Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1358/16.5YRLSB-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I -Nas acções de anulação da decisão arbitral não está em causa um controle directo do “mérito” ou do “sentido” da decisão, mas um controle da sua validade em função do (in)cumprimento de regras (procedimentais e de princípios) tidas por fundamentais na nossa ordem jurídica.
II -O fundamento de pedido de anulação previsto no artigo 46.º, n.º3, alínea b), subalínea ii), da LAV, relativo à ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português pode ser oficiosamente conhecido pelo tribunal estadual, não carecendo a parte de o invocar e demonstrar.
III -A apreciação a efectuar por parte dos tribunais estaduais sob a perspectiva da compatibilidade do conteúdo da decisão com a ordem pública terá de assentar numa interacção de dois vectores: eficácia do exercício do controlo e o cuidado em não bulir com a “definitividade” da decisão arbitral.
IV -O conceito de ordem pública previsto no artigo 46.º, n.º3, alínea b), subalínea ii), da LAV, reporta-se aos princípios e normas ético-jurídicas estruturais da ordem jurídica do Estado Português.
VI -O princípio pacta sunt servanda, entendido no sentido de que os contratos livremente firmados existem para serem cumpridos, obrigando as partes nos precisos limites da lei, integra o conceito de ordem pública internacional do Estado português.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:

Partes:
M (Autor/Recorrente)
R, SA e RE, SA (Rés/Recorridas)

Pedido
Declarar inválida e anular a sentença arbitral na parte em que decidiu os pedidos formulados pelo Autor relativos à aplicação da opção de compra prevista na primeira parte do segundo parágrafo da cláusula 9.2 e à condenação das Ré ao pagamento de uma indemnização correspondente à desvalorização que a participação social daquele sofreu em consequência da conduta destas;
Declarar a manutenção da sentença arbitral no que se refere à procedência do pedido do Autor relativamente à declaração de incumprimento definitivo do Acordo Parassocial por parte das Rés e consequente improcedência dos pedidos reconvencionais por etas apresentados.

Fundamento
Violação por parte da sentença arbitral da regra pacta sunt servanda consagrada no artigo 406.º, do Código Civil, que constitui princípio base em que assenta o direito privado português, integrando a ordem pública internacional do Estado Português, uma vez que o tribunal arbitral permitiu que as Rés se desvinculassem unilateral e ilicitamente do Acordo Parassocial sem lhes carrear quaisquer consequências, à revelia do que, expressa e livremente, se encontra convencionado para as situações de incumprimento. 

Contestações
As Rés defendem a improcedência da acção considerando que o Autor, através dela, não visa apreciar a violação de qualquer princípio de ordem pública internacional do Estado Português, mas pretende um re-julgamento da lide por forma a que o tribunal da Relação reaprecie o mérito da decisão arbitral. Defendem, ainda, que a sentença arbitral não violou o princípio pacta sunt servanda

Atendendo o posicionamento das partes e face à questão a conhecer, não se evidencia a necessidade de ser realizada qualquer diligência probatória, pelo que cumpre decidir.

IIDos factos

Das ocorrências processuais com relevância para a decisão

1.-Nos termos da cláusula 15.2 do Acordo Parassocial de 12 de Setembro de 2013, celebrado entre o aqui Autor, M, e as aqui Rés, R, SA e RES, SA, aquele submeteu à apreciação do tribunal arbitral, constituído para tal efeito em 18 de Fevereiro de 2015, acção contra as Rés fundamentado no incumprimento por parte destas daquele Acordo, pedindo:  
a título principal:
a) que seja declarado o incumprimento definitivo do acordo parassocial pelas Demandadas
b) que seja declarado que o Demandante tem o direito de adquirir a totalidade das acções que a primeira Demandada detém no capital social da segunda Demandada pelo preço de 43.245,00€ e à execução específica da correspondente promessa irrevogável de venda estipulada no último parágrafo da cláusula 9.2 do Acordo Parassocial;
c) seja proferida sentença que declare vendidas as referidas acções ao Demandante e este proprietário das mesmas, dispondo-se o Demandante a procederão depósito do referido preço nos termos e no prazo que o Tribunal Arbitral determinar.
a título subsidiário, para o caso dos pedidos b) e c) não procederem:
i) sejam as Demandadas condenadas a pagar ao Demandante uma indemnização correspondente à desvalorização que para a sua participação de 7% no capital social da segunda Demandada decorre da extinção, por incumprimento definitivo das Demandadas do Acordo Parassocial, a qual deverá ser determinada no presente processo, mas cujo valor não é inferior a 12.648.000€;
2.-Na petição inicial o Autor alegou fundamentalmente
Ter a R, SA, em 20-12-2013, através de fax, declarado a resolução do Acordo Parassocial que haviam firmado com base em incumprimento da obrigação de confidencialidade prevista na cláusula 7.8 do Acordo Parassocial;
Em resposta (6-01-2014) ao fax foi comunicado não ocorrer fundamento para a resolução do contrato pelo que esta constituía incumprimento definitivo do mesmo; nessa medida, concluiu exercendo a opção de compra da participação detida pela Res, SA no capital social da R, SA ao abrigo do disposto na cláusula 9.2. do Acordo Parassocial;
Em 14 de Janeiro de 2014, a Res, SA respondeu à sua carta transmitindo que o Acordo Parassocial se encontrava resolvido e que não lhe assistia qualquer direito;
Em 24 de Janeiro de 2014, o conselho de administração da R, SA deliberou (com voto contra do Autor) convocar uma reunião da assembleia geral da sociedade com o objectivo de destituir o Autor do seu cargo de administrador da mesma;
em 5 de Fevereiro de 2014, em reunião da assembleia geral da R, SA o Autor foi destituído do cargo de administrador da sociedade sem que lhe tenha sido disponibilizada acta da reunião).
3.-A RES, SA apresentou contestação negando ter violado o Acordo Parassocial, alegando que foi o Demandante quem, após a assinatura do referido Acordo, procedeu à violação do mesmo incumprindo a obrigação de confidencialidade prevista na cláusula 7ª divulgando informação relativa à F Oy na entrevista dada ao jornal Expresso, noticiada naquele semanário em 21-09-2013, provocando, com isso, a quebra de confiança que o referido Acordo pressupunha e que justificou a resolução do acordo levada a cabo. Deduziu pedido reconvencional pedindo que:
seja reconhecida válida a resolução do Acordo Parassocial;
seja o Demandante condenado a pagar-lhe os custos em que incorreu com o procedimento cautelar prévio à presente acção, que correu termos no Tribunal “d’arrondissement de et à Luxemburg” em montante não inferior a 120.000€.
4.-A R, SA apresentou contestação na qual invoca ter sido o Demandante quem incumpriu o Acordo Parassocial, considerando, por isso, fundada e lícita a resolução do Acordo levada a cabo pela Res, SA. Invocou ainda a nulidade do Acordo Parassocial por força da nulidade das respectivas cláusulas 5.2 e 5.3. Refere ainda que o exercício de compra por parte do Demandante não se mostra possível (fundamentalmente por ser inaplicável ao caso concreto e por violar o disposto no artigo 811.º, n.º1, do Código Civil), bem como a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre os factos imputados às Demandadas e o prejuízo alegado pelo Demandante. Invoca ainda que o pretendido exercício de opção de compra das acções da titularidade da RES, SA, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, consubstancia-se abusivo. Concluiu no sentido da improcedência da acção, tendo ainda deduzido reconvenção pedindo a condenação do Demandante a pagar-lhe o montante de 15.899.637,46€ e juros de mora pelos prejuízos sofridos decorrente da instauração ilícita da acção cautelar no tribunal luxemburguês.
5.-Em resposta o Autor completou e modificou os pedidos formulados na petição fundamentalmente nos seguintes termos:
a título principal:
a) seja declarado o incumprimento definitivo do Acordo Parassocial pelas Demandadas;
b) seja declarado que o Demandante tem direito a adquirir a totalidade das acções que a primeira Demandada detém no capital social da segunda pelo preço de 43.245,00€ e á execução específica da correspondente promessa irrevogável de venda estipulada no último parágrafo da cláusula 9.2 do Acordo Parassocial;
c) seja proferida sentença que declare vendidas as referidas acções ao Autor e este fique proprietário das mesmas, dispondo-se o Autor a proceder ao depósito do referido preço nos termos e prazo que o Tribunal determinar.
a título subsidiário para o caso de não procederem os pedidos formulados em b) e c):
i) Condenação solidária das Demandadas a pagar-lhe uma indemnização correspondente à desvalorização que para a sua participação de 7% no capital da R, SAdecorre da extinção, por incumprimento definitivo do Acordo Parassocial, que deverá ser determinada no processo, mas cujo valor não estima que seja inferior a 12.648.000€.
5.-Realizado julgamento o tribunal arbitral proferiu decisão onde considerou “procedente o pedido principal a) formulado pelo DEMANDANTE de declaração do incumprimento definitivo do Acordo Parassocial pelas DEMANDADAS (sendo tal pedido naturalmente oponível à SEGUNDA DEMANDADA, independentemente dos termos do pedido subsidiário c) que se julga prejudicado. São considerados improcedentes os pedidos principais (b) e c) e subsidiário a) formulados pelo DEMANDANTE. São considerados improcedentes todos os pedidos reconvencionais formulados pelas Demandadas”.
6.-Demandante e Demandadas requereram aclaração da decisão arbitral tendo sido proferida decisão que entendeu que nada havia a aclarar por as pretensões dos Requerentes se situarem ao nível da divergência relativamente ao decidido e não no âmbito dos fundamentos que permitem aclaração.

Na decisão arbitral o tribunal fixou o seguinte factualismo:

Provado:

(1) O DEMANDANTE é um empresário português que detém e administra um conjunto de sociedades com actividade, em particular, na distribuição de bebidas, produtos alimentares e tabaco, informática e no ramo imobiliário.
(2) A PRIMEIRA DEMANDADA é uma sociedade comercial constituída ao abrigo da Lei do Luxemburgo e tem como objecto social, designadamente, a aquisição e gestão de participações sociais
(3) A PRIMEIRA DEMANDADA foi constituída em 12 de Julho de 2013, pela sociedade Grupo R — SGPS, S.A.
(4) A sociedade Grupo R — SGPS, S.A. é uma sociedade de direito português que foi constituída em 19 de Dezembro de 2012, com o capital social de E 50.000 (cinquenta mil euros), representado por 10.000 (dez mil) acções com o valor nominal de € 5 (cinco euros) cada uma, o qual foi subscrito por 5 (cinco) accionistas, com as seguintes participações: (i) M — 5.200 (cinco mil e duzentas) acções, com o valor nominal total de € 26.000 (vinte e seis mil euros), (ii) A — 1.800 (mil e oitocentas) acções, com o valor nominal total de € 9.000 (nove mil euros), (iii) M (o DEMANDANTE) — 1.000 (mil) acções, com o valor nominal total de € 5.000 (cinco mil euros); (iv) A — 1.000 (mil) acções, com o valor nominal total de € 5.000 (cinco mil euros) e (v) A — 1.000 (mil) acções, com o valor nominal total de € 5.000 (cinco mil euros).
(5) Por deliberação de 6 de Março de 2013, o DEMANDANTE foi designado como administrador da sociedade Grupo R SGPS, S.A.
(6) Em Março de 2013, a sociedade Grupo Res, SA. aumentou o seu capital social para € 5.070.000,00 (cinco milhões e setenta mil euros), o qual passou a ser detido maioritariamente pela sociedade R — Companhia Agrícola e Gestão, S.A.
(7) O referido aumento de capital foi realizado em espécie e registado no dia 28 de Março de 2013.
(8) Em 30 de Setembro de 2013, o DEMANDANTE vendeu a sua participação social na sociedade Grupo Res-SGPS, S.A. (1.000 ações) ao Sr. M.
(9) A 6 de Dezembro de 2013, o DEMANDANTE foi destituído do conselho de administração da sociedade Grupo Res, SA..
(10) A SEGUNDA DEMANDADA é uma sociedade comercial constituída ao abrigo da Lei do Luxemburgo e tem como objecto social a aquisição e gestão de participações sociais.
(11) A SEGUNDA DEMANDADA foi constituída no dia 16 de Julho de 2013, pelo DEMANDANTE e PRIMEIRA DEMANDADA, ao abrigo da Lei do Luxemburgo, com o capital social de € 31.000 (trinta e um mil euros), representado por 31.000 (trinta e uma mil) acções, com o valor nominal de € 1 (um euro) cada.
(12) O capital social da SEGUNDA DEMANDADA, no montante de € 31.000 (trinta e um mil euros), representado por 31.000 (trinta e uma mil) acções, foi subscrito aquando da sua constituição da seguinte forma: (i) o DEMANDANTE subscreveu 2.170 (duas mil cento e setenta) acções, tendo pago o montante de € 2.170 (dois mil cento e setenta euros) e a PRIMEIRA DEMANDADA subscreveu 28.830 (vinte e oito mil oitocentos e trinta) acções, tendo pago o montante de € 28.830 (vinte e oito mil oitocentos e trinta euros).
(13) O DEMANDANTE e o Sr. M foram designados, no acto constitutivo das duas DEMANDADAS, como "administradores da classe A" e os senhores É e V como "administradores da classe B".
(14) As sociedades R — Companhia Agrícola e Gestão, S.A. e Grupo Res — SGPS, juntamente com outros acionistas individuais (entre os quais M), são accionistas da R R, S.A.
(15) A R, S.A. tem por objecto principal o fabrico de produtos resinosos e seus derivados, sendo a sociedade do Grupo Res que prossegue, há décadas, esse negócio.
(16) O Sr. M travou conhecimento com o DEMANDANTE no ano de 2010.
(17) O DEMANDANTE consegue expressar-se em língua inglesa ao contrário do Sr. M.
Sobre a sociedade comercial "F" e, em específico, sobre o seu processo de aquisição, ficou provado que:
(18) A F é proprietária de uma fábrica/unidade de fraccionamento, produzindo e distribuindo, à escala mundial, produtos derivados da resina.
(19) O Grupo Res, em particular o Sr. M, tomou a decisão de iniciar um processo tendente à aquisição da F.
(20) No dia 17 de Julho de 2013 foi celebrado o contrato de compra e venda das acções da FORCHEM OY entre MB, MB E e outros, como vendedores, e a O, na qualidade de compradora.
(21) Os efeitos do contrato de compra e venda das acções da F ficaram suspensos até à verificação de um conjunto de condições.
(22) Intervieram, em representação da entidade compradora, M e o DEMANDANTE.
(23) Em 17 de Julho de 2013, a O foi adquirida pela PRIMEIRA DEMANDADA.
(24) Em 19 de Julho de 2013, a PRIMEIRA DEMANDADA transmitiu a totalidade da sua participação social na O à SEGUNDA DEMANDADA.
(25) A O alterou a sua designação para R Oy.
(26) O DEMANDANTE foi designado também administrador da R Oy, juntamente com M, F, A e J.
(27) No dia 18 de Setembro de 2013 foi celebrado o "Senior Facilities Agreement" entre a R Lux e a R Oy, por um lado, e a W (London) Limited, na qualidade de "Agent" e "Security Agent".
(28) No dia 18 de Setembro de 2013 foi celebrado o "Parent Security Agreement"entre a R Lux, S.A., na qualidade de "Pledgor" e a W (London) Limited, na qualidade de "Security Agent for the Secured Parties".
(29) A aquisição da F foi assegurada, exclusivamente, com recurso a financiamentos de terceiros, sem que a PRIMEIRA DEMANDADA ou o Grupo Respol tenham aportado quaisquer capitais próprios.
(30) A Transacção envolveu financiamentos num valor superior a € 123.500.000,00 (cento e vinte e três milhões e quinhentos mil euros.
(31) A R Oy entregou aos vendedores, a título de sinal, o montante de € 8.500.000,00.
(32) A aquisição das participações sociais [da F] teve um preço estimado de € 73.680.718,00, o qual seria ajustado no período de 60 dias úteis após a data de conclusão — o preço final veio a ser de € 76.903.937,00.
(33) Parte desse investimento — cerca de € 65 milhões de euros - foi feito com base em financiamentos contraídos pela SEGUNDA DEMANDADA e pela R OY junto de Fundos nos termos do contrato de financiamento "Senior Facilities Agreement".
(34) Ainda com vista à aquisição da F, designadamente para se obter o refinanciamento desta e pagar as dívidas aos seus anteriores accionistas, a PRIMEIRA DEMANDADA emitiu obrigações, no montante de cerca de € 51.000.000,00, montante este que se destinava a ser entregue à SEGUNDA DEMANDADA, para que esta, por sua vez, o fizesse aplicar na R e esta na aquisição da F.
(35) A emissão de obrigações pela PRIMEIRA DEMANDADA foi objecto de deliberação do conselho de administração, datada de 17 de Setembro de 2013, na qual interveio o DEMANDANTE.
(36) A emissão das referidas obrigações foi subscrita pela R Resinas, S.A. com recurso a financiamento contratado junto de instituições bancárias portuguesas, no respectivo montante, para além do necessário para satisfazer encargos adicionais da transação, num total de cerca de € 59.000.000 (cinquenta e nove milhões de euros).
(37) As sociedades integradas no Grupo R que eram titulares de património relevante constituíram garantias reais a favor das entidades financiadoras, tendo o Sr. M constituído garantias pessoais.
(38) O DEMANDANTE representou ambas as DEMANDADAS e a R Oy, conjuntamente com outros administradores destas em todos os contratos da transacção relativa à F.
(39) Em 30 de Setembro de 2013, a aquisição da F foi concluída com o registo da R Oy como titular de todas as acções representativas do capital social da F.
Sobre o Acordo Parassocial, sua execução e vicissitudes, ficou provado que:
(40) Em 12 de Setembro de 2013, o DEMANDANTE e as DEMANDADAS celebraram o Acordo Parassocial com a redacção constante do documento n.º A-21.
(41) Em 26 de Novembro de 2013, Rui Brogueira enviou a R e S, copiando o Sr. M, o e-mail junto aos autos como documento n.º A-23, com o seguinte teor:
"Dear Risto and Susana
(…)
(42) Em 26 de Novembro de 2013, R enviou a R e S, copiando o Sr. M o e-mail junto aos autos como documento n.° A-23, com o seguinte teor: "Dear R  and S (…)
(43) Em 16 de Dezembro de 2013, o DEMANDANTE recebeu o e-mail enviado por E junto aos autos como documento n.° A-26, com o seguinte teor:
(44) Em 16 de Dezembro de 2013, o DEMANDANTE enviou a Etienne Biren e Valerie Pechon o email junto aos autos como documento n.º A-26, com o seguinte teor: "Dear Mr. Biren and Mr. Pechon, Please add this Agenda to the Board of Directors to be held next Thursday at the registered seat of the company.
Best regards, Marco Galinha"
(45) Em 18 de Dezembro de 2013, o DEMANDANTE recebeu o e-mail enviado por Anthony Audia junto aos autos como documento n.° A-26, com o seguinte teor: "Dear Mr. Galinha, Further to your below email, we hereby confirm that the points you mentioned in the attached agenda will be discussed during the Board of directors meeting to be held tomorrow at 10.00 am at the registered office of Respol Lux S.A. We remam at your disposal for any question you may have. Best regards"..
(46) Os pontos discutidos na reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA são os que constam do documento n.º A-27 junto com p.i.
(47) No dia 19 de Dezembro de 2013 teve lugar a reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA-
(48) Em 20 de Dezembro, às 13h16, o DEMANDANTE enviou aos restantes administradores da SEGUNDA DEMANDADA o e-mail e carta juntos aos autos como documento n.° A-28, com o seguinte teor: E-mail: "Dear fellow members of the board, please find enclose a letter addressing yesterday board meeting. Best regards M (…)
(49) Em 20 de Dezembro de 2013, às 17h26, a PRIMEIRA DEMANDADA enviou, via fax, ao DEMANDANTE a carta junta aos autos como documento n.° A-29 com o seguinte teor: 17:26:4420-12-2013 Res, SA.
(50) Em 30 de Setembro de 2013, a R Oy, accionista única da F, deliberou a eleição de M, R, J, R e P como membros do conselho de administração da F.
(51) Em 30 de Setembro de 2013, no dia do closing da transacção, o DEMANDANTE não foi indicado para administrador da F, como inicialmente previsto.
(52) Em 6 de Janeiro de 2014, o DEMANDANTE enviou às DEMANDADAS a carta junta aos autos como documento n.º30, com o seguinte teor:
(…)
(53) Em 14 de Janeiro de 2014, a PRIMEIRA DEMANDADA enviou ao DEMANDANTE a carta junta aos autos corno documento n.° A-31, com o seguinte teor:
R, S.A.
(…)
(54) Em 24 de Janeiro de 2014, o conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA deliberou convocar uma reunião da assembleia geral da sociedade com o objectivo de destituir o DEMANDANTE do cargo de administrador da mesma.
(55) A deliberação foi tomada com o voto contra do DEMANDANTE.
(56) Em 5 de Fevereiro de 2014, em reunião da assembleia geral da SEGUNDA DEMANDADA, o DEMANDANTE foi destituído do cargo de administrador da SEGUNDA DEMANDADA.
(57) A aprovação de deliberações pelo conselho de administração das DEMANDADAS implicava que estas fossem votadas favoravelmente pelos dois administradores de categoria A.
Sobre a notícia publicada no semanário Expresso e na Revista Exame, ficou provado que:
(58)  Em 21 de Setembro de 2013 foi publicada a notícia da autoria do jornalista J junta aos autos como documento n.º A-33.
(59) A notícia publicada em 21 de Setembro de 2013 foi precedida de uma reportagem anterior feita pelo mesmo jornalista, publicada no Expresso em 26 de Janeiro de 2013.
(60) Em Janeiro de 2013, o DEMANDANTE foi apresentado por M a J quando este se deslocou às instalações da R.
(61) A notícia de 21 de Setembro de 2013 foi publicada antes da transacção relativa à F se encontrar concluída.
(62) Em 23 de Setembro de 2013, o Demandante enviou ao Sr. M o e-mail junto como documento n.° 20/CD1 pela PRIMEIRA DEMANDADA em cumprimento do despacho n.° 1 proferido pelo Tribunal Arbitral e como RG-26, com o seguinte teor (…)
(63) Em 26 de Setembro de 2013, no "Jornal de Leiria" repete-se parte da notícia do Expresso.
(64) Em Outubro, a revista "Exame", inseria novamente um artigo, na página 10, com o título "Maior biorrefinaria, do mundo na Finlândia, é lusa".
Sobre os alegados prejuízos sofridos pelo Demandante - valor da participação do Demandante na segunda Demandada -, ficou provado que:
(65) Em reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA, realizada em 19 de Dezembro de 2013, foi apresentado o orçamento consolidado para 2014.
(66) De acordo com o orçamento consolidado da SEGUNDA DEMANDADA para 2014 era estimado um E consolidado de cerca de 26,15 milhões.
(67) De acordo com o orçamento consolidado da SEGUNDA DEMANDADA para 2014, a margem destinada para o E da SEGUNDA DEMANDADA era de 17,2%.
Sobre a propositura do procedimento cautelar no Luxemburgo e suas consequências ficou provado que:
(68) Como preliminar da presente acção arbitrai, o DEMANDANTE requereu contra as DEMANDADAS um pedido de providência cautelar no Tribunal d'Arrondissement de et a Luxembourg, o qual correu termos sob o n.º , na qual foi proferida, a 18 de Julho de 2014, a decisão junta como documento n.º A-1.
(69) A decisão proferida a 18 de Julho na providência cautelar, que correu termos no Tribunal d'Arrondissement de et a Luxembourg sob o n.º, foi revogada, a 4 de Fevereiro de 2015, pelo Tribunal de Recurso no Luxemburgo.
(70) A PRIMEIRA DEMANDADA incorreu em custos (não quantificados) com a sua defesa que apresentou junto dos Tribunais do Luxemburgo.
(71)  A R pagou o "Upside Sharing Payment", previsto na cláusula 13 do Senior Facilities Agreement, em março de 2015, no montante de € 10.385.897,00 (dez milhões trezentos e oitenta e cinco mil oitocentos e noventa e sete euros).

2.1FACTOS CONTROVERTIDOS PROVADOS

Sobre a notícia publicada no semanário Expresso e na revista Exame:
(1) Em janeiro de 2013, M manifestou a J o seu objectivo de ser líder mundial incontestado nos derivados de resinas destinados às tintas de impressão
(2) Em Janeiro de 2013 a intenção de aquisição de uma sociedade do Norte da Europa que poderia ser a F foi referida em termos muito genéricos por M a J.
(4) M sabia, em termos gerais, que estava a ser preparada a saída de uma notícia no Expresso,  sem detalhes precisos quanto aos seus termos e à data em que a mesma sairia.
(5) A notícia foi publicada no dia 21 de Setembro de 2013 (sábado) e que a entrevista terá sido concedida cerca de duas a três semanas antes de 21 de Setembro de 2013.
(6) O DEMANDANTE chamou a atenção de J para o facto de a Notícia do Expresso não ser publicada antes de ser recebida a autorização para o efeito.
(8), (9) e (10) Foi publicada a notícia com o texto constante do documento n.° A-34.
(12) O Sr. M ficou afectado com as consequências jurídicas - potencial perda Financeira que a notícia podia acarretar e com a questão de o DEMANDANTE se apresentar como o líder da empresa.
Sobre o Acordo Parassocial, sua execução e vicissitudes (na perspectiva do seu alegado incumprimento pela PRIMEIRA DEMANDADA):
(15) Foi acordado que o DEMANDANTE viria a ser indicado para membro do conselho de administração da F.
(16) O DEMANDANTE não foi consultado previamente à deliberação da R Oy de deliberação de 30 de Setembro de 2013 relativa nomeação do conselho de administração da F.
(18) Tanto os contratos de trabalho [R e P] e o contrato de prestação de serviços [contrato de prestação de serviços de consultoria de R] foram celebrados sem o consentimento (e, na altura, sem o conhecimento) do DEMANDANTE.
(19) A referida questão foi discutida na reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA.
(20) A prorrogação do prazo contratualmente previsto  para a apresentação do orçamento consolidado foi referida na reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA.
Sobre os alegados prejuízos sofridos pelo Demandante - valor da participação do Demandante na segunda Demandada:
(25) e (26) O Acordo Parassocial celebrado entre as DEMANDADAS e o DEMANDANTE confere alguns direitos (ainda que de forma limitada) ao DEMANDANTE em sede de: (i) representação nos órgãos sociais, (ii) direito de veto em concretas deliberações; (iii) protecção anti-diluição em caso de aumento de capital e (iv) direito de preferência e tag-along do DEMANDANTE.
Sobre a propositura do procedimento cautelar no Luxemburgo e suas consequências:
(33) A impossibilidade de concretizar a operação de refinanciamento implicou para a Segunda Demandada uma não diminuição de custos-
(36) A cláusula 5.2 do Acordo Parassocial tem a seguinte redacção:
"As Partes estão de acordo que as decisões do órgão de administração da Sociedade sobre as seguintes matérias só se considerem aprovadas quando (i) obtenham o voto favorável de 2/3 (dois terços) dos administradores, sendo um deles o Presidente do Conselho de Administração e o administrador nomeado pelo Segundo Contratante, e (ii) este órgão seja composto por 6 (seis) membros e todos os administradores estejam presentes ou representados:
(a)  Aquisição, alienação e oneração de bens imóveis;
(b)  Prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela Sociedade;
(c) Extensões ou reduções importantes da actividade da Sociedade;
(d)  Projectos de fusão, de cisão e de transformação da Sociedade;
(e)  Aprovação e modificação do orçamento anual;
(o) Aprovação e modificação do plano de negócios anual e plurianual;
(g) Realização de investimentos e desinvestimentos que individualmente superem 6' 500.000 (quinhentos mil euros);
(h) Contratação de empréstimos, aberturas de crédito ou outras formas de financiamento da Sociedade que individualmente superem € 500.000 (quinhentos mil euros);
(i) Criação, alienação e encerramento de filiais e/ou sucursais;
(o) Aquisição, alienação e encerramento de filiais e/ou sucursais;
(k) Negócios sobre bens incorpóreos da Sociedade nomeadamente marcas e patentes, seja qual for o seu valor;
(1) Celebração de quaisquer negócios com accionistas que sejam geradores de conflitos entre os interesses da Sociedade e os interesses de qualquer um dos seus accionistas, direta ou indirectamente;
(m)  Contratação de colaboradores com remunerações anuais superiores a € 50.000 (cinquenta mil euros);
(n) Definição e atribuição de bónus e outros beneflcios ou regalias a colaboradores da Sociedade;
(o) Negócios sobre valores mobiliários próprios, seja qual for o seu valor;
(p)  Alteração dos estatutos que sejam da sua competência;
(q)  Adiantamentos sobre lucros do exercício.
As decisões sobre as matérias referidas nas diversas alíneas supra desta cláusula não carecem de ser aprovadas pela maioria qualificada prevista no primeiro parágrafo desta cláusula, sempre que tais decisões estejam previstas no orçamento anual, nos projectos de investimento e/ou nos planos de negócios da Sociedade, aprovados em conformidade com o disposto no parágrafo anterior."
(37) A cláusula 5.3 do Acordo Parassocial tem a seguinte redacção:
"As Partes e a Sociedade obrigam-se a praticar os melhores esforços para assegurar que quaisquer deliberações sociais que as Subsidiárias (conforme definido na cláusula 2.1.3) pretendam adoptar relativamente às matérias descritas na cláusula 51 e às matérias das alíneas (d) e (i) da cláusula 5.2 relativamente à sua própria actividade sejam levadas à e aprovadas pela assembleia geral da Sociedade, com as mesmas maiorias qualificadas descritas na cláusula 5.1 antes da sua discussão e aprovação pelos órgãos sociais competentes de cada Subsidiária (conforme definido na cláusula 2.1.3)."

FACTOS CONTROVERTIDOS NÃO PROVADOS:

Sobre a notícia publicada no semanário Expresso e na revista Exame:
Foi M quem prometeu a J um exclusivo sobre a aquisição da F.
O concreto texto da notícia publicada.
O DEMANDANTE não transmitiu a J qualquer informação sobre os vendedores R: 
Relativamente à notícia publicada na revista Exame, o DEMANDANTE foi contactado ou prestou qualquer informação para efeitos da redação da mesma
A obrigação de confidencialidade prevista na cláusula 7 do Acordo Parassocial abarca as obrigações de confidencialidade previstas na cláusula 14.4 do Share Purchase Agreement e na cláusula 38.1 do Senior Facilities Agreement.
Sobre o Acordo Parassocial, sua execução e vicissitudes (na perspectiva do seu alegado incumprimento pela PRIMEIRA DEMANDADA):
O DEMANDANTE não foi indicado para administrador da F com o seu consentimento
Um dos objectivos do pedido efetuado em 16 de dezembro de 2013 - aditamento de uma lista de assuntos à convocatória da reunião do conselho de administração da SEGUNDA DEMANDADA agendada para 19 de dezembro de 2013 — era o de obter confirmação sobre a verificação de incumprimentos do Acordo Parassocial
Nunca a PRIMEIRA DEMANDADA transmitiu ao DEMANDANTE qualquer intenção de resolver o Acordo parassocial antes da carta enviada em 20 de Dezembro de 2013
O Sr. M, na qualidade de acionista das sociedades integradas no Grupo R, também presidente do conselho de administração das DEMANDADAS, e o DEMANDANTE, encetaram negociações, com a colaboração dos respectivos advogados e assessores, com vista à separação dos seus interesses
Tais negociações vieram a malograr-se e, por isso, não teve a PRIMEIRA DEMANDADA outra
alternativa senão a de proceder à resolução do Acordo Parasocial
Sobre a propositura do procedimento cautelar no Luxemburgo e suas consequências:
No que respeita à administração da SEGUNDA DEMANDADA, a decisão do tribunal do Luxemburgo apenas impediu, em termos gerais (i) de modo a diminuir o seu património e/ou (ii) de modo contrário ao estabelecido no Acordo parassocial
As medidas cautelares decretadas implicaram uma grande mitigação do domínio da PRIMEIRA DEMANDADA sobre a SEGUNDA DEMANDADA
A possibilidade do "sequestre" exercer os direitos de voto inerentes às ações sequestradas e adoptar medidas conservatórias não era ilimitada e encontrava-se circunscrita ao interesse das partes e tinha como objectivo evitar a dissipação de património da SEGUNDA DEMANDADA ou das suas participadas

III O direito
Interpôs o Autor a presente acção (de anulação) impugnando (ainda que parcialmente) a validade da decisão arbitral proferida alicerçado no fundamento previsto em ii) da alínea b) do n.º3 do artigo 3.º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) - ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado português – no caso, o princípio pacta sunt servanda.
Circunscreve o Autor a sua discordância relativamente à decisão arbitral na parte em que julgou improcedentes os pedidos principais (b) e c) e subsidiário a) formulados, ou seja:
o direito do Autor adquirir a totalidade das acções que a RES, SA Ré detém no capital social da R, SAe o direito à execução específica da correspondente promessa irrevogável de venda a que alude a cláusula 9.2 do Acordo Parassocial, com proferimento de sentença que declare vendidas ao Autor as referidas acções (pedidos principais);
condenação solidária das Rés no pagamento de indemnização correspondente à desvalorização da participação do Autor (7% no capital da R, SA) face ao incumprimento definitivo do Acordo Parassocial por parte das Rés (pedido subsidiário).
Sustenta-se, para o efeito, na seguinte ordem de argumentos:
Ao concluir pela resolução ilícita do Acordo Parassocial por parte das Rés não podia o tribunal arbitral deixar de julgar aplicável a opção de compra prevista na 1ª parte do 2.º parágrafo da cláusula 9.2 do referido Acordo porque:
a) está em causa uma situação que se reconduz ao incumprimento definitivo do Acordo em todas e em cada uma das suas cláusulas, designadamente das cláusulas 2 e 5;
b) resultaria do recurso às regras de integração previstas no artigo 239.º, do Código Civil (a entender-se que as partes não tinham previsto as consequências decorrentes de uma situação de recusa categórica de cumprimento global do Acordo teria a mesma de ser enquadrada nos casos de incumprimento grave previstos como sejam as violações das cláusulas 2 e 5) ainda que considerasse que se impunha a redução equitativa (da opção de compra) atenta a sua natureza de cláusula penal.
As partes celebrantes do Acordo Parassocial quiseram nele definir as consequências decorrentes do incumprimento do mesmo por forma a obviar às dificuldade e/ou impossibilidade que existe na concretização e valorização dos danos sofridos pela parte não inadimplemente nas situações de incumprimento de contratos de natureza de acordos parassociais.
O Acordo Parassocial consubstanciava um acordo de protecção da sua posição minoritária porquanto lhe atribuía um conjunto de direitos de participação na vida da Ré R; SA muito superior ao decorrente da mera titularidade da sua participação social nessa sociedade (7%).
Ao recusar a aplicação da opção de compra a decisão arbitral desrespeitou o Acordo firmado entre as partes para as situações de incumprimento e, nessa medida, violou a regra do pacta sunt servanda consagrada no artigo 406.º, do Código Civil, base em que assenta o direito privado português.
Ao não condenar as Rés no pagamento de indemnização (pedido subsidiário) a decisão arbitral violou ainda a regra do pacta sunt servanda uma vez que permitiu àquelas que se desvinculassem ilícita e unilateralmente do Acordo exonerando-se das responsabilidades a que se encontravam adstritas nos termos do referido Acordo.
A regra do pacta sunt servanda mostra-se reconhecida como integrando a ordem pública internacional do Estado Português.
Vejamos.

1.A impugnação da sentença arbitral

A reapreciação das decisões arbitrais pode assumir duas formas: a via recursória e a da anulação. Ao invés do que acontece com o recurso , cuja regra (supletiva) é a da irrecorribilidade (cfr. artigo 39.º, n.º4, da LAV), a impugnação das decisões arbitrais é permitida na lei nos termos taxativamente estabelecidos no artigo 46.º, da LAV.
A especificidade da apreciação jurisdicional nas situações de impugnação assenta na circunstância de, ao contrário do que acontece no recurso, não estar em causa um controle directo do “mérito” ou do “sentido” da decisão (por os árbitros terem cometido um erro de julgamento quer de facto quer de direito), mas sim um controle da sua validade em função do (in)cumprimento de regras (procedimentais  e de princípios) tidas por fundamentais na nossa ordem jurídica.
Assim sendo, como resulta expressamente do n.º9 do artigo 46 da LAV, o juízo de avaliação na impugnação não redunda na substituição da sentença arbitral proferida por outra de sentido diferente, mas apenas à sua anulação, ao seu expurgo da ordem jurídica - salvo no caso do n.º8 -, para e refazer o processo arbitral anulado (…) É portanto um meio processual de mera cassação, não de reapreciação do litígio e de substituição da sentença proferida por outra que não enferme do vício da decisão arbitral .
Conforme já mencionado, o Autor estriba a pretensão de anular a decisão arbitral proferida no fundamento previsto no artigo 46.º, n.º3, alínea b), subalínea ii), ou seja, por o conteúdo da mesma ofender os princípios da ordem pública internacional do Estado português.
Está em causa fundamento que não necessita de ser invocado e demonstrado pela parte, podendo o tribunal estadual, oficiosamente, tomar conhecimento da sua existência e reporta-se ao conteúdo da decisão (seu sentido e medida).
A problemática referente a este fundamento da acção de anulação da decisão arbitral proferida por tribunal sediado em Portugal que aplique o direito nacional tem de ser encarada levando em conta dois aspectos incontornáveis:
estar em causa uma forma de controlo que, de algum modo, compromete a definitividade da decisão arbitral;
a necessidade de controlo da jurisdição estadual sobre o conteúdo da sentença arbitral toca apenas com a sua conformidade com os princípios fundamentais que os Estados não podem tolerar que sejam ignorados pelos árbitros .
Nesta dinâmica, a apreciação a levar a cabo por parte dos tribunais estaduais sob a perspectiva da compatibilidade da decisão com a ordem pública terá de assentar numa interacção de dois vectores: eficácia do exercício do controlo e o cuidado em não bulir com a “definitividade” da decisão arbitral. Para esse efeito, conforme realça António Sampaio Caramel, importa ter subjacente o cumprimento de dois requisitos quanto ao controlo a efectuar:
não limitar a apreciação ao exame da parte dispositiva da decisão,  mas circunscreve-la aos fundamentos da mesma, ou seja, à motivação que determinou a solução adoptada;
a análise dos fundamentos da decisão terá de abarcar quer o direito, quer a factualidade considerada pelos árbitros .
Defendendo o que parece ser consensualmente aceite quanto à necessidade de ser adoptada uma interpretação restritiva e contida deste fundamento de anulação, refere António Sampaio Caramelo “o controlo da compatibilidade da sentença arbitral com a ordem pública (…) deve ser exercido de modo comedido, de modo a não conduzir â revisão daquela sentença nem à sistemática anulação da decisão do árbitro que cometeu (…) um erro in judicando (…)deve ser efectuado com o fim preciso de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis.”.

2.A ordem pública internacional do Estado português

O Autor materializa o fundamento de anulação em que sustenta a acção na violação da regra pacta sunt servanda, que alega ser unanimemente reconhecida como integrando a ordem pública internacional do Estado Português.
Na sua contestação a Ré R, SA defende que se mostra duvidosa a integração da referida regra na ordem pública internacional do Estado português, desde logo por a nossa ordem jurídica admitir derrogações a tal princípio. Invoca, nesse sentido, o instituto da alteração das circunstâncias e o dos vícios da vontade, fazendo ainda alusão ao regime dos artigos 280.º e 294.º, ambos do Código Civil.
O conceito de ordem pública é um conceito indeterminado, que não se mostra definido na lei e que, nessa medida, carece de ser concretizado.
No Código Civil Anotado Pires de Lima e Antunes Varela, referem estar em causa um princípio geral cujo conteúdo positivo terá de ser preenchido pelo julgador na análise de cada caso . A concretização do conceito, que não se assume de tarefa simples, vem sendo assumida por vários Autores na definição que vão dando ao conceito.
Para Mota Pinto, ordem pública era “o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas (…) que não são susceptíveis de uma catalogação exaustiva, até porque a ordem pública é variável com os tempos” .
Baptista Machado definia o conceito como “aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, sobre eles se alicerçando a ordem económica e social, pelo que são inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. Serão assim de ordem pública, entre outras, aquelas normas que estabelecem regras fundamentais da organização económica, as que visam garantir a segurança do comércio jurídico e proteger terceiros, as que tutelam a integridade dos indivíduos e a independência da pessoa humana e protegem os fracos e incapazes, as que respeitam à organização da família e ao estado das pessoas, visando satisfazer um interesse geral da colectividade” .
Manuel Pereira Barrocas defende que a ordem pública constitui um complexo normativo de conteúdo ético-sócio-económico formado por certas normas de direito positivo e por princípios e valores fundamentais relativos à protecção e afirmação da prevalência de interesses gerais essenciais de uma determinada comunidade jurídica e aplicável no espaço respectivo.
António Carneira da Frada refere que a ordem pública representa como que uma cláusula de salvaguarda de que dispõe o sistema jurídico para assegurar o respeito dos seus pilares fundamentais. 
Nas definições indicadas evidencia-se como denominador comum o facto do conceito se reportar aos princípios e normas ético-jurídicas estruturais da ordem jurídica de cada Estado.
No que toca ao conteúdo do conceito ínsito na LAV, Manuel Pereira Barrocas faz salientar que quer se trate de arbitragem doméstica para efeitos de apreciação da validade da sentença arbitral, quer de arbitragem estrangeira para efeitos de reconhecimento e execução em Portugal de sentenças arbitrais estrangeiras, o conceito de ordem pública internacional do Estado português é essencialmente o mesmo ainda que, neste último caso, a lei tenha incluído o advérbio manifestamente (artigo 56.º, n.º1, alínea b), sub alínea ii), da LAV), fixando um critério mais restritivo para as situações de recusa de reconhecimento.
No seguimento deste entendimento, não podemos deixar de aderir à doutrina e à jurisprudência que considera como integrando a ordem pública internacional do Estado português o princípio pacta sunt servanda enquanto manifestação da força obrigatória dos contratos, ou seja, no sentido de que os contratos livremente firmados existem para serem cumpridos obrigando as partes nos precisos limites da lei.

3.o caso sob apreciação

A decisão proferida, não obstante ter reconhecido que a declaração de resolução do Acordo Parassocial, porque infundada (não se verificar o incumprimento pelo Autor da cláusula de confidencialidade), era ilícita, julgou improcedente quer o pedido (principal) relativo ao direito do Autor adquirir as acções detidas pela RES, SA na R GROUP, SA, quer o pedido (subsidiário) de indemnização correspondente à desvalorização que para a sua participação de 7% no capital da R, SA decorre da extinção do Acordo Parassocial.
O tribunal sustentou a sua decisão em raciocínio cujas premissas aqui se deixam realçadas:
Relativamente ao pedido do Autor formulado em a), julgado procedente:
As Rés não lograram demonstrar que a notícia publicada na revista “Exame” de Outubro de 2013 tivesse origem em informação disponibilizada pelo Autor porquanto apenas se fez prova de que este havia concedido uma entrevista prévia à celebração do Acordo Parassocial e à notícia publicada no Expresso do dia 21-09-2013;
Não tendo sido feita prova de que o Autor tenha incumprido a cláusula de confidencialidade (cláusula 7ª), não ocorreu fundamento para a resolução do acordo levado a cabo pelas Rés e, por conseguinte, as mesmas violaram as cláusulas 4.1 e 4.4 do Acordo Parassocial, configurando a respectiva conduta um incumprimento definitivo do Acordo Parassocial.
Relativamente aos pedidos do Autor formulados em b) e c), julgados improcedentes: 
A cláusula 9.2 do Acordo Parassocial encerra uma cláusula penal de consequências de tal modo gravosas  que se mostra dirigida para sancionar contratualmente o incumprimento das partes relativamente às situações de violação das cláusulas 2 e 5 do Acordo;
Não integrando a conduta das Rés a violação de tais cláusulas a resolução ilícita do Acordo Parassocial por parte das mesmas não pode determinar tal pretensão do Autor;
Relativamente ao pedido subsidiário do Autor (reportado ao pedido de indemnização face à desvalorização da situação da sua participação no capital social da 2ª Ré), julgado improcedente: 
Na apreciação deste pedido o tribunal arbitral considerou que relevavam os factos assentes constantes dos pontos 13.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 39.º, 40.º, 48.º, 54.º, 55.º, 56.º, 65.º, 66.º, 67.º e os factos controvertidos provados nos pontos 13.º, 14.º, 17.º, 18.º, 23.º, 24.º, 34.º e 34.º, fazendo ainda notar que a única prova realizada sobre a desvalorização da participação social do Autor na 2ª Ré em consequência da resolução do Acordo Parassocial havia sido a prova pericial (relatório elaborado pelo BIG e relatório elaborado pela Deloitte) .
Os direitos conferidos ao Autor no Acordo Parassocial pela sua natureza e pela inexistência de regras nele contidas quanto à cessão de posição contratual são direitos atribuídos intuitu personae e, por isso, não transmissíveis com a alienação da respectiva participação social; consequentemente, não susceptíveis de atribuir um valor acrescido às participações sociais daquele em caso de transmissão a terceiro;
O incumprimento ilícito e definitivo do Acordo Parassocial extinguiu direitos validamente constituídos na esfera jurídica do Autor porquanto ficou privado de nomear um dos administradores do conselho de administração da 2ª Ré, exercer direito de veto em concretas deliberações, protecção anti-diluição em caso de aumento de capital e exercer direito de preferência e de venda conjunta (tag-along) em caso de transmissão de acções;
Sendo o Acordo Parassocial um contrato, atenta a sua natureza civilista, impõe-se-lhe a aplicação das regras gerais sobre cumprimento dos contratos, designadamente no que se reportam ao dano indemnizável;
Os danos sofridos pelo Autor terão de se traduzir no valor associado à criação de uma situação prejudicial ou à remoção de uma situação benéfica do mesmo concretizados em função da eliminação da protecção que lhe era conferida pelo Acordo Parassocial, ou seja, porque não nomeou um dos Administradores do Conselho de Administração da 2ª Ré, porque não exerceu o direito de veto em concretas deliberações, porque não beneficiou de protecção anti-diluição em caso de aumento de capital, porque não exerceu direito de preferência e de venda conjunta (tag-along) em caso de transmissão de acções;
Não tendo sido alegada nem demonstrada (os dois relatórios periciais foram concordantes no sentido da não desvalorização da participação social do Autor de 2013 para 2014, no período posterior à resolução do Acordo Parassocial) a ocorrência efectiva destas situações, não é possível concluir pela verificação concreta de danos por efeito da resolução do Acordo Parassocial nos termos peticionados.
Perante a argumentação fáctica e jurídica exposta na decisão, dado que na mesma se considerou que não tinha sido demonstrado qualquer dano sofrido pelo Autor em função da violação contratual por parte das Rés consubstanciada na resolução ilícita do Acordo Parassocial levada a cabo, não se descortina em que medida tal solução se mostra contrária à regra pacta sunt servanda nos termos em que deverá ser considerada enquanto princípio de ordem pública internacional do Estado português.
Por outro lado, ainda que se considerasse que a decisão arbitral tinha feito uma incorrecta avaliação quer quanto à (in)existência de danos sofridos pelo Autor com a conduta das Rés, quer relativamente à interpretação do sentido e aplicação da cláusula 9.2 do Acordo Parassocial e, nessa medida, das consequências decorrentes do incumprimento contratual das Rés, não estaria em causa a violação de qualquer princípio de ordem pública internacional do Estado português, mas erro de julgamento e de aplicação do direito, que não é passível de controlo enquanto fundamento de acção de anulação por se reportar ao mérito da causa.
Por conseguinte, cabe concluir pela total improcedência da acção.

III–Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente acção de anulação de decisão arbitral, absolvendo as Rés do respectivo pedido.
Custas pelo Autor.



Lisboa, 13 de Julho de 2017



Graça Amaral
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo