Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1003/22.0T8PDL.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: RETIFICAÇÃO DE ACÓRDÃO
LAPSO MANIFESTO
ERRO
REFORMA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Para que seja qualificado como “manifesto” – nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 614.º do CPC – o lapso ou erro material deve ser apreensível externamente através do contexto da decisão, de tal forma que possa ser percebido por outrem (que não apenas pelo juiz que a proferiu) que o julgador escreveu coisa diversa da que pretendia, não se tratando de um erro de julgamento.
II) O objeto do lapso ou erro material – erro de escrita, erro de cálculo ou inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto (cfr. artigo 249.º do CC) - ostensivo ou manifesto não é, pois, o conteúdo do ato decisório, mas sim, a sua expressão material.
III) Para além da reforma da sentença quanto a custas e multa (n.º 1 do artigo 616.º do CPC), a lei apenas admite a reforma da sentença quando por “manifesto lapso do juiz” tenha “ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida” (n.º 2 do artigo 616.º do CPC).
IV) Os fundamentos de reforma da sentença, previstos no artigo 616.º do CPC não admitem interpretação analógica ou extensiva.
V) A reforma por manifesto lapso apenas é admissível, “não cabendo recurso da decisão”, conforme resulta do n.º 2 do artigo 616.º do CPC.

(Sumário elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
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1. A apelante “AA”, notificada do acórdão proferido por este Tribunal, em 11-01-2024, vem, por requerimento apresentado em 18-01-2024, “requerer a reforma do acórdão para a correção de lapso manifesto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 614º, aplicável por força do que dispõe o artigo 666º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil”, concluindo em que “seja proferida decisão a reconhecer o lapso manifesto e a corrigi-lo com a alteração desse ponto da regulação e mantendo o regime de divisão do tempo letivo da Páscoa do menor de forma igual entre os dois mesmo após o dia 1 de Setembro de 2026”.
Invocou, para tanto, o seguinte:
“1º A douta sentença recorrida dispõe no seu número 10:"A partir de 1 de setembro de 2026, altura em que, previsivelmente, o menor ingressará o ensino pré-escolar, os convívios do menor com o pai ocorrerão em fins se semana alternados, entre as 18h30 de sexta-feira e as 20h30m de domingo, passando o menor com o pai ainda metade da interrupção letiva do Natal, nos termos supra referidos, sendo alargados os convívios com a figura paterna com o “CC” na interrupção letiva da Páscoa, que será passada integralmente com o progenitor, e ainda na interrupção letiva do verão, em que o menor passará com o pai um mês de férias, sendo nos anos pares no mês de julho, e nos anos ímpares no mês de agosto, podendo o menor conviver com a mãe em domingos alternados, quinzenalmente, na área de residência do pai, caso pai e filho aí se encontrem, para o que deverá a progenitora aí se deslocar. "
2º A recorrente manifestou a sua discordância em relação a tal disposição na medida em que "... está a promover o afastamento da mãe por um período de 15 dias, sem justificação e sem reconhecer à mãe igual direito, tratando-a injustificadamente de forma desigual e com idêntico prejuízo para o menor" (pág. 33, al. f).
Tal discordância foi levada às conclusões constando da alínea g) da conclusão Z11.
Do douto acórdão recorrido consta o seguinte, a pág. 109: "No que concerne aos períodos de férias de Verão, Natal, Fim de Ano e dias de aniversário dos progenitores, não se afigura que se justifique a introdução de alguma modificação no modelo de regulação preconizado na sentença recorrida.
Com efeito, no que respeita à cláusula 7 constante do dispositivo da decisão recorrida, respeitante à interrupção letiva da Páscoa, não se alcança que na mesma se determine que tal período seja passado "na totalidade com o progenitor", razão pela qual não se alcança algum tratamento desigualitário entre os progenitores"(cheio e sublinhado nossos)
E, se quanto ao n.º 7 do dispositivo da sentença recorrida isso é verdade - e por isso a recorrente não o impugnou, já o mesmo não acontece no que respeita ao número 10 do dispositivo da sentença em que se decreta que a partir de 1 de Setembro de 2026 sejam "alargados os convívios com a figura paterna com o “CC” na interrupção letiva da Páscoa, que passará integralmente com o pai"
E foi relativamente a este segmento da decisão que a recorrente rebelou por entender introduzir sem qualquer justificação um tratamento desigualitário afastando o menor do convívio materno na totalidade do período festivo da Páscoa.
A apreciação efectuada no douto acórdão enferma, por isso de erro manifesto que deverá ser corrigido pronunciando-se o Tribunal sobre o concreto ponto em discussão (n.º 10 do dispositivo da sentença recorrida).”.

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2. Notificado do referido requerimento, o apelado pronunciou-se - por requerimento apresentado nos autos em 02-02-2024 – no sentido da não admissão do pedido de reforma do acórdão, a ser mantido nos seus exatos termos.

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3. O Ministério Público apresentou, em 31-01-2024, requerimento no qual conclui pelo indeferimento do requerimento da apelante.

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4. Os autos foram remetidos a conferência e foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
Cabe apreciar e decidir:
A) Se o acórdão proferido em 11-01-2024 deve ser retificado ou objeto de reforma?

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3. Fundamentação de facto:
Mostra-se relevante para a decisão da questão enunciada a seguinte factualidade:
1) Em 11-01-2024 foi proferido, por esta 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão cujo dispositivo é do seguinte teor:
“Nos termos expostos, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar parcialmente procedentes as apelações, decidindo nos seguintes termos:
I) Considerar extinta a instância recursória referente ao recurso interposto pela requerida da decisão – datada de 15-05-2023 - que alterou o regime provisório, por impossibilidade do respetivo conhecimento;
II) Rejeitar o recurso do requerente relativo à impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC;
III) Julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão;
IV) Determinar o aditamento aos factos provados dos seguintes pontos:
“48 - Às 00:21 do dia 15/11/2022, a requerida enviou ao requerente a seguinte mensagem: "Liguei te para comunicar que o “CC” está nas urgências e o médico queria saber o registo dos últimos dias, ele está com 39 de febre, com bronquiolite e continua com otite no ouvido direito, já levou um supositório para baixar a febre e levou umas bombas por causa da parte dos pulmões”;
49 - No dia 6 de Dezembro de 2022, a creche registou que o “CC” estava com 38,4º C de febre, o que a requerida comunicou ao requerente;
50 - Ainda nesse dia e pelas 14 horas e 25 minutos, a requerida contactou a pediatra – Dra. “DD” - pondo-a ao corrente da informação recebida da creche relativamente à febre do menor e à medicação ministrada questionando-a sobre a necessidade de avaliação médica e medicação;
51 - Na sequência daquela comunicação, a pediatra informou a requerida, por e-mail e cerca das 16:34 que veria o “CC” no dia seguinte (7/12), tendo esta procedido logo à marcação da consulta para o dia 7 de Dezembro às 10 horas;
52 - A pediatra recomendou por escrito que o menor não viajasse de avião, recomendação que a requerida transmitiu ao requerente solicitando-lhe que se abstivesse de levar o “CC” de avião;
53 - A requerida, nesse mesmo dia 8, às 11 horas e 24 minutos informou o progenitor de que o filho de ambos tinha tido 38,5º de febre de manhã, que estava medicado e que, uma vez que este iria respeitar a recomendação médica não o sujeitando à viagem para a sua residência no Alentejo;
54 - No dia 9 de Dezembro a requerida perguntou se o filho tinha febre e se poderia vê-lo, tendo o requerente respondido que tinha passado bem a noite, que tinha acordado sem febre e que faria a videochamada mais tarde porque estava a dormir;
55 - No dia 10 de Dezembro a requerida contactou novamente o requerente para saber do estado de saúde do filho, tendo este perguntado se pretendia fazer videochamada, o que ela aceitou de imediato;
56 - A 14 de Dezembro de 2022, a requerida, na sequência de conselho médico do serviço de urgência de Ponta Delgada consultou o médico especialista em otorrinolaringologia - Sr. Dr. “EE” - que realizou ao “CC” timpanograma tipo B através do qual diagnosticou derrame e otopatia serosa bilateral, prescreveu medicação e reavaliação com timpanograma entre 10 e 15 dias para verificar da possibilidade do menor viajar. Facto que por mensagem deu conhecimento ao requerente;
57 - A 28 de Dezembro de 2022, após tratamento médico, o “CC” tornou a fazer novo audiograma tendo sido atestada melhoria das queixas naso-sinusais com timpanograma tipo A sem alterações naso-sinuais;
58 - Em conclusão o referido otorrino diagnosticou: “Rinofaringites de repetição com rinosinusite alérgica crónica pelo que "está proibido de viajar de avião com crise alérgica ou rinofaringite aguda pelo risco de barotraumatismo ou otopia serosa persistente, com possível surdez e eventual intervenção cirúrgica”;
V) Julgar, quanto ao mais, improcedente a impugnação da matéria de facto referente ao recurso interposto pela requerida;
VI) Na parcial procedência das apelações, determinar a alteração da redação dos pontos 3, 11 e 12 do dispositivo da decisão recorrida, que deverá passar a ser a seguinte:
“(…) 3.- O menor terá convívios com o pai duas vezes por mês, quinzenalmente, entre a quinta-feira e a segunda-feira, sendo recolhido pelo pai na creche às 15h30m de quinta-feira, e entregue na casa da mãe, na segunda-feira, até às 14h00), não podendo o pai realizar viagens aéreas com a criança entre as 23.00h e as 08.00h (considerando a hora do local onde a viagem se inicia) e, bem assim, se lhe foi apresentada pela mãe declaração da médica pediatra do menor a desaconselhar a viagem por motivos de saúde da criança (…)”;
“(…) 11. - Enquanto o menor se encontrar a residir com a mãe a mesma assegurará a realização de videochamadas do menor com o seu progenitor, as quais deverão ocorrer diariamente entre as 18h00 e as 18h30m dos Açores. Também o progenitor, nos períodos que tem o menor a seu cargo realizará entre as 18h00 e as 18h30 (dos Açores ou do continente português, em função do local onde se encontre com a criança), videochamadas com a mãe da criança. Ocorrendo situação que impeça a ligação no período assinalado (previsível ou imprevisível), deverá o progenitor com quem a criança se encontre avisar o outro progenitor, por mensagem escrita, com a indicação de novo horário no mesmo dia (…)”; e
“12. - Durante as videochamadas o menor poderá interagir não só com os progenitores, mas também com a família alargada, incluindo o companheiro da mãe e a companheira do pai, devendo a atenção da criança ser direcionada pelo progenitor presente para ao aparelho através do qual se está a fazer a comunicação”; e
VII) Manter, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Custas por ambos os progenitores, em partes iguais.
Notifique e registe”.
2) Na fundamentação do acórdão referido, na página 99 dessa decisão, consignou-se o seguinte:
“(…) No que concerne aos períodos de férias de Verão, Natal, Fim de Ano e dias de aniversário dos progenitores, não se afigura que se justifique a introdução de alguma modificação no modelo de regulação preconizado na sentença recorrida.
Com efeito, no que respeita à cláusula 7 constante do dispositivo da decisão recorrida, respeitante à interrupção letiva da Páscoa, não se alcança que na mesma se determine que tal período seja passado “na totalidade com o progenitor”, razão pela qual não se alcança algum tratamento desigualitário entre os progenitores.
Quanto ao regime de Natal e de Ano Novo, o modelo preconizado na sentença recorrida (cláusula 5 e 6) é aquele que melhor permite atender às pretensões de ambos os progenitores, com salvaguarda do superior interesse da criança, permitindo a rotação anual dos períodos e, assim também, das eventuais preferências de cada um dos progenitores, que poderão, em igualdade, adaptar as suas condições pessoais ao regime em questão.
Relativamente aos dias de aniversário dos progenitores (2 de janeiro, no caso do requerente e, 16 de agosto, no caso da requerida), afigura-se-nos que a pretensão da requerida, procurando a especificação de que, nesses dias, “são os progenitores que se deslocam ao local onde o menor estiver para passarem o dia com este”, recolhendo-o “às 10h00 do respetivo aniversário e entregam-no à mesma hora do dia seguinte”, não se justifica quanto ao aniversário da requerida (pois, a mesma passará, de acordo com o preconizado na cláusula 9 do dispositivo da decisão recorrida, sempre o seu dia de aniversário com a criança), nem quanto ao aniversário do requerido (atenta a circunstância de colidir inexoravelmente com o regime fixado para o período de Natal e de Ano Novo e caso a requerida esteja com a criança, não sendo viável o estabelecimento de outro regime especificamente para tal dia, por determinar, desde logo, a realização de duas viagens – de ida e de volta - da criança em tal data)”.
3) Os pontos 7 e 10 da decisão recorrida, proferida em 1.ª instância, têm o seguinte teor:
“(…) 7. - O menor passará metade da interrupção letiva da Páscoa com cada um dos progenitores, cabendo a primeira semana à mãe nos anos pares e ao pai nos anos ímpares, podendo o pai deslocar-se com a criança ao continente português, caso não haja indicação da médica pediatra da criança a desaconselhar a viagem por motivos de saúde.
(…) 10.- A partir de 1 de setembro de 2026, altura em que, previsivelmente, o menor ingressará o ensino pré-escolar, os convívios do menor com o pai ocorrerão em fins se semana alternados, entre as 18h30 de sexta-feira e as 20h30m de domingo, passando o menor com o pai ainda metade da interrupção letiva do Natal, nos termos supra referidos, sendo alargados os convívios com a figura paterna com o “CC” na interrupção letiva da Páscoa, que será passada integralmente com o progenitor, e ainda na interrupção letiva do verão, em que o menor passará com o pai um mês de férias, sendo nos anos pares no mês de julho, e nos anos ímpares no mês de agosto, podendo o menor conviver com a mãe em domingos alternados, quinzenalmente, na área de residência do pai, caso pai e filho aí se encontrem, para o que deverá a progenitora aí se deslocar”.
4) Consta da alínea g) da conclusão Z11 da apelação, apresentada em juízo, em 07-07-2023, pela recorrente, o seguinte:
“Z11-O regime de visitas estabelecido na sentença recorrida, prevendo o afastamento do menor da sua mãe:
(…) g) que após aquela data [1 de setembro de 2026] a interrupção lectiva da Páscoa seja passada na totalidade com o progenitor, está a promover o afastamento da mãe por um período de 15 dias, sem justificação e sem reconhecer à mãe igual direito, tratando-a injustificadamente de forma desigual e com idêntico prejuízo para o menor (…)”.

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4. Fundamentação de Direito:
Cumpre apreciar e decidir.

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A) Se o acórdão proferido em 11-01-2024 deve ser retificado ou objeto de reforma?
Dispõe o artigo 666.º do CPC – com a epígrafe “Vícios e reforma do acórdão” – o seguinte:
“1 - É aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º, mas o acórdão é ainda nulo quando for lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento.
2 - A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência”.
Os aludidos artigos 613.º a 617.º do CPC dispõem, sucessivamente, sobre a extinção do poder jurisdicional e suas limitações, retificação de erros materiais, causas de nulidade da sentença – sendo esta nula quando, não contenha a assinatura do juiz, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – , reforma da sentença e seu processamento.
A recorrente vem pugnar no sentido de que o acórdão prolatado seja retificado/reformado, por forma a que “seja proferida decisão a reconhecer o lapso manifesto e a corrigi-lo com a alteração desse ponto da regulação e mantendo o regime de divisão do tempo letivo da Pascoa do menor de forma igual entre os dois mesmo após o dia 1 de Setembro de 2026”.
Vejamos:
Com a prolação do acórdão (ou decisão individual do relator), esgota-se o poder jurisdicional – cfr. artigo 613.º do CPC - sem prejuízo das exceções atinentes à retificação de erros materiais, ao suprimento de nulidades e à reforma da sentença nos termos legalmente previstos – cfr. artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º e 616.º do CPC, ex vi, do artigo  666º, n.º 1, do mesmo Código.
A apelante requer a “a reforma do acórdão para a correção de lapso manifesto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 614º, aplicável por força do que dispõe o artigo 666º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil”.
Não se tratam, todavia, de institutos idênticos, regulando a lei diversos pressupostos para a consideração da sua aplicação.
Assim, sobre a retificação de erros materiais da sentença, importa ter presente o regime previsto no artigo 614.º do CPC:
“1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.”.
“O erro material é uma divergência entre a vontade declarada e vontade real do juiz” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009, Pº 08A2680, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-03-2015 (Pº 490/11.6TBOHP-D.C2, rel. CATARINA GONÇALVES), “o erro ou lapso que pode ser rectificado, ao abrigo do art.º 667º, nº 1, do anterior CPC – ou 614º, nº 1, do actual CPC – é apenas o erro material cuja existência pressupõe uma divergência entre a vontade real do juiz e aquilo que escreveu na sentença (o juiz escreveu coisa diversa daquela que queria escrever) e que não se confunde com o erro de julgamento (que ocorre quando o juiz disse aquilo que pretendia, mas julgou ou decidiu mal)”.
Sucede que, atenta a dificuldade em apurar se ocorreu correta ou errada vontade real do juiz, a lei apenas releva o erro material que seja “manifesto”.
Para que seja qualificado como “manifesto” o erro material deve ser apreensível externamente através do contexto da decisão, de tal forma que possa ser percebido por outrem (que não apenas pelo juiz que a proferiu) que o julgador escreveu coisa diversa da que pretendia, não se tratando de um erro de julgamento.
O objeto do erro material – erro de escrita, erro de cálculo ou inexatidão devida a omissão ou lapso manifesto (cfr. artigo 249.º do CC) - ostensivo ou manifesto não é, pois, o conteúdo do ato decisório, mas sim, a sua expressão material.
“É manifesto o erro material que se revele no contexto do teor ou estrutura da decisão, à semelhança dos “erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” pela parte, do artigo 146.º, n.º 1” (assim, Rui Pinto; Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 74).
Deste modo, “[n]ão pode ser qualificada como rectificação uma alteração da parte decisória do acórdão cuja incorreção material se não detectava da leitura do respectivo texto” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2015, Pº 706/05.6TBOER.L1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA).
Conforme sublinha Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 75), “[a]o contrário da arguição da nulidade da decisão e do pedido de reforma da decisão (cf., os referidos artigos 615º nº 4 e 616º nº 2 parte inicial), a retificabilidade de uma decisão em nada depende da admissibilidade de recurso ordinário”.
De todo o modo, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes dele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à matéria da retificação (cf. artigo 614.º, n.º 2, do CPC).
A retificação é da competência do Tribunal que proferiu a decisão que deve ser retificada.
Por seu turno, o requerimento de reforma da decisão encontra respaldo na previsão do artigo 616.º do CPC, onde se dispõe o seguinte:
“1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.”.
Conforme explica Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 92), “[a]lém da reforma quanto a custas e multas, o artigo 616º admite no seu nº 2 reforma da sentença quando por “manifesto lapso do juiz” (a) tenha “ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou (b) “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. Trata-se de fundamentos taxativos, pelo que deve ser indeferido todo o requerimento de reforma que se apoie em razões diversas daquelas”.
Os fundamentos de reforma da sentença, previstos no artigo 616.º do CPC não admitem interpretação analógica ou extensiva.
No n.º 1 do artigo 616.º do CPC, consagra-se a reforma quanto a custas e multa.
Nos termos do n.º 2 do artigo 616.º, enuncia-se a possibilidade de reforma por manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou se constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
A reforma pressupõe, como decorre do n.º 2, al. a), do art.º 616.º do CPC, que o Tribunal, por lapso manifesto, tenha errado na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.
O “manifesto lapso” a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC consiste num erro grosseiro e patente, um erro juridicamente insustentável, causado por desconhecimento ou má compreensão (“uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção, por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial)” – assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2009, Pº 08A2680, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS) do regime legal.
Conforme sublinha Rui Pinto (Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL Editora, 2020, p. 93), este “manifesto lapso” da alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, nada tem a ver com o “lapso manifesto” do artigo 614.º do mesmo Código: “já não se trata de um erro na expressão do julgamento do juiz, mas de erros nesse próprio julgamento do juiz”.
Este procedimento não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar error in judicando, mas, para invocar erro grosseiro e patente causado por desconhecimento ou má compreensão do regime legal aplicável (assim, o Acórdão do STJ de 15-01-2019, Pº 9126/10.1TBCSC.L1.S1, rel. ROQUE NOGUEIRA).
A reforma por manifesto lapso apenas é admissível, “não cabendo recurso da decisão”, conforme resulta do n.º 2 do artigo 616.º do CPC. Se tal pressuposto não se verificar, não pode ser pedida ao tribunal que deu a decisão cuja reforma se pretende: o respetivo vício terá que ser alegado como fundamento do recurso.
Revertendo estas considerações para a situação objeto do requerimento de retificação/reforma apresentado pela recorrente, assinala a requerente um erro manifesto relativamente à decisão proferida a respeito do ponto 10 do dispositivo da sentença recorrida.
Ora, conforme se disse, a omissão ou lapso manifesto apenas se dirigem à expressão material do ato decisório e, não, ao seu conteúdo.
No caso, resulta dos pontos VI e VII do dispositivo do acórdão prolatado em 11-01-2024 o seguinte:
“VI) Na parcial procedência das apelações, determinar a alteração da redação dos pontos 3, 11 e 12 do dispositivo da decisão recorrida, que deverá passar a ser a seguinte:
“(…) 3.- O menor terá convívios com o pai duas vezes por mês, quinzenalmente, entre a quinta-feira e a segunda-feira, sendo recolhido pelo pai na creche às 15h30m de quinta-feira, e entregue na casa da mãe, na segunda-feira, até às 14h00), não podendo o pai realizar viagens aéreas com a criança entre as 23.00h e as 08.00h (considerando a hora do local onde a viagem se inicia) e, bem assim, se lhe foi apresentada pela mãe declaração da médica pediatra do menor a desaconselhar a viagem por motivos de saúde da criança (…)”;
“(…) 11. - Enquanto o menor se encontrar a residir com a mãe a mesma assegurará a realização de videochamadas do menor com o seu progenitor, as quais deverão ocorrer diariamente entre as 18h00 e as 18h30m dos Açores. Também o progenitor, nos períodos que tem o menor a seu cargo realizará entre as 18h00 e as 18h30 (dos Açores ou do continente português, em função do local onde se encontre com a criança), videochamadas com a mãe da criança. Ocorrendo situação que impeça a ligação no período assinalado (previsível ou imprevisível), deverá o progenitor com quem a criança se encontre avisar o outro progenitor, por mensagem escrita, com a indicação de novo horário no mesmo dia (…)”; e
“12. - Durante as videochamadas o menor poderá interagir não só com os progenitores, mas também com a família alargada, incluindo o companheiro da mãe e a companheira do pai, devendo a atenção da criança ser direcionada pelo progenitor presente para ao aparelho através do qual se está a fazer a comunicação”; e
VII) Manter, quanto ao mais, a decisão recorrida (…)”.
Mostra-se claro e incontroverso, perante o decidido, que se determinou a alteração da redação dos pontos 3, 11 e 12 do dispositivo da decisão recorrida, proferida pela 1.ª instância, mas, no mais, manteve-se tal decisão e, logicamente, também, o decidido no ponto 10 do dispositivo de tal sentença.
Não se verifica, pois, lapso – e, muito menos, ostensivo ou patente – relativamente à decisão prolatada e exteriorizada.
As considerações expendidas pela requerente – referenciadas ao tratamento desigualitário que, em seu entender, provoca a manutenção da decisão sobre o ponto 10 do dispositivo da sentença proferido em 1.ª instância - centram-se no conteúdo do ato decisório que, como referido, se mostram fora do âmbito de aplicação do instituto da retificação da decisão, a que se refere o disposto no artigo 614.º do CPC.
Como bem refere o Ministério Público – cfr. artigo 11.º do requerimento de 31-01-2024 – “pretende a requerente uma nova apreciação do julgado, com a consequente alteração do ponto 10 mencionado, considerando os moldes em que a questão é suscitada pela requerente, o que não é, consabidamente, possível uma vez esgotado o poder jurisdicional (…)”.
Assim, não se nos afigura que exista motivo para a retificação do acórdão prolatado, dado que não se alcança algum “lapso manifesto” na decisão proferida, suscetível de retificação nos termos do artigo 614.º do CPC.
Por outra parte, não se dirigindo a alguma das situações passíveis de reforma – não se tratando de reforma quanto a custas ou multas, nem ocorrendo alguma das situações a que se reporta o n.º 2 do artigo 616.º do CPC (manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação dos factos e imposição de decisão diversa por consequência de prova documental ou outro meio de prova plena nesse sentido), não existe fundamento para a procedência da pretensão de reforma do acórdão.
A questão colocada deverá, pois, receber resposta negativa.

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A responsabilidade tributária incidirá sobre a apelante/requerente “AA”, atento o seu integral decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC e penúltima quadricula da tabela II do Regulamento das Custas Processuais.

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3. Decisão:
Nestes termos e em conformidade com o exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal coletivo desta 2.ª Secção, em conferência, em indeferir o requerimento de retificação/reforma do acórdão prolatado por este Tribunal em 11-01-2024.
Custas pela apelante/requerida.
Notifique.

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Lisboa, 22 de fevereiro de 2024.

Carlos Castelo Branco – Relator
João Miguel Mourão Vaz Gomes - 1.º Adjunto
Higina Castelo - 2.º Adjunto