Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11456/2005-2
Relator: NETO NEVES
Descritores: CASA DE PORTEIRO
OCUPAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
ANULAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Ocupação ilegal por filho da porteira após cessação de funções desta.
2- Anulação do processado
3- Inquirição dos condóminos na qualidade de testemunhas
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – O ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO … demandou, na presente acção declarativa com processo ordinário, ELISABETE ..., pedindo que:
- Seja declarado que a casa do porteiro é parte comum do prédio, sendo os condóminos legítimos proprietários;
- Seja declarado que a posse da R. sobre a casa do porteiro é insuficiente, ilegal e de má-fé;
- Seja a R. condenada a desocupar de imediato a casa do porteiro e a restituí-la aos condóminos, devidamente devoluta;
- Seja a R. condenada a pagar ao Autor a indemnização de Esc. 600.000$00, correspondente à utilização da cada do porteiro nos últimos cinco anos, acrescida da prestação mensal de Esc. 15.000$00 a contar da instauração da presente acção até à efectiva entrega da mesma dependência aos condóminos.
Alega que a R. vive desde 1.4.1986 na referida casa do porteiro, sem título que a legitime e contra a vontade do condomínio, sendo ela filha de Joaquina …, que cessou em 31.3.1986 as funções de porteira, saindo do local e indo viver para Trajouce.
A R. não exerce nem nunca exerceu essas funções e tem-se negado a entregar a casa em questão, apesar das insistências dos administradores e dos condóminos.
Com essa conduta tem causado prejuízos ao condomínio, que tem estado impedido de utilizar a dita casa, seja para facultando o seu uso por outro porteiro, seja gozando-o em benefício dos próprios condóminos, reclamando por isso a indemnização dos danos por referência ao seu valor locativo, que calcula por baixo.
Citada, veio a R. dizer que a utilização que fez da casa do porteiro – cessada já à data da citação – foi legítima, pois que faz parte do agregado familiar da porteira, sua mãe, que não deixou de o ser, mas simplesmente foi impedida de exercer as respectivas funções pelos condóminos, que além disso cessaram o pagamento da sua remuneração na parte pecuniária, o que a obrigou a intentar uma acção em tribunal de trabalho para obter o seu pagamento.
Continua, porém, sua mãe a ter direito à remuneração em espécie, representada pela habitação da porteira, assistindo-lhe por isso o direito de a habitar, não obstante a própria R. reconhecer que desde fim de Março de 1986 ela lá não vive com a permanência com que o fazia antes.
Nega que continue a viver nessa casa, dizendo viver actualmente noutro lugar.
Impugna os prejuízos invocados, salientando que, por se tratar de casa do porteiro, retirada consequentemente do comércio locativo, por não lhe poder ser dado outro destino, e alega que nada impede que o condomínio contrate outra porteira mesmo não dispondo da casa e que os valores a considerar para esse fim estão longe de ser os peticionados.
Invocou a prejudicialidade da acção intentada na jurisdição laboram em relação à presente acção, requerendo por isso a suspensão da instância até decisão final da causa prejudicial.
Respondeu o Autor à matéria da excepção, dizendo que a cessação de funções de porteira da mãe da R. ocorreu na sequência de acordo com a administração do condomínio.
Opôs-se, ainda, ao pedido de suspensão da instância.
Seguiu-se despacho que indeferiu este pedido – do qual a R. interpôs recurso de agravo, com subida diferida – e o despacho saneador, bem como a condensação, com elaboração de especificação e questionário, de que a R. reclamou parcialmente, com êxito.
Oferecidas as provas, efectuou-se audiência de discussão e julgamento, sendo decidida a matéria de facto e, finalmente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.
Dela apelou a R., e, subindo os autos, foi conhecido em primeiro lugar do agravo retido, a que foi dado provimento, sendo revogado o despacho que indeferira o pedido de suspensão da instância, ficando desse modo prejudicado o conhecimento do recurso sobre a decisão de mérito.
Em cumprimento do douto Acórdão, esteve a instância suspensa, até que, por se ter comprovado nos autos que a instância na acção laboral ficou deserta, foi a mesma levantada.
Procedeu-se então à elaboração de novo despacho saneador e à organização de novos especificação e questionário, estes sem reclamação.
Dado cumprimento ao disposto no artigo 512º, só o Autor ofereceu prova (testemunhal).
Iniciada oportunamente a audiência de discussão e julgamento, no seu início requereu a R. que a mesma fosse adiada, por ter constatado que não haviam sido notificadas as testemunhas da mesma parte, que haviam sido arroladas em requerimento apresentado no seguimento do primeiro questionário elaborado.
Foi tal pretensão indeferida por despacho exarado em acta, e dele veio a R. a interpor recurso de agravo, admitido para subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente.
Seguiu-se a inquirição a testemunhas do Autor, tendo a respeito de todas elas a R. suscitado o impedimento para deporem como testemunhas, por todas serem condóminos do prédio dos autos e, por esse motivo, com interesse na causa.
Por despacho proferida igualmente em acta, foram os requerimentos da R. indeferidos, tendo das decisões a mesma agravado, tendo o recurso sido recebido com o mesmo regime de subida do anterior.
Prosseguindo a audiência, veio a ser decidida a matéria de facto, por despacho sem reclamação.
Apresentou a R. alegações sobre o aspecto jurídico da causa.
Por último, foi lavrada sentença, que julgou a acção procedente.
Dela interpôs a R. recurso de apelação, recebido com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações do primeiro agravo formulou a R. as seguintes conclusões:
1. Tendo a R. suscitado na contestação a existência de causa prejudicial dada a pendência de acção no Tribunal do Trabalho de Lisboa, foi essa questão desatendida em 1ª instância e dessa decisão sido interposto recurso de agravo, tendo sido determinada a sua subida a final e tendo a acção prosseguido os seus termos;
2. Proferida sentença que condenou a R. veio esta a interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este subido àquele Tribunal juntamente com o recurso de agravo a que se fez referência;
3. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos em 7 de Maio de 1998, que considerou procedente o recurso de agravo interposto, abstendo – se por essa razão de apreciar a apelação e determinando “a suspensão da instância até que seja decidida a questão pendente no Tribunal do Trabalho, ou se decida eventualmente pelo levantamento da suspensão”;
4. Por despacho proferido nos autos a fls. 234, foi ordenado o levantamento da suspensão da instância uma vez que na acção que pendia no Tribunal do Trabalho a instância fora considerada deserta;
5. Tendo sido proferido despacho saneador, foram as partes notificadas do mesmo e para, no prazo de 15 dias apresentarem o rol de testemunhas ou requererem quaisquer outras provas;
6. Tendo a A. apresentado rol de testemunhas nos autos por requerimento expedido por via postal no dia 8 de Abril de 1996, e constatando que o despacho saneador proferido nos autos não continha quesitos que se afastassem daqueles que haviam constado já do despacho saneador proferido em Janeiro de 1996, a R. não usou da faculdade de alterar o rol de testemunhas;
7. Tem sido entendimento uniforme da Doutrina e da Jurisprudência de que, em processo civil, os meios de prova podem ser validamente apresentados antes mesmo do despacho saneador, maxime com os articulados ou por requerimento autónomo apresentado antes da notificação a que se refere o art. 512º do Código de Processo Civil – Ver Alberto dos Reis, em anotação ao art. 516º do Código de Processo Civil Anotado e Jacinto Rodrigues Bastos (in Notas ao Código de Processo Civil), citando a Revista dos Tribunais, Ano 76º, pág. 389;
8. Deste modo, ainda que se considerasse sem efeito o despacho saneador proferido nos autos anteriormente ao Acórdão anulatório a que se fez referência, e dando cumprimento ao mesmo, nada obstava a que permanecesse nos autos o rol de testemunhas apresentado pela R.;
9. E, anulado o despacho de indeferimento da suspensão da instância só têm de ser anulados todos os actos que do acto anulado dependam absolutamente, só assim se cumprindo o princípio do aproveitamento dos actos processuais e a previsão do art. 201º, nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil;
10. O rol de testemunhas apresentado nos autos pela R. não podia por isso ser considerado anulado porque não dependia absolutamente do despacho saneador, nem nada obrigava a que depois de proferido novo despacho saneador a R. tivesse que apresentar novo rol de testemunhas;
11. O despacho recorrido ao indeferir o requerido adiamento da audiência pela R. por ter constado que não tinham sido notificadas as testemunhas por si arroladas, nem estarem presentes em audiência, fez pois incorrecta apreciação da regra do art. 512º do Código de Processo Civil e violou o art. 201º, nº 2, 2ª parte, do mesmo Código;
12. E ao indeferir o adiamento da audiência com fundamento no facto de as testemunhas arroladas pela R. não terem sido notificadas, ou, pelo menos, ao não designar novo dia para a inquirição das mesmas, violou o art. 629º, nº 3, d), do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando – se o despacho proferido nos autos que determinou o prosseguimento da instância sem que fosse facultada à R. a produção de prova através das testemunhas que arrolara, como é de direito e é de inteira justiça.

No segundo agravo, formulou a agravante as seguintes conclusões:
1. A A. intentou acção de condenação contra a R. pedindo a condenação desta a restituir a casa de porteira do prédio de que era Administradora e ainda a indemnizá-la pela ocupação ilegítima daquela habitação;
2. Nos termos do Doc. 5 junto com a petição inicial a A. propôs a presente acção na qualidade de representante dos condóminos do prédio, conforme poderes que lhe foram conferidos pela Assembleia de Condomínio que teve lugar no dia 27 de Fevereiro de 1994;
3. Os condóminos do prédio estão pois representados na acção por aquela Administradora;
4. Aqueles condóminos têm pois interesse directo na causa e o resultado desta reflecte – se na restituição ao condomínio da casa de porteira, que é parte comum do prédio – art. 1.421º, nº 2, c), do Código de Processo Civil –, e com reflexo directo na esfera patrimonial de cada um deles – art. 1.420, do Código Civil;
5. E se a R. vier a ser condenada na indemnização que pedem nos autos, o recebimento dessa indemnização é feito pelos condóminos na proporção das respectivas permilagens na propriedade do prédio – art. 1.405º do Código Civil;
6. Têm pois não só interesse directo na questão suscitada nos autos, mas também podem depor como partes, nos termos do art. 1.405º, nº 2, do Código Civil;
7. Os doutos despachos recorridos ao indeferirem os impedimentos suscitados pela R. quanto ao depoimento daquelas testemunhas e ao admitirem o depoimento nos autos como testemunhas dos condóminos do prédio, violaram o art. 617º do Código de Processo Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando – se os despachos proferidos nos autos que admitiram o depoimento nos autos como testemunhas dos condóminos do prédio, como é de direito e é de inteira justiça.

E, na apelação, rematou a R. as alegações com as seguintes conclusões:
1. O recorrido intentou acção com processo ordinário contra a recorrente alegando pedindo que esta fosse condenada a desocupar a casa de porteira que ocupava no imóvel de que o recorrido era Administrador e ainda a pagar – lhe uma indemnização por ocupação ilícita no valor de 600.000$00 ( 2.992,79), acrescida de 15.000$00/ mês até efectiva entrega da casa;
2. Contestou a recorrente alegando em suma que ocupara a casa somente até 31 de Maio de 1994, pois a partir dessa data fora viver para Tires, e até Maio de 1994, a recorrente vivera naquela casa porque a sua mãe era a porteira do prédio e, tendo o condomínio deixado de pagar-lhe as respectivas retribuições corria termos no Tribunal do Trabalho uma acção intentada por sua mãe, pedindo a condenação dos condóminos a pagarem-lhe as retribuições em dívida, entre as quais as decorrentes da retribuição em espécie que era constituída pela mencionada casa de porteira;
3. No que toca ao pedido indemnizatório alegou a recorrente que a casa de porteira estava fora do comércio locativo, razão porque não podia o recorrido pretender uma indemnização com base no valor das rendas que poderia auferir se tivesse alugado aquela fracção, e de qualquer modo não poderia nunca pedir – lhe uma indemnização a partir de Maio de 1994, pois desde então a recorrente não estava sequer a utilizar a habitação em causa;
4. Coloca – se pois em primeiro lugar a questão de saber se a recorrente podia ser ela a devolver a casa, isto é, se detinha a sua posse para o fazer, e a quem a deveria entregar;
5. Como está provado nos autos a recorrente é filha de Joaquina Charrua Nogueira, que era a porteira do prédio;
6. Como reconhecido está no Acórdão desse Tribunal da Relação já proferido nos autos aquela porteira e mãe da A. tinha pendente um processo no Tribunal do Trabalho onde impugnava o facto de o condomínio ter deixado de lhe pagar as retribuições desde 1 de Abril de 1986 (Ver Doc. 1 junto com a contestação), não estando pois em causa naqueles autos qualquer despedimento mas antes a cessação de pagamento da retribuição;
7. E só se tratava naquele processo pendente no Tribunal do Trabalho da cessação de pagamento da parte pecuniária da retribuição pois a mãe da recorrente mantinha a retribuição em espécie constituída pela casa de porteira cuja posse mantinha enquanto não cessasse o contrato de trabalho que a ligava ao condomínio do prédio;
8. Na verdade o contrato de trabalho e em consequência disso o direito ao alojamento na casa dos autos, subsistia até que a Administração do Condomínio lhe pusesse termo com justa causa de despedimento após procedimento disciplinar fundado no facto de a porteira não permanecer no prédio durante as horas em que o devia fazer – art. 10º do Dec. – Lei 372-A/75, por ser o diploma legal aplicável à relação de trabalho em 1986 e que não contemplava sequer a figura do abandono do posto de trabalho;
9. Não o tendo feito nem tendo o contrato de trabalho com a porteira cessado por forma legalmente admissível, mantinha a porteira o direito ao alojamento na casa da porteira bem como o do seu agregado familiar – Base XII, da PRT dos Porteiros dos Prédios Urbanos;
10. Assim sendo nada de ilícito se verifica quando a porteira ali permite que permaneça a sua filha;
11. Nada tendo que ver a recorrente com o conflito que opunha a porteira do prédio aos condóminos do prédio;
12. Antes, se alguma vez tivesse que deixar de viver na casa da porteira apenas tinha que comunicar à sua mãe por ser quem detinha a posse titulada daquela habitação e quem facultara à recorrente a sua utilização;
13. Por outro lado quando a recorrente foi citada para a acção já nem sequer habitava na casa, razão porque não podia ser condenada a desocupá-la;
14. E o que verdadeiramente importava determinar era saber se a porteira do prédio ainda mantinha o direito à casa de porteira, ali tendo os seus cómodos e haveres;
15. E não fazer como se fez de intentar uma acção contra a filha, que já nem sequer habita na casa para obter o despejo da porteira sua mãe, objectivo claro que assim se pretendeu atingir;
16. A douta sentença que ao decidir sobre a ocupação ilícita da recorrente se absteve de equacionar a titularidade do direito ao alojamento da porteira do prédio, configurando um pretenso abandono do trabalho sem qualquer enquadramento legal à data dos factos é pois nula nos termos do art. 668º, nº 1, d), do Código de Processo Civil;
17. Para que exista o dever de indemnizar é necessário que existam danos resultantes da violação de um direito – art. 483º do Código Civil;
18. Não pode condenar – se no entanto ninguém com base em hipotéticos danos que porventura teriam, ou seja, não se pode valorar um dano sem se saber se o mesmo foi real;
19. Dizer – se como se diz na douta sentença que os danos decorriam de os condóminos estarem privados de utilizar a casa de porteira, de contratar outra porteira ou até de alugar a habitação, tem de passar pela aferição da utilidade que os condóminos teriam efectivamente tirado daquela casa de porteira, não tem o enquadramento legal do direito à indemnização;
20. Afastando desde já a hipótese do arrendamento pois constitui Jurisprudência uniforme que as casas de porteira têm uma finalidade de interesse público e estão fora do comércio locativo;
21. E seguramente podiam os condóminos contratar outra porteira, pois a contratação da porteira não implica necessariamente a atribuição da casa e antes, cada vez mais se assiste à admissão de porteiras nos prédios urbanos sem atribuição de casa;
22. E a privação dos condóminos de utilizar a casa de porteira dificilmente pode atingir os valores indemnizatórios peticionados pelo recorrido;
23. E o próprio recorrido sabe disso, pois na petição inicial quantifica o valor da indemnização aferido pelo valor da respectiva renda – Ver art. 12º da petição inicial;
24. E muito menos poderia a A. ser condenada a indemnizar o recorrido por não ter entregue uma casa quando a única pessoa que podia e devia ou não fazê-lo era a sua mãe que nem sequer é parte nos autos;
24. Também aqui se verifica pois a nulidade da sentença por não ter conhecido de matéria relevante para os autos e de que devia tomar conhecimento – art. 688º, nº 1, d), do Código de Processo Civil.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso absolvendo – se a R., ora recorrente, como é de direito e é de inteira justiça.
Ofereceu o Autor contra-alegações em todos os recursos, as quais aqui se dão por reproduzidas.
Corridos os vistos, cumpre conhecer.

II – QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos artigos 684º, nº 3, 690º, nºs 1 e 2, 660º, nº 2, 713º, nº 2 e 749º do Código de Processo Civil, o Tribunal apenas conhece das questões que o recorrente sintetiza na conclusões das alegações de recurso.
Assim:

A) No 1º Agravo
Importa aqui apurar se foi errado, no plano do direito, o indeferimento do adiamento da audiência de discussão e julgamento, peticionada com base na não notificação das testemunhas da R., constantes do rol apresentado pela parte no seguimento do primeiro despacho saneador e do primeiro questionário, indeferimento fundado na anulação do processado subsequente ao despacho que recusou a suspensão da instância, proferido antes desse despacho saneador, e que foi revogado em recurso de agravo anteriormente interposto.
A questão nuclear reside, assim, em determinar se com essa revogação se operou uma anulação de todo o processado posterior ao despacho revogado nesse agravo, ou se apenas ficaram afectados na sua validade os actos processuais que desse despacho dependessem absolutamente.

B) No 2º Agravo
A questão a decidir reside em determinar se os condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal estão ou não impedidos de depor como testemunhas em acções, como a dos autos, em que uma das partes é o condomínio, representado pela respectiva administração, por estarem em causa direitos relativos a partes comuns.

C) Na apelação:
São as seguintes as questões a conhecer, caso improcedam os agravos, cujas questões têm natureza logicamente prejudicial, pois que, a procederem, conduzirão à anulação do processado posterior ao início da audiência de discussão e julgamento, e, consequentemente, da sentença de mérito apelada:
- A licitude ou ilicitude da ocupação da “casa do porteiro” por parte da R.;
- A invocada nulidade de omissão de pronúncia acerca titularidade do direito ao alojamento da porteira, que a recorrente entende continuar a ser a sua mãe;
- A legalidade da pretensão reconhecida de ser indemnizado o Autor pelo valor locativo da “casa do porteiro”, tendo em consideração que, dada a sua afectação como parte comum a habitação de porteiro, não tem valor locativo, por estar legalmente fora do comércio locativo.

III – OS FACTOS
São os seguintes os factos e ocorrências processuais relevantes para os vários recursos:
Relativos ao 1º agravo:
a) No seguimento do Acórdão de 7.5.1998, desta Relação – que está a fls. 187-193 – que revogou o despacho exarado a fls. 98 (1ª parte), que indeferira o pedido de suspensão da instância até à decisão final da acção interposta por Joaquina … contra os condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal sito na …, pendente com o nº 140/89 no Tribunal de Trabalho de Lisboa, 4º Juízo, 1ª Secção, julgando procedente o recurso de agravo interposto pela R. na presente acção, ficou a presente acção suspensa, até ser proferida decisão final naquela acção – despacho de fls. 198;
b) Por despacho de 20.9.2004, exarado a fls. 234 (1ª parte), foi essa suspensão declarada finda, por se ter considerado que resulta do teor de fls. 210 e 214 que a instância da referida acção se mostra deserta;
c) Na mesma data foi de imediato proferido novo despacho saneador e organizados especificação e questionário, que estão a fls. 234-236;
d) Por ofícios datados de 23.9.2004, a fls. 237 e 238, foram os ilustres mandatários das partes notificados dos despachos referidos nas duas alíneas anteriores bem como os termos do artigo 512º do Código de Processo Civil (para, em 15 dias, apresentar rol de testemunhas, requerer outras prova, alterar os requerimentos probatórios que haja feito, bem como a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo);
e) Apenas o Autor ofereceu requerimento de oferecimento de prova, toda ela testemunhal, a fls. 230, do qual notificou o mandatário da contraparte (fls. 231);
f) No início da audiência de discussão e julgamento, marcada para 18.2.2005, o ilustre mandatário da R., tendo requerido a palavra e tendo-lhe sido concedida, ditou para a acta um requerimento em que disse que não se encontram presentes as testemunhas da Ré apresentadas pelo requerimento expedido por via postal em 8 de Abril de 1996, razão por que requer o adiamento da presente audiência de julgamento, uma vez que as testemunhas eram a notificar pelo Tribunal – acta a fls. 256;
g) Sobre esse requerimento foi exarado na mesma acta despacho de indeferimento, fundado em que a decisão do Acórdão da Relação de fls. 187 a 193 determinou inevitavelmente a anulação de todos os actos praticados a seguir ao despacho revogado (aquele que indeferiu a questão prévia de suspensão da instância).
Nesta sequência, a quando do levantamento da suspensão da instância veio a ser elaborada a Base Instrutória de fls. 234 a 236.
Seguidamente foi dado cumprimento ao disposto no artº 512º do C.P.C. (único momento processual que neste particular ora releva face à anulação do anterior processado).
Notificada para o efeito, a Ré não apresentou qualquer meio de prova, mormente rol de testemunhas.
Assim, salvo melhor opinião, o Tribunal notificou as testemunhas que foram arroladas e não as que não o foram pelo que não há fundamento para o adiamento da presente audiência;

Relativos ao 2º agravo:
h) Todas as testemunhas que foram ouvidas em audiência e que haviam sido arroladas pelo Autor se identificaram como sendo moradores no prédio referido na alínea a);
i) No momento em que acabavam de prestar juramento, o ilustre mandatário da R. requereu a palavra e, sendo-lhe concedida, ditou para a acta requerimento em que, invocando que cada uma delas fazia parte do condomínio do prédio, se verificava o impedimento do artigo 617º do Código de Processo Civil, não devendo ser admitido o seu depoimento.
Após a oposição do ilustre mandatário do Autor, cada um desses requerimento foi indeferido por despacho exarado em acta, com o fundamento em que nenhum condómino tem, só por si, poderes para representar ou vincular o condomínio, devendo apenas e só a sua qualidade de condómino ser tomada em consideração em termos de interesse na procedência da causa, sem bulir com a sua capacidade legal para ser testemunha;

Relativos à apelação:
Foram dados como provados na sentença os seguintes factos:
- A R. Elisabete … utilizou até, pelo menos, 31 de Maio de 1994 a “casa de porteira” existente no prédio urbano sito na … (alínea A da Especificação);
- Sendo que não exerce nem nunca aí exerceu as funções de porteira (alínea B da Especificação);
- Joaquina … tem outra casa para habitar para além da fracção referida em A) – (alínea C da Especificação);
- O conteúdo dos documentos de fls. 5 a 7 e 12 a 13 que, para todos os efeitos, aqui se dá por integralmente reproduzido (actas da assembleia de condóminos) – (alínea D da Especificação);
- O conteúdo do documento de fls. 105 a 110 que, para todos os efeitos, aqui se dá por integralmente reproduzido (certidão da escritura de constituição da propriedade horizontal) – (alínea E da Especificação);
- A R. é filha de Joaquina … (alínea F da Especificação);
- A Joaquina … deixou de residir, a partir de Abril de 1986, na habitação existente no prédio sito na …(resposta ao quesito 1º);
- Tendo a partir de então deixado de exercer as funções de porteira que desempenhava até aí (resposta ao quesito 2º);
- Tendo ido residir para Trajouce (resposta ao quesito 3º);
- A R. Elisabete …, a partir de Abril de 1986, ficou a residir na “casa de porteira” referida em A), sem qualquer autorização dos condóminos do prédio (resposta ao quesito 4º);
- A R. Elisabete … não abandonou tal fracção não obstante as diligências nesse sentido desenvolvidas pelos sucessivos administradores do prédio (resposta ao quesito 5º);
- Tendo os condóminos, durante todo o período de ocupação da fracção pela R. Elisabete …, deixado de poder servir-se dessa dependência, mormente para contratarem outra porteira ou para a utilizarem como espaço de convívio (resposta ao quesito 6º);
- A casa referida em 1. poderia, durante o período de utilização pela R. Elisabete …, ter sido “arrendada”, se livre e devoluta, pela renda mensal na ordem dos 50.000$00 (cinquenta mil escudos) – (resposta ao quesito 7º).

IV – O DIREITO
IV – 1 – Do 1º agravo
A questão do efeito da revogação do despacho que antes da prolação do despacho saneador e da condensação da matéria de facto indeferira a questão prévia de suspensão da instância, por prejudicialidade da acção intentada pela mãe da R., na qualidade de porteira, na jurisdição laboral, sobre o processado posterior, não pode, a nosso ver, ser encarada na perspectiva dos efeitos da anulação de actos processuais sobre os termos subsequentes, tal como tratados no artigo 201º, nº 2 do Código de Processo Civil, como pretende a agravante.
Com efeito, e em primeiro lugar, nenhum acto processual foi anulado pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa proferido nestes autos no recurso de agravo daquele despacho.
O despacho em causa não enfermava de qualquer vício intrínseco ou extrínseco, simplesmente foi revogado por erro nos respectivos pressupostos.
Em segundo lugar, o que essa revogação significou foi que a acção teria de ficar a aguardar, findos os articulados, que a acção do foro laboral tivesse uma decisão final, a fim de a questão considerada prejudicial merecer decisão no local próprio, isto é, saber-se se a mãe da R. continuava a ter um crédito de salários sobre os condóminos, sem que a relação juslaboral tivesse já cessado (discutia-se também na acção a excepção de prescrição desse crédito, invocada pelos aí RR., com a alegação de a acção ter sido intentada quando já havia decorrido mais de um ano sobre essa cessação).
Caso a mãe da R. obtivesse ganho dessa causa, entendeu esta Relação no douto Acórdão que a ocupação da “cada da porteira” pela R. passava a poder ser considerada lícita, a coberto do direito de habitação conferido à porteira e aos membros componentes do seu agregado familiar.
Não pode, em face desta realidade, concluir-se outra coisa senão, como bem fez o julgador no despacho exarado em acta e agora recorrido, que todo o processado posterior ficou anulado, como corolário da suspensão e em especial da sua motivação, assim se operando um recuo jurídico da marcha processual ao momento imediatamente anterior ao da elaboração do despacho saneador, quando tal questão prévia fora objecto de decisão.
Não faria de todo em todo qualquer sentido que tal processado se mantivesse, pois que em função da decisão de mérito que viesse a ser proferida no processo considerado como prejudicial o próprio despacho saneador poderia ser radicalmente outro, sendo concebível que desde logo a acção fosse julgada improcedente ou pelo menos que os termos da especificação e do questionário tivessem que ser outros.
Daí que, dada por finda a suspensão da instância com a comprovação nos autos de que o processo laboral estava em arquivo por falta de impulso processual da aí Autora (considerou-se ter havido deserção da instância, o que não mereceu da R. impugnação), os autos tivessem de ser retomados onde tinham parado: com a elaboração de novos despacho saneador e especificação e questionário, o que foi feito e não mereceu qualquer objecção da R., que deles foi devidamente notificada.
E foi simultaneamente notificada para os termos do artigo 512º do Código de Processo Civil, isto é, para oferecer provas, designadamente apresentando rol de testemunhas.
Não pode a R. querer aproveitar-se do rol que apresentou quando fora notificada para os termos do artigo 512º do Código de Processo Civil, no seguimento da condensação elaborada logo a seguir ao despacho revogado pelo agravo, porque todo o processado posterior a esse despacho ficou invalidado com a sua revogação e não tem o menor cabimento defender que a validade de um acto da parte (o oferecimento do rol de testemunhas) depende da sorte da acção cuja prejudicialidade ditara a revogação do despacho sobre a suspensão da instância e ordenara essa suspensão.
E não serve de argumento válido o de que as provas inicialmente oferecidas com os articulados continuam válidas, pois que o rol que a R. tinha apresentado não o foi nesse momento processual, mas no seguimento da notificação para os termos do artigo 512º, a qual também ficou invalidada com a suspensão da instância, que operou juridicamente o recuo da acção ao momento anterior ao despacho saneador.
Assim, se a R. não correspondeu à notificação feita do novo despacho saneador e dos novos especificação e questionário, confiada em que o primitivo rol se mantinha válido, mal andou em assim entender e apenas à sua falta de cautela pode assacar o facto de ter ficado privada de prova testemunhal.
Pelo exposto, conclui-se que o despacho agravado não violou os artigos 201º, nº 2, 512º e 629º, nº 3, alínea d) do Código de Processo Civil, sendo, pois, totalmente correcto em todos os seus pressupostos.
Merece, assim, o 1º agravo ser improvido.

IV – 2 – Do 2º agravo
A questão é a de ser ou não aplicável aos condóminos o impedimento do artigo 617º do Código de Processo Civil, que veda a possibilidade de depor como testemunha os que na causa possam depor como partes.
A presente acção foi intentada pelo administrador do condomínio, mandatado para tal pela assembleia de condóminos.
Esse mandato foi conferido na assembleia de condóminos de 27.2.1994, documentada a fls. 12-13, cujo teor foi dado por reproduzido na alínea D) da Especificação, por deliberação tomada por maioria, com um voto contra.
Tratava-se de obter da R. a restituição da casa da porteira, devidamente devoluta.
Afigura-se evidente que, estando em causa a restituição de uma parte presumida comum do prédio (artigo 1421º, nº 2, alínea c) do Código Civil), trata-se de praticar actos de administração que, nos termos do artigo 1430º, nº 1 do Código Civil, compete à assembleia de condóminos e ao administrador e não a cada condómino individualmente e nem sequer a eles todos singelamente coligados em juízo.
Daí ser evidente que nenhum dos condóminos isoladamente poderia depor como parte, pois que aquilo que confessasse em juízo não vincularia o condomínio.
Ora, o depoimento de parte é um meio de obter a prova por confissão judicial (artigo 356º, nº 2 do Código Civil e 552º e seguintes do Código de Processo Civil).
Assim, não está cada condómino impedido de depor na acção como testemunha, ainda que o depoimento que nesta qualidade preste deva ser objecto de uma avaliação mais cautelosa e exigente, dado o interesse que, inegavelmente, pode ter no desfecho da acção.
Mas não é esse interesse o critério que subjaz ao impedimento do artigo 617º.
Não merecem, pois, os despachos (iguais entre si no conteúdo) agravados qualquer censura.
Deve, pois, ser negado provimento igualmente ao 2º agravo.

IV – 3. Da apelação
A – Quanto à questão da licitude da ocupação da casa pela R.
Depois de declarar a fracção destinada a casa de porteira como parte comum do imóvel e de declarar a posse exercida sobre ela pela R. como ilegal e de má fé, a sentença impugnada condenou a R. a entregar, imediatamente, completamente livre e devoluta, tal fracção à A. na qualidade de administradora do condomínio – assentando a impugnação contida nas conclusões do recurso na negação de que a R. detivesse a dita fracção ainda e de que, mesmo quando a ocupou já após a cessação do pagamento do salário de porteira por parte dos condóminos (o que localiza em princípio de Abril de 1986), o fez a coberto do direito da mãe a utilizar essa fracção, como parte da remuneração dos serviços (remuneração em espécie), e como membro do agregado familiar dela.
Entende a apelante que a sentença omitiu a pronúncia sobre a titularidade do direito de alojamento da mãe da R. (arguindo a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questão de que deveria ter conhecido – artigo 668º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil – e que, se o tivesse feito, concluiria que a “casa de porteira” era detida, não pela R., que de lá saiu em Junho de 1994, mas pela mãe, não podendo nunca, por tal motivo, ser a R. condenada a entregá-la.
A posição da apelante, no que a esta primeira questão sobre a sentença de mérito concerne, não encontra fundamento válido, nem na sentença, nem nos factos que o tribunal deu como provados.
De facto, a sentença, partindo da factualidade dada como provada – e é preciso ter presente que os quesitos que acolhiam a versão dos factos sustentada pela R. obtiveram todos resposta de “não provado”, com fundamento na total ausência de produção de prova nesse domínio, como se referiu a fls. 272 – não podia dar como provada a tese de que a mãe da R., tinha sido impedida a partir de 31.3.1986 de continuar a exercer as funções de porteira (9º), nem que lhe tivessem deixado de pagar as remunerações (8º), nem que a R. tivesse ficado a utilizar a fracção por estar incluída no agregado familiar da mãe (10º), nem que a mesma R. esteja a viver desde Junho de 1994 numa vivenda em Tires (11º), ou que continuasse simplesmente a ir à fracção em causa de vez em quando para estar com a mãe (12º), facto este que indiciava que esta continuava a dela se servir, sendo certo que ficou, pelo contrário, provado que a mãe da R. deixou de residir na habitação de porteira a partir de 31.3.1986 (1º), deixando a partir de então de exercer as funções porteira que até aí desempenhava (2º), e passando a ir viver para uma vivenda em Tires (3º), deixando então a R. a viver na dita casa de porteira, sem autorização dos condóminos (4º), não a abandonando apesar das diligências que os sucessivos administradores nesse sentido (5º).
Não tem, assim, sustentáculo na factualidade provada a tese da nulidade por omissão – a questão que importava saber era se a ocupação da casa de porteira por parte da R. era legitimada pelo exercício das funções da mãe como porteira e dessa o tribunal conheceu para a dar como não provada e improcedente – nem a da não ocupação da mesma casa pela R., a título autónomo, o que faria improceder o pedido por falta de legitimidade substantiva (não processual) para os pedidos, que por isso deveriam improceder.
Pelo contrário, como última ocupante conhecida da casa de porteira, e por não estar autorizada para essa ocupação – e por não ter feito prova dos factos que permitiriam concluir que essa ocupação encontrava título legitimador no desempenho das funções de porteira por parte de sua mãe – é da R. que o condomínio, através da sua administração, deve reclamar a entrega do andar, livre e devoluto e com as respectivas chaves.
Outra solução, dada a paralisação (e deserção da instância) da acção instaurada no tribunal de trabalho por inércia da respectiva Autora, mãe da aqui R., tornaria o condomínio refém de uma situação de facto, contra a qual ficaria eternamente desprovido de meios de reacção – ao cabo de 20 anos contados desde a saída da porteira do prédio e da provada cessação de facto do exercício de funções que constituía a razão de ser da atribuição da casa de porteira! – pois que não constitui objecto desta acção determinar se a relação laboral da mãe da R. como porteira do prédio, não cessou (constituindo sim matéria de defesa por excepção peremptória, cuja demonstração a R. falhou), isso depois de anos de paralisação da presente acção, por suspensão da instância, tendo em vista aguardar a decisão de mérito dessa acção.
Entende-se, por isso, ser de concluir que não só a sentença não enferma da nulidade por omissão que lhe é assacada, como decidiu em conformidade com os factos apurados e com o direito ao condenar a R. a entregar a casa de porteira, considerando-a juridicamente obrigada a tal entrega, com última ocupante conhecida dela, desprovida de posse legal e de boa fé, que é de presumir ter a chaves em seu poder, já que, se porventura abandonou a casa, o fez de livre vontade e não por ter sido impedida de nela permanecer.
Improcedem, consequentemente, as conclusões relativas a esta parte da sentença.

B – Quanto ao pedido indemnizatório
Relativamente à parte da sentença que a condenou a indemnizar a Autora, como administradora do condomínio, uma indemnização, pela ocupação indevida e não restituição atempada da “casa de porteira”, a apelante entende que a condenação teve por base um valor que em caso algum poderia ser atendido, por se ater ao valor locativo, e no entanto a dita “casa de porteira”, por ser parte comum e estar afecta a habitação do porteiro, não estar no comércio locativo, tendo assim valorado danos meramente hipotéticos.
A sentença abordou frontalmente tal argumentação e fê-lo, a nosso ver, com acerto jurídico e sobretudo com uma noção perfeita de que a situação de detenção da disponibilidade da referida fracção, por parte da R., que é a sua última ocupante conhecida, constitui um clamoroso abuso que o elementar senso de justiça não pode deixar civilmente impune.
Disse-se na sentença que Não se compreendem as razões que levaram a filha de uma porteira, que abandonou voluntariamente o local de trabalho e as suas funções, a permanecer anos a fio e gratuitamente em poder duma fracção autónoma que sabia alheia, sem título e sem nada contribuir, económica e laboralmente, para o condomínio. e logo em seguida que É claramente uma situação de puro e descarado abuso, que gerou prejuízos patrimoniais cuja obrigação de indemnizar recaem pessoalmente sobre a lesante, a R..
E mais à frente, ao pronunciar-se sobre as considerações expendidas nas alegações de direito apresentadas pela R. nos termos do artigo 657º do Código de Processo Civil, escreveu-se que a R. logrou o seguinte resultado: uma casa de porteira que não alberga qualquer profissional deste ofício desde o longínquo ano de 1986 [há 20 anos, salientamos nós], mantém-se ainda hoje (e não se saber até quando) fora da titularidade do respectivo condomínio, sem que nada o justifique ou explique – tanto a R. como a mãe vivem tranquilamente algures e a acção que determinou a longa e inconsequente suspensão da instância veio a findar ingloriamente através do seu arquivamento, por inércia da respectiva autora em promover os seus trâmites processuais.
Rematou, por isso, a sentença dizendo que Esta situação danosa para o património do condomínio em apreço é directamente decorrente da actuação ilícita da R. […] que até hoje não entregou a fracção autónoma em referência, como era de seu indiscutível dever.
Entendemos que estas considerações são de corroborar e acompanhar plenamente, quer no plano estritamente jurídico, que no dos valores (de justiça, da boa fé no trato jurídico e social, designadamente) a que o direito e mormente a sua aplicação não deve ser alheio.
E, tal como na sentença se sustenta ainda, o valor locativo foi invocado apenas como referencial de um dano patrimonial (o da privação da disponibilidade da casa de porteira, que poderia ter servido para alojar outro porteiro ou meramente para fruição dos condóminos – resposta ao quesito 6º) e não como medida do dano em si, opção que se afigura perfeitamente pertinente, tanto mais que claramente inferior ao valor locativo apurado em sede de prova (v. resposta ao quesito 7º) e que relegar para incidente de liquidação a determinação exacta da medida pecuniária desses danos representaria, no contexto já referido, outra injustiça a que o condomínio, já lesado ao longo de 20 anos, se veria sujeito.
Está, por tudo quanto se vem de expor, correcta a conclusão de estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, previstos no artigo 483º e seguintes do Código Civil.
Entende-se, por isso, que também esta questão deve improceder.
Do exposto resulta a improcedência da apelação.

V – DECISÃO
Termos em que acordam em negar provimentos aos recursos de agravo interpostos e em julgar improcedente o de apelação, mantendo-se os despachos e a sentença impugnados.
Custas dos recursos pela recorrente.

Lisboa, 14 de Setembro de 2006