Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
497/24.3PEVFX.L1-9
Relator: ROSA MARIA CARDOSO SARAIVA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ARREPENDIMENTO
SILÊNCIO
ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I. A suspensão da execução da pena de prisão prevista no artigo 50.º do Código Penal tem um conteúdo pedagógico e reeducativo destinada a promover a reinserção social do condenado, desde que tal pena satisfaça, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
II. As penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
III. A ausência de confissão ou arrependimento não pode ser valorada em desfavor do arguido, porquanto o direito ao silêncio e à não auto-incriminação são constitucionalmente garantidos e integram o núcleo essencial dos direitos de defesa.
IV. A integração profissional e familiar, a inexistência de antecedentes criminais e a adesão voluntária a programas de tratamento das problemáticas aditivas constituem factores relevantes para a formulação de um juízo de prognose positivo.
V. A prisão efectiva deve ser entendida como ultima ratio, sendo social e humanamente disruptiva quando o condenado revela condições de socialização em liberdade, especialmente nas hipóteses em que as exigências de prevenção geral são compatíveis com a suspensão da execução da pena.
VI. Mostrando-se possível formular um juízo de prognose favorável, é de substituir a pena de prisão de 3 anos e 9 meses pela suspensão da sua execução por quatro anos, sujeita a regime de prova, ao cumprimento de programa de tratamento de dependências e ao pagamento à ofendida da quantia de €2.000,00 no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório:
No Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, Juiz 1, foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo (transcrição):
“XI. DECISÃO
Nestes termos, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decido:
a) CONDENAR AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, alínea a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
b) CONDENAR AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas alíneas c) e d) do artigo 86.º, n.º 1, por referencia aos artigos 2.º, n.º 1, al. x), 2.º, n.º 3, al. m), 2.º, n.º 1, al. m), 2.º, n.º 1, al. ap), 2.º, n.º 1, al. o), 3.º, n.º 2, al. l), 3.º, n.º 4, al. a), 3.º, n.º 8, al. a), artigo 3,º, n.º 2, alínea e) e 3.º, n.º 7, al. b), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de ano e seis meses de prisão;
c) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), CONDENAR AA na pena única de três anos e nove meses de prisão.
d) CONDENAR AA na pena acessória de proibição de contactos por qualquer meio ou forma, directamente ou por interposta pessoa (com excepção dos contactos estritamente necessários à tramitação de eventual processo de inventario por divórcio) com BB pelo período de quatro anos contados do trânsito em julgado da sentença, com recurso a meios técnicos de controlo à distância, os quais deverão ser implementados pelo tempo remanescente e logo que o arguido seja colocado em liberdade (artigos 152º, nºs 4 e 5 Código Penal e 35º e 36º da Lei 112/2009, de 16.09);
e) CONDENAR AA na pena acessória de proibição de proibição de uso e de porte de arma pelo período de cinco anos (artigo 152º, nº 4 do Código Penal);
f) CONDENAR AA na pena acessória de proibição de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica (artigo 152º, nº 4 do Código Penal);
g) CONDENAR AA a pagar a BB a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização, nos termos previstos pelo artigo 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/009, de 16.09 e 82.ºA do Código de Processo Penal;
h) CONDENAR AA nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, nos termos dos arts. 513.º, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e art. 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais;
i) DECLARAR perdidas a favor do Estado todas as armas apreendidas nos autos e ordenar a sua entrega à “...” territorialmente competente, para que dê destino aos mesmos.
j) Determinar que o arguido AA aguardará os ulteriores termos do processo até ao trânsito em julgado da decisão sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, para além do TIR prestado-[cfr. art.ºs. 191.º, 192.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. b) e 204.º, n.º 1, al. b) e c) e 213.º, al. b) e 214.º, al. e), 215.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, todos do Código de Processo Penal].”
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo pela suspensão da execução da pena aplicada, invocando que já interiorizou a censurabilidade da sua conduta, designadamente durante o período em que se encontra em prisão preventiva, não sendo necessário o cumprimento de uma pena efectiva de prisão para o dissuadir da prática de novos crimes.
Acrescenta que uma pena não detentiva e as penas acessórias que lhe foram impostas são suficientes e adequadas para prevenir a prática de novos crimes.
Mais afirma que no exterior dispõe de apoio familiar consistente, designadamente dos seus pais e irmã, bem como de integração laboral, na actividade profissional que desenvolveu ao longo da sua vida como ... de motores de aeronaves, actividade que se encontra suspensa desde que foi preso preventivamente.
Por outro lado, não tem antecedentes criminais, tendo as condutas ilícitas que lhe são imputadas ocorrido no contexto da ruptura do matrimónio e influenciado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas, estando actualmente abstinente há mais de um ano, desde a sua reclusão.
Mais acrescenta que está consciente da necessidade de efectuar tratamento relativamente à referida problemática, bem como da frequência de programa de violência doméstica, estando divorciado da vítima desde .../.../2024, com quem não tem vindo a manter qualquer contacto directo e não pretendendo retomar o relacionamento com a mesma e nem mantendo relativamente a ela qualquer sentimento negativo ou de mágoa.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso do arguido pugnando pela manutenção do decidido, oferecendo as seguintes conclusões: (transcrição)
“IV – CONCLUSÕES
1. O arguido não tem razão quando alega que a pena de prisão a que foi condenado deva ser suspensa na sua execução.
2. A personalidade do arguido é impulsiva e imprevisível, tendo sido descrito pelos seus colegas de trabalho e progenitora como um “barril de pólvora”, prestes a explodir à mínima contrariedade.
3. O arguido consome habitualmente bebidas alcoólicas em excesso e padece de depressão há quatro anos, circunstâncias que desvaloriza, não reconhecendo a necessidade de sujeição a intervenção psicoterapêutica individualizada.
4. O arguido revelou uma postura de hostilidade para com a ofendida, sua ex-companheira, quando, por exemplo, questionou a paternidade dos seus filhos, depois de mais de vinte anos de relacionamento.
5. Pelo exposto, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto à sua conduta futura.
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Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a argumentação da resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença proferida.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º/2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente, em requerimento apresentado, reiterado os fundamentos do recurso.
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O processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º/3, b) do Código de Processo Penal.
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II- Questões a decidir:
Preceitua o art, 412.º, n.º 1, do CPPenal que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
É consabido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou de nulidades que não se considerem sanadas, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na decorrência dos argumentos expendidos em sede de motivação.
No caso dos autos a única questão suscitada no recurso interposto prende-se a saber se a pena de prisão aplicada deve ser alvo de suspensão na sua execução.
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III – Da sentença recorrida (transcrição parcial):
“III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Discutida a causa e produzida a prova, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação
1. O arguido AA e BB mantiveram uma relação de namoro entre si e foram viver juntos em data não concretamente apurada, mas certamente desde ....
2. No dia ... de ... de 2001 o arguido AA e BB casaram entre si e estabeleceram residência na ..., em ....
3. AA e BB têm dois (2) filhos em comum, a saber: CC (doravante DD) nascido a ... de ... de 2002 e EE (doravante FF) nascido a ... de ... de 2004.
4. Em data não concretamente apurada, mas certamente em ..., AA e BB fixaram residência na ....
5. Desde data não concretamente apurada, mas certamente desde ..., o arguido AA começou a consumir haxixe, e a ingerir bebidas alcoólicas de forma excessiva, com uma periodicidade diária.
6. Nessas ocasiões, o arguido iniciava discussões com BB e dizia-lhe:
a. És uma merda;
b. Não serves para nada;
c. Puta.
7. Durante o período em que estiveram casados, quando a BB recusava manter relações sexuais com AA, o arguido dizia-lhe “tu és minha mulher”.
8. No dia ... de ... de 2024, BB foi jantar com as suas colegas de trabalho, regressando a casa pelas 22h00.
9. Nessa ocasião, o arguido encontrava-se em estado ébrio e dirigiu-se a BB apelidando-a de “sua vaca”, “puta” e perguntando-lhe “Onde é que foste? Com quem é que foste?”.
10. Desde data não concretamente apurada, mas certamente a partir de ..., o arguido AA dirigiu-se em diversas ocasiões a BB dizendo-lhe “eu dou-te um tiro na cabeça, posso ir parar à prisão não me importo, mas tu vais parar dentro de um caixão”.
11. No dia ... de ... de 2024, BB colocou termo ao relacionamento, mantendo-se, todavia, a viver com o arguido na mesma habitação, sem fazerem vida em comum.
12. Desde a referida data, o arguido AA proibiu BB de ver televisão, escondendo os comandos, e apenas lhe dando acesso ao quarto no qual aquela tinha os seus bens pessoais quando assim o entendesse porque tinha a chave da referida divisão na sua posse.
13. Em data não concretamente apurada, em ..., o arguido AA encontrava-se na sala da referida habitação munido com uma arma de fogo, vulgo “pistola”, que apontou à sua cabeça, proferindo a seguinte expressão “Vou acabar com isto tudo”.
14. No dia ... de ... de 2024, BB chegou a casa pelas 21h00 e quando estava sentada no sofá a ver televisão através do computador, o arguido AA chegou a casa em estado ébrio.
15. Nessa ocasião, o arguido dirigiu-se a BB e disse que queria conversar, ao que aquela recusou.
16. Após, o arguido AA disse “desliga essa merda, se não parto esta merda toda”, tendo BB respondido “não mexas no que não é teu”.
17. Acto contínuo, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta, atingindo BB no nariz e no olho direito, fazendo-a cair no sofá.
18. Como consequência directa da actuação do arguido, BB sofreu dores na zona atingida, lesão esta que lhe determinou cerca de seis (6) dias para a cura, com dois (2) dias de afetação da capacidade de trabalho geral.
19. Nessa sequência, e enquanto BB lograva sair da habitação, o arguido, em acto contínuo, proferia as expressões “Dei-te foi de mão aberta e devia ter-te dado de mão fechada, mas deixa estar porque eu dou-te um tiro, vou parar à prisão, mas tu vais parar a um caixão”.
20. Nestas circunstâncias de tempo, modo e lugar, na residência sita na ..., o arguido AA tinha na sua posse, num dos quartos, numa das gavetas do móvel da entrada e na arrecadação, os seguintes objectos:
a. Uma (1) arma de fogo transformada, da marca ..., modelo GT28, com o comprimento total de doze (12) centímetros, semiautomática, calibre 6,35mm;
b. Trinta e nove (39) munições, de várias marcas, calibre 6,35mm;
c. Uma (1) arma branca – sabre, com o comprimento total de 94cm e com uma lâmina de 70cm de comprimento;
d. Um (1) boxer, sem referência a marca, número e origem e em mau estado de conservação;
e. Um (1) punhal, da marca ..., com o comprimento total de 26,5cm e com uma lâmina de 15cm de comprimento;
f. Um (1) punhal, da marca ..., com o comprimento total de 26cm e com uma lâmina de 12,5cm de comprimento;
g. Uma arma elétrica;
21. O arguido AA enviou a BB, para o seu telemóvel, através da plataforma Whatsapp, as seguintes mensagens de texto:



22. AA agiu em todas as descritas condutas de forma livre, voluntária e consciente.
23. Ao longo do matrimónio que manteve com BB, ao dirigir-se a esta última, injuriando-a, AA actuou com intenção de humilhar, ofender, assustar, afectar a dignidade pessoal, perturbar a tranquilidade e paz interior daquela, o que conseguiu.
24. AA sabia que, com as suas condutas, ofendia a honra e consideração de BB, causava-lhe sofrimento e perturbava o seu bem-estar psíquico, deixando-a angustiada, o que quis e conseguiu.
25. AA, ao desferir uma pancada no rosto de BB, actuou com a intenção de a agredir fisicamente, afectando-lhe o seu bem-estar físico, causando-lhe dores e sofrimento, o que conseguiu.
26. AA mais sabia que tinha o dever de respeitar BB, mãe dos seus filhos e com quem foi casado, e que, ao actuar como actuou, causou-lhe um profundo sentimento de insegurança, o que quis e conseguiu.
27. AA conhecia o potencial dos objectos identificados no ponto 20., enquanto meios de agressão e das consequências que poderiam eventualmente advir para terceiros e património alheio do seu uso, sabia que não possuía qualquer autorização ou licença emanada pela autoridade competente e, ainda assim, não se coibiu de o fazer, querendo efectivamente ter consigo os referidos objectos, o que se concretizou.
28. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tinha capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Da contestação
29. Em .../.../2024, no proc. 2089/24.8..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte- Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira- Juiz 1, foi proferida sentença que declarou dissolvido o casamento entre o arguido e BB, por divórcio.
30. O arguido padece de uma incapacidade permanente global de 60%, atribuída com a efeitos a ..., devido a doença oncológica.
Mais se provou:
31. À data da sua reclusão e dos factos pelos quais está acusado AA residia na morada constante nos autos, com o conjugue à data, BB e dois filhos em comum, respetivamente de 23 e 20 anos actualmente, no fogo próprio do casal adquirido por empréstimo bancário [encargo mensal de cerca de 540,00€], de tipologia T3, com boas condições de habitabilidade, em coabitação, mas sem dinâmica familiar.
32. AA apresenta estabilidade laboral, permanecendo há 38 anos integrado na empresa “...”, detentor de vinculo laboral efectivo e desempenhando funções de ... de motores de aeronave.
33. A nível económico, a economia doméstica comum apresentava-se estável e equilibrada, decorrente dos rendimentos auferidos pelas actividades profissionais que ambos os elementos do casal desenvolviam que permitiam o colmate das despesas do agregado. O arguido, auferia cerca de 1375,00 € mensais e BB trabalhava como enfermeira no ...;
34. O processo de desenvolvimento de GG ocorreu no seu familiar de um agregado constituído pelos progenitores, sendo o arguido o filho mais velho de uma fratria de dois irmãos num ambiente familiar funcional e normativo, promotor de hábitos de trabalho, sem dificuldades económicas.
35. AA é detentor do 12.º ano de escolaridade adquirido em fase adulta através do programa Novas Oportunidades. O seu percurso escolar foi iniciado em idade normativa tendo abandonado, aos 17 anos de idade, a frequência de ensino regular com o 9.º ano de escolaridade completo.
36. Ao nível de saúde, AA foi acompanhado no ... decorrente da problemática hepática do foro oncológico, diagnosticada em ..., tendo sido alvo de quimioembolização. Encontrava-se referenciado para transplante hepático, que nunca aceitou, tendo dado continuidade ao acompanhamento oncológico até alta hospital ocorrida em ....
37. Ao nível de comportamentos aditivos, o arguido iniciou o consumo de substâncias psicoativas, haxixe, aos 12 anos de idade em contexto de pares, que permaneceram até dar entrada no contexto prisional, encontrando-se actualmente abstinente.
38. O arguido desvaloriza estes comportamentos, alegando não ter qualquer interferência no seu quotidiano.
39. Aos 17 anos de idade o arguido foi sujeito a um internamento terapêutico devido a consumo de drogas.
40. O arguido reconhece o consumo regular e diário de bebidas alcoólicas com interferência na agressividade verbal e descontrolo emocional no quotidiano familiar, mas não reconhece a necessidade de sujeição a intervenção psicoterapêutica individualizada na área dos comportamentos aditivos e das dependências, apesar de ter consentido na sujeição a tratamento em sede de audiência de julgamento.
41. O arguido demonstra reactividade à situação de reclusão em que se encontra e falta de tolerância à frustração. O descontrolo emocional daí decorrente associado ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas que influenciam a impulsividade e dificuldades em avaliar com objectividade as suas acções imediatas aparentam ser características que favorecem um agir pouco reflectido.
42. O arguido mantém sentimentos de hostilidade em relação ao ex-cônjuge, aparentando ainda não ter feito o luto da relação.
43. O arguido apresenta sentimentos de revolta e injustiça face os seus filhos por entender que os mesmos optaram por ficar no lado da progenitora, sendo sua intenção aferir o vinculo biológico dos mesmos através de testes de paternidade de DNA.
44. Ao nível de perspectivas futuras, AA pretende retomar a sua atividade profissional de forma a retomar o seu equilibro financeiro, perspectivando a possibilidade de residir com os seus progenitores, caso as suas reservas económicas se esgotem e a possibilidade de arrendamento habitacional não se concretize.
45. Desde ...-...-2024 que AA se encontra em cumprimento de medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ... (...), à ordem do presente processo.
46. No contexto prisional, AA tem mantido um comportamento de acordo com as regras institucionais, não existindo registo de sanções disciplinares, encontrando-se inativo laboralmente.
47. No ..., o arguido apresenta dispor de apoios familiares, recebendo visitas por parte dos seus elementos familiares, nomeadamente da progenitora, com assiduidade e regularidade, recebendo apoio pecuniário quinzenal.
48. O presente processo constitui-se como o primeiro contacto com o sistema de reclusão
49. A presente situação jurídico-penal apresenta forte impacto no arguido, tanto a nível profissional como económica atendendo que se encontra suspenso da sua actividade profissional, como ao nível pessoal atendendo à ruptura familiar ocorrida, nomeadamente a dissolução do matrimonio culminada em divorcio e actual afastamento e ausência de relacionamento com os filhos.
50. O arguido consentiu em eventual cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, a cumprir na residência dos seus pais, sita na ...;
51. Os pais do arguido, co-habitantes da residência identificada em 50., prestaram o seu consentimento à instalação de vigilância electrónica;
52. O arguido é considerado pelos seus colegas de trabalho como sendo um trabalhador exemplar, gozando o arguido de boa reputação, apesar de descreverem a sua personalidade como explosiva e temperamental;
53. A mãe do arguido considera que o filho tem uma personalidade temperamental.
54. O arguido não tem antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Da contestação
A. Durante a fase do tratamento médico do arguido, a partir do ano de ..., a ofendida mostrou-se indiferente, não prestando cuidados ou assistência ao seu cônjuge, nem sequer na condição de profissional de saúde;
B. Pelo menos desde o ano de ... que o arguido padece de depressão.
Consigno que a demais matéria alegada na contestação que foi considerada repetida com a da acusação, conclusiva, ou meramente negatória ou de direito foi expurgada, motivo pelo qual não se encontra elencada nem nos factos provados, nem nos factos não provados.
MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova documental junta aos autos, entrecruzada entre si e com a prova produzida em audiência, procurando-se os seus pontos de convergência e/ou dissonância, à luz de critérios de experiência e normalidade de vida e nos termos do disposto no artigo 127º Código de Processo Penal.
Concretizando.
Factos 1 a 20: O arguido esteve presente na audiência de julgamento, mas exerceu o seu direito ao silêncio, não tendo prestado declarações sobre os factos. Sem prejuízo, foram reproduzidas em audiência as declarações prestadas pelo mesmo no primeiro interrogatório judicial. Nessa sede, admitindo pacificamente a relação de casamento que, à data dos factos, mantinha com a ofendida [factos 1 a 4], numa postura vitimizante, o arguido admitiu parcialmente os factos que lhe são imputados, designadamente os referentes aos consumos de bebidas alcoólicas e de haxixe [facto 5] e, bem assim, a ocorrência de discussões com a ofendida [pese não tenha concretizado nenhuma], segundo disse, devido ao facto de esta pretender o divórcio, facto que o arguido não queria aceitar. Neste contexto, admitiu ainda que, numa dessas discussões, ameaçou matar-se e apontou uma arma de fogo à cabeça [facto 13], bem como admitiu que retirou à ofendida o acesso aos comandos da televisão e ao interior do quarto comum do casal, que mantinha fechado à chave [facto 12]. No que se refere ao episódio ocorrido no dia ... de ... de 2024, negou ter batido na ofendida e ter proferido as expressões descritas no facto 16, mas admitiu ter proferido as expressões descritas no facto19. Por fim, admitiu que tinha na sua posse todos os objectos/armas que foram apreendidos nos autos [facto 20], desvalorizando, contudo, a situação.
Ora, o que resulta do confronto crítico das declarações prestadas pelo arguido com os depoimentos das testemunhas de acusação, é que a estratégia de defesa do arguido passou por admitir somente os factos que, em rigor, sabia que não poderia negar. Isto porque todos os factos que foram assumidos pelo arguido foram presenciados ou pelos filhos do casal, ou por terceiros, concretamente pelas vizinhas HH e II e pelos agentes da polícia [JJ e KK] que se deslocaram à habitação do casal no dia ... de ... de 2024, sendo de salientar que no que se refere à expressão « eu dou-te um tiro, vou parar à prisão, mas tu vais parar a um caixão”, HH, II, JJ e KK afirmaram que o arguido a proferiu por diversas vezes na presença de todos. Relativamente aos demais factos, o arguido optou por negá-los, quiçá, na expectativa de que o depoimento da única testemunha presencial [a ofendida BB] não fosse valorado positivamente pelo tribunal. Sucede que a ofendida BB prestou declarações para memória futura e, num relato espontâneo, escorreito e contido, que se afigurou sincero, relatou todos os factos descritos nos pontos 1 a 20. Para além disso, o seu depoimento foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas de acusação quanto aos factos que assistiram, sendo de relevar os depoimentos dos filhos do casal, DD e FF, que, de forma coincidente e congruente entre si, descreveram a dinâmica da vida familiar relatando a ocorrência de discussões constantes, insultos e ameaças perpetradas pelo arguido contra a pessoa da ofendida. Sob outro prisma, dir-se-á ainda que o relato da ofendida acerca das agressões físicas perpetradas pelo arguido no dia ... de ... de 2024, não só foi confirmado pelas vizinhas HH e II perante as quais o arguidos as admitiu no próprio dia dos factos, como resultam ainda evidenciadas pelo teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de folhas 88-89, que comprova as lesões descritas no ponto 28. Por estas razões, o depoimento da ofendida mereceu inteira credibilidade, tendo conduzido à prova de todos os factos, incluindo aqueles que não foram admitidos pelo arguido. Acresce que a ofendida veio ainda a prestar depoimento na audiência de julgamento, tendo nessa sede confirmado o teor das mensagens que o arguido lhe remeteu (facto 21) via whatsapp, entre ... e ... e cujo print se mostra junto aos autos.
Para prova dos factos 2 e 3 foram tidas em consideração as certidões de casamento e de nascimento de fls. 47, 262 e 263.
Para prova do facto 20, foi ainda valorado o teor do auto de apreensão (fls. 15, 16), auto de exame e avaliação (fls, 1, 17v), reportagem fotográfica (fls, 18 a 25) e informação de núcleo de armas e explosivos (fls. 101) e os exames periciais de 187 a 198.
Factos 22 a 28: resultaram provados por outra não poder ter sido a motivação e conhecimento do arguido, em face dos comportamentos por si exteriorizados e julgados como provados nesta sede, de acordo com as máximas da lógica e da experiência comum. Com efeito, em face da factualidade provada, resultou claro que o arguido agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da ofendida, de afectar a sua liberdade de decisão, de a humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, com resultados que representou, procurou e logrou concretizar. Os comportamentos do arguido são ainda evidenciadores de que o arguido agiu com indiferença à longa relação de casamento que manteve com a ofendida, ciente do dever de respeito que dela emergia, querendo e logrando maltratá-la física e psiquicamente, afectando-a na sua saúde e dignidade humana. Pese embora se tenha provado a ocorrência de um único episódio de agressões físicas, a verdade é que o arguido não se limitou a agredir fisicamente a ofendida, pois, na realidade, pelo menos desde ... que o arguido vem injuriando a ofendida, apelidando-a de puta e de merda, dizendo-lhe que não serve para nada, sendo que os comportamentos hostis intensificaram-se no final de ..., passando o arguido a ameaçar a ofendida de morte; a partir do momento em que o divórcio passou a iminente, em ..., o arguido, inconformado, passou ainda a privar a ofendida do acesso ao quarto do casal e aos seus bens pessoais, sendo de notar ainda que o arguido injuriava a ofendida quando estava com ela em casa e, quando não estava com a ofendida, através de mensagens, tendo continuado a verbalizar a intenção de a matar com um tiro na cabeça, não só quando se encontrava sozinho com ela, no interior do domicilio comum, como, despudoradamente, quando estava na presença dos filhos e de terceiros, inclusive das autoridades policiais, não podendo o arguido ignorar que criava assim um absoluto clima de terror no seio familiar, desde logo porque era do conhecimento de todo o agregado que o arguido era detentor, entre o mais, de uma arma de fogo que, de resto, foi exibida a todos os elementos do agregado familiar na ocasião em que o arguido a apontou à sua própria cabeça e disse «vou acabar com isto tudo», dando a entender dessa forma que se mataria. Por conseguinte, a gravidade e a intensidade dos comportamentos do arguido não permitem, por apelo a regras de experiência e de normalidade de vida, que se extraia outra conclusão que não aquela a que se descreveu nos factos 23 a 26.
Acresce que o arguido era, naturalmente, sabedor de que não possui qualquer autorização ou licença para deter os objectos que lhe foram apreendidos, sendo certo que é do conhecimento geral da população a proibição e punição criminal da detenção das armas que foram apreendidas.
Factos 29 e 30: os factos resultaram provados do teor dos documentos juntos com a contestação.
Factos 31 a 51: os factos resultaram provados do teor das declarações do arguido sobre a sua situação pessoal e económica, do relatório social e do relatório da equipa de vigilância electrónica, juntos aos autos.
Facto 52: resultou provado do teor dos depoimentos das testemunhas de defesa LL, MM e NN, todas colegas de trabalho do arguido há mais de 30 anos, cujos depoimentos se afiguraram desinteressados e sinceros.
Facto 53: resultou provado do depoimento da mãe do arguido, OO. Pese embora tenha tentado abonar a favor do filho, a verdade é que OO não deixou de afirmar que o arguido sempre teve comportamentos impulsivos e imprevisíveis por ter uma personalidade muito temperamental.
Facto 54: a ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do teor do respectivo certificado do registo criminal junto aos autos.
Quanto aos factos não provados A e B os mesmos resultam da circunstância de nenhuma prova ter sido feita acerca dos mesmos, não havendo quaisquer elementos nos autos que permitam afirmá-los como verdadeiros.
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IV. ENQUADRAMENTO JURIDÍCO-PENAL
Do crime de violência doméstica
O arguido vem acusado da prática de um crime de violência doméstica. p. p. pelo artigo 152º, nº. 1, alínea a) e nº. 2, alínea a) do Código Penal, nos termos do qual «1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…)
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.», sendo que nos termos do n.º 2, al. a) do mesmo normativo, a pena de prisão sofre agravação para de dois a cinco anos, se o agente, « a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ».
O crime de violência doméstica pode ser preenchido pela prática de múltiplas condutas, de forma reiterada ou através de uma só conduta do agente, solução que já anteriormente vinha sendo consagrada pela jurisprudência, a de poder integrar um crime de violência doméstica (anteriormente, designado crime de maus-tratos) uma só resolução criminosa, desde que, revestindo uma gravidade tal, que configurasse atentado grave contra a saúde física, psíquica ou moral da vítima, atingindo, inexoravelmente a sua dignidade enquanto pessoa humana, e tornando insustentável a relação com o agressor (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03.07.2002, Proc. 0210597, disponível em www.dgsi.pt).
O crime de violência doméstica pressupõe uma especial relação entre o agente e o sujeito passivo, pautada pela união matrimonial, pela união de facto, o namoro, ou ainda em virtude de a vítima ser progenitor (a) de descendente comum, ou então, caso se verifique que as agressões físicas ou psíquicas sejam infligidas a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com o agente coabite.
A conduta típica pode revestir múltiplas actuações ou uma só actuação, que compreendam o mau trato físico (ofensas corporais), o mau trato psíquico (humilhações, provocações, injúrias, ameaças), tratamento cruel, utilização do subordinado em actividades perigosas, desumanas ou proibidas (Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 333), incluindo-se, agora, expressamente e de forma inequívoca, na descrição do tipo legal da violência doméstica, os castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime é a saúde — física e mental — da pessoa individual, bem jurídico que pode ser afectado por uma multiplicidade de comportamentos como a privação da liberdade, as ofensas sexuais, as agressões fisicas e psíquicas ou por um só comportamento, que atinja o âmago de tais bens jurídicos protegidos, mas de tal forma intensa, que atinja inexorável e cruelmente a dignidade da vítima como ser humano.
Conforme escreve Américo Taipa de Carvalho a ratio do tipo não está na protecção da comunidade familiar, conjugal, (...), mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana ( In ob. e loc. citados, pág. 332).
A função do referido normativo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis e perniciosas formas de violência na família. A criminalização destas condutas, com a consequente responsabilização penal dos seus agentes, resultou da progressiva consciencialização ético-social da gravidade individual e social destes comportamentos, que não constituem fenómeno recente. Nas palavras de Américo Taipa de Carvalho “a família, a escola e a fábrica não mais podiam constituir feudos sagrados, onde o direito penal se tinha de abster de intervir.”( In ob. e loc. citados, pág. 330)
Assim, e seguindo os ensinamentos do mesmo autor, poder-se-á dizer que, em última análise, o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida num sentido amplo, contemplando uma vertente física, psíquica e mental.
Trata-se de um crime específico, na medida em que, como acima dito, pressupõe que o agente se encontre numa determinada relação (presente ou passada) especial com a vítima, relação essa que deverá subsumir-se a uma das elencadas no artigo 152.º, n.º 1.
Não se exige um vínculo afectivo estável na medida em que não supõem actualidade ou que haja laços familiares entre agressor e vítima. Relevará, mais exactamente, um certo grau de proximidade, ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude do facto – Miguez Garcia – Direito Penal Passo a Passo, Vol. I, 2.ª Edição, 2015, p. 2017.
Desta relação de proximidade com o(a) ofendido(a) e da conduta do agente há-de resultar ainda uma posição de domínio deste último e subjugação do primeiro.
Efectivamente, tendo este tipo de ilícito em vista a protecção de um bem jurídico complexo e abarcando, no seu elemento objectivo, uma grande diversidade de condutas, susceptíveis de serem subsumidas noutros tipos de ilícito, o que especializa/caracteriza em face dos restantes tipos penais é efectivamente a existência de uma posição de domínio e submissão entre agressor e vítima (Neste sentido, cf. Tribunal da Relação do Porto, Proc. 31/09.5GCVLP.P1 e Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 2263/15.8JAPRT. P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
Veja-se a este propósito o acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 09/01/2013, proferido no âmbito do processo 31/09.5GCVLP.P1 (disponível em www.dgsi.pt): Pese embora a maior parte dos casos de crimes de violência doméstica, ocorram no âmbito da vivência conjugal – formal ou de facto – a actual redacção do preceito, ao alargar o âmbito da incriminação ao ex-cônjuge e ao prescindir mesmo da coabitação, coloca agora mais o enfoque na situação relacional existente entre agressor e vítima.
Assim este tipo legal previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou (e) sobre a sua honra ou (e) sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, de tensão, de subjugação. (…)
Assim, para além de se ter de verificar entre agente e ofendido a existência de uma das relações elencadas no n.º 1 do art. 152.º do Código Penal, para preenchimento do tipo será ainda necessária a prova de que da referida relação resultava uma situação de domínio do agressor sobre a vítima.
Para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito, basta que se verifique uma das seguintes condutas: maus tratos físicos (isto é, ofensas corporais simples), maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradoras em si do crime ameaça, etc.), tratamento cruel, isto é, desumano (por exemplo, omissão do fornecimento, a horas, das refeições ou da medicação), podendo, por isso mesmo, as condutas em questão revestir não só a forma de acção como de omissão. (In ob. e loc. citados, pág. 333).
Assim, têm-se considerado condutas susceptíveis de integrar o tipo, as seguintes (vd. Ac. TRE, de 08/01/2013, proc. n.º 113/10.0TAVVC.E1, disponível em www.dgsi.pt): Como maus tratos físicos, murros, bofetadas, pontapés e pancadas com objectos ou armas (mesmo que se não comprove uma efectiva lesão da integridade corporal da pessoa visada); também empurrões, arrastões, puxões e apertões de braços ou puxões de cabelos; como maus tratos psíquicos os insultos, críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, a sujeição a situações de humilhação, as ameaças, as privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, as restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum; as privações da liberdade; as perseguições, as esperas inopinadas e não consentidas, os telefonemas a desoras, etc. – v. g. Nuno Brandão, 18-21 e André Lamas Leite, ob. cit, 44-46 e notas; (negrito nosso)
O “agarrar pelos cabelos, puxando e arrastando para pôr água fria a correr em cima da cabeça” - Ac. do TRP de 30-01-2008 (Proc. 0712512, Maria Leonor Esteves);
Agressões físicas, ameaça de morte e proibição de acesso à garagem, à caixa de correio e de utilização do veículo automóvel - Ac. do TRL de 26-10-2004 (Proc. 3988/2004-5, rel. Marques Leitão); (negrito nosso)
Injúrias proferidas em voz alta ao longo de meses, a ameaça e o repetido bater com força a porta do frigorífico e as loiças, a provocar «estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes e sentimentos de sujeição …». Os maus-tratos psíquicos compreendem, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional - Acórdão do TRL de 27-02-2008 (Proc. 1702/2008-3, rel. Carlos Almeida); (negrito nosso)
A generalidade das condutas susceptíveis de integrar o tipo objectivo prende-se também com a amplitude e complexidade do bem jurídico em causa. O que está em causa no limite é a saúde do(a) ofendido(a) – saúde física, psíquica e mental. [O] perigo para a saúde do objecto da acção alvo da conduta agressora constituirá o motivo de criminalização (…) o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração se prende com os sérios riscos para a integridade psíquica da vítima que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolonguem no tempo. – Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2015, p. 218.
Em particular no que se reporta à violência psicológica e maus tratos psíquicos a jurisprudência e a doutrina têm apontado a título de exemplo humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça, etc. Embora o tratamento cruel, isto é, desumano (p. ex., reiterada omissão do fornecimento, a horas, das refeições ou da medicação) não venha expressamente referido neste artigo, mas sim no art. 152.º-A, tal tratamento deve ser considerado como um mau trato psíquico. O mesmo parece dever dizer-se relativamente ao emprego em actividades perigosas (em relação à idade e capacidades, como p. ex., o emprego de menores ou incapazes na fabricação de objectos pirotécnicos), desumanas (como, p. ex., o obrigar crianças ou deficientes a passarem longas horas, em locais muito frios ou muito quentes, a pedirem esmola) ou proibidas (como, p. ex., instrumentalizar menores ou incapazes como “correios” de entrega de droga), ou sobrecarregar com trabalhos que, embora em si legítimos e adequados à idade e à saúde sejam, todavia, manifestamente excessivos (o quem p. ex. pode mesmo acontecer com as lides domésticas) – Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 516.
No que concerne ao elemento subjectivo a lei exige o dolo, em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, sendo que o dolo se estende ao próprio resultado danoso da integridade física, mas já em relação às outras condutas (v.g. ameaças, injúrias) bastará o dolo de perigo de afectação de saúde.
Vertendo ao caso dos autos, ficou provado que o arguido e a ofendida iniciaram uma relação de namoro no ano de ... e que foram casados entre si durante cerca de 23 anos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio no ano de ..., já após o arguido estar em prisão preventiva. A partir do ano ..., o arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas e a consumir haxixe com uma periodicidade diária, provocando discussões frequentes com a ofendida durante as quais a apodava de «puta», de «merda» e lhe dizia «não serves para nada»; quando a ofendida recusava ter relações sexuais, o arguido tentava impor a sua vontade dizendo à ofendida «tu és minha mulher»; a partir de ..., o arguido passou, além do mais, a ameaçar a ofendida de morte, dizendo-lhe que lhe dava um tiro na cabeça, sendo que todos estes comportamentos do arguido se intensificaram a partir de ... quando a ofendida lhe comunicou que pretendia o divórcio. Com efeito, a partir dessa data o arguido passou a enviar mensagens à ofendida apodando-a de «puta», «vaca», «grande merda», «velha gorda», «porca», «vaca gorda» e acusando-a de ter um amante. Para além disso, num claro exercício de poder, decidiu privar a ofendida de ver televisão, retirando-lhe os comandos, e também decidiu privá-la de aceder ao quarto do casal onde a ofendida tinha os seus bens pessoais, mantendo o arguido o quarto fechado à chave e a chave na sua posse exclusiva. Esta espiral de comportamentos hostis e controladores culminou no sucedido no dia da sua detenção, ... de ... de 2024. Nesse dia, o arguido chegou a casa, mais uma vez, em estado ébrio, e iniciou mais uma discussão com a ofendida, ameaçando-a de que partia o computador onde a mesma estava a ver televisão caso a mesma recusasse falar consigo. Como a ofendida persistiu na recusa em falar, o arguido desferiu-lhe uma pancada de mão aberta, atingindo-a no nariz e no olho direito e fazendo-a cair no sofá, causando-lhe dores e lesões. Após, enquanto a ofendida tentava fugir de casa, o arguido proferiu a expressão “Dei-te foi de mão aberta e devia ter-te dado de mão fechada, mas deixa estar porque eu dou-te um tiro, vou parar à prisão, mas tu vais parar a um caixão”, sendo que a sua conduta só cessou com a intervenção das vizinhas e das autoridades policiais.
De todo o exposto conclui-se que resultam verificados os elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito previsto no art. 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, ou seja, a existência de uma relação de conjugalidade entre arguido e ofendida, caracterizada por uma postura de domínio/posse do arguido sobre aquela, e a verificação de comportamentos que se traduzem em maus tratos físicos e psicológicos, os quais causaram na ofendida dores, medo, sofrimento e humilhação. É certo que, pese embora a longevidade do casamento, apenas se provou a ocorrência de um episódio em que o arguido atingiu a integridade física da ofendida. Sem prejuízo, é de notar que nos últimos três anos do casamento, o arguido, influenciado pelo consumo excessivo de álcool e de estupefaciente, provocou repetidas discussões com a ofendida, injuriando-a de forma reiterada e acusando-a de ter um amante. Mais, a partir de certa altura, instalou um autêntico clima de terror psicológico no seio familiar, passando a ameaçar a ofendida de morte, dizendo-lhe que lhe dava um tiro na cabeça, bem sabendo que a ofendida temeria [justificadamente] pela sua vida e até pela dos seus filhos (que viviam com o casal), uma vez que o arguido era detentor de uma arma de fogo que chegou a exibir a toda a família. Para além disso, importa ainda ter presente o tratamento cruel a que ofendida foi sujeita durante quase um ano, ao ver-se privada de aceder ao interior do quarto do casal e aos seus bens pessoais. Ademais, não se pode olvidar que os comportamentos do arguido apenas cessaram no dia ... de ... de 2024 na sequência da sua detenção em flagrante delito devido ao facto de as autoridades policiais terem presenciado o momento em que o arguido, mais uma vez, ameaçou a ofendida com um tiro na cabeça, e terem apreendido no interior da habitação todas as armas que se mostram descritas na acusação e que o arguido mantinha na sua posse sem qualquer licença ou autorização (factos provados 1 a 21).
Em face de todo o exposto, e em jeito de conclusão, dir-se-á que resulta evidente que os factos comprovadamente praticados pelo arguido revestem gravidade e intensidade suficientemente evidenciadoras da violência usada pelo arguido (não só física, mas, acima de tudo, psicológica) e do exercício de uma posição de domínio sobre a pessoa da ofendida, com vista à subjugação desta à sua vontade (factos provados 23 a 26).
Mais se mostra verificada a agravação prevista no n.º 2 do artigo 152.º, porquanto resultou provado que os factos ocorreram no interior do domicílio comum.
O arguido agiu, como se provou, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (facto provado 22).
Entendo, pois, que o arguido ofendeu gravemente a ofendida, na sua integridade física e, acima de tudo, psíquica, e que atingiu, intoleravelmente, o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação.
Subsumindo-se o comportamento do arguido aos elementos objectivo e subjectivo do tipo, e não tendo resultado demonstradas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a sua condenação pelo crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, al. a) do Código Penal.
Do crime de detenção de arma proibida
O arguido vem acusado de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. x), 2.º, n.º 3, al. m), 2.º, n.º 1, al. m), 2.º, n.º 1, al. ap), 2.º, n.º 1, al. o), 3.º, n.º 2, al. l), 3.º, n.º 4, al. a), 3.º, n.º 8, al. a), artigo 3,º, n.º 2, alínea e) e 3.º, n.º 7, al. b), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJMA)- alteração da qualificação jurídica comunicada durante a audiência de julgamento.
Estatui-se no artigo 86.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Regime Jurídico das Armas e Munições que “ 1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo:
(… )
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;”
Em termos dogmáticos, o crime de detenção de arma proibida é simultaneamente um crime de perigo comum e um crime de perigo abstracto. Com efeito, conforme já se entendia ao abrigo do disposto no regime anterior ao estatuído pelo actual Regime Jurídico das Armas e suas Munições, “as condutas descritas por este tipo legal não lesam assim de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo” (Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, página 889).
Ao nível do bem jurídico protegido, partilhamos do entendimento de acordo com o qual “Com este tipo legal o legislador pretendeu evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica e garantir através da punição destes comportamentos potencialmente perigosos, a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física. (…) O bem jurídico protegido é por conseguinte a segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais), da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas” (Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., página 891).
Assim, o crime de detenção de arma proibida encontra-se integralmente preenchido com a mera detenção de uma arma proibida, independentemente da produção de qualquer resultado danoso.
A detenção da arma não é, em, si mesmo, proibida. Só o será se for ilegal, isto é, se o detentor a detiver “sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente”.
O crime é doloso, admitindo-se qualquer das modalidades do dolo: o agente terá de representar todos os elementos do crime, isto é, saber que o objecto que detém é uma arma e que a detém ilegalmente nos termos definidos e, além disso, conformar-se com essa detenção.
Vertendo ao caso dos autos, provou-se que o arguido era detentor dos seguintes objectos:
a. Uma arma de fogo transformada, da marca ..., modelo GT28, com o comprimento total de doze (12) centímetros, semiautomática, calibre 6,35mm. Ora, de acordo com a alínea x) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAM, constitui uma «Arma de fogo transformada» o dispositivo que, mediante uma intervenção ... modificadora, obteve caraterísticas que lhe permitem funcionar como arma de fogo, sendo classificada como arma da classe A por via do disposto no artigo 3.º, n.º 2, alínea l) [2 - São armas, munições e acessórios da classe A: (…) As armas de fogo transformadas ou modificadas;]
b. Trinta e nove (39) munições, de várias marcas, calibre 6,35mm. De acordo com o artigo 2.º, n.º 3, al. m) Regime Jurídico das Armas e Munições m) «Munição» é o cartucho completo que integra o invólucro, o fulminante, a carga propulsora, o projéctil ou projécteis utilizados numa arma de fogo, bem como os seus componentes, individualmente considerados, quando sujeitos a autorização de aquisição, nomeadamente o fulminante, o cartucho ou invólucro com fulminantes e a carga propulsora, tratando-se de munições da classe B1 por serem destinadas a armas e fogo curtas semiautomáticas- artigo 3.º, n.º 4, al. a) do RJAM, salientando-se que a aquisição e detenção de munições para armas de fogo, e independentemente do seu calibre, está dependente, além do mais, da titularidade da licença de uso e porte da arma a que as mesmas se destinam, conforme previsto nos artigos 34.º e 35.º da Lei 5/2006 de 23.02.
c. Um sabre, com o comprimento total de 94cm e com uma lâmina de 70cm de comprimento. Trata-se de uma arma branca por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. m) do RJAm [m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;], pertencente a classe F por força do disposto no artigo 3.º, n.º 8, al. a) do RJAM [3- São armas da classe F: a) As matracas, sabres e outras armas brancas tradicionalmente destinadas às artes marciais e às recriações históricas;].
d. Um boxer, sem referência a marca, número e origem e em mau estado de conservação, classificado como arma por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. ap) do RJAM [instrumento metálico ou de outro material duro destinado a ser empunhado e a ampliar o efeito resultante de uma agressão;], pertencente à classe A [artigo 3,º, n.º 2, alínea e) do RJAM : 2 - São armas, munições e acessórios da classe A: (…) e) As facas de abertura automática ou ponta e mola, estiletes, facas de borboleta, facas de arremesso, estrelas de lançar ou equiparadas, cardsharps e boxers;]
e. Um punhal, da marca ..., com o comprimento total de 26,5cm e com uma lâmina de 15cm de comprimento; Trata-se de uma arma branca por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. m) do RJAm [m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;].
f. Um punhal, da marca ..., com o comprimento total de 26cm e com uma lâmina de 12,5cm de comprimento; Trata-se de uma arma branca por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. m) do RJAm [m) «Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões;].
Uma arma eléctrica [o) «Arma eléctrica» todo o sistema portátil alimentado por fonte energética e destinado unicamente a produzir descarga elétrica momentaneamente neutralizante da capacidade motora humana, não podendo ter a configuração de arma de fogo ou dissimular o fim a que se destina- artigo 2.º, n.º 1, al. o) do RJAM)], pertencente à categoria da classe E por força do disposto no artigo 3.º, n.º 7, al. b) do RJAM [7 - São armas da classe E: (…) b) As armas eléctricas até 200 000 V, com mecanismo de segurança e que não sejam iguais a armas de outra classe ou a outros objetos;].
Ora, a detenção dos objectos supra identificados preenche o elemento objectivo do crime de detenção de arma proibida, por força do disposto no artigo 86.º, n.º 1, al.s c) e d) do RJAM. Mais se provou que o arguido não era titular de qualquer licença de uso e porte de arma, nem tinha manifestada em seu nome qualquer arma de fogo, nem detinha autorização para deter as mencionadas armas ou munições, conhecia bem as características e a serventia das mesmas, actuando com o propósito concretizado de as deter e de as manter à sua disposição. Por fim, provou-se que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Assim, subsumindo-se o seu comportamento aos elementos do tipo, impõe-se a sua condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida. Ressalva-se que, sem prejuízo de ter resultado provado que o arguido era detentor de uma pluralidade de armas, de diversa natureza, em função das quais, e se individualmente consideradas, levariam ao preenchimento da ilicitude típica a que se referem as várias normas do RJAM acima identificadas, perfilho o entendimento de que estamos em presença de um concurso aparente de crimes, pelo que o arguido será condenado pela prática de um único crime de detenção de arma proibida, devendo a punição do facto mais grave consumir o ilícito globalmente cometido [cfr. neste sentido, A. Tribunal da Relação do Porto de 21/0272018, Proc. 5/17.2PEMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt).
V. ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
O crime de violência doméstica que vem imputado ao arguido encontra-se tipificado pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, al. a) do Código Penal e é punido com uma pena de prisão de dois a cinco anos.
O crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido será sancionado é punido com pena de prisão de um a cinco anos ou com pena de multa até 600 dias- al. c) do artigo 86.º do RJAM.
Nos termos do disposto no artigo 70.º do Código Penal, sendo o crime punível com pena privativa e pena não privativa da liberdade, dará o Tribunal prevalência a esta última se considerar que ela é adequada e suficiente para prosseguir as finalidades da punição previstas no artigo 40.º Código Penal: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente.
A função primordial da pena consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos - prevenção geral – função essa prosseguida no quadro da moldura penal abstracta entre o mínimo, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40.º do Código Penal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15.10.2003, Proc. 5028/2003-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt.).
No que respeita ao crime de violência doméstica, o legislador entendeu que apenas a pena de prisão acautelaria as finalidades de punição, importado, tão-só, nesta sede proceder à escolha da pena no que ao crime de detenção de arma proibida diz respeito.
Assim, quanto ao crime de detenção de arma proibida, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, atendendo às repercussões do crime, muitas vezes associadas à prática de outros crimes (designadamente contra a integridade física e contra a vida), e a perigosidade daí emergente, sendo fundamental garantir a confiança da comunidade na protecção do bem jurídico em apreço.
Por seu turno, as necessidades de prevenção especial situam-se num patamar alto. Com efeito, se é certo que o arguido não tem antecedentes criminais, a verdade é que a sua personalidade, revelada nos autos, aponta para a probabilidade de o arguido vir a reincidir na prática do crime.
Em face de todo o exposto, entendo que apenas a condenação do arguido em pena privativa da liberdade é adequada e suficiente para prosseguir as finalidades da punição, motivo pelo qual opto pela sua aplicação.
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Para a determinação da pena em concreto, deve o Tribunal ponderar o disposto nos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção – art. 71.º, n.º 1, do CP. A leitura desta norma terá de ser feita sempre em conjugação com o disposto no artigo 40.º, n.º 1 CP e, portanto, a determinação da medida concreta da pena não poderá deixar de ter por base as finalidades das penas, isto é, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por outro lado, cumpre ter presente o limite estabelecido no n.º 2 do referido artigo: em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. A culpa é assim, pressuposto e limite da pena funcionando mecanismo de proibição do excesso.
As circunstâncias que relevam para a culpa e para as necessidades de prevenção vêm exemplificativamente elencadas no n.º 2 do art. 71.º do CP, estas são circunstâncias que não fazem parte do tipo de crime, encontrando-se aqui consagrado o princípio da proibição da dupla valoração.
As exigências de prevenção geral positiva – isto é, de satisfação da necessidade comunitária de reforço da norma jurídica violada – são muito elevadas no que ao crime de violência doméstica diz respeito dada a frequência com que ocorre e as consequências tão negativas no seio familiar para a saúde física e psíquica do(a) ofendido(a), atingindo, por vezes, a própria vida. De igual modo são muito elevadas as necessidades de prevenção geral no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, tal como acima salientado.
Relativamente às exigências de prevenção especial, as mesmas situam-se num nível elevado. Com efeito, sem prejuízo de o arguido não ter quaisquer antecedentes criminais, a verdade é que os comportamentos por si exteriorizados revelam uma personalidade imprevisível, impulsiva, e um absoluto descontrolo emocional. Importa ter presente que a personalidade do arguido, revelada pelos factos que praticou contra a ofendida, acabou por ser confirmada em audiência até por aqueles que se dispuseram a abonar a seu favor, nomeadamente os colegas de trabalho que conhece há mais de 30 anos e a sua própria mãe, que, de forma praticamente unânime, descreveram o arguido como um autêntico «barril de pólvora» prestes a explodir à mínima contrariedade. Ou seja, da análise global dos factos e em face da personalidade do arguido não se pode, de forma alguma, colocar de parte o perigo de reincidência criminosa, tanto mais que o arguido mantém sentimentos de hostilidade relativamente à vítima.
Em conclusão, os factos revelam uma personalidade deformada para o direito e uma absoluta insensibilidade para bens jurídicos pessoais, motivo pelo qual considero elevadas as exigências de prevenção especial.
No caso concreto é ainda de ponderar:
-o grau de ilicitude: no que ao crime de violência doméstica diz respeito, afigura-se elevado atendendo ao carácter reiterado dos comportamentos do arguido; no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, é igualmente elevada a ilicitude, atendendo à diversidade e quantidade de armas que foram apreendidas ao arguido:
- O dolo: é directo em ambos os crimes;
- O comportamento do arguido após os factos milita a seu desfavor uma vez que, sem prejuízo de no final da audiência ter verbalizado estar arrependido, essa declaração não foi considerada sincera pelo tribunal atenta a sua postura durante toda a audiência de julgamento (não quis prestar declarações sobre os factos e durante os depoimentos das testemunhas- inclusive dos filhos que cortaram relações consigo devido aos factos, e da ofendida- manteve uma expressão facial fria e distante, sem quaisquer laivos de comoção).
- O arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido profissionalmente, únicas circunstâncias que militam a seu favor.
Ponderadas todas as circunstâncias acabadas de referir considero justa e adequada a aplicação das seguintes penas:
- crime de violência domestica: 3 anos de prisão;
- crime de detenção de arma proibida: 1 ano e 6 meses de prisão.
Do Cúmulo Jurídico das Penas
De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (artigo 77.º, nº 2 do C. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, nº 1 do C. Penal).
O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é portanto, a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.
E aqui, nota Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.”(de novo Figueiredo Dias, agora citado no Ac. do STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249).
Nesta operação, impõe-se ter presente o que atrás deixámos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita.
Em face do exposto, atenta a moldura penal em que aqui nos movemos – entre 3 a 4 anos e 6 meses de prisão- entendo que a pena única a decretar se deve fixar em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Esta a pena que, não excedendo a culpa, se mostra como a ajustada e adequada às necessidades de prevenção geral e especial que aqui se colocam.
Da suspensão da pena de prisão
O artigo 50.º, nº 1 do Código Penal determina que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como defende Figueiredo Dias, para recorrer a tal instituto o tribunal terá sempre de concluir “por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, para a formulação do qual “não pode bastar nunca ou só a personalidade ou só as circunstâncias do facto” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 50-53).
Assim, os pressupostos para a suspensão da pena são dois e de diferente natureza: i) um pressuposto formal que se prende com a medida da pena concreta aplicada, e ii) um pressuposto material que se consubstancia num juízo de prognose, a ser feito pelo tribunal, sobre o comportamento do delinquente. O tribunal, com respeito a este último pressuposto, deverá, com base na personalidade do agente, nas suas condições de vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime, concluir por um prognóstico favorável donde retire que a mera ameaça de execução da pena acautelará as finalidades de punição.
No caso em concreto, o requisito formal encontra-se preenchido, a medida da pena concretamente aplicada in casu é inferior a cinco anos.
No que se refere ao requisito de carácter material, reeditando aqui tudo a que se fez referência em sede de determinação da medida da pena, salienta-se que apesar de não ter antecedentes criminais e de estar inserido profissionalmente, o arguido não revelou capacidade crítica para os seus comportamentos e apresenta uma personalidade descontrolada e, acima de tudo, impulsiva e imprevisível, sendo certo ainda que o arguido mantém sentimentos de hostilidade para com a pessoa da ofendida questionando até a paternidade dos filhos, volvidos mais de 20 anos de relacionamento e findo o casamento. Para além disso, provou-se que o arguido consome bebidas alcoólicas em excesso e estupefaciente, comportamentos que desvaloriza por entender que não têm interferência no seu quotidiano, sendo disso evidencia, além do mais, a circunstância de o arguido padecer de doença oncológica hepática e, mesmo assim, manter esses hábitos.
Em face de todo o exposto, entendo ser impossível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento do arguido, motivo pelo qual decido não suspender a pena de prisão, por entender que a mera ameaça de execução da pena de prisão não acautela adequadamente as finalidades de punição.
Da ponderação da aplicação do regime de permanência na habitação
Estabelece o artigo 43.º do Código Penal:
«1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a) Frequentar certos programas ou atividades;
b) Cumprir determinadas obrigações;
c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f) Não ter em seu poder objectos especialmente aptos à prática de crimes.
5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.»
No caso vertente, os pressupostos de exequibilidade prática de que depende a aplicação do regime de permanência na habitação encontram-se reunidos uma vez que o arguido dispõe de habitação adequada para a instalação de vigilância electrónica e prestou o seu consentimento, bem como os co-habitantes.
Contudo, a pena de prisão a aplicar ao arguido é superior a dois anos mesmo após efectuado o desconto referente ao tempo de prisão preventiva cumprido à ordem dos autos, situação que, por si só e sem necessidade de outros considerandos, inviabiliza a aplicação do regime de permanência na habitação- artigos 43.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.
Penas acessórias
Prevê o n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal que podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
As penas em causa não são de aplicação automática. Impõe-se também nesta sede uma ponderação das necessidades preventivas, e em particular, das exigências de prevenção especial e, bem assim, das necessidades de protecção da vítima.
De acordo com tal normativo pode ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contactos com a vítima qual deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Mais estabelece o artigo 35º da Lei 112/2009, de 16.09 que a pena acessória deve ser fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima. Tendo em conta a acentuada ilicitude dos factos, a reiteração e intensidade dos comportamentos delituosos do arguido, a falta de arrependimento e de sentido crítico sobre a sua actuação, e as especiais exigências de prevenção expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados indo ao encontro das expectativas da comunidade na manutenção (se não mesmo no reforço) da vigência de tais normas e, atendendo ainda, ao lapso temporal em que as actuações delituosas tiveram lugar, entendo que se mostra necessária, adequada e proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida (por qualquer meio ou forma, directamente ou por interposta pessoa e em qualquer local, com excepção dos contactos necessários à tramitação de eventual processo de inventário por divórcio).
Quanto ao período de duração de tal pena acessória, recorrendo mais uma vez aos critérios ponderados para a determinação da medida concreta da pena principal e ponderando os objectivos específicos da pena acessória, entendo fixar o mesmo em 4 (quatro) anos. Considerando a duração da pena acessória, superior à da pena principal, para assegurar a respectiva eficácia, e para protecção da vítima deverá o seu cumprimento, quando o arguido for colocado em liberdade, ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância electrónica, dispensando-se assim o consentimento da vítima e bem assim do arguido, porque a vigilância electrónica se impõe para protecção daquela.
Relativamente à proibição de uso e de porte de arma, em face da factualidade que resultou provada (ameaças com arma de fogo), numa lógica de prevenção, e ponderando os valores em conflito, conclui-se que a proibição de uso e porte de arma se mostra, in casu, imprescindível para a protecção efectiva dos direitos da vítima, motivo pelo que se decide aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de uso e de porte de arma pelo período de cinco anos.
Por fim, por se revelar essencial à reinserção do arguido, será ainda o arguido condenado na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica.”
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Questão prévia:
Constata-se que do dispositivo da sentença recorrida, mais concretamente dos pontos e) e f), constam dois manifestos lapsos de escrita que devem ser corrigidos.
Com efeito, na al. e) menciona-se a duplicar a expressão “de proibição” e na al. f) está a mais o segmento “de proibição”.
Assim, ao abrigo do preceituado no 380º, nºs 1, alínea b), e 2 do Código de Processo Penal, corrigem-se, neste momento, os citados lapsos determinando-se a eliminação de uma das expressões “de proibição” constantes do ponto e), bem como do segmento “de proibição” no que tange ao ponto f).
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IV- Do mérito do recurso:
Da eventual suspensão da execução da pena de prisão:
No recurso interposto o arguido pretende unicamente que a pena única de 3 anos e 9 meses de prisão em que foi condenado, operado o cúmulo jurídico das penas parcelares, seja suspensa na sua execução.
Como é consabido, são vastos os lugares legais que privilegiam a aplicação de penas não privativas da liberdade quando em cotejo com aquelas limitadoras da liberdade ambulatória de um cidadão.
Paradigmaticamente, é de atentar o disposto no art. 70º do Código Penal, cujo teor é explanado sob a epígrafe de “critério de escolha da pena”, impondo a preferência pelas penas não detentivas, desde que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O art. 50º do CPenal, por seu lado, manda suspender a execução da pena de prisão fixada em medida não superior a 5 anos, desde que a personalidade e condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao crime, bem como as circunstâncias deste, legitimem um juízo de prognose de que a censura do facto e a ameaça de prisão realizarão adequadamente as finalidades da punição.
Nesta confluência importa, desde logo, salientar que o juízo de culpa é alheio ao momento da escolha da pena. Com efeito, como enfatiza FIGUEIREDO DIAS, “Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém às razões históricas e politico-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”
Ora, sendo assim, terão de ser as razões preventivas a ditarem a suspensão, ou não, da pena de prisão aplicada em período temporal inferior a cinco anos.
No caso em análise, o tribunal recorrido decidiu-se pela aplicação ao arguido de uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva; considerou, todavia, que era impossível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido – isto apesar de não ter antecedentes criminais e estar profissionalmente integrado – atendendo a que o mesmo não teria revelado capacidade crítica para os seus comportamentos, não demonstrando arrependimento, apresentando uma personalidade descontrolada, impulsiva e imprevisível, mantendo sentimentos de hostilidade para com a pessoa da ofendida e questionando, até, a paternidade dos filhos, volvidos mais de 20 anos de relacionamento e findo o casamento.
Acrescentou-se que o arguido consome bebidas alcoólicas em excesso e substâncias estupefacientes, circunstancialismo que desvaloriza, considerando não ter interferência no seu quotidiano, mantendo, pois, tais hábitos apesar de padecer de doença oncológica hepática.
Por seu turno, o recorrente, no recurso interposto, veio alegar que dispõe de apoio familiar consistente, bem como de integração laboral, estando abstinente do consumo de bebidas alcoólicas e estupefacientes desde a sua prisão há mais de um ano e divorciado da vítima desde ... de ... de 2024.
Acrescenta que concordou em efectuar os tratamentos adequados às problemáticas aditivas de que padece, considerando que o tempo em que tem permanecido em prisão preventiva, bem como as penas acessórias que lhe foram aplicadas, se constituíram como suficiente advertência a fim de não voltar a cometer novos crimes.
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Ou seja, na sentença recorrida considerou-se que a ausência de antecedentes criminais, bem como a integração familiar e profissional do arguido não eram suficientes para permitir um juízo de prognose no sentido de que a suspensão da execução da pena seria suficiente para acautelar a prática de novos crimes, uma vez que o arguido não havia demonstrado arrependimento, apresentando características de descontrole e impulsividade potenciados pelo consumo de álcool e haxixe, acrescentando que o mesmo, apesar de ter concordado em audiência em efectuar tratamento, anteriormente não havia manifestado essa disponibilidade, mantendo consumos de tais substâncias ao longo dos anos.
Desde logo, deve dizer-se que sendo indubitável que o comportamento do recorrente assumiu gravidade assinalável, tal não é suficiente, só por si, para que se opte pela aplicação de uma pena de prisão efectiva, considerando que unicamente por tal via se garantirá que o mesmo não volte a cometer crimes, nomeadamente de idêntica natureza.
Dir-se-á, até, que muitas vezes as penas de prisão têm, pelo contrário, um efeito estigmatizante e pernicioso, com elas não se obtendo a desejada ressocialização, mas uma escalada para a adopção de outras condutas delituosas, tanto mais, em casos como os dos autos em que o recorrente não tem antecedentes criminais, estando familiar e laboralmente inserido, a prisão irrompe como social e humanamente disruptiva.
Por outro lado, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos (...) deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
O cariz pedagógico e reeducativo da suspensão da execução da pena de prisão tem sido salientado em numerosa jurisprudência de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2006, proferido no Processo n.º 06P1179, em que foi relator ALBERTO SOBRINHO, in ECLI, quando aí se refere “A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida com um cariz pedagógico e reeducativo, visando proporcionar ao delinquente condições ao prosseguimento de uma vida à margem da criminalidade e exigir-lhe que passe a pautar o seu comportamento pelos padrões ético-sociais dominantes. Subjacente à aplicação desta medida existe o juízo favorável de que a socialização do arguido, em liberdade, possa ser alcançada; para tanto, deverá o tribunal atender em especial às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, prognose, essa, reportada ao momento da decisão e não ao da prática do facto.”
Consigna-se no mesmo acórdão que: “Subjacente à aplicação desta medida existe um juízo favorável a que a socialização do arguido, em liberdade, possa ser alcançada. Mas este juízo deve assentar em factos que, com suficiente probabilidade, indiciem que o arguido assumirá o tal comportamento adequado ao não cometimento de novos ilícitos. Para a formulação deste juízo, deverá o Tribunal atender em especial às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, prognose esta reportada ao momento da decisão e não ao da prática do crime. (...)”.
No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2013, proferido no Processo n.º 149/10.1TAFND.C1.S1, em que foi relator SOUTO DE MOURA, in ECLI, aí se mencionando “A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime. Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso. De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal.”
Em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2023, proferido no Processo nº 42/20.0PESTB.S1, em que foi relatora LEONOR FURTADO, in ECLI, reafirma-se a natureza da suspensão da execução da pena de prisão: “A pena de substituição de suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores socialmente mais relevantes.”
Vale por dizer que no confronto entre as exigências de prevenção geral e especial, haverá que ponderar os respectivos grau e amplitude, optando pela execução da pena que melhor se adeqúe à filosofia imanente aos fins das penas, sem olvidar o respeito pelo princípio da necessidade da pena.
Se as exigências de prevenção geral consentirem, sem prejuízo para a revalidação das normas violadas e satisfação das expectativas da comunidade, a aplicação do instituto em causa constitui um dever para o tribunal.
Aliás, diga-se, o nosso sistema penal está pensado para que se dê preferência às penas não detentivas, na medida em que tal opção seja ainda comunitariamente suportável.
A este propósito, no Ac da RE de 07/03/2017, proferido no processo nº 246/10, relatado por JOÃO AMARO, in Jusnet, pode ler-se “Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. ainda o Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, § 521, pág. 344).
No referido juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.”
Ora, no caso dos autos, sendo certo que são inegáveis as fortes razões de prevenção geral, não se pode olvidar, como supra já se salientou, que o arguido ao longo da sua vida – contando actualmente com 58 anos de idade – tem mantido integração laboral trabalhando há longos anos para a mesma empresa como ... de motores de aeronaves.
Por outro lado, conta com apoio familiar, designadamente dos seus pais.
É patente que mostra comportamentos de impulsividade e algum descontrole, nomeadamente no seu relacionamento com a vítima, potenciado pelo consumo de álcool e de haxixe.
Contudo, o mesmo concordou, em audiência, em efectuar o tratamento adequado para lidar com tais problemáticas aditivas.
Por outro lado, o recorrente não tem antecedentes criminais, sendo certo que já se encontra em situação de prisão preventiva há mais de um ano, mantendo em reclusão um comportamento adaptado.
Ou seja, apesar de os factos ilícitos praticados se terem prolongado no tempo, verifica-se que o comportamento delituoso do arguido se circunscreve ao contexto do relacionamento com a vítima, de quem entretanto – em ... – se divorciou.
Deve referir-se, ainda, que relativamente à invocada ausência de arrependimento, se considera, diferentemente do mencionado na sentença recorrida, que tal circunstância não poderá ser valorada em desfavor do arguido.
Com efeito, a valoração em detrimento da posição do arguido do facto de não ter confessado – seja na vertente daquilo que, supostamente, evidencia da sua personalidade ou noutra referente a uma ausência de arrependimento – emerge ao arrepio dos direitos de defesa constitucional e legalmente estatuídos; com efeito, nenhum arguido é obrigado a prestar declarações, nem a depor com verdade.
Ou seja, só numa perspectiva positiva para o arguido é que deverão ser valoradas a confissão, a colaboração e a demonstração de arrependimento – quando não se verifiquem o arguido não pode, simplesmente, beneficiar da atenuação que pode ressumar desse circunstancialismo. Isto é, não é pela circunstância de o arguido não admitir a totalidade dos factos imputados, negando-os mesmo, ainda que parcialmente, que se legitimará a opção pela não suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2008, proferido no Processo n.º 08P694, em que foi Relator SANTOS CABRAL, “Inexiste no nosso ordenamento jurídico um direito a mentir; a lei admite, simplesmente, ser inexigível dos arguidos o cumprimento do dever de verdade. Contudo, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade e outra é a inscrição de um direito do arguido a mentir, inadmissível num Estado de Direito.
Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele.
Ou seja, apesar da gravidade que a conduta do arguido inequivocamente representou, e de este apresentar características de personalidade demonstrativas de alguma impulsividade, agravada pelo consumo de bebidas alcoólicas e de haxixe, também não é menos verdade que, diferentemente do defendido na decisão recorrida, não pode deixar de se considerar que no caso dos autos é ainda possível efectuar um juízo de prognose no sentido de que a suspensão da execução da pena sujeita ao regime de prova será suficiente para evitar a prática de novos crimes.
Na verdade, considerando as penas acessórias já aplicadas – proibição de uso e de porte de arma, obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica e de proibição de contactos com a vítima, com o afastamento da residência ou do local de trabalho desta vitima, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância – bem como a sujeição do recorrente aos tratamentos adequados relativamente às problemáticas aditivas de que padece (tratamento a que o arguido deu o seu consentimento) permitirão alcançar o desiderato pretendido de que o recorrente não cometa novos crimes, designadamente de idêntica natureza.
Aliás, com a aplicação de tal pena o mesmo permanece social, profissional e familiarmente integrado, o que ajuda a mitigar as exigências de prevenção. Com efeito, o arguido, apesar do comportamento assumido no caso concreto, demonstra ter as características necessárias para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe está a ser oferecida e que saberá aproveitar; na verdade, não sendo tal expectativa uma certeza absoluta, erige-se, seguramente, como um juízo de prognose suficientemente consolidado para que se adopte tal solução.
Assim, conclui-se citando o Acórdão do S.T.J. de 20 de Dezembro de 2007, processo n.º 06P662, in www.dgsi.pt “É sabido que só se deve optar pela suspensão da pena quando existir um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, pois, de uma convicção subjectiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso” (Cfr. Figueiredo Dias, ob. loc. citados, pág. 344).
(…) A indiscutível gravidade do comportamento do recorrente exige uma reacção do sistema penal, que aos olhos da comunidade se mostre minimamente satisfatória. No entanto, e por um lado, as instâncias de julgamento não poderão ir a reboque da reacção emocional de parte da população, para quem as penas substitutivas nem sequer seriam penas. Por outro lado, a própria comunidade tenderá a apreciar a justeza dessa reacção, tendo em conta a necessidade ou a inutilidade da prisão, numa perspectiva de prevenção especial”.
Assim, considera-se que, no caso dos autos, ainda é sustentável e comunitariamente suportável a suspensão da execução da pena pelo período de quatro anos dado o efeito potencialmente pedagógico da ameaça contida em tal espécie de pena.
Por outro lado, tendo em vista a interiorização do referido efeito prospectivo, entende-se que tal suspensão deve ser acompanhada de regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e executar pelos serviços competentes, com a obrigação de o arguido não consumir produtos estupefacientes, nem bebidas alcoólicas em excesso, devendo ser sujeito ao tratamento das problemáticas aditivas de que padece – e que, de algum modo, estarão na origem dos comportamentos impulsivos que assume – cfr. arts. 53º e 54º do CPenal – pois só dessa forma se poderá promover a adequada e necessária reinserção social do recorrente.
Mais se considera adequada a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao pagamento pelo recorrente, à ofendida, da quantia de €2000,00, no prazo de 6 meses após o trânsito em julgado da presente decisão.
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V–Decisão:
Termos em que os Juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido substituindo-se a pena de 3 anos e 9 meses de prisão aplicada pela suspensão da execução de tal pena por um período de 4 anos, mediante regime de prova (a definir no Tribunal a quo, mas devendo incluir a obrigação de o recorrente não consumir produtos estupefacientes, nem bebidas alcoólicas em excesso e devendo o arguido ser sujeito ao tratamento das problemáticas aditivas de que padece), determinando-se, ainda, que a dita suspensão fique condicionada ao pagamento pelo recorrente, à ofendida, da quantia de €2000,00, no prazo de 6 meses, após o trânsito.
No mais, confirma-se o decidido.
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Determina-se que sejam emitidos mandados de libertação imediata do arguido, caso não interesse a sua prisão à ordem de outro/s processo/s.
Comunique e notifique, de imediato.
Lisboa, 6 de Novembro de 2025
Rosa Maria Cardoso Saraiva
Diogo Coelho de Sousa Leitão
Maria de Fátima R. Marques Bessa