: Tendo decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão em que o Arguido foi condenado, nos nossos autos, pela prática de um crime de roubo, sem que, no entender do Tribunal, tenha surgido motivo de revogação, uma vez que o crime praticado pelo Arguido durante tal período é de natureza diferente (violência doméstica) do crime pelo qual foi julgado nos nossos autos, sendo o Tribunal sensível aos argumentos da Ilustre Defensora do Arguido, declaro extinta a pena da sua condenação (art. 57º, nº1, do C. Penal). Não conformado com tal decisão, veio MP interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem: 1.AA Ribeiro foi condenado por decisão transitada em julgado em 12.02.2018, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º nº 1 do Cod. Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova 2.O condenado durante o período de acompanhamento da DGRSP apresentou uma postura pouco investida na sua reintegração social sendo que as anteriores condenações não foram suficientes para inverter a sua trajectória criminal. 3. Durante o período da suspensão – 12.02.2018 e 12.02.2021 - BB foi condenado no processo nº 333/22.5PALSB, por acórdão do TRL transitado em julgado em 04.04.2024, por factos praticados entre 2016 e Maio de 2022, como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.° n.° 1, al. b) e c) e n.° 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva. 4. Por despacho de 01.04.2025 foi declarada extinta a pena de prisão suspensa aplicada a AA. 5. O despacho que extinguiu a pena suspensa a BB enferma de falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ao não indicar os factos relevantes nem a norma jurídica aplicada que sustentam a decisão de extinção da pena suspensa. 6. A omissão de fundamentação constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável aos actos decisórios com conteúdo definitivo. 7. O Tribunal a quo incorreu em erro de Direito ao decidir extinguir a pena de prisão suspensa sem ponderar adequadamente os pressupostos legais de revogação previstos no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal. 8.No decurso do período de suspensão da pena (12.02.2018 a 12.02.2021), o arguido cometeu novo crime doloso, tendo sido condenado, por acórdão transitado em julgado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva pela prática de crime de violência doméstica agravado. 9. A prática do novo crime revela falência do juízo de prognose favorável que sustentou a decisão de suspensão da pena de prisão, evidenciando que as finalidades de prevenção especial e geral da punição não foram alcançadas. 10. O comportamento do arguido durante o período da suspensão, associado à sua reincidência criminal, à postura descomprometida com a reintegração social e ao conteúdo do relatório final da DGRSP, demonstram a insuficiência da pena suspensa para prevenir a prática de novos crimes. 11. A decisão de extinguir a pena suspensa com base na alegada "diferença de natureza" dos crimes é juridicamente irrelevante para os efeitos do artigo 56.º do Código Penal, sendo determinante verificar se a nova condenação comprometeu o juízo de prognose, independentemente da tipologia do crime. 12. Assim, não se verificando os pressupostos legais para a extinção da pena suspensa e estando preenchidos os requisitos para a sua revogação, deve ser proferida decisão de revogação da suspensão da pena de prisão, com consequente execução da mesma, nos termos legais. 13. Nestes termos deverá tal decisão ser revogada e substituída por outra, nos termos sustentados na motivação apresentada, que importe a revogação da suspensão da pena de prisão, com consequente execução da mesma, nos termos legais. O arguido não respondeu ao recurso. Neste Tribunal a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pugnando pela procedência do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP e o arguido respondeu, contudo, uma vez que desistiu dessa resposta, não será a mesma tida em consideração. Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência. *** Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. 2. Fundamentação: As questões colocadas à consideração deste Tribunal são as seguintes: A) Saber se o despacho recorrido enferma de falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ao não indicar os factos relevantes nem a norma jurídica aplicada que sustentam a decisão de extinção da pena suspensa e se a omissão de fundamentação constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável aos actos decisórios com conteúdo definitivo. B) Se o Tribunal a quo incorreu em erro de Direito ao decidir extinguir a pena de prisão suspensa sem ponderar adequadamente os pressupostos legais de revogação previstos no artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal. Cumpre assim apreciar e decidir. É a seguinte a decisão recorrida (fundamentação de facto e motivação, medida da pena): Tendo decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão em que o Arguido foi condenado, nos nossos autos, pela prática de um crime de roubo, sem que, no entender do Tribunal, tenha surgido motivo de revogação, uma vez que o crime praticado pelo Arguido durante tal período é de natureza diferente (violência doméstica) do crime pelo qual foi julgado nos nossos autos, sendo o Tribunal sensível aos argumentos da Ilustre Defensora do Arguido, declaro extinta a pena da sua condenação (art. 57º, nº1, do C. Penal). Notifique. Oportunamente, arquive. *** A) Saber se o despacho recorrido enferma de falta de fundamentação, violando o disposto no artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, ao não indicar os factos relevantes nem a norma jurídica aplicada que sustentam a decisão de extinção da pena suspensa e se a omissão de fundamentação constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável aos actos decisórios com conteúdo definitivo. Dispõe o artigo 97.º do Código Processo Penal sob a epígrafe "actos decisórios" que: "1 – Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior. 2 – Os actos decisórios previstos no número anterior tomam a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial. 3 – Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos. 4 – Os actos decisórios referidos nos números anteriores revestem os requisitos formais dos actos escritos ou orais, consoante o caso. 5 – Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão". Em face desta disposição, dúvidas não subsistem sobre a obrigatoriedade da fundamentação dos despachos judiciais. Esta obrigatoriedade encontra-se revestida de tutela constitucional prevista no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa que dispõe: "1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. 3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução". Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 379º, do Código de Processo Penal, é nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º. 3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.” Nos termos do artigo 374º do CPP, mormente do n.º2, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. No caso, o tribunal a quo não enumerou as circunstâncias de facto relevantes para a tomada de decisão, nem tão pouco os fundamentos jurídicos da mesma, e muito menos explicitou a convicção que está subjacente à ideia de que deve declarar extinta a pena, não obstante durante o período da suspensão – 12.02.2018 e 12.02.2021 – o arguido ter sido condenado no processo nº 333/22.5PALSB, por acórdão do TRL transitado em julgado em 04.04.2024, por factos praticados entre 2016 e Maio de 2022, como autor material, na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.° n.° 1, al. b) e c) e n.° 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva. De acordo com o artigo 56º do CP, concretamente o n.º1, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada, sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de condutas impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Por outro lado, de acordo com o artigo 57º do CP, A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. 2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão. Aliás, de acordo com o : A aplicação de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime (doloso) cometido no decurso do período de suspensão da execução de pena da mesma natureza - tendo, necessariamente, subjacente o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -, seguida da correspondente «reclusão», não pode senão conduzir á revogação da suspensão decretada, por comprometer o juízo determinante subjacente á pena de substituição, designadamente o de prognose positiva quanto ao futuro do delinquente. Não se vislumbra, pois, que dando por assente que o arguido foi, durante o período da suspensão, condenado pela prática de crime doloso, em pena de prisão efectiva, o tribunal possa declarar extinta a pena, invocando tão somente que é sensível aos argumentos da defesa, sem sequer elencar tais argumentos e expor criticamente os motivos pelos quais tais argumentos determinam um desvio ao regime regra estabelecido para a revogação da suspensão da execução da pena. Acresce que, tratando-se de decisão que põe fim ao processo, deve ser-lhe aplicável o regime de nulidade a que alude o artigo 379º do CPP, mormente aos actos decisórios com conteúdo definitivo. Assiste, pois, razão ao MP, sendo o nulo o despacho proferido, por falta de fundamentação, o qual deve ser substituído por outro, no qual sejam analisados criticamente os fundamentos de facto e de direito que conduzem a uma decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena ou extinção da mesma. Prejudicada fica a apreciação da segunda questão suscitada. 3. Decisão: Assim, e pelo exposto: - julga-se procedente o recurso interposto pelo MP, declarando-se nulo o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro, no qual seja suprida a falta de fundamentação de facto e de direito e no qual sejam analisados criticamente os fundamentos que conduzem a uma decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena ou extinção da mesma. Notifique. Lisboa, 19 de Novembro de 2025 Cristina Isabel Henriques Joaquim Jorge da Cruz Rui Miguel Teixeira |