Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14538/10.4TFLSB.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
SIGILO BANCÁRIO
PROVAS NULAS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I. As expressões “o arguido for absolvido” e “o processo for arquivado”, presentes no art.73, do RGCO (Dec. Lei nº433/82, de 27Out., com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº356/89, de 17Out., pelo Dec. Lei nº244/95, de 14Set., pelo Dec. Lei nº323/01, de 17Dez. e pela Lei nº109/01, de 24Dez.), abrangem todas as decisões que, não sendo interlocutórias, nem operando o reenvio do processo para a autoridade administrativa, põem efectivamente termo ao processo, conhecendo de matéria que foi objecto de impugnação judicial e constituindo a sua decisão final;
II. Em processo de contra-ordenação, é admissível recurso do despacho, proferido no decurso da audiência de julgamento para decisão da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, que conheceu de uma nulidade suscitada por um dos recorrentes e determinou o arquivamento dos autos, por considerar prejudicado o conhecimento de todas as demais questões;
III. Não rejeitando o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa e marcando data para audiência de discussão e julgamento, o Mmo. Juiz quis significar que considerava necessária a realização de audiência para decisão do caso, inclusive para conhecimento da nulidade/proibição da prova invocada logo no requerimento de impugnação;
IV. Entendendo o Mmo. Juiz, no decurso da audiência, que a prova entretanto já produzida, permitia decidir com segurança a nulidade invocada e que esta prejudicava o conhecimento de todas as demais questões, anunciando esse conhecimento e concedendo prazo aos intervenientes processuais para se pronunciarem sobre ela, não tendo os sujeitos processuais manifestado oposição, nada impedia que proferisse de seguida despacho, sem necessidade de prosseguimento da audiência para inquirição (inútil, na perspectiva do julgador), das restantes testemunhas arroladas, sem pertinência com aquela questão;
V. Configurando-se aquele despacho como a decisão final do processo, tendo dependido da apreciação de prova documental e pessoal para fixação dos pressupostos de facto da própria decisão, impõem-se-lhe indeclináveis exigências de fundamentação, semelhantes às exigidas para a sentença, por forma a permitir ao tribunal superior sindicar as razões da decisão;
VI. A doutrina dos “frutos da árvore venenosa”, não tem o sentido de um forçoso e inevitável “efeito dominó” que arraste, forçosamente, em cascata, todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas, antes abrindo um amplo espaço à ponderação das situações concretas, não conduzindo necessariamente à invalidação de todas as provas posteriores à prova ilegal;
VII. Assumindo a decisão recorrida que as denúncias e documentos anexos constituíram a “prova primária” nula, todas as demais provas não podiam ser “anuladas” indiscriminadamente, sem que a fosse ponderada “prova” a “prova”, analisando a conexão de sentido existente entre cada prova e a dita “prova primária”;
VIII. Mesmo admitindo que os documentos, com base nos quais a autoridade administrativa iniciou o processo, tenham chegado à mão de quem os enviou a essa autoridade, por força de um acto ilícito de outrem, tal não impedia a autoridade administrativa de desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo por contra-ordenação, não se confundindo o acto de denunciar e a transmissão de meios de prova;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I – Relatório
1. No âmbito do processo de contra-ordenação n.º 24/07/CO, o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou nos seguintes termos:
«(…)
1. Condenar o arguido Banco ..., S.A.
§ no pagamento de uma coima no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros),
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva,
pela prática de três contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e seis contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
2. Condenar o arguido A...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros);
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva;
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de nove anos.
pela prática de três contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e seis contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
3. Condenar o arguido B...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva;
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de nove anos;
pela prática de três contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e seis contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
4. Condenar o arguido C...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 875.000,00 (oitocentos e setenta e cinco mil euros);
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva;
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de nove anos;
pela prática de três contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e seis contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
5. Condenar o arguido D...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros);
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva;
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de sete anos;
pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e quatro contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
6. Condenar o arguido G...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros);
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de três anos;
pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e quatro contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
7. Condenar o arguido E...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil euros);
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de quatro anos;
pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e quatro contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
8. Condenar o arguido H...
§ no pagamento de uma coima no valor de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros);
§ na sanção acessória de publicação da punição definitiva;
§ na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, por um período de cinco anos;
pela prática de três contra-ordenações previstas e punidas na alínea r) do artigo 211º e seis contra-ordenações previstas e punidas na alínea g) do artigo 211º, ambos os artigos do RGICSF.
9. Condenar cada um dos arguidos referidos nos anteriores nºs 1. a 8. – à luz do disposto no artigo 224º do RGICSF – no pagamento das seguintes custas processuais:
a) Banco ..., S.A.  
€ 1.165,88 (mil cento e sessenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos).
b) A...
€ 1.121,60 (mil cento e vinte e um euros e sessenta cêntimos).
c) B...
€ 1.097,00 (mil e noventa e sete euros).
d) C...
€ 1.141,28 (mil cento e quarenta e um euros e vinte e oito cêntimos).
e) D...
€ 1.151,12 (mil cento e cinquenta e um euros e doze cêntimos).
f) G...
€ 1.109,30 (mil cento e nove euros e trinta cêntimos).
g) E...
€ 1.128,98 (mil cento e vinte e oito euros e noventa e oito cêntimos).
h) H...
€ 1.079,78 (mil e setenta e nove euros e setenta e oito cêntimos).

10. Não condenar os arguidos I... e J... pela prática das infracções que lhes foram imputadas na Acusação deduzida nos presentes autos, determinando-se o arquivamento do processo na parte a eles respeitante.
No caso particular de I..., o qual exerceu o cargo de Presidente do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A. entre Março de 2005 e Agosto de 2007, poderá presumir-se que o mesmo teve conhecimento, nesse período, dos factos em causa no presente processo, não os tendo reportado, mas não tendo tal conhecimento resultado provado nos autos, não se afigura adequada a aplicação de uma sanção, na base de uma mera presunção.

11. Indeferir os pedidos apresentados pelos arguidos D..., E..., B..., I... e A..., referidos no ponto 17. da Parte IV do Relatório Final que integra o Anexo I, por não se verificar a nulidade da Acusação arguida pelos mesmos, atentos os fundamentos enunciados nos pontos 1. e 2. da Parte VI daquele Relatório.
(…)»

2. Inconformados, os arguidos condenados deduziram impugnação judicial da decisão administrativa.

3. No decurso da audiência de julgamento, o M.mo Juiz proferiu o seguinte despacho (transcrição):
 No requerimento de impugnação judicial que apresentou, veio o recorrente D... arguir a nulidade da prova que deu início ao presente processo, bem como a transmissão desse vício aos actos dela dependentes – fase de investigação, acusação, decisão administrativa condenatória, i.e. a todo o processo. Encontra o fundamento de tal invalidade na circunstância de o presente processo ter tido origem numa denúncia que F... fez chegar ao Banco de Portugal, contendo um conjunto de informação e documentação abrangida pelo dever de segredo bancário. Tais elementos apenas poderiam ter sido fornecidos ao denunciante com conhecimento dos dados reservados, cobertos pelo sigilo bancário e, por isso, apenas cognoscíveis no processo mediante (i) o consentimento dos titulares das contas; (ii) pedido da autoridade de supervisão; ou (iii) despacho judicial.
Por não se encontrar nos autos qualquer evidência de ter ocorrido uma das circunstâncias acima referidas, impõe-se, segundo o recorrente, a conclusão de que a instauração do presente processo contra-ordenacional foi efectuada a partir de prova obtida ilegalmente, pelo que a génese do processo assenta em método proibido, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 8 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do art.º 126.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO).
Continua o recorrente, alegando que sendo crime a violação de segredo e tendo as investigações sido iniciadas com base no crime praticado e na prova ilícita e proibida, a decisão de instauração do processo e as diligências de inquérito que se lhe seguiram estão igualmente inquinadas, uma vez que a violação do dever de sigilo e a obtenção da prova através de um método proibido origina o chamado efeito à distância, que impede a valoração das provas dependentes da prova proibida, bem como o efeito continuado, que impede a sanação do vício da proibição pela repetição, segundo os trâmites legais, do procedimento que originou a proibição. Isto impõe, ainda de acordo com o mesmo arguido, que não se poderá basear naquele acervo probatório qualquer posterior investigação ou decisão válida, pois a mesma está "envenenada" pela invalidade dos elementos que deram origem ao procedimento contra-ordenacional, pelo menos, no que ao presente processo e aos arguidos respeita.
O Ministério Público, o Banco de Portugal e os arguidos pronunciaram-se conforme consta de fls. 11254 e seg.

Da Oportunidade da Apreciação da Invalidade Arguida
De acordo com o disposto no art.º 138.º do CPP, logo no início da audiência de julgamento, o Tribunal deverá apreciar e decidir das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e que possa desde logo conhecer. Bem se compreende que assim seja, pois evitar-se-á deste modo a prática de actos que poderiam vir a ser declarados inválidos caso se verifique alguma nulidade ou questão prévia que provoque esse efeito.
No final do julgamento, quando elabora a sentença, nos termos do art.º 368.º, n.º 1 do CPP, o Tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão.
Posto isto, podemos dizer que se o processo contiver já todos os elementos necessários à apreciação da nulidade, deverá proferir decisão logo no início do julgamento, mas, se assim não for, pode ainda fazê-lo na sentença.
Com este enquadramento, o legislador pretendeu impor ao Tribunal a apreciação das nulidades no momento processual mais precoce possível, a fim de estabilizar a instância e evitar a prática de actos inúteis, ou seja, a prática de actos que fatalmente viriam a ser considerados inválidos por arrastamento.
Dentro desta lógica de economia processual, fica aberta a possibilidade de o Tribunal que não tenha apreciado uma nulidade no início do julgamento, venha a fazê-lo, sem ter de esperar pela sentença, a partir do momento em que os autos contiverem já os elementos necessários à apreciação da questão adjectiva.
A nulidade em causa não foi apreciada no início do julgamento, por ainda não constarem dos autos todos os elementos necessários.
Com efeito, os originais das denúncias feitas por F... nem sequer constavam do processo, sendo que apenas estavam fotocópias nos autos, no Volume 18.º, a fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687, as quais foram juntas, a requerimento do arguido, muito depois de o processo se ter iniciado. É que, ao contrário do que é habitual em qualquer processo de natureza criminal ou contra-ordenacional, nestes autos instruídos pelo Banco de Portugal as denúncias não se encontravam no início do processo. Ao invés, a encetar os autos está a "Nota Informativa" n.º 3131/07, de 26-12-2007, a qual, estranhamente, não faz qualquer referência à fonte da informação, pois começa assim: "Tendo chegado ao conhecimento do Banco de Portugal que o BANCO ..., S.A. estaria, ou teria estado, a utilizar 17 sociedades domiciliadas em centros offshore, cuja denominação foi também revelada, para a realização de operações do próprio banco, foi decidido proceder a averiguações junto do mesmo para esclarecer a natureza do envolvimento do banco com essas sociedades e avaliar os potenciais efeitos legais e prudenciais daí decorrentes. Nesta nota apresenta-se uma síntese do que foi apurado até à data."
Uma vez que os autos ainda não continham os elementos imprescindíveis à apreciação da invalidade das denúncias, o julgamento começou, mas cedo tomou o rumo no sentido de que a fonte não identificada naquela nota informativa era, pelo menos de forma imediata, a(s) denúncia(s) apresentada(s) por F....
Para além da prova documental e pericial que entretanto foi junta já no decurso do julgamento, foram ouvidas as declarações dos arguidos que as quiseram prestar no início da audiência, bem como foram inquiridas apenas 16 das 138 testemunhas arroladas, mais uma (F...), cujo depoimento foi determinado pelo juiz que preside a este julgamento.
Neste momento, os autos já contêm o acervo, designadamente documental, necessário à apreciação da nulidade invocada.
Não se nos afigura necessário produzir mais prova, designadamente a sugerida pelo Sr. Procurador da República, a fls. 11257, ou seja, a inquirição da testemunha T4... que, ao tempo, desempenhava relevantes funções no Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal. Com efeito, e como veremos em pormenor mais à frente, sobre a relevância que as denúncias de F... tiveram para este processo foram tidos em conta os depoimentos de um Vice-Governador (Dr. L...); do director do Departamento de Supervisão Bancária (Dr. T2...); e do coordenar de "supervisão directa" e encarregado do grupo BANCO ..., S.A. desde o ano de 2002 (Dr. T3...). Para além dessa prova testemunhal, foram também ponderadas as declarações do então Governador do Banco de Portugal, Dr. M..., prestadas perante uma Comissão Parlamentar. Tais elementos probatórios são congruentes entre si e provêm das pessoas com as mais altas responsabilidades dentro do BdP, razão por que não se divisa qualquer necessidade de ouvir todos, ou mais, funcionários que exerciam funções naquela instituição.
Assim, de acordo com o princípio da economia processual, a fim de evitar a prática de actos inúteis, designadamente a inquirição das 122 testemunhas que estão arroladas e ainda não prestaram depoimento, passamos desde já a apreciar a nulidade arguida pelo recorrente D….

Da Violação do Dever de Segredo Bancário
A primeira questão a resolver é a de saber se as informações contidas nas denúncias assinadas por F... (fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687) e os documentos que as acompanharam (fls. 4674 a 4679 e 4700) implicam ou não a violação do dever de segredo bancário.
O enquadramento jurídico necessário para apreciar a questão é o que analisaremos de seguida.
À data em que as denúncias foram feitas e o processo se iniciou, os art.os 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante designado RGICSF), tinham a seguinte redacção:

Artigo 78.º
Dever de segredo
            1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
            2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
            3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.


Artigo 79.º[1]
Excepções ao dever de segredo



1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.


A actual redacção destes artigos é a seguinte:

Artigo 78.º[2]
Dever de segredo
1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 . O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
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Artigo 79.º[3]
Excepções ao dever de segredo
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
3 – É criada no Banco de Portugal uma base de dados de contas bancárias existentes no sistema bancário na qual constam os titulares de todas as contas, seguindo-se para o efeito o seguinte procedimento:
            a) No prazo de três meses a contar da entrada em vigor da presente norma todas as entidades autorizadas a abrir contas bancárias seja de que tipo for enviam ao Banco de Portugal a identificação das respectivas contas e respectivos titulares, bem como das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, indicando ainda a data da respectiva abertura;
            b) Enviam, ainda, ao Banco de Portugal informações sobre a posterior abertura ou encerramento de contas, indicando o respectivo número, a identificação dos seus titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, a data de abertura ou do encerramento, o que deverá ocorrer mensalmente e até ao dia 15 de cada mês com referência ao mês anterior;
            c) O Banco de Portugal adopta as medidas necessárias para assegurar o acesso reservado a esta base, sendo a informação nela referida apenas respeitante à identificação do número da conta, da respectiva entidade bancária, da data da sua abertura, dos respectivos titulares e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, e da data do seu encerramento, e apenas podendo ser transmitida às entidades referidas na alínea d) do n." 2 do presente artigo, no âmbito de um processo penal.


As alterações sofridas por estes dois artigos não contendem com o caso aqui em apreciação, pelo que aplicaremos, sem reservas, as redacções em vigor à data dos factos relevantes.

Por outro lado, importa também ter presente que a violação do dever de segredo consubstancia a prática do crime específico próprio previsto e punível pelo art.º 195.º do Código Penal:


Artigo 195.º
Violação de segredo



Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.


Este crime tem natureza semipública (v. art.º 198.º do C.P.), sendo certo que o Banco ..., S.A. apresentou queixa, conforme se retira do despacho de arquivamento proferido no Proc. n.º .../07.0 TDLSB, que correu termos no DIAP de Lisboa, e cuja cópia foi junta a estes autos já no decurso do presente julgamento – ver fls. 10109 a 10133 e, em especial, 2.º e 3.º parágrafos de fls. 10110, bem como 6.º, 7.º, 8.º e 9.º parágrafos de fls. 10122.

As denúncias têm o teor de fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687, que aqui damos por reproduzidas, e os documentos anexos às mesmas são, de facto, cópias de documentos internos do BANCO ..., S.A. relativos a operações de crédito a clientes; a missivas dirigidas por beneficial owners à sociedade cliente do banco; procurações assinadas por administradores do BANCO ..., S.A. conferindo poderes a funcionários do banco para celebrarem contratos ou para agirem enquanto representantes do banco que, por sua vez, havia sido mandatado pelas sociedades suas clientes.
Analisados os respectivos teores, não nos restam dúvidas de que as denúncias contêm informações sobre factos e as cópias dos documentos constituem elementos respeitantes à vida da instituição e à relação desta com os seus clientes.
Trata-se, pois, inequivocamente, de documentos sujeitos a segredo bancário.
Por outro lado, tal como ficou claro para o Magistrado do Ministério Público que subscreveu o despacho no Proc. n.º .../07.0 TDLSB, também é para nós cristalino que só um funcionário ou administrador do BANCO ..., S.A. – ou algum auditor externo, mas também vinculado ao segredo – poderia ter acesso em primeira-mão a estes documentos.
Com efeito, das declarações seguras, sinceras e que reputamos de credíveis prestadas pelo recorrente D... – o qual era Presidente do Conselho de Administração Executivo à data das denúncias – qualquer destes documentos apenas estava acessível a pessoas que exerciam profissionalmente as suas funções no BANCO ..., S.A..
Aliás, tratando-se de documentos que pertenciam a vários departamentos do banco, muito provavelmente o acesso privilegiado a eles só seria possível para um grupo restrito de membros da alta direcção.
Acresce que os autos não evidenciam que tenha ocorrido alguma das excepções previstas no art.º 79.º do RGICSF, ou seja, designadamente, que tenha havido autorização de divulgação por parte de algum cliente do banco.
Por outro lado, quem estava na posse de tais documentos, em virtude das funções que exercia ou havia exercido, optou – por razões que se advinham e que provavelmente estariam relacionadas com as lutas pelo poder na instituição, mas que não foi possível apurar nestes autos – por entregá-los ao Sr. F..., e não à autoridade de supervisão da actividade bancária, neste caso, ao Banco de Portugal. Esta opção tomada pelo indivíduo não identificado, impede a verificação da excepção prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 79.º do RGICSF.
Das diligências feitas, quer no referido inquérito, quer já no âmbito dos presentes autos, não foi possível apurar a identidade do indivíduo que fez sair as informações e documentos da esfera do BANCO ..., S.A.. Com efeito, a testemunha F... afirmou que desconhecia quem lhe fornecera as cópias que anexou às denúncias. Diz tê-las recebido em envelopes brancos, sem remetente identificado e desacompanhadas de qualquer missiva ou explicação. Ora, apesar de a testemunha F... dizer que os documentos lhe chegaram anonimamente, o facto é que as denúncias, em especial a segunda, contêm muito mais informações para além das que se poderiam razoavelmente retirar dos documentos. Tais informações também teriam necessariamente de provir do interior do banco, pelo que ou existiam mais documentos que não foram juntos às denúncias (facto que a testemunha F... se mostrou incapaz de confirmar) ou foram transmitidas à referida testemunha por algum modo que não se nos afigura legítimo, uma vez que o destinatário imediato da informação não era uma autoridade de supervisão ou o Ministério Público.
Deste modo, a transmissão das referidas informações e documentos ficou sem paternidade conhecida. No entanto, como já vimos, tal fuga de informação e documentos teve necessariamente origem em alguém que fazia parte do círculo de autores previsto no art.º 195.º do Código Penal, ou seja, alguém que estava vinculado ao sigilo bancário.
Importa, ainda, deixar claro (para que não se confunda) que a violação do dever de segredo não se dá no momento em que F... apresenta as denúncias ao BdP[4], mas sim em momento anterior. Como é óbvio, o ilícito existente a montante não é apagado no momento em que as denúncias são entregues no BdP, pelo simples facto de as revelações ao supervisor poderem ser feitas ao abrigo da cláusula de salvaguarda prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 79.º do RGICSF. Mas esta é matéria que importa tratar não no plano da existência da violação do segredo – o qual existe, inequivocamente –, mas sim no plano dos efeitos processuais provocados por esse ilícito. Essa é uma questão que desenvolveremos mais à frente, designadamente, quando tratarmos do círculo de sujeitos activos dos métodos proibidos de prova.

O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses[5].
Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.
Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no
direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da CRP[6].

            Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário, como é o caso do interesse comunitário na realização da justiça.

Contudo, tal cedência – que se traduz numa contracção desse direito – tem de ser feita pela via legal. Não pode ser fruto de manobras enviesadas, levadas a cabo por sujeitos que, a coberto do anonimato, cometem crimes (de violação de segredo) para satisfazerem pretensões que, só a título co-lateral, poderiam atingir a almejada realização da justiça.
Daí que a lei preveja, de forma precisa e restrita, os casos em que esse direito de reserva se deve contrair a fim de permitir a realização de outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos. É o caso do art.º 79.º do RGICSF, o qual prevê, precisamente, as excepções ao dever de segredo[7].
Ora, quem, dentro do BANCO ..., S.A., violou o segredo bancário, não pretendeu alcançar um direito ou um interesse legítimo, pois se assim fosse, teria enviado (mesmo anonimamente) as informações e documentos (que integram as denúncias em causa) ao Banco de Portugal, em vez de as entregar a F..., para mais sabendo-se, como se sabe, da relação privilegiada que este tem com os meios de comunicação social.

Ora, como se dizia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-02-2011, in CJ do STJ, ano XIX, t. 1, pp. 196 a 203, doutamente relatado pelo Sr. Conselheiro Santos Cabral, (referindo-se directamente às fontes dos jornalistas, mas aqui aplicável mutatis mutandis), as fontes são pessoas, são grupos, são instituições sociais, ou são vestígios – discursos, documentos, dados – por aqueles deixados ou construídos. As fontes remetem para posições e relações sociais, para interesses e pontos de vista, para quadros espácio-temporalmente situados. Em suma, as fontes são interessadas, quer dizer, implicadas em tácticas e estratégias determinadas. E se há notícias isso deve-se, em grande medida, ao facto de haver quem queira que certos factos sejam tornados públicos.
Acresce que todas as fontes têm sempre um objectivo. Neste acórdão elencam-se quais são os habituais. Assim, as fontes visam: a visibilidade e atenção dos media; a marcação da agenda pública e a imposição de certos temas como foco da atenção colectiva; a angariação de apoio ou adesão a ideias ou a produtos e serviços; a prevenção ou reparação de prejuízos e malefícios; a criação de uma imagem pública positiva; ou, como estamos convencidos que foi o caso, a neutralização de interesses de concorrentes ou adversários.
A fonte anónima deste processo não visava a realização da justiça.
Por conseguinte, não cabe nos casos em que se justifica a contracção do direito constitucional que se pretende salvaguardar com o segredo bancário.
Logo, as provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias de 28-11-2007 (original a fls. 10928 e 10929) e de 11-12-2007 (cópia a fls. 4680 a 4687) e nos respectivos documentos anexos (fls. 10930 a 10935 e 4688 a 4700) são provas nulas e não podem ser usadas em processo contra-ordenacional, por força do disposto no n.º 8 do art.º 32.º da CRP e do art.º 126.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO.

Da génese do presente processo de contra-ordenação
De seguida, importa saber se as denúncias em causa estiveram, ou não, na génese do presente processo cujo objecto é constituído por contra-ordenações imputadas aos recorrentes pelo Banco de Portugal.
Em primeiro lugar, vejamos se estamos perante verdadeiras denúncias, isto porque o Banco de Portugal tem vindo ao longo do presente processo a mudar de opinião sobre a forma como classificar a “carta” de F... com data de 28-11-2007. Assim, a 13 de Maio de 2009, os técnicos instrutores do processo referiam-se, sem quaisquer reticências, à “denúncia apresentada pelo Sr. F... no Banco de Portugal (com a aposição do registo de entrada) na parte referente aos factos relacionados com a matéria discutida no presente processo de contra-ordenação;” – veja-se fls. 4671, volume XVIII. Mais tarde, em 4 de Julho de 2011, no requerimento em que por ordem deste tribunal juntou o original dessa denúncia de 28-11-2007 (entrada no BdP no dia 30-11-2007), o Banco de Portugal já vem “deixar expresso que procede à junção daquele elemento sob protesto de, oportunamente e caso tal se afigure necessário, vir a exercer o seu direito de impugnar a qualificação jurídica daquela carta como «denúncia»…” (vide fls. 10927 e 10938). Ou seja, o BdP pretenderá impugnar a qualificação jurídica que o próprio BdP havia dado àquela carta.
As missivas assinadas por F... contêm matéria susceptível de assumir relevância contra-ordenacional da competência do Banco de Portugal. Deste modo, sendo elas portadoras de uma notícia com tal teor, não podemos deixar de classificá-las como denúncias.
As denúncias em ambiente contra-ordenacional vêm reguladas no art.º 54.º, n.º 1 do RGCO e, subsidiariamente, nos artigos 241.º, 244.º e 246.º do CPP.
Os processos de contra-ordenação, tal como os criminais, estão sujeitos ao princípio da legalidade (por contraponto ao da oportunidade) e iniciam-se oficiosamente mediante, por exemplo, uma denúncia particular – vide art.os 43.º e 54.º do RGCO.
Deste modo, os originais das denúncias não poderiam deixar de integrar os autos, logo no início.
Não se compreende – pelo menos não vem explicada – a razão pela qual neste processo as denúncias só surgem no volume XVIII e, num primeiro momento, apenas em fotocópia.
Mais estranho se torna quando chegamos à conclusão inequívoca de que foram as denúncias de F... que deram origem a este processo.
Por exemplo, o Dr. T2..., à data Director do Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal, disse em sede de audiência de julgamento que não se recordava do exacto momento em que teve conhecimento da denúncia de F..., a qual esteve, segundo também disse, na génese deste processo. Lembra-se, isso sim, que no âmbito da “supervisão directa” foi realizada de imediato uma inspecção ao BANCO ..., S.A. a fim de tentar, numa primeira análise (numa averiguação preliminar) apurar se aquela denúncia tinha algum fundo de verdade.
Por seu turno, o Dr. T3... (economista; trabalha no BdP desde 1979, sendo, a partir de 1994, coordenador de “supervisão directa” e desde o Verão de 2002 encarregado do Grupo BANCO ..., S.A.) admitiu ser o autor da nota informativa que enceta os autos, a fls. 6 a 10, a qual terá sido escrita nos dias 16, 17 ou 18 de Dezembro de 2007. Não sabe precisar a data em que a escreveu, mas diz que foi seguramente na segunda quinzena desse último mês de 2007. Referiu também em audiência de julgamento que a base probatória dessa nota informativa resultou da documentação obtida junto do BANCO ..., S.A. já depois de recebidas as denúncias, e na sequência delas. Com efeito, quando tomou conhecimento das denúncias de F... em finais de Novembro de 2007, ficou decidido no âmbito do Departamento de Supervisão Bancária que importava fazer averiguações a fim de apurar da sustentação de tais denúncias, desde logo, para efeitos prudenciais, de supervisão directa. Nessa sequência, nos primeiros dias do mês de Dezembro de 2007, o BdP solicitou diversos elementos e documentação ao BANCO ..., S.A., que forneceu cerca de dezassete pastas com documentos. A testemunha T3... e outros técnicos que trabalhavam consigo também se deslocaram às instalações do BANCO ..., S.A.. Como o acervo de documentação recebida pelo BdP (fornecida pela BANCO ..., S.A. a pedido do supervisor) era muito vasto, teve uma reunião com o Dr. N... do BANCO ..., S.A. talvez entre o dia 18 e o dia 20 de Dezembro de 2007, para que este lhe pudesse dar uma visão de conjunto sobre tais elementos. No decurso da audiência de julgamento, foram exibidos à testemunha T3... os anexos I, II, III e IV (todos, e os únicos, autuados em 27-12-2007), tendo sido perguntado se a documentação existente nesses apensos correspondia aos elementos fornecidos pelo BANCO ..., S.A., em Dezembro/2007, ao BdP, a pedido deste. A testemunha não conseguiu asseverar que sim, mas lembra-se de que era “documentação deste tipo”. Refere ainda que, de toda a documentação recebida em Dezembro de 2007, o que mais o marcou foram as cartas dos três UBO, sem data, sendo que a fls. 91 do Anexo I se pode encontrar uma cópia da carta assinada por O....
Compulsados os autos, também se constata facilmente que ao longo dos anos em que decorreram os factos com relevância para o objecto deste processo, o Banco de Portugal realizou acções inspectivas, as quais versaram inclusive sobre a concessão de crédito a sociedades sediadas em centros offshore, para além de toda a actividade de supervisão que esteve sempre atenta à actuação do banco, e nunca foi instaurado qualquer processo por contra-ordenação sobre esta matéria. Como os próprios responsáveis pela supervisão directa ao BANCO ..., S.A. admitem – e foi também corroborado pela testemunha Dr. L..., o qual foi Vice-Governador do BdP –, foram as denúncias que desencadearam as averiguações e a instauração deste processo de contra-ordenação.
Ou seja, as denúncias de F..., que têm na sua origem a prática de um crime, foram a condição sem a qual não existiria este processo.
Este elo genético entre as denúncias e o processo foi, aliás, revelado pelo próprio, então, Governador do Banco de Portugal, Dr. M..., nas declarações que prestou no dia 10 de Julho de 2008 perante a Comissão de Inquérito Parlamentar ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais, as quais se encontram transcritas a fls. 4701 e 4783 destes autos. Depois de explicar as inspecções ao BANCO ..., S.A. em 2001 e 2003, bem como toda a actividade de supervisão do BdP relacionada especificamente com a concessão de crédito a veículos sediados em centros offshore, os quais compraram acções do BANCO ..., S.A., e na sequência de uma interpelação do Sr. Deputado Dr. P..., sobre os 17 veículos, o Dr. M... disse o seguinte: «Não, não! Os 17 é que não estavam identificados em todo este período; esses 17 são novos, só foram identificados no ano passado, quando numa carta denúncia que nós recebemos com pormenores em 11 de Dezembro do ano passado, 2007, é que se ficou a conhecer a existência e, até, um esboço da actividade desses 17 veículos – o que desencadeou imediatamente, a actuação e, em 26 de Dezembro abrimos um processo global de contra-ordenação a toda a actividade e, enfim, a tudo o que envolve esses 17 veículos, que, esses sim, deram consequências financeiras significativas para a instituição e, portanto, que não estavam registadas em lado algum.» (sublinhado nosso).
Mais uma vez não podemos deixar de assinalar a diferença entre o que o Sr. Governador dizia e o que estava espelhado no processo, o qual, à data em que estas declarações foram proferidas, ainda nem sequer continha as fotocópias das denúncias, apesar de terem sido elas que, nas palavras do Sr. Governador, desencadearam imediatamente a actuação e a abertura de um processo de contra-ordenação.
Isto para concluir que as denúncias – as quais, como já vimos, têm origem ilícita, por decorrerem de uma clara violação do dever de segredo bancário e são, por isso, nulas – estiveram na génese deste processo.

Da Consequência da Nulidade das Denúncias
Posto que este processo sofre de uma malformação genética, importa apurar qual a consequência desse vício para todo o processado subsequente.
Esta apreciação é imposta pelo art.º 122.º do CPP que, num comando dirigido ao juiz, determina que este, ao declarar uma nulidade, deixe consignado quais os actos afectados por ela e quais os que ainda podem ser salvos do efeito daquela.
É que, conforme se preceitua no n.º 1 do referido artigo, «as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.»
Vejamos, então.
Entre a tarefa que compete ao Estado de perseguição de um crime ou de uma contra-ordenação e o próprio crime ou contra-ordenação, deverá existir uma clara diferença ética que é encurtada cada vez que assistimos à violação de uma proibição de prova[8].
Ora, a circunstância de o ilícito cometido na obtenção das informações e documentos que originaram o presente processo não ter sido praticado pelas autoridades (v.g. Banco de Portugal), mas sim por um particular não identificado, o qual não está vinculado às regras do procedimento contra-ordenacional, não poderá permitir a sanação do vício inerente àquelas provas. Isso seria deixar entrar pela janela, aquilo que se impediu de entrar pela porta acabada de fechar.
Por isso mesmo, «os sujeitos activos dos métodos proibidos de prova não são apenas os agentes do Estado e os particulares que agem sob a sua orientação, mas também quaisquer particulares.» - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª Ed., 2009, p. 318 e, no mesmo sentido, Costa Andrade, "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", Coimbra Editora, 1992, pp. 197, 212 e 213.
Estamos, pois, no campo da proibição de valoração de provas proibidas, a qual é a melhor maneira que o legislador tem de prevenir a tentação de obtenção de provas a qualquer preço por parte das instâncias formais de controlo.
O estado deve agir com superioridade ética e deve ter as mãos limpas quando assume a veste de promotor tanto da justiça penal, como contra-ordenacional.
O clima actual de “pânico moral”, em face das sucessivas e calamitosas crises financeiras, pode criar o perigo de colonização da política criminal por lastros de irracionalidade que levariam inapelavelmente ao esbatimento da distinção entre os que prevaricam e o Estado que os persegue.
Esta maré que arrasta a opinião pública não pode abalar os fundamentos da casa da justiça, sob pena de aqueles que se vêem perseguidos pelas autoridades do Estado ficarem desprotegidos, sem direitos, à mercê da mão que segura a espada, sem ter a balança na outra.
O órgão de soberania a quem a Constituição atribui o poder de administrar a justiça em nome do povo, não pode servir para carimbar decisões condenatórias das autoridades administrativas, tem, antes de mais, que fazê-las passar pelo crivo da Lei. Aliás, o que salva o processo contra-ordenacional da inconstitucionalidade é, precisamente, a possibilidade de um qualquer cidadão que se veja condenado por uma autoridade administrativa, como é o caso do Banco de Portugal, poder recorrer para um órgão de soberania, independente e imparcial.
Voltando ao caso concreto que nos ocupa, seguiremos de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, relatado pelo Sr. Conselheiro, Dr. Armindo Monteiro, e disponível no site www.dgsi.pt.
O art.º 122.º do CPP traduz um afloramento do problema denominado de efeito à distância, ou seja, quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração dos meios secundários de prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova.
Uma longa evolução jurisprudencial – particularmente nos Estados Unidos da América – e de que dá conta o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24-03-2004, publicado no DR, II série, de 02-06-2004, exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projecta, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore envenenada, reconduzindo-os a três hipóteses que o espartilham:
- a chamada limitação da fonte independente;
- a limitação da descoberta inevitável; e
- a limitação da mácula ou nódoa dissipada.
«A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido, ou seja, quando a ilegalidade não foi ‘conditio sine qua’ da descoberta de novos factos.
O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da ‘árvore envenenada’ tem lugar quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado[9].
A terceira limitação da ‘mácula dissipada’ (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.»[10]
Quanto à primeira limitação verifica-se que, claramente, não existe. Como já vimos, as denúncias foram a condição sem a qual não existiria este processo de contra-ordenação, como referiu, sem margem para dúvidas, o então Governador do Banco de Portugal na transcrição que tivemos oportunidade de fazer atrás. Todas as provas obtidas posteriormente, mesmo as que se referem a documentos que anteriormente já estavam na posse do Banco de Portugal, só foram obtidas, umas, ou carreadas para o processo, outras, por causa das denúncias, e nunca o seriam se estas não tivessem ocorrido. Mesmo as notícias que sobre o objecto dos autos foram sendo publicadas, só surgem depois da primeira denúncia ter sido apresentada no Banco de Portugal – v. Jornal "E...", de ...-...-2007, invocado na resposta do BdP, a fls. 11342. Todas as notícias anteriores, versavam temas diversos dos que constituem o objecto do presente processo, pelo que nem se entende o motivo pelo qual foi junto, a fls. 11353, pelo BdP, um comunicado conjunto desta instituição e da CMVM, datado de 19-10-2007 e relativo às notícias sobre as operações realizadas pelo Banco ..., S.A., mas que não respeita certamente às operações objecto destes autos, mas sim a outras – veja-se, por exemplo, o caso dos créditos a um grupo de empresas de que era sócio o filho de um dos recorrentes neste processo e que, esse sim, foi notícia em Outubro de 2007, tendo também levado à primeira queixa por parte do BANCO ..., S.A., por violação de sigilo, e que culminou no já referido despacho proferido no Proc. n.º .../07.0 TDLSB, que correu termos no DIAP de Lisboa.
Também não se verifica o obstáculo da descoberta inevitável. Não está de forma alguma demonstrado, nem nos parece demonstrável, que outra actividade investigatória ocorreria nesta concreta situação. Com efeito, os factos remontam, alguns, a 1998, e prolongam-se por quase uma década, sem que a constante supervisão do Banco de Portugal, que também acompanha os resultados das auditorias internas e externas do banco, tivesse sequer instaurado um processo contra-ordenacional por estes factos antes das denúncias. Não há nada que indicie, muito menos que demonstre (como se exige nesta limitação), a possibilidade de ocorrer outra actividade investigatória que conduzisse às alegadas descobertas feitas durante este processo.
Em terceiro lugar, diga-se que também não se vislumbra de que forma é que a mácula inicial possa ter sido dissipada. Prova disso é a inexistência de explicação para o facto de as denúncias só surgirem no processo mais de um ano depois de o procedimento contra-ordenacional ter sido instaurado. Ou seja, se existisse uma verdadeira autonomia das provas subsequentes, os instrutores do processo não teriam tido quaisquer problemas em juntar as denúncias motu proprio, sem necessidade de requerimento por parte do arguido.
Esta relação entre denúncias e as provas obtidas durante o processo de contra-ordenação está bem patente no facto de aquelas serem um verdadeiro guião da investigação, chegando a propor diligências probatórias (fls. 4685) e a sugerir as normas aplicáveis, bem como as sanções de inibição do exercício de cargos sociais por parte dos membros dos órgãos sociais envolvidos (fls. 4683) naquilo que a denúncia chama de “estratagema montado” (fls. 4681). Por conseguinte, o guião foi seguido e as diligências probatórias levadas a cabo durante a investigação nunca conseguiram ganhar foros de autonomia face às denúncias que estavam eivadas do vício da nulidade, por decorrerem da violação do dever de segredo bancário.
Verifica-se, deste modo, aquilo que Paulo Pinto de Albuquerque[11] chama de nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova, toda ela produzida após aquela e na sua sequência lógica.
Na nossa modesta opinião é possível ainda avançar uma quarta limitação ao efeito à distância.
Esta última questão prende-se com o argumento que por vezes é aduzido de que, a ser procedente o efeito à distância, estava encontrado o salvo-conduto para as práticas ilícitas, pois bastaria ao prevaricador praticar ou instigar uma nulidade no início de um processo para deixar as autoridades de "mãos atadas", não podendo persegui-lo para efeitos criminais ou contra-ordenacionais. Ora, este argumento vale tanto como o de que a autoridade supervisora poderia "validar" uma denúncia de génese ilegal, bastando para tal fazer sair notícias nos órgãos de comunicação social sobre o mesmo tema, para depois alegar que havia adquirido a notícia do crime ou da contra-ordenação através da imprensa, e não por via da denúncia de origem ilegal. Ou seja, não vale nada, porque não se verifica neste processo, nem uma, nem outra situação.
Em primeiro lugar, importa deixar claro que neste processo tal argumento não tem qualquer cabimento, desde logo porque não está minimamente indiciado que a fuga de informação e de documentos cobertos pelo sigilo bancário tenha partido de algum dos arguidos.
No entanto, se fosse esse o caso e se se provasse, naturalmente que os princípios gerais de Direito obrigariam à desconsideração dos efeitos à distância de um método proibido de prova levado a cabo pelo potencial beneficiário da invalidade por ele provocada.
Aí está, pois, mais uma limitação do efeito à distância. Trata-se de um obstáculo que, tal como os outros, também não se verifica no caso em apreço.
Temos, portanto, de concluir que nada impede ou limita o efeito à distância da nulidade de que enfermam as informações e documentos constantes das denúncias que estiveram na génese deste processo.
Logo, tal invalidade contagiou todos os demais actos processuais que se lhe seguiram, bem como todas as provas obtidas e carreadas para o processo, o qual, de outro modo, não teria existido – art.º 122.º do CPP.
Por tudo quanto fica exposto, mormente por violarem o disposto no n.º 8 do art.º 32.º da CRP e do art.º 126.º, n.º 3 do CPP, aplicável ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO declaro nulas as provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F... a 27-11-2007 e 11-12-2007 (fls. 10928/9 e 4680 a 4687), bem como nos documentos a elas anexos (fls. 10930 a 10935 e 4688 a 4700), as quais estiveram na origem do presente processo e, ao abrigo do disposto no art.º 122.º do Código de Processo Penal, declaro também a invalidade de todos os demais actos e provas que se lhes seguiram, ou seja, declaro a invalidade de todo o processado, por estar delas dependente.
Sem custas.
Notifique.
Consequentemente, atento o despacho acima proferido, fica prejudicada a apreciação dos termos do depoimento das testemunhas I... e T6..., bem como de todas as demais nulidades e questões prévias ao mérito, mas que sempre seriam logicamente posteriores à nulidade agora apreciada, a qual se encontra na génese deste processo.
Oportunamente, arquive.»


            4. Desta decisão recorreram o Ministério Público e o Banco de Portugal, nos seguintes termos:

            4.1. Recurso interposto pelo Ministério Público (transcrição das conclusões):
1.º
No decurso do julgamento e antes de estar concluída a produção da prova testemunhal, o M.º juiz a quo proferiu despacho declarando a nulidade das “provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F...…bem como nos documentos a elas anexos”.
2.º
Em consequência, ao abrigo do art. 122º CPP foi também declarada “a invalidade de todos os demais actos e provas que se lhes seguiram”, ou seja, foi declarada a invalidade de todo o processado, por delas estar dependente e o arquivamento dos autos.
3.º
Inconformado, o MP recorre deste despacho, pedindo o melhor juízo de V.ªs. Exas., a revogação deste despacho e a sua substituição por outro que ordene a continuação do julgamento.
4.º
O presente recurso é admissível uma vez que põe termo ao processo e absolve os arguidos, integrando-se na previsão do art. 73.º RGCOC.
5.º
De todo o modo, o n.º 2 do art. 73.º RGCOC levaria à admissão do presente recurso, uma vez que a relevância e premência das questões aqui levantadas, relacionadas com o controverso efeito à distância de nulidade de provas primárias, impõem que o Tribunal da Relação de Lisboa as aprecie, em nome da melhoria da aplicação do direito.
6.º
A questão jurídica colocada à apreciação dos Venerandos Desembargadores explica-se nos seguintes moldes: documentos bancários pretensamente sob sigilo bancário são entregues ao comendador F..., que os entrega ao Banco de Portugal (BP), que viria a abrir um processo de contra-ordenação; mas uma pretensa nulidade originada na suposta violação do sigilo bancário, feriria de invalidade todos os meios de prova e actos processuais posteriores, com a consequente absolvição dos arguidos.
7.º
Um dos pressupostos do despacho recorrido é o de que as cartas do comendador F... são a condição sine qua non do processo em causa.
8.º
Para fundamentar esta conclusão, o despacho recorrido fundamenta-se em partes de depoimentos prestados por três testemunhas em sede de julgamento.
9.º
Porém, o art. 205.º n.º 1 CRP e o art. 97.º CPP exigem que os actos decisórios dos juízes sejam fundamentados, “devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
10.º
A fundamentação é uma exigência constitucional a que o despacho recorrido não se pode furtar.
11.º
O mecanismo de fundamentação do despacho recorrido teria de consistir na correlação da prova produzida em audiência, com a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal.
12.º
Só observando estas formalidades poderia o M.º juiz a quo ter invocado declarações de testemunhas inquiridas em audiência de julgamento para se fundamentar na decisão que tomou.
13.º
Quando o juiz não observa formalidade alguma de fundamentação para se apoiar na prova produzida em audiência de discussão e julgamento que nem sequer admite gravação da prova, o juiz afirma factos não motivados nem controláveis, impedindo a apreciação sobre a bondade do seu juízo de facto.
14.º
Uma vez que não observou formalidade alguma, as conclusões baseadas nas declarações das testemunhas em causa, T2..., T3... e L..., – pontos de facto incorrectamente julgados – estão feridas do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º n.º 2, a), CPP – porque nada no despacho permite comprovar a bondade das conclusões do despacho recorrido.
15.º
A afirmação de que as cartas do comendador F..., estão na origem do processo de contra-ordenação, além de se basearem em supostos depoimentos das referidas testemunhas, baseiam-se ainda em declarações do ex-governador do BP proferidas perante uma Comissão de Inquérito Parlamentar.
16.º
Porém, mesmo essas afirmações se revelam imprecisas e levando o tribunal a erro em matéria de facto.
17.º
Para aferir se as cartas comendador F... são a condição sine qua non do processo, há que tentar reconstituir o ambiente social em que estava imerso o BANCO ..., S.A., à data.
18.º
Há duas fontes fidedignas para alcançar esse desígnio, que são os recortes de imprensa existentes nos autos e as actas do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A..
19.º
Importa reter que as cartas do comendador F... estão datadas de 28 de Novembro e 11 de Dezembro de 2007.
20.º
Os recortes de imprensa demonstram que as referências ao Grupo Q..., à R..., uma das sociedades off-shore, à concessão de créditos pelo BANCO ..., S.A. e à compra de acções pelas sociedades off-shore eram do conhecimento publico, pelo menos desde data anterior a 1 de Dezembro de 2007
21.º
As actas de reunião do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A. dão nota de que, pelo menos no fim-de-semana que antecedeu 3 de Dezembro de 2007 já se falava das 17 off-shore na imprensa e que o BP tinha recebido informação sobre outras operações idênticas com o Grupo Q....
22.º
A acta de 23 de Outubro de 2007 (Anexo XXIII-B, fls 122) dá nota de que “na sexta-feira” anterior o BP tinha comunicado a intenção de promover investigações aos processos relativos ao Grupo Q... e que as investigações do BP se tinham iniciado na segunda-feira, 23 de Outubro; Já a acta de 17 de Outubro (fls. 117, Anexo XXIII-B) dá conta de que o BP havia pedido informações sobre operações relacionadas com Q....
23.º
Datando as cartas do comendador F... de 28 de Novembro e de 11 de Dezembro de 2007, as actas de Outubro de 2007 demonstram que o BP estava a investigar as ligações do BANCO ..., S.A. ao Grupo Q... antes da entrega das cartas ao BP.
24.º
Logo, quanto às matérias ligadas a Q..., objecto deste processo, as cartas do comendador F..., porque posteriores ao interesse do supervisor, não podem ser condição sine qua non.
25.º
Nem sequer para as matérias relacionadas com as 17 sociedades off-shore podem as cartas do comendador F... ser consideradas condição sine qua non.
26.º
O processo abre, a fls. 6 do vol. I, com uma nota informativa do BP, que dá conta de uma acção de supervisão on site feita pelos técnicos do BP.
27.º
O BP apresentou ao BANCO ..., S.A. um primeiro pedido de informações sobre as 17 sociedades off-shore em 7 de Dezembro de 2007 (fls. 4368 e 4369, volume XVI) quando vimos pelas actas do conselho de Administração do BANCO ..., S.A. que a imprensa já falava destas sociedades no fim-de-semana que antecedeu 3 de Dezembro de 2007.
28.º
As cartas do comendador F... não motivaram a abertura do presente processo de contra-ordenação, mas, a par de tudo quanto se dizia na imprensa, levaram o BP a fazer uma acção de supervisão on site, que redundou no nota informativa de fls. 6 do vol. I.
29.º
Na conclusão dessa nota informativa apuram-se indícios de prática de contra-ordenações, razão pela qual o Conselho de Administração do BP deliberou em 26 de Dezembro de 2007 abrir o presente processo e contra-ordenação.
30.º
Pelo que as declarações do ex-governador do BP, M..., terão que ser entendidas e interpretadas neste diferente enquadramento fáctico.
31.º
O BP actuou ao abrigo do art. 48.º RGCOC, tomando conta, como entidade fiscalizadora, de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabilidades por contra-ordenação e tomando as medidas necessárias para preservar a prova.
32.º
O BP actuou igualmente ao abrigo dos artgs 93.º e 116.º RGICSF, velando pela observância das normas que disciplinam a actividade das instituições de crédito
33.º
Um outro pilar do despacho recorrido é o de que os documentos entregues ao comendador F... estavam sujeitos a sigilo bancário.
34.º
O regime português do sigilo bancário integra-se num regime intermédio de defesa do segredo bancário e tem vindo a evoluir num sentido de progressivo enfraquecimento do segredo face ao Estado.
35.º
O BP (art. 80.º n.º 1 do RGICSF) não está excluído do círculo de entidades sujeitas ao dever de segredo bancário, integrando o grupo de destinatários subsequentes da obrigação de segredo (art. 79.º n.º 2, a) RGICSF).
36.º
Não constitui violação do segredo bancário a revelação de factos sob sigilo bancário ao BP no âmbito das suas atribuições, uma vez que o BP tem atribuições próprias de fiscalização da banca e é sujeito do dever de segredo bancário.
37.º
 O dever de segredo bancário extingue-se quando os factos inicialmente sujeitos a segredo caem no domínio público.
38.º
Os factos que viriam a ser objecto do processo, relacionados com o Grupo Q... e as 17 sociedades off-shore tinham caído no domínio público antes de o BP pedir informações o BANCO ..., S.A. sobre as 17 sociedades off-shore, pelo que estava extinto o dever de segredo bancário relativamente a eles
39.º
Além de que o BP vinha averiguando as relações do BANCO ..., S.A. com o Grupo Q... desde Outubro de 2007.
40.º
O despacho conclui que a motivação da pessoa não identificada que entregou os documentos ao comendador F... era egoística, servindo apenas interesses da luta de poder dentro da instituição e que não fora isso poderia a regra de acesso legítimo a documentação bancária constante da al. a) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF ser invocada pelo BP.
41.º
Com esta afirmação, o tribunal comete o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro de contradição insanável de fundamentação e erro de direito.
42.º
Comete o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada porque o julgamento não foi concluído, a produção da prova testemunhal não foi concluída, um dos arguidos, C..., ex-Administrador e CFO do BANCO ..., S.A. reservou-se o direito de falar no fim, apenas e o M.º juiz a quo afirma expressis verbis que não se apurou a motivação do agente.
43.º
Mas não hesita depois em afirmar que é essa motivação, que dá como provada, que impede o funcionamento, em benefício do BP, da cláusula da al. a) do n.º 2 do art. 79.º RGICSF o que configura igualmente um erro de contradição insanável de fundamentação
44.º
Igualmente labora o despacho recorrido, nesta parte, em erro de direito.
45.º
O M.º juiz a quo viola o princípio interpretativo de que se a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir.
46.º
A al. a) do n.º 2 do art. 79.º RGICSF configura a garantia de que o BP acede impoluta e validamente a informação sob sigilo bancário, no âmbito das suas funções.
47.º
Esta regra é afirmada sem excepções nem condições.
48.º
Mas o M.º juiz a quo, ao afirmar que a motivação do agente que entrega os documentos ao comendador F... é de ordem egoística, e que por isso já não funciona a regra da al. a) do n.º 2 do art. 79.º RGICSF impõe uma condição não querida pelo legislador para o funcionamento pleno desta norma.
49.º
Com isto viola o M.º juiz o art. 79.º n.º 2, a) RGICSF, interpretando-o no sentido de que o seu efeito depende da motivação do agente que entrega os documentos, directa ou mediatamente, ao supervisor, quando o deveria ter interpretado no sentido de que a comunicação de factos ao BP não viola as regras de sigilo bancário.
50.º
Em resumo, comete erro de direito o M.º juiz a quo ao concluir que a entrega dos documentos anexos às cartas do comendador F... chegam às mãos do BP em violação do segredo de justiça,
Com isso violando o art. 79.º n.º 2, a), RGICSF.
51.º
Na sua decisão, o M.º juiz a quo incorre noutro erro de direito.
52.º
O efeito à distância é no despacho recorrido o pilar mor da declaração de nulidade de toda a prova e actos processuais.
53.º
Na interpretação do art. 122.º CPP o M.º juiz a quo comete o erro de direito de confundir “denúncia” com “prova da denúncia”.
54.º
Os efeitos de nulidade a declarar ao abrigo do art. 122.º n.º 1 CPP endereçam-se aos meios de prova.
55.º
Como se retira do cotejo dos arts. 187.º n.º 7 e 248.º CPP, a invalidade da prova repercute-se nos meios de prova mas não preclude o efeito de aquisição da notícia do crime por parte das entidades competentes.
56.º
Considerando o despacho recorrido que as cartas do comendador F... são “denúncia”, a declaração de nulidade que se invocou ao abrigo do art. 122.º CPP apenas poderia ter efeito nos documentos anexos, como “meio de prova” ou “prova” que são, não precludindo nunca a lícita aquisição da notícia da infracção pelo BP.
57.º
Ao declarar a nulidade de todo o processo nos moldes descritos o despacho recorrido interpreta erradamente o art. 122.º CPP não distinguindo entre “denúncia” (e consequente e lícita aquisição da notícia da infracção) e “meios de prova”; deveria o M.º juiz ter interpretado o art. 122.º CPP como estendendo o efeito de invalidade aos meios de prova (documentos anexos às cartas), apenas, sem que isso precludisse a aquisição da notícia pelo BP.
58.º
É pacífico que se verifica o efeito à distância no direito português, com base no art. 122.º e 126.º CPP.
59.º
Porém é imperioso interpretar o art. 122.º CPP no seu conjunto, uma vez que os seus n.º 2 e 3 encerram comandos de aproveitamento da prova que possa ser salva da declaração de nulidade que incida sobre prova primária.
60.º
O efeito à distância não pode porém ser aceite no direito português senão na cuidadosa interpretação das singularidades do caso concreto.
61.º
No caso sub judice, a invocação do efeito à distância para declarar a nulidade de todo o processo parte de erro de facto de se considerar as cartas do comendador F... e documentos anexos como prova primária viciada por violação do segredo bancário.
62.º
Erro notório na apreciação da prova que reside no facto de não se levar em linha de conta que a investigação das relações BANCO ..., S.A./Q... se iniciou em Outubro de 2007, quando a primeira  carta de F... data de Novembro de 2007.
63.º
Erro notório que reside no facto de não se considerar que o processo de contra-ordenação foi aberto pelo BP após acção de supervisão, concluída com nota informativa e decisão do Conselho de Administração do BP, estando o assunto das 17 sociedades off-shore na imprensa antes do pedido de informação do BP ao BANCO ..., S.A..
64.º
Não sendo as cartas do comendador F... e documentos anexos prova primária do processo, não faz sentido invocar a teoria do efeito à distância.
65.º
A doutrina e a jurisprudência vêm defendendo a relevância dos processos hipotéticos da valoração como meio de limitação a uma declaração de nulidade total do processo.
66.º
Autonomizam-se três princípios limitativos do efeito absoluto de declaração de nulidade de um processo, por força do efeito à distância, a fonte independente, a descoberta inevitável e a mácula dissipada.
67.º
O despacho recorrido afasta a fonte independente afirmando que as “denúncias” de F... são a condição sem a qual não poderia existir o processo, que todas as provas obtidas o foram por causa das “denúncias” e que as notícias sobre o objecto dos autos só surgem depois da primeira denúncia enquanto que as notícias anteriores versam sobre temas diversos.
68.º
Comete o M.º juiz a quo erro notório na apreciação da prova porque não considerou que os recortes de imprensa e as actas do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A. provam que o BP já desde Outubro investigava as relações BANCO ..., S.A./Q..., o que constitui indubitavelmente um dos temas objectos deste processo.
69.º
Comete o M.º juiz a quo erro notório na apreciação da prova ao não considerar que foi na sequência de uma acção de supervisão que o BP concluiu que havia indícios de contra-ordenação na actuação de 17 sociedades off-shore, assunto já divulgado na imprensa antes do primeiro pedido de informações do BP.
70.º
As concretas provas que impõem decisão diferente da recorrida residem nos recortes de imprensa de fls. 11157 e s. e 11331 e s.; e nas actas  do Anexo XXIII de fls. 185, 187, 192, , carta de fls. 208 a 211, e acta de fls. 217; nas actas do Anexo XXIII-B, fls. 118 e 122; Na nota informativa de fls. 6 do vol. I, da deliberação do Conselho de Administração do BP de fls. 3 do vol. I; e no ofício de fls. 4368 e 4369 do vol. XVI.
71.º
Por força do alegado sob as conclusões n.ºs 68 e 69.º tem de concluir-se que, a existir motivo para anular provas primárias e subsequentes ao abrigo do efeito à distância, sempre o BP teria assegurado fonte independente pela acção de supervisão que encetou em Outubro, em relação às relações Q.../BANCO ..., S.A. e em Dezembro para as 17 sociedades off-shore.
72.º
O despacho recorrido afasta igualmente a limitação do efeito à distância da chamada prova inevitável, mas fá-lo com manifesto erro notório na apreciação da prova, conquanto o facto alegado sob a conclusão n.º 68 corresponde a um processo investigatório autónomo capaz de trazer ao supervisor as conclusões suficientes para abrir o presente processo de contra-ordenação.
73.º
O despacho recorrido afasta igualmente a limitação do efeito à distância da chamada mácula dissipada, mas fá-lo com manifesto erro notório na apreciação da prova, porque ignora que no decurso da instrução do processo, o ex-administrador S... entregou espontaneamente ao BP dois CD contendo toda a documentação que hoje consta dos anexos VI a VI-U, com centenas de documentos relativos à matéria dos autos.
74.º
Impõem decisão diversa da recorrida, nesta parte, as declarações de fls. 240 e 241 do vol. I, fls. 2 do anexo VI e toda a documentação dos anexos VI a VI-U.
75.º
Por último, o M.º juiz a quo viola o art. 122.º CPP, não só por com ele confundir e não separar “denúncia” e “meio de prova”, mas também porque o julgador não procedeu á tarefa de selecção, relacionamento e identificação do nexo de causalidade que deve fazer quem declare nulidade ao abrigo desta norma legal.
76.º
Viola o M. º juiz a quo o art. 122.º CPP porque a aplicação desta norma pressupõe que se analise o nexo de causalidade entre a pretensa prova primária nula e as provas subsequentes, e entre aquela e os actos processuais subsequentes.
77.º
A correcta aplicação do art. 122.º CPP exige a interpretação harmoniosa do n.º 1 com os n.ºs 2 e 3 no sentido de se salvar tudo quanto se possa de uma declaração de nulidade, o que não foi feito.
78.º
O M.º juiz a quo interpretou o art. 122.º CPP como se a declaração de nulidade de meios de prova arrastasse a consequente nulidade de todo o processo, mas devia ter interpretado tal norma de forma a sentir-se obrigado a justificar, analisar e seleccionar outros meios de prova e outros actos processuais não tocados pela nulidade que declarou.
79.º
Se o tivesse feito, concluiria que os meios de prova entregues aos autos por S... são autónomos dos documentos anexos às cartas do comendador F...; e que a acção se supervisão de que é corolário a Nota Informativa de fls. 6 do vol. I e a instrução do presente processo daí decorrente, forneceu prova autónoma e assim teria salvo da invalidade genericamente decretada, pelo menos, estes documentos.
80.º
O despacho recorrido, por força dos erros em matéria de facto e de direito de que enferma, deve ser revogado por V.ªs. Exas. e substituído por outro que ordene a continuação do julgamento.
 
            4.2. Recurso interposto pelo Banco de Portugal (transcrição das conclusões):
I. Vem o presente recurso interposto da Decisão que, por entender ter sido violado o disposto no n.º 8 do artigo 32.º da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, declarou nulas as provas consubstanciadas nas informações contidas nas “denúncias” assinadas por F... a 28 de Novembro de 2007 e 11 de Dezembro de 2007 (fls. 10928/9 e 4680 a 4687), bem como nos documentos a elas anexos (fls. 10930 a 10935 e 4688 a 4700), as quais, segundo a Decisão recorrida, estiveram na origem do presente processo e, ao abrigo do disposto no artigo 122.º do CPP, declarou também a invalidade de todos os demais actos e provas que se lhes seguiram, ou seja, a invalidade de todo o processado, por, alegadamente, estar delas dependente, determinando o arquivamento dos autos.
II. São patentes as muitas deficiência que afectam a Decisão recorrida.
III. Por um lado, e ao contrário do que o Tribunal recorrido tenta demonstrar, a Decisão - proferida quando o julgamento decorria há largos meses – sofre de total inoportunidade processual.
IV. Não corresponde à verdade que só neste momento os autos teriam o acervo documental necessário para a Decisão, já que a única prova documental que o Tribunal afirma não estar junta no início do julgamento são os originais das cartas remetidas por F... ao Recorrente em Dezembro de 2007, cujas cópias, porém, estavam juntas aos autos desde Maio de 2009, sem que jamais se tivessem suscitado quaisquer dúvidas sobre a respectiva autenticidade.
V. Quanto à prova testemunhal, não existe também qualquer explicação objectiva para proferir Decisão neste momento, na medida em que não só o Tribunal entendeu desnecessário ouvir testemunhas directamente relacionadas com a matéria da Decisão como a testemunha T4..., do Departamento de Supervisão Bancária do Recorrente, e bem assim as testemunhas M... e T5..., como estava a ouvir testemunhas sobre a matéria de fundo destes autos, cujos depoimentos em nada se relacionavam com a questão dos documentos entregues por F... ou com o início do processo.
VI. O Tribunal procedeu, igualmente, de forma indevida à referência e “selecção” da matéria de facto e da prova relevante - referindo meios de prova e retirando a prova de factos, sem qualquer formalização dos factos relevantes provados e não provados, sem qualquer indicação do critério dessa selecção, sem qualquer ponderação das várias alegações e meios de prova constante dos autos – e baseou diversas conclusões em meras opiniões e suposições, por vezes até contraditórias entre si,
VII. Chegando a qualificar como “crimes” actos dos quais ignora tudo, a começar pela identidade do(s) agente(s), e as razões pelas quais agiu(ram) e, a acabar na concreta natureza dos actos que estão em causa, porque não foi possível apurar como é que a informação chegou a F....
VIII. Seja como for, e apesar de todas estas vicissitudes, a Decisão recorrida mostra a sua patente falta de razão quanto à questão de saber se os presentes autos devem ser declarados nulos e arquivados por violação do segredo bancário.
*
*          *
IX. No entender do Recorrente, não houve qualquer violação do sigilo bancário, na medida em que a revelação de factos e elementos sujeitos a segredo bancário ao Recorrente no âmbito das suas funções nunca é violação de segredo bancário.
X. O Tribunal a quo só pôde concluir diversamente, na medida em que entendeu que a excepção prevista no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGIC, apenas abrange os casos da transmissão directa da informação ao Recorrente, interpretação que se mostra errónea.
XI. Para aplicação da excepção prevista no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGIC, o que releva é saber se o Recorrente pode, em qualquer caso, adquirir licitamente a informação e actuar com base nela ou se pelo contrário fica disso “impedido” no caso de ter havido uma anterior violação de segredo bancário.
XII. A letra da lei não distingue as situações, aplicando a excepção a todas as atribuições do Recorrente, incluindo, naturalmente, a supervisão e, dentro dela, os processos sancionatórios (artigo 116.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RGIC), abrangendo, quanto a estes, tanto a notícia da infracção, como a instrução.
XIII. Colher – por iniciativa própria ou alheia – informação sobre eventuais aspectos da vida dos bancos, sobre alegadas irregularidades, colher verdadeiras notícias da infracção, recolher e produzir elementos e provas para os diversos procedimentos, tudo está manifestamente incluído no âmbito das atribuição do Recorrente e, por isso, no respectivo âmbito, é lícita a revelação de factos e elementos ao Recorrente.
XIV. Também a teleologia da norma leva à mesma conclusão, não permitindo a restrição pretendida pelo Tribunal recorrido. A excepção em causa revela a ponderação legalmente estabelecida entre as finalidades do segredo bancário e as finalidades da supervisão bancária.
XV. O dever de segredo bancário goza de uma dupla protecção constitucional, assim como de um duplo fundamento jurídico. De um lado, esse dever ampara-se na intenção legislativa de protecção da intimidade privada das pessoas, numa perspectiva micro-jurídica. De outro lado, o mesmo dever alicerça-se no objectivo da preservação da confiança do público no sistema bancário, servindo nessa medida de garantia adicional da estabilidade do sistema financeiro e, em termos macro-jurídicos, da salvaguarda do seu funcionamento eficiente (artigos 26.º, n.º 1, e 101.º da Constituição).
XVI. Por seu turno, a supervisão visa, em suma, assegurar que a actividade bancária se desenvolva em termos correctos e seguros, seja preservada a estabilidade e a resiliência do sistema financeiro e se protejam os consumidores e/ou clientes bancários (artigo 93.º do RGIC), o que pressupõe funcionalmente, a título principal, a recolha, a análise e o processamento de informações relacionadas com as entidades supervisionadas.
XVII. Equacionando a correlação entre ambas as teleologias – a do segredo bancário e a da supervisão bancária –, denota-se que a protecção do sistema financeiro, de que o supervisor é, à luz do texto fundamental, o primeiro guardião (artigos 101.º e 102.º da Constituição) não pode justificar quanto a ele qualquer segredo bancário.
XVIII. Por outro lado, relativamente à reserva da intimidade da vida privada, é necessário ter em conta, que, em grande medida, é, directa ou indirectamente, a defesa das poupanças dos próprios clientes, ou, noutro nível, a defesa da solidez da instituição de crédito a que a informação respeita, que a supervisão visa.
XIX. Há, pois, uma ampla comunhão teleológica entre segredo bancário e supervisão: as finalidades de ambos cobrem-se em ampla medida, uma vez que: (i) uma das finalidade do segredo bancário equivale exactamente à finalidade da supervisão bancária, e (ii) a outra apresenta a margem de sobreposição derivada de a supervisão assegurar, directa e indirectamente, a defesa da posição das pessoas a que as informações cobertas pelo segredo bancário respeita.
XX. Assim se compreende a ponderação e equilíbrio de interesses traduzida no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGIC: a reserva da vida privada deve ceder o necessário a fim de permitir a protecção do sistema financeiro, e com ela, a formação, captação e segurança das poupanças e a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.
XXI. O acesso à informação pelo Recorrente justifica-se, assim, pelo exercício das suas funções ou “atribuições” que se podem considerar inerentes ao exercício da actividade bancária, enquanto se destinam, directa ou indirectamente a assegurar que esta – naturalmente que também quanto aos Clientes a que respeitam as informações – se desenvolva em termos correctos e seguros e com preservação da estabilidade e resiliência do sistema financeiro.
XXII. Por outro lado, a excepção do Recorrente relativamente ao segredo bancário acarreta a sujeição de quem nele exerce ou exerceu funções a um dever de segredo, nos termos do artigo 80.º, n.º 1, do RGIC, com âmbito equivalente ao estabelecido no artigo 79.º do mesmo diploma.
XXIII. Assim, por força da necessidade da circulação de informação inerente à supervisão, a barreira do segredo bancário é deslocada por lei da fronteira entre supervisionado e supervisor, para a fronteira entre supervisor e terceiros.
XXIV. O Recorrente é trazido para o círculo interno do segredo e equiparado ao originariamente obrigado ao segredo – o que, além do mais, explica que sejam afastados em processo de contra-ordenação bancária e, desde logo, perante o Recorrente, tanto o artigo 42.º do RGCO (segundo o qual não é permitida a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional), como os artigos 135.º e 181.º e 182.º do CPP e os seus mecanismos de alegação, verificação e eventual quebra do segredo bancário.
XXV. O equilíbrio teleológico em que se funda o acesso do Recorrente a informação bancária, referida supra, em nada se desfaz ou altera pelo facto de essa informação ter antes sido objecto de uma violação por outrem do segredo bancário: não é por isso que os factos e documentos a que o  Recorrente tinha à partida acesso passam a ser mais privados em relação a ele e não é também por isso que as exigências de supervisão diminuem.
XXVI. Se o Recorrente não está limitado pelo segredo bancário no acesso a factos e elementos, não pode passar a estar limitado pelo segredo bancário pelo facto de outrem ter eventualmente violado esse mesmo segredo bancário. Uma violação do segredo bancário por outrem não pode fazer erguer a barreira do segredo bancário aí onde ela não existia.
XXVII. Em última análise, a razão da legitimidade do Recorrente para tomar conhecimento e usar a informação é a mesma razão pela qual o Arguido BANCO ..., S.A. não esteve impedido de, na sequência da recepção das cartas de F..., desencadear com base exactamente nessa informação os procedimentos necessários para o esclarecimento da situação, junto da sua auditoria interna (cfr., designadamente, actas, do Conselho de Administração do Arguido BANCO ..., S.A. de 3 e 10 de Dezembro de 2007, a fls. 131 e seguintes do Anexo XXIII-B).
XXVIII. Perante o exposto, é também cristalino que a teleologia e os termos do acesso do Recorrente à informação bancária em absolutamente nada ficam dependentes ou sofrem a influência das intenções subjectivas das concretas pessoas que a fornecem – ainda que (o que não sucede no presente caso) se soubesse que intenções eram essas.
XXIX. Diga-se, ainda, que o artigo 126.º, n.º 3, do CP, a que recorre a Decisão recorrida, não tem, no caso, aplicação: essa disposição parte do pressuposto de que os direitos a que se refere constituem limites ao acesso à informação que o impedem fora dos condicionamentos legalmente previstos – pressuposto que não se verifica quanto ao segredo bancário, relativamente ao Recorrente.
XXX. Com efeito, o Recorrente não está limitado, no conhecimento e na utilização da informação, pelo segredo bancário, pois os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições. E – mais uma vez – se o Recorrente não está limitado pelo segredo bancário no acesso a factos e elementos, não pode passar a estar limitado pelo segredo bancário pelo facto de outrem ter eventualmente violado esse mesmo segredo bancário.
XXXI.Em face do exposto torna-se evidente que o Tribunal a quo aplicou uma norma que ele próprio extraiu por interpretação dos artigos 78.º e 79.º do RGIC, do artigo 195.º do CP, do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, dos artigos 122.º e 126.º, n.º 2, do CPP, e do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO – segundo a qual: Em processo de contra-ordenação que corre os seus termos ao abrigo do RGIC, o Banco de Portugal, sob pena de nulidade da prova, só pode usar informação coberta pelo dever de segredo bancário se esta lhe for transmitida, de forma directa e imediata, por pessoa com acesso originário à informação e não nos casos em que tal informação tiver sido primeiro transmitida a um terceiro que a entrega ao Banco de Portugal ou tiver sido divulgada publicamente.
XXXII. Norma essa que, atendendo às atribuições do Banco de Portugal (artigo 102.º da Constituição, artigo 17.º da LOBP, artigos 93.º, n.º 1, e 116.º, n.º 1, do RGIC), viola o direito à segurança das poupanças enquanto expressão do direito à propriedade privada e o comando constitucional, dirigido ao Estado, de assegurar o funcionamento eficiente do sistema bancário e dos mercados de modo a contrariar práticas lesivas do interesse geral (cfr. artigos 9.º, alínea d), 13º, 18º, 81.º, alínea f), 62.º, n.º 1, 101.º e 102.º, todos da Constituição).
XXXIII. A orientação da Decisão, sobre ser juridicamente errónea, é por completo impraticável, acabando por inutilizar as informações anónimas que, no âmbito da supervisão, têm constituído, entre nós e por esse mundo fora, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de grande gravidade.
XXXIV. Acresce que à Decisão recorrida não assiste qualquer razão sequer quando assume como ponto de partida a existência de uma violação do segredo bancário na transmissão anterior da informação contida nas cartas de F....
XXXV. Seria necessário, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do RGIC, estabelecer-se um nexo de causalidade adequada entre o conhecimento da informação e documentação que F... forneceu ao Recorrente e o exercício de funções ou a prestação de serviços incluídos no âmbito do dever do segredo bancário.
XXXVI. Nexo que, no caso sub iudice, não existe relativamente a F..., pelo que já não só falta qualquer violação do segredo bancário no que respeita ao Recorrente, destinatário da informação, como falta qualquer violação do segredo bancário no que respeita a F..., origem da informação.
XXXVII. Tão-pouco se pode dar como assente, como fez o Tribunal recorrido, que ocorreu uma violação do dever de segredo em momento anterior à transmissão da informação a F..., na medida em que não se apurou se foram uma ou várias pessoas que transmitiram a informação, nem as suas relações com o Arguido BANCO ..., S.A., nem como é que essa pessoa ou pessoas, por seu turno, a obtiveram, nem, enfim, se a informação foi enviada uma ou mais vezes, entre muitas outras hipóteses que se podiam colocar.
XXXVIII. Assim sendo, não pode o Tribunal qualificar sequer a transmissão de informação a F... como uma violação do segredo bancário, por falta do nexo de causalidade adequada exigido pelo artigo 78.º do RGIC, sendo a prova usada inteiramente válida.
XXXIX. Fazendo-o, o Tribunal aplicou erroneamente e, nessa medida, violou o artigo 78.º do RGIC, e, em conjugação com ele, os artigos 32.º, n.º 8, da Constituição, 120.º e 126.º, n.º 3, do CPP, e 41.º do RGCO.
XL. Por outra parte, ainda que – por mera cautela de patrocínio – se admitisse que foi um trabalhador, um alto director ou um administrador do Arguido BANCO ..., S.A. a ter a informação com o nexo causal necessário para a incluir no âmbito objectivo do segredo, a sua comunicação a F... não poderia considerar-se ilícita.
XLI. Na verdade tal comunicação pode considerar-se para além dos limites normativos materiais do segredo bancário, ou, pelo menos, plenamente lícita, por força dos princípios da exclusão da ilicitude, designadamente pela via das figuras da prossecução do interesse legítimo ou, pelo menos, da prevalência do interesse preponderante (para que apontam os artigos 135.º e 181.º do CPP).
XLII. Com efeito, o segredo bancário tem um cunho valorativamente muito relativo em relação a outros princípios ou valores do sistema jurídico, o que traz consigo uma especial abertura e ductilidade à transacção e concordância prática com tais princípios e valores – como a sua excepção relativamente á Administração Tributária demonstra.
XLIII. Por outro lado, a teleologia subjacente à imposição de um dever de segredo bancário não se coaduna com a protecção ou tutela de quaisquer operações ou situações ilícitas.
XLIV. No caso concreto acresce, ainda, que, pelo menos parcialmente, um dos vectores da teleologia do segredo bancário não estava presente, já que as 17 off-shores C... – único objecto inicial do processo de contra-ordenação - nunca tiveram ultimate beneficial owners, não tinham, nem sequer formalmente indicado qualquer beneficial owner, até 20 de Dezembro de 2002.
XLV. Pelo que, quanto a elas – únicas que podem determinar a nulidade inicial do presente processo –, os factos e elementos constantes das cartas não incluíam “informações sobre factos ou elementos respeitantes [...] às relações [da instituição de crédito] com os seus clientes”, mas apenas, e quando muito, “informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição”. Em consequência, não carece de ponderação a reserva da intimidade da vida privada e familiar dos “Clientes”.
XLVI. Perante este quadro, a base da Decisão recorrida para negar a existência de um interesse legítimo – que, para se dar a justificação, o agente teria de agir com a intenção subjectiva exclusiva de realização da justiça – mostra-se totalmente insubsistente.
XLVII. Na verdade, ainda que a construção fosse correcta, seria impossível afastar no caso a exclusão da ilicitude uma vez que na própria Decisão recorrida se afirma que não foi possível apurar as razões do agente.
XLVIII. Depois porque a construção é incorrecta: a ponderação do interesse legítimo repousa numa ponderação e equilíbrio de interesses de carácter social e objectivo: trata-se de os correlacionar e compatibilizar na unidade da ordem jurídica, avaliando os seus pesos relativos na dinâmica da vida comunitária e jurídica.
XLIX. Não é a intenção subjectiva do agente que pode tornar lícito um resultado que a ponderação objectiva de interesses considera comunitariamente inadequado ou, pelo contrário, tornar ilícito um resultado que a ponderação de interesses considera comunitariamente adequado.
L. Por outro lado, ao contrário do que defende o Tribunal recorrido, a realização da justiça não é o único interesse que pode legitimar uma compressão do segredo bancário, sendo relevante também o regular funcionamento e futuro da instituição de crédito em causa.                                                                                                                                                  
LI. E o meio é adequado, já que F... é um accionista qualificado - por força da posição de domínio que tem sobre a T... e sobre a Fundação F... - que pelos poderes e deveres legais que tem pode dela fazer uso para defesa da vida da instituição, tanto no contexto de uma eleição do Conselho de Administração, como no contexto da transmissão da informação à autoridade de supervisão (artigo 13.º-A, n.º 1, alínea b), e n.º 7, e artigo 17.º, n.º 4, todos do RGIC)
LII. Por quanto vai exposto, a afirmação de uma inicial violação de segredo bancário por parte de quem transmitiu a informação a F... é uma mera conclusão sem qualquer base, de facto ou de direito. E, sem ela, cai pela base qualquer possível nulidade que, ainda que a título meramente reflexo, pudesse repercutir-se na ulterior aquisição e utilização dessa informação, designadamente, pelo supervisor bancário.
LIII. A negação da exclusão da ilicitude da transmissão da informação resulta, assim, de uma interpretação e aplicação erróneas e, portanto, da violação dos artigos 78.º e 79.º, n.º 2, alínea e), do RGIC, 195.º e 31.º, n.ºs 1 e 2, do CP (nele incluindo as causas de exclusão da ilicitude que afloram no artigo 180.º, n.ºs 2 e seguintes, do CP, e 135.º do CPP) e, por consequência, dos artigos 32.º, n.º 8 da Constituição, 126.º, n.º 3, do CPP, e 41º do RGCO.
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LIV. Admitindo, mas, de forma nenhuma concedendo, que houve realmente uma violação de segredo bancário por parte da pessoa que passou a informação a F..., tal situação não implicaria uma proibição de prova.
LV. Primeiro, não se apurou se houve autorização da divulgação da informação por parte de algum cliente do Banco, não se tendo chegado a ouvir em julgamento a testemunha Q....
LVI. Assim sendo, mostra-se inteiramente justificada, como a doutrina alemã defende, a exclusão de uma proibição de prova.
LVII. Não tendo decidido dessa forma, o Tribunal aplicou erroneamente os artigos 32, n.º 8, da Constituição, e o artigo 126.º, n.º 3, do CP, e 41.º do RGCO, a casos neles não abrangidos, violando, pois, tais disposições.
LVIII. Por outro lado, no caso específico do segredo, é necessário ter presente a relevância da publicação destas notícias nos meios de comunicação social. Publicidade e segredo contrapõem-se e excluem-se reciprocamente: o que é público não é segredo.
LIX. Portanto, mesmo admitindo tudo o que a Decisão recorrida – erroneamente – pretende, jamais se poderia admitir que a nulidade se pudesse estender às informações entretanto publicadas. Uma nulidade total dos presentes autos estaria, assim, afastada.
LX. Aliás, em bom rigor, algo de semelhante se passa com a transmissão da informação a F...: não se tendo demonstrado uma comparticipação na violação de segredo por parte de F..., e não estando ele no círculo de vinculados ao segredo, nos termos do art. 78.º, a revelação da informação por parte dele é lícita e, considerando a sua qualidade de accionista qualificado, a revelação ao Recorrente corresponde inclusivamente ao exercício de um dever de informação consagrado no artigo 120.º, n.º 5, cuja omissão é punível nos termos deste preceito, em articulação com o artigo 211.º, alínea m), do RGIC.
LXI. Reconhecer uma nulidade vinda de um (aliás suposto e não demonstrado) passado significaria uma contradição na ordem jurídica, que simultaneamente consideraria lícita a revelação de factos ao Recorrente e, por outro lado, a qualificaria como uma nulidade de prova.
LXII. Decidindo como decidiu o Tribunal violou os artigos 78.º, 120.º, n.º 5, 211.º, alínea m), todos do RGIC, o artigo 126.º, n.º 3, do CP, o artigo 41.º do RGCO, e o artigo 32, n.º 8, da Constituição.
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LXIII. Por fim, ainda que tivesse havido qualquer nulidade de prova, o que apenas se pondera, mais uma vez, por mera cautela de patrocínio, ela não se estenderia à prova adquirida posteriormente no presente processo.
LXIV. O Tribunal parte do pressuposto de que as cartas remetidas por F... e recebidas pelo Recorrente em 30 de Novembro e 11 de Dezembro de 2007, foram a génese do presente processo, constituindo condição sine qua non de tudo o que ocorreu posteriormente, neste âmbito.
LXV. Ao decidir desta forma, o Tribunal interpretou erroneamente os artigos 126.º, n.ºs 1 a 3, do CP, o artigo 122.º do CPP, o artigo 41.º do RGCO, e o artigo 32, n.º 8, da Constituição, aplicando-os fora do respectivo âmbito, assim os violando.
LXVI. Os autos demonstram à saciedade que o presente processo não se iniciou nem por força das referidas cartas, nem das notícias que foram saindo na imprensa, mas sim mediante uma deliberação do Conselho de Administração do Recorrente, com base na Nota Informativa (de fls. 6 a 10 do Volume I) da autoria da testemunha T3..., elaborada no contexto das averiguações prudenciais do departamento de supervisão bancária, referida na Decisão recorrida.
LXVII. Conforme explicaram, em audiência de julgamento, tanto a testemunha T2..., como a testemunha T3... – ambas referidas na Decisão recorrida – foram desencadeadas averiguações de supervisão acerca desta matéria, nos primeiros dias de Dezembro de 2007. Mais exactamente, o primeiro pedido de elementos acerca desta matéria feito pelo ora Recorrente ao Arguido BANCO ..., S.A. foi efectuado no dia de 7 de Dezembro de 2007 (Vol. XVI, fls. 4368 e 4369).
LXVIII. Como decorre também da síntese feita pelo Tribunal recorrido do depoimento da testemunha T3..., na sequência dos pedidos de elementos e documentação efectuados no âmbito de tais averiguações, o BANCO ..., S.A. “forneceu cerca de dezassete pastas com documentos”, tendo havido reuniões entre os técnicos do Recorrente e do Arguido BANCO ..., S.A. para explicar tão “vasta” documentação.
LXIX. Foi a documentação então obtida junto do Arguido BANCO ..., S.A. que constituiu a “base probatória” da referida Nota Informativa, igualmente citada na Decisão recorrida, com base na qual o Conselho de Administração do Recorrente determinou a instauração dos presentes autos (fls. 3 do Volume I).
LXX. Foi no decurso das averiguações de supervisão directa realizadas no decurso do mês de Dezembro de 2007 que o Recorrente concluiu pela existência de suspeita de infracção suficientemente consistente para iniciar um procedimento contra-ordenacional.
LXXI. Tais conclusões não são, em nada, contrariadas pelas declarações prestadas em Comissão Parlamentar pelo então Governador do Recorrente, M…, como quer fazer crer o Tribunal recorrido.
LXXII. Não pode haver dúvidas de que o Recorrente, ao receber a primeira carta de F..., agiu bem ao não instaurar de imediato um processo de contra-ordenação. O teor das cartas e dos documentos remetidos por F... não eram suficientes para instaurar de imediato um processo de contra-ordenação.
LXXIII. A abertura ou instauração do processo por contra-ordenação, por aplicação subsidiária do regime do processo penal, depende da existência de uma notícia da infracção, com requisitos de fundo análogos aos da notícia do crime, sendo, por isso, de exigir, uma «suspeita inicial» devidamente consistente, concretizável e com um mínimo de fundamento.
LXXIV. Assim, se uma informação sobre a prática de uma contra-ordenação não preenche por si mesma os requisitos essenciais da notícia da infracção, a abertura ou instauração do processo de contra-ordenação não só pode, como em rigor deve ser precedida e depender de averiguações prévias, que se destinam, exactamente a determinar se há ou não notícia da infracção que a legitime. No âmbito da supervisão bancária – estando em causa tutela do mercado financeiro (artigos 81.º, nº 1, alínea f), da Constituição) e do sistema financeiro (artigo 101.º da Constituição), a defesa das condições essenciais de bem estar e o desenvolvimento económico, como tarefas essenciais do Estado (artigos 81.º, alíneas a) a c), e 9.º, alíneas a) e d), da Constituição) - impõe-se, de sobremaneira, tal procedimento.
LXXV. Na situação em apreço, aquilo de que o Recorrente dispunha eram os elementos veiculados pela comunicação social e as cartas em que era, desde logo manifesta – como, aliás, a Decisão reconhece – a distância entre o teor das gravíssimas afirmações e a documentação junta que supostamente as devia demonstrar.
LXXVI. Havia uma evidente falta de consistência indiciária intrínseca a que se somava a luta pelo poder no BANCO ..., S.A., e com intervenção em muitos aspectos decisiva do signatário das cartas.
LXXVII. Não podendo, também, deixar de se ter em conta a gravidade das consequências que, para os Arguidos teria a instauração de um processo de contra-ordenação por factos com a gravidade daqueles que eram alegados nas cartas.
LXXVIII. Desta forma, as cartas de F... não determinaram em termos fácticos – e nem eram aptas a determinar – o início dos presentes autos, os quais tiveram uma origem totalmente independente e autónoma delas: uma averiguação de supervisão directa autónoma do Recorrente e uma apreciação autónoma dos indícios nela revelados, nas quais o Recorrente actuou com total e completa independência.
LXXIX. E assim sendo, nenhuma vicissitude das mesmas cartas pode afectar os presentes autos.
LXXX. Mesmo admitindo que às cartas de F... era de assinalar o alcance e efeitos que a Decisão recorrida pretende, e que estas continham prova nula – o que não se concede –, esta nulidade não seria apta a contaminar toda a restante prova carreada para os autos. E isto porque se encontram verificados os limites ao efeito à distância, traçados pela jurisprudência norte-americana e doutamente analisados no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004.
LXXXI. Ora, conforme o próprio Tribunal admite e como decorre dos autos, foram sendo publicadas diversas notícias sobre o objecto deste processo, pelo menos desde 1 de Dezembro de 2007 (cfr. fls. 11342).
LXXXII. Logo, quando o Recorrente determinou o tipo de averiguações que ia levar a cabo e solicitou os primeiros elementos ao Arguido BANCO ..., S.A. relativos a esta matéria, no dia 7 de Dezembro de 2007 (fls. 4368 e 4369 do Volume XVI), tinha já conhecimento do teor das notícias que entretanto foram divulgadas pela comunicação social. Como é evidente, a actividade investigatória do Recorrente não pôde deixar de ter na sua base também as informações veiculadas publicamente.
LXXXIII. Todo o percurso das averiguações do Recorrente que se desenrolou a partir daí, no âmbito da supervisão, nomeadamente a recolha de vasta documentação junto do Arguido BANCO ..., S.A., referida na Decisão, sempre teria ocorrido independentemente do conhecimento dos documentos alegadamente obtidos através da violação do sigilo bancário.
LXXXIV. O Recorrente, sempre teria [que ter] iniciado as suas averiguações com base nas notícias em causa, como sucedeu em outras situações semelhantes (fls. actas do Conselho de Administração do Arguido BANCO ..., S.A. de fls. 117 e seguintes do Anexo XXIII-B, e fls. 11353).
LXXXV. Aliás, nem podia ser de outra forma, na medida em que a segunda carta remetida por F... é de 11 de Dezembro de 2007 e, portanto, posterior ao primeiro pedido de elementos feito pelo Recorrente ao Arguido BANCO ..., S.A..
LXXXVI. Desta forma, mesmo prescindindo da total autonomia das averiguações do Recorrente, sempre estaria demonstrado que, por força das notícias publicadas na comunicação social, as provas obtidas depois da recepção das cartas de F... foram-no – ou poderiam tê-lo sido – de forma legítima e independente. Na verdade, as provas iriam inevitavelmente ser descobertas, mesmo se F... não tivesse entregue tais cartas ao Recorrente, encontrando-se verificados os pressupostos da existência de um limite ao efeito à distância por “fonte independente”, ou, pelo menos, por um caso de “descoberta inevitável”.
LXXXVII. Verifica-se, ainda, a existência do terceiro limite denominado “mácula dissipada”. O processo dispõe de meios probatórios obtidos de forma lícita com suficiente autonomia relativamente à prova alegadamente proibida.
LXXXVIII. Com efeito, a maior parte dos documentos juntos às cartas foram entregues voluntariamente pelo Arguido BANCO ..., S.A. ao Recorrente logo no início das averiguações (prova disso são as diversas actas do Conselho de Administração, deste período, juntas aos autos no Anexo XXIII-B, a fls. 131 e seguintes).
LXXXIX. Acresce que a maior parte de tal documentação foi também junta, no decurso do processo de contra-ordenação, pela testemunha S... (cfr. Anexos VI a VI-U).
XC. Aliás, durante todo o processo, os Arguidos pronunciaram-se amplamente sobre a documentação junta aos autos e sobre os factos a que se reportam os documentos, confirmando expressamente a autenticidade da generalidade dos documentos e a veracidade do respectivo conteúdo.
XCI. Pelo que também nesse aspecto e quanto a essa prova se pode dizer que se está claramente para além dos limites que as já referidas circunstâncias marcam ao efeito à distância da alegada nulidade de prova.
XCII. A rejeição da verificação in casu dos limites do efeito à distância pela Decisão recorrida consubstancia uma interpretação errónea e uma aplicação indevida, e, portanto, uma violação dos artigos 126.º, n.ºs 1 a 3, do CP, 122.º do CPP, 41.º do RGCO, e, bem assim, 32.º, n.º 8, da Constituição.
XCIII. Em síntese, mesmo a considerar-se verificada a nulidade dos documentos juntos às cartas de F... por violação do sigilo bancário – o que de forma nenhuma se admite –, tal nulidade não afectaria qualquer outra prova constante dos autos, devendo o processo prosseguir os seus normais termos, ainda que – no que não se concede – com eventual desconsideração dos documentos de fls. 4672 a 4700 do Volume XXIIII.


Nestes termos e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, vem o Recorrente solicitar que seja revogada a Decisão recorrida e substituída por outra que, ao abrigo do artigo 75.º, n.º 2, alínea a), do RGCO:
i) Declare improcedente a nulidade das provas consubstanciadas nas informações contidas nas cartas assinadas por F... a 28 de Novembro de 2007 e 11 de Dezembro de 2007, bem como nos documentos a elas anexos;
ii) Declare improcedente a invalidade dos demais actos e provas que se lhe seguiram; e, 
ii) Ordene a continuação da audiência de julgamento,
assim se fazendo a costumada e boa Justiça!
           
            5. Foram apresentadas as seguintes respostas aos recursos, cujas conclusões se transcrevem:
           
            5.1. Resposta do arguido G… ao recurso interposto pelo Banco de Portugal :
A.             O Arguido apresentou recurso de impugnação da decisão do Banco de Portugal que o condenou no pagamento de uma coima de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil Euros) e na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 3 anos, pela alegada prática de duas contra-ordenações por prestação de falsas informações ao Banco de Portugal, duas contra-ordenações por alegada falsificação de contabilidade e duas contra-ordenações por alegada falsificação de contabilidade relativamente ao Grupo EA… .
B. Em 7 de Outubro de 2011 foi proferido despacho judicial que declarou a nulas as provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F..., bem como nos documentos a elas anexos, e que, em consequência, declarou a invalidade de todo o processado, por delas estar dependente.
C. O Banco de Portugal recorreu do mencionado despacho, não se aceitando, porém os termos do respectivo recurso.
D. Em primeiro lugar, importa salientar que o recurso interposto pelo Banco de Portugal, com os fundamentos nele constantes, não deve ser admitido porquanto o despacho não é, com tais fundamentos, recorrível, sob pena de violação do disposto no artigo 73.º, n.º 1 e 2 do RGCO.
E. Com efeito, o despacho de 7 de Outubro de 2011 não é uma decisão final para efeitos do disposto no artigo 73.º do RGCO, não se enquadrando no elenco taxativo apresentado no mencionado preceito legal.
F. Por outro lado, o recurso do Banco de Portugal a que ora se responde também não se integra no disposto n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não tendo sido identificada a questão que seria o objecto da suposta à melhoria do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, nem o Banco de Portugal tem legitimidade para interpor tal recurso.
G. Termos em que é forçoso concluir que, em conformidade com o disposto no artigo 414.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 74.º n.º 4 do RGCO, o recurso não deve ser admitido porque o despacho em crise é irrecorrível.
H. Ainda que o recurso do Banco de Portugal seja admitido, os argumentos nele invocados não podem ser aceites, devendo o despacho recorrido ser mantido.
I. Com efeito, não vale o argumento sustentado pelo Banco de Portugal de que a génese de todo o processo não é a denúncia do comendador F..., mas sim uma deliberação do Conselho de Administração do Recorrente, com base na Nota Informativa da autoria da testemunha T3....
J. Tal posição do Banco de Portugal é contrariada pelas declarações prestadas por L..., T2..., na sessão de julgamento de 14 de Junho de 2011 e por F... (na audição que teve lugar em 16 de Setembro de 2011).
K. Por outro lado, ao longo dos anos em que decorreram os factos com relevância para o objecto deste processo, o Banco de Portugal realizou acções inspectivas, as quais versaram inclusive sobre a concessão de crédito a sociedades sediadas em centros offshore, para além de toda a actividade de supervisão que esteve sempre atenta à actuação do banco, e nunca foi instaurado qualquer processo por contra-ordenação sobre esta matéria.
L. Acresce que os autos iniciam-se com a “Nota Informativa” n.º 3131/07, de 26.12.2007 (fls. 6 a 10) na qual se explica que o processo começou com base em tais denúncias, conforme confirmado pelo depoimento do Dr. T3..., autor da referida “Nota Informativa”.
M. Finalmente, a confirmação de que a génese deste processo está nas mencionadas Denúncias encontra-se nas declarações do então Governador do Banco de Portugal, Dr. M..., prestadas no dia 10 de Julho de 2008 perante a Comissão de Inquérito Parlamentar ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais (fls. 4701 a 4783 dos autos).
N. Face a todo o exposto, é evidente a conclusão que, independentemente das investigações que estivessem a ser realizadas pelo Banco de Portugal, as Denúncias F... foram os factos determinantes que conduziram à instauração do presente processo.
O. Também não deve ser aceite o argumento do Ministério Público de que não constituiria violação de segredo bancário a revelação de factos sob sigilo bancário ao Banco de Portugal no âmbito das suas atribuições, uma vez que esta Instituição teria atribuições próprias de fiscalização da banca e é sujeito do dever de segredo bancário.
P. Sucede que esta argumentação do Ministério Público é contrariada pelo regime legal do sigilo bancário estabelecido nos artigos 78.º a 84.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – “RGICSF”), 125.º, 126.º e 135.º do Código de Processo Penal, 195.º a 198.º do Código Penal e 38.º da Constituição da República Portuguesa.
Q. A prova que resulta da violação de segredo corresponde a prova obtida por meios enganosos, sendo proibida e, por isso, nula (artigo 126.º, n.º 2, alínea a) in fine do Código de Processo Penal) e tal prova é também proibida por corresponder a uma intromissão na vida privada do titular das contas (artigos 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º n.º 3 do Código de Processo Penal); e a revelação de segredo alheio sem consentimento constitui crime de violação de segredo (artigo 195.º do Código Penal).
R. Contendo as Denúncias F... dados de contas bancárias e operações de clientes que não deram o seu consentimento à respectiva revelação e estando juntas ao processo sem se escudarem em qualquer despacho judiciário ou judicial, constituem tais denúncias prova proibida que não pode em caso algum ser utilizada.
S. Acresce que a violação do dever de segredo não ocorreu no momento em que F... apresenta as denúncias ao Banco de Portugal, mas em momento anterior, não sendo, necessariamente, o ilícito existente a montante apagado no momento em que as denúncias são entregues ao BdP, pelo simples facto de as revelações ao supervisor poderem ser feitas ao abrigo da cláusula de salvaguarda prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF.
T. Caso assim não se entendesse, abrir-se-ia caminho para que fossem cometidas violações ao sigilo bancário, sempre que se colocasse uma interposta pessoa que não tivesse intervindo na violação do sigilo bancário para comunicar os referidos factos ao Banco de Portugal (!).
U. Em suma, verificou-se a violação do sigilo bancário.
V. Estando, no presente caso, a prova proibida na origem do processo e tendo sido o motor da investigação e base da acusação, aplica-se o efeito à distância da prova proibida, consagrado no artigo 122.º, n.º 1 do Código do Processo penal como nulidade.
W. Acresce referir que, ao contrário do alegado pelo Banco de Portugal (i) as Denúncias F... consubstanciam prova primária, (ii) não há nada que indicie, muito menos que demonstre (como se exige nesta situação), a possibilidade de ocorrer outra actividade investigatória que conduzisse às alegadas descobertas feitas durante este processo; e (iii) quanto à mácula dissipada importa ter presente que as denúncias eram um verdadeiro guia de investigação, propondo diligências probatórias e sugerindo normas aplicáveis, tendo o guião sido seguido, não sendo as diligências probatórias dissociáveis ou autónomas das denúncias.
X. Pelo exposto, julga G... que, à luz do disposto nos artigos deverá ser mantida a decisão de nulidade das provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F..., bem como nos documentos a elas anexos, e, consequentemente, a invalidade de todo o processado, por delas estar dependente.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá ser mantido o despacho recorrido, de 7 de Outubro de 2011, que declarou a invalidade de todo o processado, assim se fazendo a costumada Justiça.                

            5.2. Resposta do arguido G… ao recurso interposto pelo Ministério Público:
A.             O Arguido apresentou recurso de impugnação da decisão do Banco de Portugal que o condenou no pagamento de uma coima de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil Euros) e na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 3 anos, pela alegada prática de duas contra-ordenações por prestação de falsas informações ao Banco de Portugal, de duas contra-ordenações por alegada falsificação de contabilidade e de duas contra-ordenações por alegada falsificação de contabilidade relativamente ao Grupo EA… .
B. Em 7 de Outubro de 2011 foi proferido despacho judicial que declarou nulas as provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F..., bem como nos documentos a elas anexos, e que, em consequência, declarou a invalidade de todo o processado, por delas estar dependente.
C. O Ministério Público recorreu do mencionado despacho, não se aceitando, porém, os termos do respectivo recurso.
D. Em primeiro lugar, o recurso interposto pelo Ministério Público, com os fundamentos nele constantes, não deve ser admitido porquanto o despacho não é, com tais fundamentos, recorrível, sob pena de violação do disposto no artigo 73.º n.ºs 1 e 2 do RGCO
E. Com efeito, o despacho de 7 de Outubro de 2011 não é uma decisão final, para efeitos do disposto no artigo 73.º do RGCO, não se enquadrando no elenco taxativo apresentado no mencionado preceito legal.
F. Por outro lado, o recurso do Ministério Público a que ora se responde também não se integra no disposto n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, não tendo sido identificada a questão que seria o objecto da suposta melhoria do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
G. Termos em que é forçoso concluir que, em conformidade com o disposto no artigo 414.º n.º 2 do CPP, ex vi artigo 74.º n.º 4 do RGCO, o recurso não deve ser admitido porque o despacho em crise é irrecorrível.
H. Ainda que o recurso do Ministério Público seja admitido, os argumentos nele invocados não podem ser aceites, devendo o despacho recorrido ser mantido.
I. Com efeito, não vale o argumento sustentado pelo Ministério Público de que a génese de todo o processo não é a denúncia do comendador F..., mas sim o exercício de uma acção de supervisão on site que apurou determinados indícios de práticas de contra-ordenações e que o resultado dessa acção de supervisão é que determinou a proposta de abertura do processo de contra-ordenação.
J. Tal posição do Ministério público é contrariada pelas declarações prestadas por L..., por T2... (funcionário do Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal até 2008), na sessão de julgamento de 14 de Junho de 2011 e por F... (na audição que teve lugar em 16 de Setembro de 2011).
K. Por outro lado, ao longo dos anos em que decorreram os factos com relevância para o objecto deste processo, o Banco de Portugal realizou acções inspectivas, as quais versaram inclusive sobre a concessão de crédito a sociedades sediadas em centros offshore, para além de toda a actividade de supervisão que esteve sempre atenta à actuação do banco, e nunca foi instaurado qualquer processo por contra-ordenação sobre esta matéria.
L. Acresce que os autos iniciam-se com a “Nota Informativa” n.º 3131/07, de 26.12.2007 (fls. 6 a 10), na qual se explica que o processo começou com base em tais denúncias, conforme confirmado pelo depoimento do Dr. T3... (economista, colaborador do Banco de Portugal desde 1979), autor da referida “Nota Informativa”.
M. Finalmente, a confirmação de que a génese deste processo está nas mencionadas Denúncias encontra-se nas declarações do então Governador do Banco de Portugal, Dr. M..., prestadas no dia 10 de Julho de 2008 perante a Comissão de Inquérito Parlamentar ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais (fls. 4701 a 4783 dos autos).
N. Face a todo o exposto, é evidente a conclusão que, independentemente das investigações que estivessem a ser realizadas pelo Banco de Portugal, as Denúncias F... foram os factos determinantes que conduziram à instauração do presente processo.
O. Também não deve ser aceite o argumento do Ministério Público de que não constituiria violação de segredo bancário a revelação de factos sob sigilo bancário ao Banco de Portugal no âmbito das suas atribuições, uma vez que esta Instituição Bancária teria atribuições próprias de fiscalização da banca e é sujeito do dever de segredo bancário.
P. Sucede que esta argumentação do Ministério Público é contrariada pelo regime legal do sigilo bancário estabelecido nos artigos 78.º a 84.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – “RGICSF”), 125.º, 126.º e 135.º do Código de Processo Penal, 195.º a 198.º do Código Penal e 38.º da Constituição da República Portuguesa.
Q. A prova que resulta da violação de segredo corresponde a prova obtida por meios enganosos, sendo proibida e, por isso, nula (artigo 126.º n.º 2 alínea a) in fine do Código de Processo Penal) e tal prova é também proibida por corresponder a uma intromissão na vida privada do titular das contas (artigos 32.º n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e 126.º n.º 3 do Código de Processo Penal) e a revelação de segredo alheio sem consentimento constitui crime de violação de segredo (artigo 195.º do Código Penal).
R. Contendo as Denúncias F... dados de contas bancárias e operações de clientes que não deram o seu consentimento à respectiva revelação e estando juntas ao processo sem se escudarem em qualquer despacho judiciário ou judicial, constituem tais denúncias prova proibida que não pode em caso algum ser utilizada.
S. Acresce que a violação do dever de segredo não ocorreu no momento em que F... apresenta as denúncias ao BdP, mas em momento anterior, não sendo, necessariamente, o ilícito existente a montante apagado no momento em que as denúncias são entregues ao BdP, pelo simples facto de as revelações ao supervisor poderem ser feitas ao abrigo da cláusula de salvaguarda prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 79.º do RGICSF.
T. Caso assim não se entendesse, abrir-se-ia caminho para que fossem cometidas violações ao sigilo bancário, sempre que se colocasse uma interposta pessoa que não tivesse intervindo na violação do sigilo bancário para comunicar os referidos factos ao Banco de Portugal (!).
U. Em suma, verificou-se a violação do sigilo bancário.

V. Estando, no presente caso, a prova proibida na origem do processo e tendo sido o motor da investigação e base da acusação, aplica-se o efeito à distância da prova proibida, consagrado no artigo 122.º n.º 1 do Código de Processo Penal como nulidade.
W. Acresce referir que, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, (i) as Denúncias F... consubstanciam prova primária; (ii) não há nada que indicie, muito menos que demonstre (como se exige nesta situação), a possibilidade ocorrer outra actividade investigatória que conduzisse às alegadas descobertas feitas durante este processo; e (iii) quanto à macula dissipada importa ter presente que as denúncias eram um verdadeiro guia de investigação, propondo diligências probatórias e sugerindo normas aplicáveis, tendo o “guião” sido seguido, não sendo as diligências probatórias dissociáveis ou autónomas das denúncias.
X. Pelo exposto, julga G... que, à luz do disposto nos artigos deverá ser mantida a decisão de nulidade das provas consubstanciadas nas informações contidas nas denúncias assinadas por F..., bem como nos documentos a elas anexos, e, consequentemente, a invalidade de todo o processado, por delas estar dependente.
ANestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá ser mantido o despacho recorrido, de 7 de Outubro de 2011 que declarou a invalidade de todo o processado, assim se fazendo a costumada Justiça!

            5.3. Resposta do arguido C… a ambos os recursos:
            1 – A decisão recorrida fez uma correcta aplicação do direito aos factos provados. Na verdade:
            2 - O raciocínio do Meritíssimo Juiz "a quo"  não merece qualquer reparo, porque a decisão se apoia nas normas legais pertinentes. Note-se que:
            3 - Nos termos do disposto no artigo 75/1 do RGCO "a segunda instância apenas conhecerá de matéria de direito". Por isso:
            4 - A matéria de facto fixada pelo tribunal é insindicável, excepto no quadro legalmente formatado  que consta do artigo 410/2 do CPP.
            5 - A matéria de facto é a que se apurou e não a que se apuraria se o julgamento tivesse sido outro, conforme parecem pretender os recorrentes. Acresce que:
            5 – Não existe qualquer dos vícios constantes do artigo 410/2 do CPP, porquanto:
            a) Não há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
            b) Não há contradição, insanável ou outra, da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
            c) Não há erro notório na apreciação da prova.
            6 - A decisão recorrida apoia-se, no que a elementos de facto diz respeito,  em provas sólidas e inatacáveis, a saber: a nas cartas de F... de 28 de Novembro e de 11 de Dezembro de 2007 e documentos a elas anexos (em cópia, de fls. 4672 a 4687 e 4700, e no original, de fls. 10928 a 10935); nos depoimentos das testemunhas T2..., T3..., L... e F..., prestadas no decurso dos autos. Convoca ainda declarações de M..., quando ouvido na Comissão de Inquérito Parlamentar ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais (fls. 4701 a 4783), bem como no depoimento, tido como credível, do arguido D....
            7 – Aplica-se aqui o princípio da livre apreciação da prova, que consta do artigo 127 do CPP, desprezado pelos recorrentes, como se não existisse.
            8 - Do facto de haver mais prova a produzir, não decorre, nem da lei, nem da lógica, que se não possa decidir uma questão prévia. O que decorre dessas suas fontes, lei e lógica é, precisamente, o oposto. Caso contrário nunca as questões seriam prévias ou tratadas como tal (prévias).
            9 – Da análise criteriosa da prova indicada, resultou, com enorme clareza:
            a) A obtenção, por via ilícita e criminosa, de elementos sujeitos à obrigação de segredo bancário por indivíduo(s) não identificado(s).
            b) A entrega destes elementos, por forma anónima, a F....
            c) O reenvio destes elementos – pelo referido F... - ao Banco de Portugal, acompanhado as denúncias que acima se discriminaram.
            Bem como resultou:
            10 - O nexo de causalidade entre o envio/recepção destes elementos e o desencadear do processo de contra-ordenação.
            11 - A inexistência de qualquer outro motivo de nascimento do dito processo.
            12 – O segredo bancário é previsto e protegido pela lei (artigos 78 e 79 do RGICSF).
            13 - Só em cumprimento de um pedido de informação formulado BdP, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 120º do RGIC, os factos ou elementos cobertos pelo dever de segredo poderiam ser (licitamente) revelados ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do art. 79º do RGIC e, por isso, cognoscíveis no processo.
            14 - Ou seja, em processo de contra-ordenação que corre os seus termos ao abrigo do RGICSF, o BdP, sob pena de nulidade da prova, só pode usar informação coberta pelo dever de segredo bancário se esta lhe for transmitida por sujeito passivo de desse segredo mediante consentimento do cliente da instituição de crédito, na sequência de pedido seu no quadro do exercício das suas atribuições ou mediante despacho judicial que o ordene nos termos previstos na lei processual penal.
            15 – Caso contrário seria como admitir que uma escuta não autorizada e, por isso, não admissível como elemento de prova, passaria a sê-lo após colocação, por exemplo, no "you tube"!!!.
            16 - A menção ao grupo Q... efectuada nos pontos 2 da acta n.º 619, de dia 17 e no ponto 4 da acta n.º 620, do dia 23, nada tem a ver com o assunto das suas (alegadas, dizem) 4 sociedades off-shore.
            17 - O assunto versado nessas actas, reporta-se a uma polémica sobre recontagem de juros, tratada no chamado "corporate". relativos a créditos concedidos a sociedades On Shore, que eram de U....
  18 - Razão pela qual as investigações iniciadas no dia 23, a que se alude a fls. 123, não constam, ao que se julga atenta a sua imensidão, dos presentes autos, nem delas se falou ou retirou qualquer ilação. Havia muitos assuntos ligados ao membro do Conselho Superior U... e, insiste-se, o assunto versado nas duas actas, nada tem a ver com o que se refere a esta mesma pessoa nestes autos. O BdP tem de saber isto e invoca este facto com manifesta má-fé.
            19 – Os elementos entregues por V… foram-no depois da abertura do processo, tendo-lhe sido facultados pelo próprio BANCO ..., S.A..
            20 – Processo que foi aberto, como a prova demonstrou, por causa das denúncias efectuadas por F... e pelos elementos que estas carreavam,
            21 – Elementos obtidos com violação do segredo bancário, o que constitui crime, nos termos do disposto no artigo 195 do CP.
            Como refere a jurisprudência:
            22 - Constituem prova de valoração proibida os documentos respeitantes a uma conta bancária obtidos com violação do sigilo bancário.
            23 - Se essa prova serviu para dar como provados factos que levaram à condenação do arguido, a sua nulidade acarreta a nulidade da sentença.
            24 - Não havendo fonte independente, também o resultado (descoberta) não seria inevitável.
            25 – Não estamos perante um caso de mácula dissipada. Chama-se a atenção para as conclusões 16 e 19.
            26 – A prova obtida em violação do segredo bancário é nula.
            27 – Projectando-se a sua nulidade aos actos ulteriores do processo, os quais se não desligaram da mácula inicial, sendo por ela determinados e produzidos.
            28 – A decisão recorrida é consistente, convincente, congruente e mostra-se totalmente conforme com o direito.
            NESTES TERMOS:
            Devem os presentes recursos serem considerados improcedentes com as legais consequências, mantendo-se, na totalidade, o douto despacho recorrido.

            5.4. Resposta dos arguidos B... e E... a ambos os recursos:
            I - As alegações de recurso estabelecem confusões enormes entre os seguintes aspectos cuja distinção é essencial à boa decisão da questão de que tratamos: (i) A violação de segredo perante F... (a única afirmada na Sentença recorrida) e a pretensa violação de segredo perante a entidade administrativa; (ii) A possibilidade de sanação ou convalidação de nulidades probatórias ( que se cinge a um problema de proibição de provas) e a pretensa extensão do segredo bancário à entidade administrativa (problema bem distinto, de interpretação do art. 79º, nº 2, a) do RGICSF); (iii) A validação e valoração a posteriori de provas ilícitas obtidas no passado por métodos proibidos e criminosos, fora de qualquer instância processual de controlo, e a ponderação prévia e necessária para que uma instância processual de controlo autorize que possa ser produzida (no futuro) uma prova proibida.
II. A Sentença recorrida considerou que a violação do segredo bancário se verificou com a divulgação a F... das informações e documentos relativos ao BANCO ..., S.A. e não com a posterior revelação destes elementos à entidade administrativa.
III. As alegações de recurso erram manifestamente o alvo, visto que estabelecem uma confusão permanente, entre a violação do segredo bancário em face de F..., afirmada na Sentença recorrida, e uma pretensa violação de segredo em face da entidade administrativa, que a Sentença manifestamente não afirma.
IV. Não há quaisquer dúvidas que a divulgação a F... das informações e documentos respeitantes ao BANCO ..., S.A. não é abrangida pela excepção ao dever de segredo constante do artigo 79º, nº 2, alínea a), visto F... (manifestamente) não é o Banco de Portugal, nem exerce as atribuições deste.
V. Nas suas alegações, a entidade administrativa e o Ministério Público efectuam uma interpretação “contra-legem” dos arts. 178º, nº 1, e 179º, nº 2, a), do RGICSF, violando a letra e a razão sistemática e teleológica das referidas normas.
VI. O art. 79º, nº 2, a), do RGICSF prevê as “excepções ao dever de segredo” (consagrado no art. 78º) e o seu teor literal é especialmente restritivo ao prescrever que os elementos cobertos pelo segredo podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições, pelo que esta excepção manifestamente não inclui revelações efectuadas a terceiros, mais concretamente a F....
VII. Nas respectivas alegações, a entidade administrativa alega que estão não haverá qualquer violação de segredo bancário, em quaisquer revelações a estranhos de elementos relativos a instituições bancárias, desde que em momento superveniente esses elementos venham a chegar à esfera da entidade administrativa, o que constitui uma interpretação manifestamente inaceitável dos arts. 78º e 79º, nº 2, a), do RGICSF.
VIII. Através desta interpretação, a entidade administrativa transforma a excepção em regra e a regra em excepção, visto que todas as divulgações e revelações são lícitas, em função de um elemento a verificar “a posteriori” (a chegada dos elementos à esfera da entidade administrativa), pelo que, no entendimento constante das alegações, o dever de segredo é a excepção as “excepções ao dever de segredo” passam a ser a regra.
IX. Na prática, ao interpretar uma norma que prevê uma excepção (o art. 79º, nº 2, a) do RGICSF) a entidade administrativa efectua uma interpretação ab-rogatória da norma que prevê a regra do segredo (o art. 78º do RGICSF), o que constitui evidente atropelo ao elemento sistemático da interpretação.
X. A entidade administrativa comete um claro erro teleológico, na interpretação que defende para os arts. 78º e 79º, nº 2, a), pois a mesma, na prática, redundaria na supressão do segredo bancário e no consequente sacrifício das finalidades de ordem pública, que estas normas prosseguem, de protecção do sistema bancário e financeiro com base num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança.
XI. Na interpretação dos arts.78º e 79º, nº 2, a), do RGICSF, nunca se poderá efectuar uma ponderação entre o dever de segredo e o interesse da supervisão bancária na prossecução de sanções contra-ordenacionais, que aniquile a finalidade de protecção do sistema financeiro que ambos prosseguem.
XII. Ao interpretar os arts. 78º e 79º, nº 2, a) do RGICSF no sentido de que não haverá violação de segredo bancário em quaisquer revelações a estranhos, desde que supervenientemente os factos revelados venham a chegar à sua posse, a entidade administrativa estilhaça por completo a protecção da confiança no sistema financeiro, em nome precisamente da defesa da protecção da confiança nesse sistema visada pelas referidas normas.
XIII. Nas suas alegações, a entidade administrativa não efectua qualquer ponderação entre os eventuais ganhos da actividade de supervisão e a enorme perda de confiança no sistema bancário que resultaria da enorme compressão do segredo bancário que advoga.
XIV. A divulgação de informações a F... certamente não justifica a contracção de um direito fundamental e de personalidade à reserva da vida privada, tutelado pelo segredo bancário.
XV. A entidade administrativa não está limitada pelo segredo bancário e podia, pode e poderá sempre, tendo aliás muitos poderes para isso, obter e investigar elementos relativos à vida das instituições bancárias, mas o que não pode é sanar nulidades e crimes ocorridos anteriormente.
XVI. A questão que o recurso verdadeiramente coloca é a de saber se, apesar de as provas terem sido produzidas e reveladas a F..., através de um método proibido - pela prática de um crime de violação de segredo bancário −, e que torna essas provas nulas (art. 126º, nº 3, do C.P.Penal), esta nulidade é sanada pelo facto de a entidade administrativa Recorrente ter tido acesso e ter utilizado essas provas, que é, obviamente, um problema de métodos proibidos de prova e já não - como parece pretender a entidade administrativa Recorrente - um problema de interpretação das regras sobre segredo bancário.
XVII. A verdade - “conquistada” por anos de evolução civilizacional e processual penal - é que não se pode ignorar o que vem do passado, sob pena de se desconsiderarem as mais basilares regras e princípios de proibição de provas em processo penal, aplicáveis ainda com maior rigor (tendo em conta as finalidades de mera ordenação social) aos processos de contra-ordenação, pelo que não só não se deve ignorar o passado, como, efectivamente, seria uma ilegalidade gritante fazê-lo, especialmente, quando no passado “imediatamente anterior” se encontra a prática de um crime.
XVIII. No fundo, defende o Recorrente Banco de Portugal que não importa que se verifique, em geral, um, dois, três, (mil!) crimes de violação de segredo; Desde que os documentos e informações venham a ser entregues ao Banco de Portugal, esses crimes e a nulidade que dos mesmos advêm ficariam imediatamente sanadas (como que por magia), entendimento que manifestamente não pode proceder, sob pena de colapsar todo o processo penal, pois tal alegação significa o mesmo que defender que não importam, pura e simplesmente, quaisquer nulidades de prova que ocorram numa fase prévia à abertura de um processo contra-ordenacional.
XIX. Para fins de mera ordenação social, a entidade administrativa consegue atribuir-se poderes excepcionais de sanação de nulidades de provas obtidas por meios criminosos fora de qualquer instância processual de controlo, que o próprio Ministério Público manifestamente não tem para fins de justiça criminal.
XX. Em face do teor dos documentos em causa e dos vários depoimentos ouvidos em audiência de julgamento, ficou claro que um funcionário ou administrador do BANCO ..., S.A. - ou algum auditor externo, mas também vinculado ao segredo - poderia ter acesso em primeira-mão a estes documentos., pelo que a alegação de que não se sabe se os documentos foram fornecidos a F... por alguém do BANCO ..., S.A. não faz qualquer sentido.
XXI. Nas suas alegações, a entidade administrativa confunde por completo a possibilidade de suscitar licitamente o mecanismo de quebra/levantamento do sigilo bancário, no momento e sede processuais próprias, com a possibilidade de aproveitar e valorar violações ilícitas desse mesmo segredo, ocorridas em momento anterior, fora de qualquer instância processual.
XXII. O que se pediu em 1ª instância e se pede a este Venerando Tribunal não é que, com base numa ponderação de interesses possa vir a ser divulgada de forma lícita e controlada informação sigilosa; O que a entidade administrativa pede a este Venerando Tribunal é que corrobore, confirme e valide a divulgação ilícita (criminosa) e descontrolada de informação bancária sigilosa, ocorrida no passado com a revelação de elementos a F....
XXIII. Trata-se de duas coisas tão distintas, como o lícito e o ilícito, o valor e o desvalor.
XXIV. Só naquela primeira hipótese, no momento e sede processuais próprias - por exemplo, em audiência de julgamento, perante uma testemunha sujeita a sigilo - se pode ainda fazer a tal ponderação de valores de que fala a entidade administrativa recorrente, por forma a aferir qual deve prevalecer, fazendo depender, todavia, a efectiva quebra do sigilo bancário de uma apreciação judicial que é necessariamente prévia à revelação.
XXV. Nada disso sucede no presente caso, visto que o segredo bancário não foi alvo de qualquer ponderação (judicial ou outra) a montante, tendo sido pura e simples e criminosamente violado, sendo certo que o que se discute é a sanação da nulidade das provas obtidas com violação desse sigilo bancário, pelo que não há aqui qualquer ponderação que valha para efeitos de levantamento do sigilo.
XXVI. No art. 79º do RGICSF, o legislador democraticamente eleito já efectuou a ponderação de interesses a que se refere a entidade administrativa, pelo que não cabe à entidade administrativa efectuar outras ponderações que mais não visam do que “branquear” provas produzidas por métodos criminosos.
XXVII. A Veneranda Relação do Porto, no recente Acórdão de 23.02.2011, tirado no processo nº 4332/04.0TDPRT.P1, em que estava em causa a perseguição de crimes de burla qualificada e falsificação, considerou que: Constituem prova de valoração proibida os documentos respeitantes a uma conta bancária obtidos com violação do sigilo bancário.
XXVIII. Se assim é para fins penais, por maioria de razão, assim terá de ser para fins de mera ordenação social.
XXIX. A alegação de que não há qualquer violação do dever de segredo bancário, porque este foi devidamente violado é inaceitável e até assustadora, vindo da entidade administrativa.
XXX. Porque um acto vale mais do que mil palavras, os actos da entidade administrativa ao não colocar as denúncias de F... no início do processo como seria normal, apenas as colocando no meio do processo e na sequência de requerimento de um dos arguidos revela que esta estava bem ciente da mácula orginária do presente processo e só por isso encobriu a referida mácula, só por isso afirmou que não se trataria de denúncias quando anteriormente sempre falou de denúncias.
XXXI. Os factos apurados em audiência de julgamento e constantes da motivação da Sentença recorrida são absolutamente inequívocos: o presente processo de contra-ordenação resultou da violação do segredo bancário, em face de F..., visto que foi aberto na sequência e com base nas denúncias que este enviou à entidade administrativa.
XXXII. Além de outras provas, a Decisão recorrida baseia esta conclusão no depoimento de dois directores de supervisão da entidade administrativa, de um ex-Vice-Governador e de um ex-Governador, tendo todos afirmado que o processo se iniciou na sequência e por causa das denúncias de F....
XXXIII. A alegação de que o presente processo não se iniciou com as denúncias, mas antes com a Nota Informativa constante do início do processo, lavrada pelo Dr. T3... (que, ainda por cima. reconheceu que lavrou essa nota na sequência das denúncias) é de um artificialismo gritante.
XXXIV. Não há dúvida de que a nulidade das provas obtidas por violação do segredo bancário se comunicou às restantes provas do processo, obtidas com base e por causa daquelas provas primárias.
XXXV. Após uma análise profundíssima, a Sentença recorrida, com base numAcórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, relatado pela Sr. Conselheiro. Dr. Armindo Monteiro. e disponível no site www.dgsi.pt.”, num “Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 19812004, de 24-03-2004, publicado no DR, II série, de 02-06-2004” (v. as págs. 15 e 16) e em Doutrina específica sobre o tema concluiu correctamente que se verifica um “nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova, toda ela produzida após aquela e na sua sequência lógica.
XXXVI. Em cumprimento do art. 32º, nº 6, da CRP que estabelece a nulidades de “todas as provas obtidas” por métodos ilícitos, o artigo 122º do C.P:P. dispõe que as nulidades probatórias tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar”, assim se evidenciando a posição de princípio do nosso direito processual penal, no sentido de a nulidade das provas proibidas se estender ás restantes provas.
XXXVII. Nos presentes autos não se verifica qualquer uma das limitações do efeito-à-distância, conforme se evidencia na Decisão recorrida e nas presentes alegações, sendo certo que caberia à entidade administrativa provar para lá de toda a dúvida a verificação de uma dessas limitações, o que manifestamente não sucedeu.
XXXVIII.Conforme se afirma na Sentença, as notícias que sobre o objecto dos autos foram sendo publicadas, só surgem depois da primeira denúncia ter sido apresentada no Banco de Portugal”, pelo que estas notícias nunca poderiam pôr em causa o efeito-à-distância, até porque a entidade administrativa não provou e teria de provar que as notícias não provêm da violação de segredo bancário ocorrida perante F....
XXXIX. Ou seja, a entidade administrativa não provou e teria de provar que as notícias provêm de uma “fonte independente”, não estando também elas manchadas pela mácula criminosa que ditou a mácula probatória.
XL. Perante os factos, a entidade administrativa manifestamente não conseguiu efectuar a prova de que se não tivesse ocorrido a revelação de elementos a F... teria efectuado uma outra actividade investigatória; Pelo contrário, o que factos indiciam é que a actividade investigatória só foi possível por causa do crime de violação de segredo bancário em face de F....
XLI. A dúvida sobre a verificação dos limites ao “efeito-à-distância” da nulidade das provas reveladas a F... só pode favorecer os Recorridos, porque, no fundo, é uma dúvida sobre um elemento essencial à respectiva condenação, tendo de ser valorada pro reo.
XLII. A mácula das nulidades probatórias não foi dissipada, antes se manteve ao longo de todo o processo, tendo até sido agravada pela tentativa de encobrimento.
XLIII. Os Recorridos confiam que este Venerando Tribunal não tolerará a tentativa de abalar os fundamentos do Estado de Direito, através da validação de provas criminosas para finalidades de mera ordenação social, e irá manter a nulidade das provas e do processo afirmadas na Sentença recorrida.
            5.5. Resposta do arguido D… a ambos os recursos:
            1.ª        Devem ser declarados inadmissíveis os recursos interpostos na parte em que consubstanciam impugnação de matéria de facto, por violação do disposto no art. 75.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF;
            2.ª        Inexiste qualquer vício da decisão recorrida, nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF, porquanto se não verifica qualquer erro notório de apreciação da prova, insuficiência ou contradição;
            3.ª        O presente processo surge no seguimento de uma carta denúncia com documentos ilegitimamente furtados, apropriados e divulgados aos media e só depois enviada ao Banco de Portugal, à Procuradoria-Geral da República e à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.
            4.ª        Antes da recepção da denúncia, o Banco de Portugal não tinha conhecimento dos “casos” das 17 off-shoreC..., ou Q..., que não teria identificado não fora a denúncia;
            5.ª        Os elementos contidos na denúncia estavam cobertos por sigilo bancário, nos termos do art. 78.º do RGICSF.
            6.ª        Não tendo existido consentimento do titular das contas, pedido da autoridade de supervisão ou despacho de autoridade judicial ou judiciária a autorizar a quebra de sigilo bancário, nos termos do art. 79.º do RGICSF, o fornecimento de tais elementos a F... consubstancia a prática de crime de violação de segredo bancário p. e p. pelo art. 195.º do CP, por algum membro dos órgãos ou algum funcionário do BANCO ..., S.A..
            7.ª        Pretender, com fazem os recorrentes, extrair das normas dos arts. 78.º e 79.º do RCICSF, do art. 102.º, da CRP, do art. 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, dos arts. 93.º, n.º 1, e 116.º, n.º 1, do RICSF, norma segundo a qual “em processo de contra-ordenação podem quaisquer factos e elementos cobertos pelo dever de segredo bancário ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições, mesmo que não o sejam pelos órgãos ou departamentos competentes das entidades supervisionadas, mas em consequência de conduta violadora do sigilo bancário”, viola o disposto nos arts. 42.º, do RGCO, 126.º, n.º 1 e 2, al. a), e n.º 3, do CPP, e arts. 2.º, 26.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, 8, e 10, da CRP,
            8.ª        E isto porquanto não podem os interesses sistémicos na protecção do sistema financeiro ser considerados preponderantes à reserva da vida privada, nem aos princípios do Estado de Direito, constitucionalmente consagrados, nomeadamente à lealdade e legalidade dos meios de investigação e de prossecução processuais,menos ainda quando se trata da compressão daqueles princípios para prossecução de processo contra-ordenacional..
            9.ª        As provas assim obtidas e que deram origem a este processo consubstanciam prova proibida, nula, nos termos dos arts. 32.º, n.º 8, da CRP, e 126.º, n.º 2, al. a), por ter sido obtida de forma desleal e enganosa, bem como nos termos do art. 126.º, n.º 3, do CPP, todos ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF, por tal obtenção consubstanciar intromissão abusiva e ilícita na vida privada dos titulares das contas em causa, não podendo, em caso algum, ser utilizadas em processo contra-ordenacional, sob pena de violação do disposto no art. 42.º, n.º 2, do RGCO, 126.º, n.º 3, do CPP, ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF, e 32.º, n.º 8, da CRP.
            10.ª      A nulidade da prova constante da denúncia apresentada nestes autos afecta todos os actos subsequentes à denúncia, nos termos do art. 122.º do CPP,ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF, uma vez que os mesmos daquela são dependentes, acarretando, com isso a nulidade de toda a prova subsequente e de todo o processo, inclusive da acusação e da decisão condenatória.
            11.ª      Inexiste qualquer excepção a este efeito abrangente cominado no art. 122.º do CPP, exviart. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 232.º do RGICSF.
            12.ª      Consequentemente – e por se tratar de nulidade cuja reparação não é possível – deverá ser confirmado o arquivamento definitivo dos autos contra o ora requerente e contra todos os arguidos, tendo o tribunal feito aplicação correcta de todas as normas referidas nas conclusões precedentes.

            5.6. Resposta do arguido A… a ambos os recursos:
A. O presente recurso vem interposto da decisão do TPIC que declarou nulas as provas consubstanciadas nos documentos e informações contidos nas denúncias remetidas por F... ao BdP, a 27.11.2007 e 11.12.2007, por entender que os mesmos são a génese do presente processo; e, ao abrigo do artº 122º do CPP, declarou a invalidade dos demais atos e provas que se lhes seguiram, declarando a invalidade de todo o processado;
B. Não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo; todavia, mas o ora Recorrido não tem dúvidas acerca da admissibilidade do presente recurso, nos termos do artº 73º do RGCO, por se tratar de decisão que põe termo ao processo;
C. Não têm razão os Recorrentes quando sustentam que o juiz a quo andou mal ao proferir a decisão recorrida, no exato momento em que o fez – quando tinha disponível a informação necessária e para evitar atos inúteis;
D. Também não assiste razão aos Recorrentes quando afirmam que o despacho em crise padece de vício de falta de fundamentação;
E. É que, ao contrário do que sustentam, sobre este despacho, que não é uma sentença de mérito, não impendem as exigências de fundamentação próprias deste último tipo de atos, nos termos conjugados dos artºs 97º, nº 5, e 374º, ambos do CPP, ex vi artº 41º, nº 1, do RGCO;
F. Sucede que o despacho a quo revela suficiente fundamentação de facto, ao inventariar os factos e sua prova, tidos em conta para fundamentar a decisão. Assim,
G. O magistrado recorrido tem por certo que, (i) pela sua natureza, os factos e os documentos constantes das cartas denúncias de 28 de novembro e de 11 de dezembro de 2007, incorporados nos autos, respeitam à vida do BANCO ..., S.A. e a operações com clientes seus; (ii) que àqueles factos e documentos só tinham acesso administradores e membros da Alta Direção do BANCO ..., S.A., por lhe parecerem genuínas, e nenhum outro elemento as contraditar, as declarações de D... sobre o tema; (iii) que, por este último facto, tenham as informações e documentos chegado diretamente a F... (ou a terceiro, fora do círculo BANCO ..., S.A., que, por sua vez, as tenha transmitido a F...), com origem naqueles elementos do Banco, convicção que resulta das declarações de F..., conjugadas com as de D...; (iv) que as referidas cartas denúncias foram a génese do presente processo, facto que assenta nos depoimentos nesse sentido de T2..., T3..., L... e M..., pilares de todo o processo contra-ordenacional;
H. Ora, se o juiz a quo inventaria os factos tidos em consideração,que considerou provados através da prova produzida, fruto da aplicação do princípio da imediação; se aplicou o direito aos factos considerados provados; e se para os destinatários não subsistem dúvidas acerca do percurso lógico que conduziu à sua decisão, impõe-se a conclusão de que o despacho sub judice se encontra cabalmente fundamentado.
Posto isto, e passando à análise do segredo bancário,
I. Importa realçar que o tema se inscreve na dogmática dos direitos fundamentais. Na verdade,
J. O segredo bancário surgiu, como é comummente aceite, para proteger, em primeira linha, o direito fundamental à reserva da intimidade privada. Ora,
K. Como meio encontrado para assegurar aquela proteção, comunga aquele instituto do regime jurídico constitucionalmente consagrado para os direitos, liberdades e garantias. Que o mesmo é dizer, as restrições ao segredo bancário equivalem à restrição de um direito fundamental.
L. Nestes termos, todas as exceções àquele direito apenas poderão ocorrer de forma expressa e com reserva formal de lei.
M. Do que fica exposto, resulta que a alínea f), do nº 2, do artº 79º do RGICSF, não inclui na sua ratio as causas de exclusão de ilicitude, nem o princípio da proporcionalidade, que delimitam genericamente todos os tipos, mas sim aquelas normas que, prevendo expressamente uma restrição, venham a ser fixadas pelo legislador, em virtude de opções de política legislativa;
N. Acresce que, como é consabido, no que toca ao segredo bancário, tais exceções encontram-se nos artºs 519º, nº 4, e 861º-A, do CPC, 135º, nºs 2 e 3, e 181º do CPP, porquanto os mesmos preveem, de forma expressa, uma restrição ao segredo bancário e, por essa via, ao direito à reserva da intimidade privada;
O. Assim, a interpretação segundo a qual é permitido estabelecer exceções ao segredo bancário sempre que tal se afigure adequado – no confronto com outros interesses e valores considerados, pelo intérprete, preponderantes – é manifestamente inconstitucional, por violação do regime jurídico estatuído no artº 18º da Constituição;
P. Mais: deste regime, resulta, entre outros, o comando constitucional de que apenas a lei (em sentido formal e de forma expressa) pode restringir direitos, liberdades e garantias, devendo, em todo o caso, tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não cabendo, em caso algum, ao intérprete contrariar o juízo, realizado pelo legislador, de prevalência de determinados valores, em detrimento de outros;
Q. Além disso, cumpre referir que, em caso de dúvida, sempre deverá prevalecer a interpretação que conceda ao direito fundamental em causa a sua máxima expressão (cf. artº 18.º, n.º 3, da Constituição);
R. Assim, (i) no âmbito dos direitos fundamentais, apenas a lei, em sentido formal e de forma expressa, pode restringir o conteúdo de direitos; (ii) visando o segredo bancário a proteção do direito fundamental à reserva da vida privada, a sua restrição apenas pode operar nos termos do disposto no artº 18.º da Constituição; (iii) o legislador quanto ao segredo bancário, e no âmbito das atribuições do Banco de Portugal, efetuou, de forma indelével, um juízo de ponderação definitivo quanto à prevalência de interesses em confronto, esclarecendo em que situações deve o mesmo ceder; (iv) as causas gerais de exclusão da ilicitude encerram questão diversa que terá que ser compreendida no âmbito do espírito do sistema, entendido como um todo, não decorrendo, certamente, do artº 79º, nº 2, alínea f), do RGICSF, sob pena de redundância;
S. Como direito fundamental, o direito à reserva da intimidade privada impõe-se tanto a entidades públicas, como a entidades privadas. Assim,
T. In casu, temos, por um lado, (i) um direito dos cidadãos contra ingerências ilícitas na sua esfera de intimidade privada, por parte de terceiros, e, por outro, (ii) uma limitação dessa proteção, no caso de confronto com outros interesses constitucionalmente consagrados - a proteção do sistema financeiro (cf. artº 101.º da Constituição); ora,
U. No caso veretente, é inequívoco que a entrega da documentação por alguém, independentemente da sua identidade, protegida pelo segredo bancário, a F..., implica a prática de um crime de violação de segredo, uma vez que, em termos de presunções naturais e juízos de probabilidade, tais documentos, por serem informações confidenciais, relativas à instituição de crédito e aos seus clientes, apenas poderiam ter sido entregues por alguém de dentro do BANCO ..., S.A., em violação da sua obrigação de guardar segredo;
V. Na vertente da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, o segredo bancário, como instrumento de salvaguarda da reserva da identidade privada, impõe-se a terceiros, sendo garantido ao seu titular o direito de exigir o respeito por parte daqueles;
W. Tal faculdade que assiste ao titular do direito é tanto mais relevante quanto o legislador, nos termos do artº 195º do CP, entendeu tipificar a conduta violadora do segredo bancário como ilícita, em termos penais, com o juízo de ultima ratio que lhe é inerente;
X. E é por ser assim que não é admissível sustentar que os particulares, ao arrepio de todos os princípios constitucionais vigentes, possam praticar, eles mesmo, atos de investigação, especialmente quando tais atos de investigação constituam a prática de um crime;
Y.  Entendimento contrário equivaleria à admissibilidade de sanação de um crime pela entrega à autoridade competente, para fins – agora sim! – de investigação, no âmbito de um processo penal: seria – como bem referiu o julgador – “deixar entrar pela janela aquilo que não se deixou entrar pela porta”;
Z. Ora, é quanto à responsabilidade penal dos agentes do crime que caberá alegar e provar a existência de causas de exclusão da ilicitude;
AA. É  inquestionável que a comunicação indireta ao BdP beneficia de causa de exclusão de culpa se for feita, v.g. para a realização da justiça, no entanto sempre será necessário fazer prova dessa causa, o que não sucedeu in casu;
BB. Por outro lado, a comunicação direta ao BdP, em violação do sigilo bancário – ou ao abrigo de uma situação típica em que inexiste obrigação de segredo -, sendo aquele Banco a autoridade de supervisão, visa objetivamente a realização da justiça, seja qual for o estado de alma do comunicador, constituindo essa circunstância objectiva causa de exclusão de culpa, e não porque está diretamente abrangida pela permissão do artº 79º, nº 2, alínea a), do RGICSF;
CC. A admissibilidade de transmissão direta de factos sob sigilo ao BdP ancora-se em razões de política legislativa, porquanto, como facilmente se compreende, não seria possível ao BdP exercer as suas atribuições sem esbarrar, aqui e ali, com o segredo bancário. Assim,
DD. Perante esta necessidade premente, o legislador considerou que as informações abrangidas pelo segredo bancário teriam que ser livremente transmitidas ao BdP, para que este pudesse realizar, de pleno, as suas atribuições. Mas só neste sentido;
EE. Foi este o juízo de ponderação que levou o legislador a fixar aquela exceção. Foi esta a concordância prática encontrada entre a necessidade de assegurar o regular funcionamento do sistema financeiro (artº 101.º da Constituição) e a necessidade, não menos relevante, de assegurar o respeito pela reserva da vida privada;
FF. Sucede que tal possibilidade foi estabelecida pelo legislador quanto à transmissão, ao BdP, de informações abrangidas por aquele segredo, “no âmbito das suas atribuições”. Tal significa que o segredo bancário cede, no âmbito das relações entre as instituições de crédito e o BdP, este no exercício das suas competências e no cumprimento das suas atribuições. Mas só neste caso;
GG. O segredo bancário cederá quando o BdP, na qualidade de supervisor, solicite à instituição de crédito todos os documentos que julgue necessários ao cabal desenvolvimento das suas atribuições;
HH.  Não está, pois, incluída na ratio daquela norma a situação em que qualquer pessoavinculada ao segredo, enquanto particular vinculado ao respeito por direitos fundamentais pessoalíssimos, por estreitamente conexos com a Dignidade da Pessoa Humana – comete um crime, ao transmitir essa informação a terceiro, que depois transmite ao BdP; neste campo, estamos fora do âmbito de previsão do legislador e fora da relação de supervisão;
II.  Assim, há que estabelecer a destrinça entre (i) as exceções previstas no RGICSF que dizem respeito ao BdP no exercício das suas atribuições e, portanto, na sua relação com as instituições de crédito, e a (ii) a vinculação dos particulares ao respeito por direitos fundamentais e, por esse motivo, a previsão do crime de violação de segredo;
JJ. Fazendo apelo ao argumento da unidade do sistema jurídico, é evidente que a concordância prática entre estes dois planos passa por considerar que o BdP apenas pode beneficiar da prática de um crime quando a ilicitude da conduta seja afastada;
KK. O afastamento da ilicitude terá que operar a cada momento, com prova dos factos que integram a causa de exclusão da ilicitude.
LL. O que importa realçar é que, ao contrário do que sustenta o BdP, não se poderá considerar – sob pena de o sistema jurídico permitir a sanação de condutas consideradas ilícitas pelo legislador – que o BdP pode beneficiar do objeto de crimes, sempre que a matéria em causa se insira no âmbito das suas atribuições;
MM. Donde, a ordem jurídica, vista como um todo, apenas poderá permitir o aproveitamento do objeto de um crime, quando a sua censurabilidade/ilicitude seja afastada no âmbito da mesma ordem jurídica;
NN.  Resumindo: a comunicação direta ao BdP, por iniciativa de quem esteja obrigado a sigilo bancário, de factos ou documentos por este cobertos, é lícita, porque, sendo o BdP o supervisor com competência sancionatória, visa objetivamente a realização da Justiça, e beneficia, por isso, de causa de exclusão da ilcitude; a comunicação indireta só é lícita quando se alegue e prove que o obrigado revelou a informação ou documento a terceiro para realização da Justiça ou por qualquer outro motivo que seja considerado causa de exclusão da ilicitude. Que o mesmo é dizer,
OO. Em processo de contra-ordenação que corre seus termos ao abrigo do RGICSF, o Banco de Portugal, sob pena de nulidade da prova, só pode usar informação coberta pelo dever de segredo bancário, para além da prova que recolha por sua iniciativa, se ela lhe for transmitida, de forma direta e imediata, por pessoa com acesso originário à informação, e não nos casos em que tal informação, com violação do segredo bancário, e sem que se provem factos que integrem qualquer causa de exclusão da ilicitude, tiver sido transmitida a um terceiro, que a entrega ao Banco, ou tiver sido divulgada publicamente;
PP. Donde, servir-se o BdP de prova, sem que tenha sido, em algum momento, afastada a ilicitude da conduta criminosa que a produz, constitui a utilização de prova proibida, consistindo essa proibição um verdadeiro limite à descoberta da verdade material;
QQ. Na verdade, é premente entender que entre a impunidade e o respeito pelas garantias, a escolha, no Estado de Direito, não tem hesitação!
RR. Ao contrário do que pensa o MP, os supervisores estão efetivamente de mãos e pés atados quando pretendam utilizar provas resultantes da prática de crimes;
SS. E por isso o BdP, para usar a expressão do MP, deveria ter encerrado a comunicação de F... e partir para a Supervisão como se não houvesse os documentos dos autos. Pelo que,
TT. Nos casos em que – como no presente – a prova seja obtida em manifesto atropelo das garantias constitucionais, será inadmissível a sua utilização, ainda que tal corresponda à absolvição do arguido.
UU. Nem se diga que as limitações à restrição de direitos fundamentais não tem aplicação ao caso, porquanto estaria apenas em causa a vida da instituição, já que as 17 offshores C..., sustentam os Recorrentes, não tinham, pelo menos até novembro de 2002, UBO, e eram pura emanação do BANCO ..., S.A., quando o que os arguidos sempre afirmaram, porque – isto sim – correspondia à realidade (cf. números 775. e 776. da impugnação do Arguido) é que não havia evidência de UBO’S e não que eles não existissem;
VV. Ora, a utilização da prova proibida inquinou, insanavelmente, o presente processo, uma vez que ela constitui a sua génese; as cartas e documentos enviados por F... ao BdP, fruto de violação de segredo bancário, constituem a origem e o fio condutor deste processo. Senão vejamos,
WW.  Na carta de 28 de novembro de 2007 (fls. 4672 do Volume XVIII), dá-se nota documentada de que o BANCO ..., S.A., em agosto de 2006, terá concedido um crédito de € 28.500.000,00 à sociedade R..., o qual, 6 meses depois, teria sido cedido a uma entidade denominada Intrum Justitia Debt AG pelo montante de € 320.000,00, com o que foi causado ao Banco um prejuízo de € 28.464.407,00, beneficiando-se, assim, em igual montante, menos € 320.000,00 os UBO’s da R.... Tal facto, a ser verdadeiro, constituiria a infração p.p. pelo artº 211º, alínea l), do RGICSF;
XX. Na mesma carta, informa-se o BdP, com documento de identificação de todas as sociedades, que o BANCO ..., S.A. estaria a utilizar 17 offshores “(...) como veículos para a realização de operações próprias do banco”. Essa utilização corresponderia a uma estratégia para a realização deste tipo de operações, delineada quando o ora Recorrido ainda era Presidente do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A.. Trata-se, nesta fase, de inequívoca imputação, pelo menos ao BANCO ..., S.A., da contra-ordenação p.p. no artº 211º, alínea a), do RGICSF;
YY. A 01 de dezembro, (cf. fls. 11311 e segs.), o E... noticia a concessão do crédito de € 28 500 000,00, obviamente que em notícia tão necessariamente resultante de violação de sigilo bancário, como as das cartas denúncia dos autos e documentos a elas anexos; 
ZZ. Os factos constantes da carta de 28 de novembro supra e documentos a ela juntos contêm concretos factos ilícitos, inteiramente possíveis, com indicação dos seus agentes, constituindo por isso uma verdadeira denúncia, nos termos do artº 246º, nº 3, do CPP;
AAA. Ora, por se tratar de uma verdadeira denúncia, fundada em documentos, deveria ter dado lugar, prima facie, a abertura de processo de contra-ordenação – o que não sucedeu.
BBB. No entanto, em 07 de dezembro, como se alcança de fls. 4368 e 4369 do Volume XVI, veio o BdP pedir informações sobre as 17 offshores, que eram referidas exclusivamente na carta de 28 de Novembro e procuração a ela anexa, ordenadas exatamente com a mesma denominação e sequência por que se encontravam naquela procuração;
CCC. É, pois, evidente que a fonte de informação do Supervisor é a carta denúncia de 28 de Novembro e documentos juntos com ela; e que todos os elementos constantes da informação de fls. 6 a 10 resultam da documentação entregue pelo BANCO ..., S.A. em cumprimento do pedido de fls. 4368 e 4369;
DDD. Em 11 de dezembro, a segunda carta denúncia detalha todos os elementos de facto relevantes para, de parceria, com a documentação referida no número precedente, ser elaborada a informação de fls. 6 a 10, que respeita às 17 offshores C... (as referências à Sevendale e à Towsend são meramente tributárias do tratamento das 17);
EEE. Do exposto, resulta que, pelo menos sem a carta de 28 de novembro e documentos a ela anexos, não haveria o pedido de 07 de dezembro; e sem ele não poderia ter sido elaborada a referida informação de fls. 6 a 10, com que se inicia o processo.
FFF. É meridiano e resulta, inequivocamente, dos testemunhos invocados na decisão a quo, que os presentes autos, sem os documentos juntos por F... nas cartas denúncia, provenientes de violação de segredo bancário, nunca teria existido;
GGG. Acresce que todas a notícias vindas a lume antes de 28 de dezembro de 2007 em nada contribuíram para que o BdP encetasse diligências de investigação, sendo, de resto, evidente que apenas com as denúncias de F... e documentos com elas juntos toma o BdP a decisão de investigar os factos denunciados;
HHH. Assim, impõe-se concluir que a prova constante dos anexos I a IV, autuados em 27 de dezembro de 2007 - resultante da denúncia de F... e documentos anexos, já que é por via deles que, em 07 de dezembro do mesmo ano, o BdP formula, como se viu, pedido de documentação, que constitui aqueles anexos - é a prova primária sem a qual não haveria processo. E esta advém da carta denúncia de F..., em utilização de informação e documentos revelados com violação de segredo bancário e que chegaram à mão do denunciante;
III. No caso concreto, o obstáculo à aplicação da doutrina do efeito-à-distância denominado “fonte independente” encontra-se afastado, já que, como é bom de ver, no presente caso não havia qualquer atividade de investigação - quando a informação chega ao poder do BdP não existia qualquer indício, como se vê da informação de fls. 6 a 10, de que alguma investigação estivesse a decorrer;
JJJ. Por outro lado, e por argumento de maioria de razão, é também evidente que não se verifica, in casu, a situação da descoberta inevitável.
KKK.  Se (i) inexistia qualquer atividade investigatória prévia à receção da prova proibida; (ii) apenas após a receção da prova proibida o BdP levou a cabo diligências probatórias, fora do quadro de um processo contra-ordenacional; e (iii) o conteúdo dessas diligências probatórias se confundia com o fio condutor das denúncias e documentos com elas juntos,
LLL. É evidente que, novamente por apelo a presunções naturais, nada indica que tal atividade investigatória viesse a ocorrer, não fossem aquelas denúncias e documentos;
MMM.  Ora, ainda que dúvidas permaneçam no espírito do julgador, e seguindo de perto o ensinamento do Professor COSTA ANDRADE, sempre será necessário “valorar pro reo os coeficientes de dúvida e indeterminação em concreto subsistentes”.
NNN.  Por fim, importa referir que também pelo critério da mácula dissipada se não salva o fruto da árvore proibida. Nem se diga que tal obstáculo se verifica no presente caso, tendo em conta a entrega por S... diretamente ao Supervisor, uma vez que a documentação entregue não reveste de qualquer autonomia;
OOO. Na verdade, inexiste qualquer decisão autónoma, uma vez que toda a investigação seguiu o fio condutor estabelecido por F... nas suas cartas e documentos a elas anexos. Mais, não se vê qual a autonomia daquela documentação, já que a mesma mais não é do que a cópia do que havia sido já remetido ao BdP, na sequência das denúncias e por causa delas e só é obtida e entregue por causa das denúncias de F... e processo a que dá lugar;
PPP. Também por aqui se não dissipa a mácula.
QQQ. De todo o exposto, manda o regime instituído pelo artº 122º do CPP que sejam julgadas nulas as informações constantes das cartas de 28 de novembro e 11 de dezembro e os documentos com elas juntos, e todos os atos subsequentes.
Mais, ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá que:
RRR. O segredo bancário surge no nosso ordenamento jurídico como um instrumento e dimensão essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, comungando, por isso, do regime jurídico garantístico estabelecido no artº 18º da Constituição. Ora,
SSS. Por ser assim, todas as restrições a direitos, liberdades e garantias que o legislador entenda serem necessárias terão que observar requisitos de ordem formal, orgânica e material;
TTT. No que toca a requisitos formais e orgânicos, cumpre assinalar que apenas uma Lei da Assembleia da República ou um Decreto-lei autorizado poderá legislar sobre direitos liberdades e garantias, nos termos do artº 165º, nº 1, alínea b), da Constituição;
UUU. Ora, a norma constante do artº 79º, nº 2, alínea a), do RGICSF estabelece, inequivocamente restrições ao direito fundamental subjacente ao instituto do segredo bancário, pelo que a mesma padece de inconstitucionalidade orgânica, por surgir enquadrada num Decreto-Lei do Governo não autorizado, pela Assembleia da República, para regular aspetos atinentes a direitos, liberdades e garantias;
VVV. Do que resulta evidente que tal norma sempre deverá ser desaplicada, com a necessária conclusão de que inexiste norma expressa restritiva de direitos fundamentais;
WWW.  Donde, não poderá a norma constante do artº 79, nº 2, alínea a), do RGICSF ser aplicada com o intuito de fundamentar a inexistência de segredo bancário quanto ao BdP no exercício das suas funções, atento o vício que afeta a norma habilitadora invocada Termos em que, confirmando Vossas Excelências a decisão recorrida, farão  JUSTIÇA

            5.7. Resposta do arguido H... a ambos os recursos:
A. Tenha-se presente que o recurso das decisões jurisdicionais da Ia instância no processo contra-ordenacional é limitado à matéria de direito como dispõe o art. 75°, n° 1, do RGCO (DL 433/82, de 27 de Outubro), donde que os factos dados como assentes não são objecto do recurso..
B. Conclusões IV e V: A decisão recorrida foi inteiramente oportuna porque as nulidades e outras questões prévias podem ser conhecidas a todo o tempo e devem ser conhecidas logo que no processo estejam recolhidos os elementos de prova necessários para a sua decisão.
C. Conclusões 8a, e parte da 15a e V a VII: O despacho recorrido fundamentou-se nas partes relevantes para a questão a decidir dos depoimentos do Vice-Governador, do Director de Supervisão e do Coordenador de supervisão directa do Banco de Portugal, os quais tiveram directa intervenção no processo, e ainda nas declarações prestadas em Comissão de Inquérito Parlamentar pelo mais alto responsável do Banco de Portugal.

D. Conclusões 15a (parte) e 16a: Os depoimentos das três testemunhas (T1..., T2... e T3...) não são «supostos», são reais porque assim foram percebidos directamente pelo M° Juiz, e são confirmados ou reforçados pelas declarações do Governador Perante a Comissão de Inquérito Parlamentar cujo relato consta transcrito nos autos e nunca foram desmentidas.
E. Conclusões 11a, 13a e 14a: As decisões em matéria de facto estão plenamente justificadas no douto despacho recorrido, mediante a expressa referência ao teor dos depoimentos das três referidas testemunhas e à transcrição das declarações do Governador do Banco de Portugal e tanto basta ao sistema jurídico português no âmbito do processo de contra-ordenação que não contempla o registo da prova em audiência.
F. Conclusões 11a, 13a e 14a (cont) e VI: No sistema de valoração da prova produzida oralmente em audiência e sem registo, impõe-se a livre convicção do julgador, tanto mais quando a credibilidade das testemunhas nunca foi posta em causa, não foram produzidas outros depoimentos sobre a questão a decidir e os seus depoimentos resultam confirmados pelas declarações do Governador do Banco de Portugal.
G. Conclusões 17a a 25a: Os rumores da comunicação social, sem indicação das respectivas fontes, não constituem elementos de prova e de qualquer modo os que respeitam ao objecto do presente processo, bem como a acta referida na conclusão 21a, são posteriores à denúncia do Sr. F... de 28 de Novembro de 2007.

H. Conclusões 17a a 25a (cont.): As actas do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A. de 17 e 23 de Outubro de 2007, referenciada na conclusão 22a, referem-se
exclusivamente a acções de supervisão, correntes ou quase permanentes, e nada têm que
ver com o objecto do processo de contra-ordenação decidido instaurar em 26 de Dezembro de 2007, na sequência das denúncias do Sr. F..., conforme resulta dos depoimentos das testemunhas e declarações do Governador do Banco de Portugal.


I. Conclusão 26a: A conclusão 26a da motivação do recurso do Ministério Público tem de ser completada, para ser correcta, com o depoimento da testemunha T3..., que foi o autor dessa informação e disse em audiência que «a base probatória dessa nota informativa resultou da documentação obtida junto do BANCO ..., S.A. já depois de recebidas as denúncias, e na sequência delas».

J. Conclusões 26a a 32a: Os depoimentos das três testemunhas (T1..., T2... e T3...) e bem assim as declarações do Dr. M... na Comissão Parlamentar desmentem categoricamente as conclusões 26a a 32a da motivação do recurso do Ministério Público.

K. Está pois assente, por provada, a matéria de facto: o presente processo de contra-ordenação foi instaurado pelo Banco de Portugal na sequência e por causa das informações e documentos constantes das denúncias do Sr. F..., como o disseram peremptoriamente o Governador do Banco de Portugal perante a Comissão de Inquérito da Assembleia da República, e o Vice-Governador T1..., o Director T2... e o Coordenador de Supervisão T3... em audiência de julgamento.

L. Conclusão 36a e 40a e IX a XL: Evidentemente que não constitui violação de segredo bancário a revelação de factos sob sigilo ao Banco de Portugal, no âmbito das suas funções, mas não é isso que está em causa, antes a revelação dos factos sigilosos ao Sr. F...; é esta revelação que constitui o facto ilícito típico penal, sendo irrelevante a motivação do agente do crime de violação do segredo.

M. Conclusões 37a a 39a e IX a XL: Não é verdade que as informações constantes das denúncias do Sr. F... e bem assim dos factos constantes dos documentos juntos com a denúncia fossem do domínio púbico.

N. Conclusão 43a e 48a e IX a XL e XLVII: Como já referido, não é a motivação do agente do facto típico violador do segredo que afasta a sua ilicitude nem a al. a) do n° 2 do art. 79° do RGICSF justifica o crime de revelação do segredo ao Sr. F....

O. Conclusão 43a e 46a e IX a XL: A al. a) do n° 2 do art. 79° do RGICSF afasta a tipicidade do facto revelador do sigilo quando o seu agente revele o segredo ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições, mas que se saiba - não está minimamente provado nem nunca foi apresentado como tal - o Sr. F... não é o Banco de Portugal, não exercia à data dos factos quaisquer funções no Banco de Portugal nem podia ser agente encoberto porque o processo de contra-ordenação não o admite.

P. Também não está minimamente indiciado que o Sr. F... fosse à data dos factos autoridade judiciária, órgão de polícia criminal ou outra qualquer entidade policial com competência para receber denúncias (arts 244° e 245° do CPP.).

Q. Conclusão LI: Nem o facto de o Sr. F... ser accionista qualificado do BANCO ..., S.A. - o que falta comprovar - lhe confere o direito de conhecer por vias travessas actos sujeitos ao dever de segredo a que estão sujeitos todos os colaboradores do banco; o Sr F..., como qualquer outro accionista, tem direito a obter as informações que a lei lhe faculta e pela via legal, ou seja, nos termos em que a lei o permite.

R. Conclusão LI: Se o Sr. F... ou qualquer outro accionista, mesmo que qualificados, tivessem o direito de obter informações cobertas pelo dever de sigilo bancário fora dos casos e condições que a lei estabelece, estava dado o golpe de morte ao sigilo bancário, mas, evidentemente, que não é assim.

S. Conclusões 49a e 50a e IX a XL: Importa não confundir a afirmação constante do douto despacho recorrido - «Esta opção tomada pelo indivíduo não identificado, impede a verificação da excepção prevista na al. a) do n° 2 do art. 79° do RGICSF» -, porque resulta claramente do despacho que o seu significado é tão-só o de que o crime de violação de segredo consubstanciado na revelação de informações e entrega de documentos sujeitos a dever de sigilo bancário ao Sr. F... não é afastado por aquela disposição legal

T. Conclusões 49a e 50a (cont.): Se o agente da revelação do sigilo tivesse optado não por o revelar ao Sr. F..., mas ao Banco de Portugal, então poderia eventualmente ser aplicável a al. a) do n° 2 do art. 79° do RGICSF, sendo afastada a tipicidade ou justificado o ilícito e podê-lo-ia fazer mesmo anonimamente; mas não, preferiu antes a via do ilícito, do crime.

U. Conclusões XXXV a XL: A ponderação de interesses para que apontam os arts. 135° e 181° do CPP tem um pressuposto que não ocorre no caso sub judice: essa ponderação é feita pelo tribunal para quebra do sigilo bancário ordenado pelo próprio tribunal e não para justificar o ilícito cometido por terceiros, como foi o caso.

V. Conclusões XLI a LIII: O segredo bancário não abrange apenas as relações da instituição com os seus clientes, mas também os factos relativos à vida da instituição, pelo que é despiciendo analisar se os factos em causa que foram objecto da violação do dever de sigilo respeitavam a umas ou a outras.

W. Longe vai o tempo - graças à instauração da democracia em Portugal -em que quaisquer meios, legítimos ou ilegítimos, podiam servir como elementos de prova nos processos punitivos. O processo punitivo democrático não é compatível com a prática de actos ilícitos para a sua eficácia: esses métodos são exclusivos dos sistemas totalitários.

X. A prática do ilícito é censurável em quaisquer circunstância e necessariamente quando se trate de reprimir a violação da lei e em matéria de sigilo bancário a lei portuguesa não admite excepções para além das que estão expressamente consagradas na própria lei.

Y. Conclusões LIV a LXII: Foi apurado, nomeadamente pelo depoimento do Sr. F..., que os documentos lhe foram enviados anonimamente pelo que não era relevante e muito menos exigível que o tribunal andasse à procura de um eventual agente do facto violador do segredo.

Z. Acresce que o tribunal deu como provado que «.tal como ficou claro para o Magistrado do Ministério Público que subscreveu o despacho no Proc. N° .../07.0 TDLSB, também é para nós cristalino que só um funcionário ou administrador do BANCO ..., S.A., - ou algum auditor externo, mas também vinculado ao segredo - poderia ter acesso em primeira mão a estes documentos».

AA. Conclusão LX: Em parte alguma do despacho recorrido se faz alusão à comparticipação na violação de segredo por parte do Sr. F... nem à ilicitude das denúncias por ele feitas ao Banco de Portugal, mas tão-só à ilicitude da violação do segredo consistente na transmissão de informações e documentos cobertos pelo dever de segredo ao Sr. F....

BB. Evidentemente que o disposto no art. 120°, n° 5, do RGIC, não tem qualquer aplicação no caso; aquela disposição respeita à informação que os accionistas com participações qualificadas têm de prestar ao Banco de Portugal e que por este sejam consideradas relevantes.


CC. Conclusões 51a e 60a a 74a e LXIII a XCIII: Assente, como está, que foi em razão das denúncias feitas pelo Sr. F..., do seu conteúdo e documentos que as instruíam, que o Banco de Portugal deliberou em 26 de Dezembro de 2007 instaurar o presente processo de contra-ordenação, importa tirar daí as necessárias consequências jurídicas: a nulidade do processo.

DD. Conclusões 51a e 60a a 74a e LXIII a XCIII: Não são as denúncias que são ilícitas; a ilicitude resulta do aproveitamento de informações e provas documentais obtidas de forma criminosa e depois consubstanciadas nas denúncias e documentos anexos; estas provas é que são ilícitas e consequentemente nulas.

EE. E foi em razão das informações constantes das denúncias e dos documentos que as acompanhavam que o Banco de Portugal decidiu proceder à «averiguação preliminar» (depoimento do Dr. T2...) e à recolha de documentação junto do BANCO ..., S.A. (depoimento do Dr. T3...) e à posterior inquirição de testemunhas, elementos probatórios em que assentou a condenação dos arguidos.

FF. Todas essas provas são nulas e entre elas e a restante que foi recolhida na sequência delas (depoimento do Dr. T3...) ocorreu um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa.

GG. Como claramente é referido no douto despacho recorrido, «esta relação entre denúncias e as provas obtidas durante o processo de contra-ordenação está bem patente no facto de aquelas serem um verdadeiro guião da investigação, chegando a propor diligências probatórias (fls. 4685) e sugerir as normas aplicáveis, bem como as sanções de inibição do exercício de cargos sociais por parte dos membros dos órgãos envolvidos (fls 4683) naquilo que a denúncia chama de "estratagema montado" (fls 4681)».

HH. Por conseguinte, entre as informações (provas) constantes das denúncias e dos documentos que as acompanhavam, nulas por terem sido obtidas com violação do dever de segredo bancário, e as diligências probatórias realizadas «na sequência delas» (depoimento do Dr. T3...) há um claríssimo nexo de dependência que, nos termos do disposto no art. 122°, n° 1, torna a todas inválidas.

II. Conclusões 75a a 78a e LXIII a XCIII: O douto despacho recorrido fez correcta aplicação do art. 122° do CPP dado que as diligências de prova realizadas na sequência das denúncias do Sr. F... mantêm com as informações constantes dessas denúncias e documentos que as instruíram - obtidas de forma criminosa - um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa, o efeito da nulidade daquelas torna também inválidas todas as demais.

JJ. Conclusão 79a: Os elementos de prova que foram juntos aos autos por S... não têm qualquer autonomia como o não tem a acção de supervisão de que resultou a Nota Informativa de fls 6 e seguintes do Vol.I, pois uma e outra são sequência das informações constantes das denúncias e documentos anexos, conforme depoimento do próprio autor dessa Nota Informativa.

KK. O douto despacho recorrido fez correcta aplicação do direito, não tendo violado qualquer norma do direito substantivo ou processual e fez boa aplicação do direito.

            Termos em que, rejeitando os recursos e confirmando o douto despacho recorrido, será feita JUSTIÇA.

            5.8. Resposta do Banco ..., S.A., a ambos os recursos:
            1. O despacho recorrido não encerra qualquer vício processual grave pois apresenta um «raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão». Com efeito, no presente despacho é possível - de forma clara e objectiva - reconstruir ao pormenor o iter argumentativo que foi seguido pelo Tribunal a quo, em particular, naquelas passagens em que o julgador se apoia em depoimentos de testemunhas prestados em audiência.
            2. O despacho recorrido, o Tribunal a quo afirma que, no momento em que alguém - que necessariamente estaria coberto pelo dever de sigilo - comunicou a terceiro, não elencado no artigo 79,º, n.º 2, do RGICSE as informações e documentos que viriam a integrar as denúncias ao BdP e respectivos anexos, nesse momento, verificou-se a violação do sigilo bancário, o que determina a nulidade dos elementos probatórios em causa.
            3. Tal violação do sigilo bancário justifica-se, exclusivamente, pelo facto de alguém que estava vinculado a esse mesmo dever de sigilo ter divulgado, sem consentimento, a pessoas não elencadas no artigo 79.º, n.º 2, do RGICSF, informações e documentos cobertas pelo dever de sigilo em causa. Este comportamento até poderia ser autorizado, nos termos do artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF, se os elementos e factos em causa tivessem sido «revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições.» Mas a verdade é que tal disposição legal não pode funcionar no caso concreto porque, ao invés de terem sido revelados ao BdP, tais elementos e factos foram revelados ao Senhor F....
            4. É verdade que a supervisão assume um valor relevante para a garantia da estabilidade do sistema financeiro e, nessa parte, aceita-se os méritos da supervisão, para efeitos de cumprimento do mandamento constitucional previsto nos artigos 101.º e 102.º da Constituição. No entanto, já não é verdade que exista uma sobreposição teleológica entre supervisão e sigilo bancário que possa fundamentar a conclusão final do BdP, a saber. a conclusão de que o BdP pode aproveitar toda e qualquer informação sujeita a sigilo, ainda que o conhecimento da mesma só se possa explicar, numa relação de causalidade sine qua non, pela prática anterior de um crime de violação desse mesmo sigilo.
            5. O entendimento sustentado pelo BdP de que a autoridade de supervisão do sector bancário (ou seja, o próprio BdP), no fundo, está desde sempre incluída no artigo 78.°, n.º 1, do RGICSF, o qual determina as pessoas originariamente obrigadas ao segredo, simplesmente, não é conforme à opção expressamente assumida pelo legislador que o colocou, a par de outras entidades, no artigo 79.°, n.º 2, daquele diploma.
            6. A documentação citada pelo MP e pelo BdP para afastar o efeito-à-distância da nulidade da prova diz respeito, quase exclusivamente, às operações com o Grupo Q.... Acontece que o BdP já vinha a realizar acções de supervisão sobre tais sociedades, pelo menos, desde o ano 2000, sendo certo que no âmbito dessas acções de supervisão, o BdP já tinha recolhido, no essencial, toda a informação relacionada com a vida dessas sociedades específicas, nada tendo encontrado aí que sugerisse os alegados ilícitos em causa nos presentes autos. Para o demonstrar, basta analisar o Relatório de Inspecção do BdP, constante de fls. 81, do Anexo XXIV, o qual analisa com detalhe o crédito concedido pelo BANCO ..., S.A. ao Grupo Q..., incluindo às sociedades offshore em causa nos presentes autos, as quais vêm expressamente identificadas a fl. 102. Assim, o que despoletou a abertura do presente processo de contra-ordenação, inclusipe no que diz respeito às offshores Q..., foi a informação que chegou ao BdP, a propósito das 17 sociedades offshores de C....
            7. A documentação citada pelo MP e pelo BdP para afastar o efeito-à-distância da nulidade da prova diz respeito, em grande medida, a notícias que circulavam na imprensa da época em que o Senhor F... apresentou as denúncias ao BdP. Acontece que, em grande parte dos casos, tais notícias limitam-se a fazer nota pública, conforme elas própria referem, do facto de o Senhor F... ter entregue as denúncias ao Banco de Portugal. Pelo que tais notícias não podem assumir qualquer autonomia face às denúncias em causa.
            8. Do ponto de vista normativo, não existe qualquer diferença entre dar notícia de um facto sujeito a segredo ou apresentar prova de um facto sujeito a segredo. Tudo fica coberto pelo dever de reserva, o qual abrange, indistintamente, quer a mera transmissão de um segredo, quer - por maioria de razão - de provas que incidem sobre matéria sujeita a segredo. Nessa medida, a nulidade que resulta da violação do segredo, bem como os seus efeitos processuais subsequentes, têm de ser aplicados no presente caso, independentemente de se tratar de notícia de segredo ou de transmissão de provas que incidem sobre matéria sujeita a segredo, pois ambas as realidades encontram-se igualmente - e indistintamente - protegidas pelas normas relevantes.
            Face ao exposto, quer o recurso apresentado pelo MP, quer o recurso apresentado pelo BdP, devem ser considerados como improcedentes, mantendo-se, em consequência, e na integra, a decisão constante do Despacho recorrido.


            6. Admitidos os recursos (despacho de fls. 12389)  e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjuntao, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer em que concluiu que «o recurso merece provimento e, em consequência, deve a decisão recorrida ser anulada para que o julgamento se possa concluir e, no final, seja feita justiça.»

            6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., foram apresentadas respostas pelos arguidos BANCO ..., S.A., C…, D…, A… e H....

            7. Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


            II – Fundamentação
1. Decorre do preceituado nos artigos 66.º e 75.º, n.º1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que passaremos a designar de R.G.C.O., com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), que em matéria de recurso de decisões relativas a processos por contra-ordenações, a 2.ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância.
            Com efeito, o n.º 1 do mencionado artigo 75.º estabelece que “se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá de matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
            Assim, está limitado o poder de cognição deste tribunal à matéria de direito, funcionando o Tribunal da Relação como Tribunal de revista ampliada, ou seja, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º do C.P.P., por força do disposto nos artigos 41.º, n.º1 e 74.º, n.º4, do R.G.C.O., já que os preceitos reguladores do processo criminal constituem direito subsidiário do processo contra-ordenacional.

             2. Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência dos recorrentes com a decisão impugnada e que delimitam o âmbito dos recursos, as questões que importa apreciar e decidir são, em brevíssima síntese:
            Recurso interposto pelo Ministério Público: deficiência de fundamentação do despacho recorrido e vícios da respectiva decisão de facto; o acesso lícito do Banco de Portugal às informações e documentos que lhe foram transmitidos e a não verificação do crime de violação de segredo; a não verificação de proibição de prova nem de qualquer efeito-à-distância contaminante das provas recolhidas no processo de contra-ordenação.
            Recurso interposto pelo Banco de Portugal: não violação do segredo bancário na relação com o recorrente e bem assim não preenchimento desse crime por parte de eventual trabalhador do BANCO ..., S.A. que haja divulgado a informação em causa; não verificação de qualquer proibição de prova e, no caso de se verificar, não extensão dos seus efeitos às provas subsequentes.
            Antes, porém, há que equacionar a recorribilidade da decisão objecto de recurso.


            3. Apreciando

            3.1. Da recorribilidade da decisão impugnada
            Foi suscitada a questão da recorribilidade da decisão impugnada (recorribilidade que, assinale-se, a maioria dos arguidos aceita).
            O Ministério Público e o Banco de Portugal alegam que o despacho que pretendem sindicar é recorrível porquanto põe termo ao processo e porque, mesmo que assim não se entendesse, a admissão do recurso seria manifestamente necessária à melhoria da aplicação do direito para que se conclua «se a entrega de documentos pretensamente sob sigilo bancário ao Banco de Portugal gera ipso facto uma inelutável nulidade de todo e qualquer processo que venha a nascer» (recurso do M.P.), e bem assim para «a correcta delimitação do segredo bancário e para a determinação dos termos de utilização de informações cobertas pelo segredo no exercício da supervisão bancária e nos próprios processos por contra-ordenação bancária» (recurso do Banco de Portugal).
            A estes entendimentos contrapõe-se o argumento de que a decisão recorrida «não incidiu sobre o mérito, não corresponde a uma decisão final condenatória, nem a uma decisão final absolutória, mas sim a uma decisão sobre a verificação de um vício que determinou a nulidade da prova produzida» (respostas apresentadas pelo arguido G… aos dois recursos).
            Vejamos.
            De harmonia com o disposto no art.º 41.º, n.º l, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO), aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, "sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal".
            Por força desta remissão global, os preceitos reguladores do processo criminal, devidamente adaptados, são genericamente erigidos em normas integradoras do processo contra-ordenacional, o que significa que as normas do processo penal (devidamente adaptadas) só não são aplicadas quando do RGCO ou de legislação especial ou da C.R.P. (que apenas em matéria de processo criminal consente certas limitações de direitos fundamentais) resulte o afastamento de tais normas.
            Dispõe o artigo 73.º do RGCO, com a epígrafe “Decisões judiciais que admitem recurso":
            1 – Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
            a) For aplicada ao arguido uma coima superior a €249,40;
            b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
            c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a €249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
            d) A impugnação judicial for rejeitada;
            e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
            2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
            3 - (…)

            Temos, assim, que da disciplina dos recursos estabelecida no RGCO, e mormente dos artigos 73.º n.º1 e 2 e 63.º n.º 2 (este quanto à recorribilidade do despacho de rejeição de recurso), decorre que, em matéria contra-ordenacional, a regra é a irrecorribilidade das decisões judiciais.
            Neste sentido, e para além da generalidade da jurisprudência, tomaram posição expressa Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2003, pág. 186-187. Contra pronunciou-se António Beça Pereira, Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, anot., 7.ª ed., onde, a pág. 152, se escreve, em anotação ao artigo 73.º do RGCO:
             “No n.º 2, a expressão para além dos casos enunciados no número anterior refere-se apenas às decisões finais previstas nesse número, não resultando daí a irrecorribilidade dos despachos judiciais não previstos neste artigo. Assim, aos despachos judiciais, proferidos no decorrer do processo, aplica-se o disposto nos artigos 399.º, 400.º, n.º 1 al. a) e b) e 401.º, n.º 1 a), b), d) e n.º 2, todos do Código de Processo Penal (…).”

             Em consonância com a generalidade da jurisprudência (de que se indicam, a título de exemplo, os Acórdãos da RL de 4/3/98, C.J., ano XXIII, II, pág. 145; de 14/10/04, proc. nº 8991/2003-9; de 18/1/07, proc. n.º 95/2007-9; da RE de 29/3/05, proc. n.º 678/05-1 e de 27/1/04, proc. nº 2510/03-1; da RP de 6/05/2009, proc. 0818030 – disponíveis estes em www.dgsi.pt), também nós entendemos que apenas é admissível recurso das decisões finais, restrito a matéria de direito (cfr. n.º 1 do artigo 75.º) – obviamente sem exclusão da apreciação dos vícios da decisão indicados no n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. -, e, ainda assim, apenas quando se verifiquem os pressupostos enunciados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 73.º ou, excepcionalmente, dentro do condicionalismo indicado no n.º 2 do mesmo preceito.
             A única excepção a esta regra encontra-se no n.º 2 do artigo 63º e a necessidade que o legislador viu de a contemplar demonstra que quis afastar, nesta matéria, as regras contidas no C.P.P., pois delas sempre decorreria, sem necessidade de previsão autónoma, a recorribilidade do despacho aludido naquela norma.
            As razões que justificam este regime, distanciado do regime processual penal em que a regra é a recorribilidade das decisões ( cfr. art. 399.º do C.P.P. ), são várias, como se colhe da Decisão do Presidente da RE de 3/11/04, no proc. nº 2473/04-1 (disponível em www.dgsi.pt, como todas em que não assinalemos diferente proveniência):
             “A limitação do direito ao recurso (para o Tribunal da Relação) das decisões judiciais proferidas no processo de contra-ordenação colhe a sua justificação na natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem (coimas): enquanto os bens jurídicos cuja tutela é confiada aos crimes assumem um mínimo ético, o ilícito de mera ordenação social é eticamente neutro ou indiferente e as coimas têm carácter meramente económico-administrativo. A admissibilidade de recurso de decisões interlocutórias no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, estaria mesmo em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo. Aliás, se nem todas as decisões finais são recorríveis, por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios.”

            Como se diz no Acórdão da R.P de 6/05/2009, proc. 0818030, outra razão se pode retirar do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 75.º, que permite, em sede de recurso, e apenas com o limite do artigo 72.º-A, o conhecimento de questões que, não sendo de conhecimento oficioso e não tendo sido apreciadas na decisão recorrida, ali sejam suscitadas (neste sentido o Ac. RP 20/10/04, proc. n.º 0443488; em sentido contrário, Acs. RP 12/9/07, proc. n.º 0711693 e 14/11/07, proc. n.º 0744109). Do que se infere não haver fundamento para admitir o recurso de despachos ou decisões interlocutórias, fora dos limites apertados do regime estabelecido no RGCO – ressalvada, porém, a hipótese de nestas últimas se decidir questão que constituía objecto da impugnação judicial, caso em que assumem a natureza de decisões finais, ainda que possam apenas pôr fim a parte da causa. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. da RL de 15/3/07, proc. n.º 1238/07-5 e da RP de 6/6/07, proc. n.º 0741680.
            Tem particular interesse o Acórdão da RP de 6/6/2007, relativo a uma situação em que o tribunal de 1.ª instância proferiu despacho em que decidiu, fora do âmbito do artigo 64.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, acerca de uma das questões suscitadas –uma nulidade - no recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
            Diz-se nesse acórdão:
            «O despacho recorrido, recorde-se recaiu sobre uma das várias questões suscitadas no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, a da nulidade por não ter sido dado conhecimento, ao arguido nem ao mandatário, da data da inquirição de testemunhas ouvidas naquela fase processual.
            O artigo 73º do RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, sob a epígrafe de “decisões judiciais que admitem recurso”, procede a uma enumeração exaustiva sobre a questão.
            No n.º 1, dispõe-se que: se pode recorrer para a Relação, da sentença ou do despacho judicial proferidos, nos termos do artigo 64º, quando:
            a) for aplicada ao arguido coima superior a € 49,40;
            b) a condenação do arguido abranger sanções acessórias;
            c) o arguido for absolvido ou o processo arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo MP;
            d) a impugnação judicial for rejeitada;
            e) o tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
            Estatui, por sua vez, o artigo 64º/1 do RGCO, que “o juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho”, decidindo por despacho apenas quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, n.º 2 do mesmo artigo.
            No caso recorde-se o tribunal começou por entender que a decisão pressuporia a realização do julgamento, tendo designado dia para o efeito e apenas mais tarde, a solicitação da recorrente, apreciou, por despacho avulso, uma parte do recurso, mantendo a data para a realização da audiência. Apenas no seguimento da interposição de recurso e no seguimento do efeito atribuído, foi dada sem efeito aquela data, estando, por isso, o processo imobilizado, em termos de tramitação do recurso de impugnação.
            Daqui se pode concluir, seguramente, não estarmos perante uma situação enquadrável no âmbito do referido artigo 64º, desde logo, porque o MP não foi, sequer, ouvido sobre a oportunidade daquela decisão, naquele momento, exclusão esta, que releva, como vimos para efeito de enquadramento na previsão do artigo 73º/1, quando prevê “os despachos judiciais proferidos nos termos do artigo 64º”.
            Assim temos que, do âmbito do artigo 73º/1, excluída a situação dos despachos proferidos ao abrigo do artigo 64º, apenas é permitido se recorra da sentença.
            E não de qualquer sentença. Apenas, nos casos previstos nas várias alíneas desta norma.
            O n.º 2 do artigo 73º, refere-se, também exclusivamente, a sentenças, naturalmente de entre as não previstas no nº. 1, alargando a possibilidade de recurso das decisões finais “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.”
            Ao invés do que sucede no processo penal, artigo 399º C P Penal, em que por princípio todas as decisões são recorríveis, com excepção dos casos previstos no artigo 400º, a regra, em matéria de contra-ordenações, é, pois, a da irrecorribilidade. As excepções são os casos previstos no artigo 73º.
            Esta limitação do direito ao recurso, para o Tribunal da Relação, das decisões judiciais proferidas no processo de contra-ordenação, faz sentido e justifica-se, atenta a natureza do ilícito de mera ordenação social e das sanções que lhe correspondem – coimas, que têm carácter meramente económico-administrativo.
            Enquanto que nos processos em que se apreciam crimes, os bens jurídicos violados, apresentam um mínimo ético, o ilícito de mera ordenação social é eticamente neutro ou indiferente.
            A admissibilidade de recurso, para o Tribunal da Relação, de decisões interlocutórias no processo contra-ordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, estaria mesmo em oposição com a natureza daquele tipo de processo onde impera a celeridade e menor formalismo.
            Aliás, como salientam Manuel Simas Santos/Jorge Lopes de Sousa, Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, pp.400 e ss, e António Oliveira Mendes/ José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, pp. 186-188, se nem todas as decisões finais são recorríveis, por maioria de razão se impõe a conclusão da inadmissibilidade de recurso dos despachos interlocutórios.
            Assim, o primeiro exercício, mesmo antes da questão do momento da subida e do seu efeito, é a de saber se o despacho recorrido, é susceptível de recurso.
            Para decidir desta questão, importa, então, proceder à sua qualificação, a fim de o fazer integrar no âmbito do artigo 73º/1 e afirmar a recorribilidade, ou exclui-lo daquela previsão e concluir pela irrecorribilidade.
            Estamos perante um despacho interlocutório ou, pelo contrário, perante uma sentença, assente que está que só estas últimas, no caso e, apenas algumas delas, as previstas no artigo 73º/1, são recorríveis?
            Interlocutórios são os despachos decisórios ou contenciosos que conhecem das questões de forma. Os despachos interlocutórios são proferidos antes da decisão final de fundo, tendo, por isso, “carácter meramente instrumental relativamente à decisão final”, cfr. Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, pp. 36/38.
            Sentença, no dizer do Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, 1980, III, 259, é a decisão de mérito, ainda que não ponha termo ao processo.
            Sentença final, na lição de Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, 1966, 3º, 154, é a aquela que decide, no todo ou em parte, o objecto do litígio, obstando assim, a que a matéria litigiosa apreciada na decisão, seja novamente apreciada na mesma instância. Será parcial, quando se limite a uma parte individualizada susceptível de apreciação especial - o que apenas poderá acontecer quando a pretensão seja divisível em várias partes – ou quando incide apenas sobre uma das várias pretensões.
            Não há dúvida que no despacho recorrido, se conhece, parcialmente, da questão de fundo – aí se decidiu acerca de uma das questões suscitadas pela recorrente, no recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa - a invocada nulidade do procedimento contra-ordenacional.
            Com a prolação do despacho recorrido, naquele momento processual, suscitado, de resto, expressamente pela recorrente, operou-se a cisão do conhecimento do objecto do recurso.
            Ao assim se decidir, determinou-se, que o recurso seria apreciado em 2 momentos distintos, salvo se aquele conhecimento, ínsito na 1ª decisão, tivesse a virtualidade de prejudicar o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso, remetidos para apreciação em julgamento.
            Ali foi conhecida e decidida, uma das questões: a nulidade invocada pela impugnante; o restante do objecto do recurso de impugnação seria conhecido depois do julgamento.
            O certo é que se se entender que o despacho colocado em crise não é uma sentença, desde logo, fica arredada a possibilidade de ser atacado por via de recurso.
            O facto de o despacho recorrido ter sido proferido naquele momento, antes da audiência de julgamento, fora dos casos do artigo 64.º, não lhe retira a natureza de sentença, com os contornos acima delineados, pois que conheceu do mérito, ainda que, parcial, por não ter esgotado o conhecimento de todas as questões suscitadas no recurso de impugnação.
            Pode-se, naturalmente e com o devido respeito, discordar da opção tomada pelo juiz a quo, sobre a bondade da operada cisão do conhecimento do objecto do recurso, bem como sobre o facto de entretanto ter sido admitido o recurso, a subir imediatamente, com efeito suspensivo, dando-se sem efeito o julgamento, para apreciação do restante do objecto do recurso.
            Mas nos termos do artigo 414º/4 C P Penal, apenas o decidido a propósito destas 3 últimas questões, não vincula este tribunal.
            Se esta decisão sobre a invocada nulidade no processo administrativo, tivesse sido decidida no mesmo momento em que se apreciasse os restantes fundamentos do recurso, sempre esta decisão seria recorrível, pois que no caso, fora aplicada à arguida coima de valor superior a € 49.40, por força da mencionada alínea a) do nº. 1 do artigo 73º, (norma invocada no despacho que admitiu o recurso no tribunal a quo).
            Pode-se questionar o sentido da expressão “pode-se recorrer da sentença … quando for aplicada ao arguido uma coima superior a € 49,40”.
            Designadamente, quando como no caso, a sentença, parcial, não aplica, não mantém, nem altera ou revoga, qualquer aplicação de coima, sequer, pois que apenas se pronuncia sobre a questão da existência ou não de uma nulidade cometida no processo administrativo.
            A utilização do termo “aplicada”, faz pressupor que tenha sido determinada em concreto, na decisão, ou mantendo a anteriormente aplicada, de dimensão superior a € 49,40.
            No entanto estamos, como vimos já, perante uma situação em que funcionando a decisão da autoridade administrativa, depois de ter sido impugnada, como acusação, o recurso da impugnação, como contestação, a decisão recorrida, fará parte daquilo que se poderá chamar de uma sentença, cuja prolação foi cindida, pelo Tribunal, no entendimento de que a questão assim, decidida, não necessitaria da realização da audiência e poderia mesmo, vir a prejudicar a sua realização, caso fosse procedente a arguição da nulidade.
            Faz sentido que esta decisão não seja recorrível, por ter sido, proferida, de forma provocada, frise-se pela arguida, naquele preciso momento, em que o foi?
            Parece que não.
            Assim, ter-se-á como recorrível o despacho em questão.»

            No caso em apreço, no requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa que apresentou, o arguido D... arguiu a nulidade da prova que deu início ao presente processo contra-ordenacional, bem como a transmissão desse vício aos actos dela dependentes – fase de investigação, acusação, decisão administrativa condenatória, i.e. a todo o processo.
            Recorde-se que no pressuposto de que a decisão dependia da realização de audiência de julgamento, foi designado dia para o efeito e tiveram lugar diversas sessões, ao longo de meses.
             Na sessão do dia 1 de Setembro de 2011, o M.mo Juiz proferiu o seguinte despacho, conforme está exarado em acta:
            «Da prova já produzida surge. como indiciado que o presente processo poderá ter resultado das denúncias apresentadas em 28/11/2007 e 11/12/2007 ao Banco de Portugal por F..., o qual, não obstante ser denunciante, não foi arrolado como testemunha.
            Ora, está alegada pelo arguido D... a nulidade da prova que deu início ao processo, por a mesma ter sido obtida em violação do dever de segredo bancário. Importa, por isso, inquirir o referido denunciante enquanto testemunha, o que se determina ao abrigo no disposto no art.° 340.º, n.º 1 do CPP, aplicável por força do art. 41, n.º1 do RGCO.
            Por outro lado, encontra-se agendada a inquirição de diversas testemunhas que vão, no essencial, depor sobre a questão de fundo deste processo. Ora, o depoimento da testemunha que se pretende inquirir versará fundamentalmente sobre uma questão que é formalmente prévia ao mérito do processo, sobre a qual importa tomarmos posição tão cedo quanto possível, precisamente porque a procedência total da nulidade invocada poderá obstar ao conhecimento da questão de fundo por este Tribunal.
            Assim, a fim de evitar a prática de actos que poderão vir a revelar-se inúteis, ao abrigo dos poderes de direcção da audiência que me são conferidos pelo art. 323.º, al.c) do CPP, determino uma alteração na ordem da produção de prova nos seguintes termos:
            - A testemunha F... será inquirida antes das restantes testemunhas;
            - Consequenternente, dou sem efeito as datas que estavam agendadas para a inquirição de todas as demais testemunhas.
            Ao abrigo do disposto no art. 328.º, n.º3, al. b) e c) do CPP, adio a presente audiência de julgamento para o próximo dia 16 de Setembro, pelas 09:15 horas.
            Apure o domicílio da testemunha F... e convoque-a.
            Desconvoque as testemunhas já notificadas.
            Notifique.»

            Não resulta dos autos que qualquer dos sujeitos processuais tenha manifestado qualquer objecção a este despacho, que já anunciava a possibilidade de uma das questões suscitadas por um dos recorrentes na respectiva impugnação judicial da decisão administrativa vir a ser decidida “tão cedo quanto possível, precisamente porque a procedência total da nulidade invocada poderá obstar ao conhecimento da questão de fundo por este Tribunal.”
            Na sessão do dia 16 de Setembro de 2011, depois de prestado depoimento pela testemunha F…, o M.mo Juiz proferiu novo despacho, com o seguinte teor:

            «Está alegada pelo arguido D... a nulidade da prova que deu início ao processo por a mesma ter sido obtida em violação do segredo bancário.
            Assim, por entender este Tribunal que já foi produzida a prova necessária à apreciação da referida nulidade importa apreciá-la neste momento.
            Para o Ministério Público, o Banco de Portugal e os arguidos exercerem o direito a pronunciarem-se sobre esta questão, tendo em conta também a prova já produzida, concede-se aos mesmos o prazo de 15 dias.
            Para continuação da presente audiência designo o próximo dia 7 de Outubro, pelas 14:00 horas.
            Notifique.»
 
            Este despacho claramente anunciava que o tribunal iria apreciar proximamente – “neste momento”, diz o despacho - a nulidade em causa – que constituía, como já se disse, um dos fundamentos da impugnação judicial da decisão administrativa deduzida por um dos arguidos.
            Não se vislumbra que o Ministério Público tenha apresentado qualquer objecção ao propósito claramente anunciado pelo M.mo Juiz de conhecer “neste momento” a questão em causa. O mesmo podemos dizer dos arguidos. Apenas o Banco de Portugal, em nota preliminar ao requerimento em que se pronuncia sobre a invocada nulidade, questiona ( e não mais do que isso) que o tribunal já estivesse na posse de toda a prova necessária para a aferição da mesma. Termina, porém, por requerer que se julgue improcedente a arguição da nulidade invocada pelo arguido D..., determinando-se a continuação do julgamento e seguindo o processo os seus ulteriores termos, não se inferindo, por conseguinte, que se tenha oposto à decisão naquele momento.
            É na sequência que o M.mo Juiz, em nova sessão da audiência de julgamento, proferiu a decisão objecto dos recursos.
            Não há dúvida de que na decisão recorrida se conheceu de uma das questões suscitadas por um dos recorrentes, no respectivo recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa - a invocada nulidade -, sendo que, por via da decisão em causa, determinou-se o arquivamento dos autos, por estar prejudicado, na perspectiva do M.mo Juiz, o conhecimento de todas as demais questões, ou seja, porque o conhecimento da invocada nulidade teve a virtualidade de prejudicar o conhecimento dos restantes fundamentos dos recursos.
            Saliente-se que, em princípio, uma decisão favorável à arguição de uma prova como nula não obsta à apreciação do mérito da causa, antes se relaciona com o fim último da prova dos factos, já que as provas, desde que consideradas proibidas, então obviamente que não poderiam ser valoradas, nem poderiam servir para fundamentar a condenação dos arguidos.
            A circunstância de a decisão recorrida “matar” o processo, sem prosseguimento da audiência de julgamento, para que, no final, o tribunal decidisse com base na valoração das provas tidas como lícitas deveu-se, tão-somente, ao facto de ter sido decidido que a nulidade invocada inquinava definitivamente toda e qualquer outra prova posterior (sem restrições), pelo que, no entendimento do tribunal recorrido, prosseguir com a audiência de julgamento seria um acto inútil por nada haver, no plano probatório, que pudesse vir a sustentar a condenação dos arguidos.
            Pois bem: se a decisão sobre a invocada nulidade tivesse sido tomada em sentença proferida após a realização das diversas sessões de julgamento, levando à absolvição dos arguidos (por desconsideração de todas as provas contra os mesmos apresentadas), ninguém duvidaria sobre a sua recorribilidade), pelo que não se vislumbra razão para que não seja recorrível apenas por ter sido tomada no momento em que o foi, sendo certo que não deixou de constituir uma decisão final.
            Se é certo que o artigo 64.º, n.º1, do RGCO, determina que "o juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho", do que se infere (pela utilização da conjunção disjuntiva) a aparente incompatibilidade de ambas as figuras (quando há despacho é porque não houve audiência), a verdade é que a decisão recorrida, pondo termo à causa, não pode deixar de ser recorrível. As fórmulas “o arguido for absolvido” e “o processo for arquivado”, presentes no artigo 73.º do RGCO, não podem deixar de abranger todas as decisões que, não sendo interlocutórias, nem operando o reenvio do processo para a autoridade administrativa, põem efectivamente termo ao processo, conhecendo de matéria que foi objecto da impugnação judicial e constituindo, iniludivelmente, a sua decisão final.
            Daí entendermos ser desnecessária a invocação (meramente supletiva) do n.º2 do artigo 73.º para fundar a recorribilidade da decisão em causa, já que a mesma  se suporta no n.º 1 do mesmo artigo, abrangendo os casos em que o “arguido for absolvido” e o “processo for arquivado”, sendo que, como se diz no parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, independentemente do seu nomen iuris, o RGCO reconhece, em boa interpretação, “simples despachos” como “sentenças” na acepção do C.P.P. e “sentenças” como “despachos” na acepção do mesmo C.P.P.
            No caso, a decisão em apreço, conhecendo do objecto de um dos recursos (com efeitos que foram tidos como prejudiciais sobre os demais) e com precedência de prova produzida em audiência de julgamento, equivale a uma sentença.
            Em suma, não se suscita qualquer dúvida quanto à recorribilidade da decisão em apreço, ao abrigo do artigo 73.º, n.º1, alínea c), do RGCO, o que dispensa a consideração do pedido, meramente supletivo e efectuado por motivos meramente cautelares, que os recorrentes fazem ao abrigo do n.º2 da mesmo disposição legal.


            3.2. Da oportunidade da decisão recorrida
            Diz o M.P. no seu recurso que o M.mo Juiz a quo não podia invocar depoimentos de testemunhas recolhidos em sede de julgamento, muito menos neles se apoiar para tirar conclusões sobre o processo - mais concretamente, para suportar as conclusões do despacho pelo qual arquiva o processo.
            Por sua vez, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto questiona a oportunidade da decisão recorrida, entendendo que nos encontramos perante uma violação frontal do artigo 328.º, n.º3, alínea c), do C.P.P., porquanto, no seu entender, esta disposição legal apenas permite tomar decisões interlocutórias durante a audiência de julgamento desde que limitadas ao conhecimento de “qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental cuja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne altamente inconveniente a continuação da audiência” e que possa surgir no decurso desta. Pela comparação do teor da redacção dos artigos 311.º, n.º 1, 328.º, n.º3, al. c), 338.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, do C.P.P., extrai o Ex.mo Magistrado a conclusão de que o juiz, durante o julgamento, não pode conhecer das nulidades, “sejam elas de que tipo for – nem de natureza processual, nem, muito menos, de natureza substantiva.”
            Mais: argumenta-se que a questão da nulidade já tinha sido invocada – isto é, já tinha “surgido” – muito antes do início da audiência de julgamento, e expressamente o foi no requerimento de recurso de impugnação judicial (fls. 8667ss, vol. 36) sobre o qual juiz proferiu o “despacho de saneamento” de fls. 9848 (vol. 39) que é absolutamente omisso quanto a esta questão, contendo tal despacho “implícita uma decisão sobre a questão da nulidade invocada – pois o artigo 311.º do CPP manda conhecer das “nulidades” –, expressando apenas a conclusão das operações lógicas e mentais de “saneamento” e delas extraindo que não existia nulidade que obstasse “à apreciação do mérito da causa”, pelo que decidiu pelo conhecimento da impugnação judicial para de tal mérito conhecer. Isto partindo do princípio – e outra hipótese não se coloca – que, ao preferir tal despacho, o juiz, não ignorando a lei, assim a quis aplicar.”
            Vejamos.
            O artigo 311.º, n.º1, do C.P.P., que o Ex.mo Magistrado invoca refere-se à pronúncia sobre “as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.
            No processo contra-ordenacional não há propriamente um despacho equivalente ao do artigo 311.º, n.º1. Deduzida a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa e enviados os autos ao Ministério Público,  a apresentação destes ao juiz vale como acusação, nos termos do artigo 62.º, n.º1, do RGCO.
            Por sua vez, ao juiz compete proferir despacho que procede ao “exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa” [assim denominado no artigo 27.º, n.º1, al. c), do RGCO, a propósito das causas de suspensão da prescrição], que mais não é do que o despacho que, não rejeitando a impugnação (artigo 63.º do RGCO), designa dia para julgamento ou considera possível decidir por simples despacho (artigo 64.º do mesmo diploma).
            Quer isto dizer que em todos os casos que não sejam de rejeição do recurso (cujos motivos apenas podem ser a intempestividade e a falta de observância dos requisitos de forma), a questão a decidir (e mesmo que existam “excepções”, designação que o C.P.P. não usa, porventura por considerá-la imprópria no âmbito processual penal) tem de ser apreciada em despacho ou sentença a proferir nos termos do artigo 64.º do RGCO.
            No caso vertente, o M.mo Juiz designou dia para julgamento, o que, como é evidente, não comporta qualquer decisão implícita sobre as questões colocadas nos diversos recursos de impugnação judicial, designadamente sobre a questão da nulidade da prova/proibição de prova (que constituía objecto da impugnação judicial do arguido D...).
            E, ao designar dia para julgamento, o M.mo Juiz quis significar que considerava necessária a realização de audiência de julgamento para decidir o caso (incluindo, por conseguinte, a dita questão).
            Repare-se que se compete ao Ministério Público “promover a prova de todos os factos que considere relevantes para a decisão” (artigo 72.º, n.º1), compete ao juiz, por outro lado, “determinar o âmbito da prova a produzir” (artigo 72.º, n.º2), o que mais não é do que um afloramento do princípio processual geral da proibição de actos inúteis (artigo 137.º do C.P.C.).
            Temos, assim, que as questões colocadas nas impugnações judiciais da decisão administrativa – o caso a decidir - dependiam da realização de audiência de julgamento, designadamente por ser necessária a produção de prova relativa às mesmas.
            Disse o M.mo Juiz a propósito da oportunidade de prolação de decisão sobre a nulidade da prova:

«De acordo com o disposto no art.º 138.º do CPP, logo no início da audiência de julgamento, o Tribunal deverá apreciar e decidir das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e que possa desde logo conhecer. Bem se compreende que assim seja, pois evitar-se-á deste modo a prática de actos que poderiam vir a ser declarados inválidos caso se verifique alguma nulidade ou questão prévia que provoque esse efeito.
No final do julgamento, quando elabora a sentença, nos termos do art.º 368.º, n.º 1 do CPP, o Tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão.
Posto isto, podemos dizer que se o processo contiver já todos os elementos necessários à apreciação da nulidade, deverá proferir decisão logo no início do julgamento, mas, se assim não for, pode ainda fazê-lo na sentença.
Com este enquadramento, o legislador pretendeu impor ao Tribunal a apreciação das nulidades no momento processual mais precoce possível, a fim de estabilizar a instância e evitar a prática de actos inúteis, ou seja, a prática de actos que fatalmente viriam a ser considerados inválidos por arrastamento.
Dentro desta lógica de economia processual, fica aberta a possibilidade de o Tribunal que não tenha apreciado uma nulidade no início do julgamento, venha a fazê-lo, sem ter de esperar pela sentença, a partir do momento em que os autos contiverem já os elementos necessários à apreciação da questão adjectiva.
A nulidade em causa não foi apreciada no início do julgamento, por ainda não constarem dos autos todos os elementos necessários.
Com efeito, os originais das denúncias feitas por F... nem sequer constavam do processo, sendo que apenas estavam fotocópias nos autos, no Volume 18.º, a fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687, as quais foram juntas, a requerimento do arguido, muito depois de o processo se ter iniciado. É que, ao contrário do que é habitual em qualquer processo de natureza criminal ou contra-ordenacional, nestes autos instruídos pelo Banco de Portugal as denúncias não se encontravam no início do processo. Ao invés, a encetar os autos está a "Nota Informativa" n.º 3131/07, de 26-12-2007, a qual, estranhamente, não faz qualquer referência à fonte da informação, pois começa assim: "Tendo chegado ao conhecimento do Banco de Portugal que o BANCO ..., S.A. estaria, ou teria estado, a utilizar 17 sociedades domiciliadas em centros offshore, cuja denominação foi também revelada, para a realização de operações do próprio banco, foi decidido proceder a averiguações junto do mesmo para esclarecer a natureza do envolvimento do banco com essas sociedades e avaliar os potenciais efeitos legais e prudenciais daí decorrentes. Nesta nota apresenta-se uma síntese do que foi apurado até à data."
Uma vez que os autos ainda não continham os elementos imprescindíveis à apreciação da invalidade das denúncias, o julgamento começou, mas cedo tomou o rumo no sentido de que a fonte não identificada naquela nota informativa era, pelo menos de forma imediata, a(s) denúncia(s) apresentada(s) por F....
Para além da prova documental e pericial que entretanto foi junta já no decurso do julgamento, foram ouvidas as declarações dos arguidos que as quiseram prestar no início da audiência, bem como foram inquiridas apenas 16 das 138 testemunhas arroladas, mais uma (F...), cujo depoimento foi determinado pelo juiz que preside a este julgamento.
Neste momento, os autos já contêm o acervo, designadamente documental, necessário à apreciação da nulidade invocada.
Não se nos afigura necessário produzir mais prova, designadamente a sugerida pelo Sr. Procurador da República, a fls. 11257, ou seja, a inquirição da testemunha T4... que, ao tempo, desempenhava relevantes funções no Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal. Com efeito, e como veremos em pormenor mais à frente, sobre a relevância que as denúncias de F... tiveram para este processo foram tidos em conta os depoimentos de um Vice-Governador (Dr. L...); do director do Departamento de Supervisão Bancária (Dr. T2...); e do coordenar de "supervisão directa" e encarregado do grupo BANCO ..., S.A. desde o ano de 2002 (Dr. T3...). Para além dessa prova testemunhal, foram também ponderadas as declarações do então Governador do Banco de Portugal, Dr. M..., prestadas perante uma Comissão Parlamentar. Tais elementos probatórios são congruentes entre si e provêm das pessoas com as mais altas responsabilidades dentro do BdP, razão por que não se divisa qualquer necessidade de ouvir todos, ou mais, funcionários que exerciam funções naquela instituição.
Assim, de acordo com o princípio da economia processual, a fim de evitar a prática de actos inúteis, designadamente a inquirição das 122 testemunhas que estão arroladas e ainda não prestaram depoimento, passamos desde já a apreciar a nulidade arguida pelo recorrente D....»


            Quer isto dizer que no momento em que foi proferido o despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso, os autos não estavam instruídos com todos os elementos necessários ao conhecimento da questão nulidade da prova/proibição de prova, sendo que, da prova indicada pelo M.mo Juiz a quo para fundamentar a prolação da decisão recorrida apenas constavam dos autos:

            - A informação 3137/07, do Banco de Portugal, que não indicava a fonte do conhecimento dos factos por si analisados;
            - As declarações do Governador do Banco de Portugal na Comissão Parlamentar ao Exercício da Supervisão dos Sistemas Bancário, Segurador e de Mercado de Capitais; 
            - Meras cópias das denúncias apresentadas pelo cidadão F....
            Não constavam, pois (no que toca às provas que o M.mo Juiz invoca):
            - Os originais das denúncias apresentadas por F... (juntos, depois do despacho de saneamento, a fls. fls. 10928-10929, Volume XLIII), bem como dos documentos a estas anexos (fls. 10930-10935, Volume XLIII);
            - A identificação da fonte da informação 3137/07, do Banco de Portugal;                      - Os depoimentos dos responsáveis e/ou funcionários do Banco de Portugal que analisaram as referidas denúncias e produziram a informação, nomeadamente os testemunhos de L... (Vice-Governador do Banco de Portugal); T2... (director do Departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal); T3... (coordenador da supervisão directa e encarregado do Grupo BANCO ..., S.A. desde 2002);
            - As declarações do arguido D...:
            - O despacho proferido no proc. n.º .../07.0TDLSB (fls. 10109-10133).

            Assinale-se que, como já se disse, a decisão recorrida não foi proferida de surpresa, pois o M.mo Juiz tomou a iniciativa de anunciar previamente aos sujeitos processuais que já se encontrava habilitado a pronunciar-se sobre a matéria da nulidade da prova, que o pretendia fazer “neste momento”, tendo, inclusivamente, como se assinalou, concedido prazo ao Ministério Público, ao Banco de Portugal e aos arguidos para “exercerem o direito a pronunciarem-se sobre esta questão, tendo em conta também a prova já produzida (…)”.
            Salvo melhor opinião, entendendo o M.mo Juiz que a prova entretanto produzida permitia decidir, com segurança, uma questão que afectava, prejudicando-o, o conhecimento de todas as demais questões; tendo o cuidado de avisar disso mesmo todos os sujeitos processuais, anunciando, sem margem para quaisquer dúvidas, que se aprestava para decidir, naquele momento, a questão da nulidade da prova e convidando-os a pronunciarem-se, também na base das provas entretanto produzidas em audiência; tendo-se pronunciado os diversos sujeitos processuais sobre a matéria e não se vislumbrando que os ora recorrentes tenham manifestado, pelo menos de forma clara, oposição a que a matéria em causa fosse decidida nesse momento, não se vê razão para que a audiência de julgamento tivesse de prosseguir para a inquirição (inútil, na perspectiva do julgador) de mais 122 testemunhas, sem pertinência com a questão em apreço. Só uma visão rigidamente formalista poderia justificar a continuação da audiência de julgamento, não se sabe por quanto tempo, quando relativamente à questão em causa, susceptível de prejudicar o conhecimento de todas as outras, já se fizera a prova que o tribunal entendeu necessária, sem manifestação de oposição dos sujeitos processuais.
            Não nos convence, a este propósito, a comparação do teor da redacção dos artigos 311.º, n.º 1, 328.º, n.º3, al. c), 338.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, do C.P.P., nos termos em que foi colocada, pois a expressão “questões prévias ou incidentais” é suficientemente ampla para abranger os pressupostos processuais, as nulidades (adiante veremos melhor de que nulidades se trata) e as irregularidades, cuja decisão pode depender ou não do conhecimento prévio de factos provados. As nulidades são, em regra, a nosso ver, questões prévias (uma espécie de entre outras), podendo também ser questões incidentais, razão de o legislador referir-se às mesmas, diversas vezes, como “nulidades e outras questões prévias ou incidentais” (sublinhado nosso).
            Também não identificamos a pertinência de se invocar o artigo 328.º, n.º3, al. c), do C.P.P. (embora também citado pelo M.mo Juiz), já que se trata de disposição legal relativa à continuidade da audiência e, mais precisamente, ao adiamento/interrupção, questão que, salvo melhor opinião, não esteve nem está minimamente em causa.
            Com esta explanação não pretendemos negar que o legislador estabeleceu determinados momentos processuais como sendo os próprios para conhecer das questões prévias ou incidentais, não cabendo ao julgador, arbitrariamente, definir os tempos em que esse conhecimento deve ocorrer. E também não estamos a ajuizar, neste momento, se a decisão quanto à questão em causa foi ou não bem tomada (a isso voltaremos mais adiante).
            Acresce, porém, a seguinte ordem de considerações:
            A nosso ver, à semelhança do que sucede com o disposto no artigo 311.º, n.º 1 do C.P.P., também no artigo 338.º, n.º 1 do mesmo diploma (tal como já sucedia anteriormente com o corpo do artigo 424.º do C.P.P. de 1929), as nulidades de que o tribunal conhece e decide (susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar) são nulidades processuais, sejam de conhecimento oficioso ou tenham sido arguidas pelos respectivos interessados.
            Reconhece-se que essas nulidades processuais não se confundem com as nulidades que significam “proibições de prova” (artigo 118.º, n.º3, do C.P.P.).
            As provas ilegalmente obtidas, não podem ser utilizadas no processo (a sanção da nulidade cominada no artigo 126.º, n.º 3, do C.P.P. equivale a proibição) e, por isso, também não podem ser valoradas, ainda que com sacrifício da descoberta da verdade material, na medida em que esta só pode ser obtida através de meios justos, de meios legalmente admissíveis (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 2008, p. 138).
            E isto independentemente de a lei fazer expressa referência à proibição de valoração ou antes apontar simplesmente para a existência de nulidade, já que, em muitas das disposições relacionadas com a prova, a sanção da nulidade quer precisamente significar proibição de valoração.
            Por isso, Costa Andrade refere que “há uma imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime de nulidades (…). Por um lado, é no título dedicado às nulidades que o CPP inscreve o preceito segundo o qual «As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova» (art. 118, nº 3). Por outro lado e frequentemente, a lei processual portuguesa enuncia as proibições de prova cominando precisamente com a sanção da nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais. É o que pode ilustrar-se com o regime previsto para os Métodos proibidos de prova (art. 126), a Recusa de parentes e afins (art. 134, nº 2) e as Escutas telefónicas (art. 189)” (Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992,  pp. 193/194).
            No caso em apreço, a nulidade invocada pelo recorrente D... respeita a proibições de prova e constitui um dos temas da própria impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
            Dependendo o seu conhecimento da produção de prova e no pressuposto de que o tribunal não dispunha, no início da audiência de julgamento, de todos os elementos para conhecer da questão colocada relativa a nulidade/proibição de prova, compreende-se a realização da audiência, sendo que, enquanto as provas em causa não fossem declaradas proibidas (“nulas”, na terminologia da decisão recorrida, tendo em vista o n.º 8 do artigo 32.º da C.R.P. e o artigo 126.º, n.º 3 do C.P.P.), podiam ser objecto de discussão em julgamento, na fase de produção de prova, por todos os sujeitos processuais.
            As nulidades relacionadas com proibições de prova são até, segundo certo entendimento, nulidades sui generis, de conhecimento oficioso (nesta parte, existem diferentes entendimentos, que não importa, para o caso, aprofundar), podendo ser conhecidas em qualquer fase do processo e, por conseguinte, pelo tribunal do julgamento até à decisão final - o que significa que também podem ser conhecidas e apreciadas antes de ser proferida decisão final, só se convalidando com o trânsito em julgado da sentença e mesmo assim ressalvado o regime excepcional da revisão de sentença, nos termos do artigo 449.º do C.P.P. (cfr., com interesse, o Acórdão da Relação do Porto, de 7 de Julho de 2010, Processo 736/03.4TOPRT.P1).
            Ora, no caso vertente, produzida a prova necessária para conhecimento da questão – e sendo a decisão desta prejudicial em relação às demais questões, já que, na perspectiva do julgador, a nulidade afectava toda as provas do processo contra-ordenacional, sem excepção -, no contexto supra referido de exercício do contraditório e de não oposição expressa a que, naquele momento, a questão fosse apreciada e decidida, não se vislumbra a existência de obstáculo formal a que o tribunal recorrido, no momento em que o fez, pudesse decidir, tanto mais que a resolução dessa questão, nos termos em que estava colocada, poderia evitar o prosseguimento da audiência de julgamento – conclusão que não antecipa, porém, qualquer juízo sobre a bondade da decisão em si mesma, questão que abordaremos mais adiante.
            A alegação de que a questão da valoração da prova foi tratada como nulidade processual, obstando ao julgamento que tem, exactamente, por objecto tal valoração e que, diversamente do ocorrido, só depois de realizado todo o julgamento poderia o M.mo Juiz conhecer da questão em causa, avaliando e valorando as provas e sobre elas formulando um juízo sobre a possibilidade da sua utilização à luz das proibições de prova, não nos convence.
            O artigo 118.º, n.º3, do C.P.P. não impede, sem mais, a aplicação de certos aspectos do regime jurídico das nulidades processuais às nulidades “sui generis” de prova, estabelecendo, antes, o facto de a respectiva disciplina jurídica não poder prejudicar o tipo de nulidade próprio do domínio probatório.
            Como já dissemos, em princípio, uma decisão favorável à arguição de uma prova como nula não obsta à apreciação do mérito da causa, antes se relaciona com o fim último da prova dos factos, já que as provas, desde que consideradas proibidas, então obviamente que não podem ser valoradas, nem podem servir para fundamentar a condenação dos arguidos.
            Porém, o que se invocou, sendo acolhido pelo tribunal, foi que todo o processo estava “inquinado”, ab initio, pela nulidade das provas que lhe deram origem e que determinava a “contaminação” de todas as provas que se lhe seguiram.
            Logo, dar-se como nulas essas provas iniciais determinaria, nessa perspectiva – que veio a ter o acolhimento do tribunal recorrido -, a nulidade de todas as provas derivadas, nada subsistindo (no entendimento que foi perfilhado pela 1.ª instância) que pudesse ser valorado, pelo que o conhecimento dessa matéria, na fase em que o foi, obedeceu à intencionalidade de evitar o inútil prosseguimento da audiência de julgamento para além do momento em que o tribunal se encontrou em condições, a seu juízo, de decidir matéria que prejudicava esse prosseguimento (tornando desnecessária, por exemplo, a inquirição de largas dezenas de testemunhas – pensemos nas muitas de defesa - cujos depoimentos já não incidiriam sobre a matéria da prova nula).
            Não se trata aqui, como já se disse e pretendemos reforçar, de ajuizar sobre a bondade da decisão sobre a nulidade/proibição de prova invocada, mas de afirmar, tão-só, que a declaração de nulidade de um meio de prova não tem de aguardar, forçosamente, pelo momento da sentença, pois trata-se de matéria que pode ser conhecida a todo o tempo.



            3.3. Da decisão recorrida e da invocada nulidade
            No requerimento de impugnação judicial que apresentou, o recorrente D... arguiu a nulidade da prova que deu início ao presente processo, bem como a transmissão desse vício aos actos dela dependentes – fase de investigação, acusação, decisão administrativa condenatória, i.e. a todo o processo.
            Encontra o fundamento de tal nulidade na invocada circunstância de o presente processo ter tido origem numa denúncia que F... fez chegar ao Banco de Portugal, contendo um conjunto de informação e documentação abrangida pelo dever de segredo bancário. Tais elementos apenas poderiam ter sido fornecidos ao denunciante com conhecimento dos dados reservados, cobertos pelo sigilo bancário e, por isso, apenas cognoscíveis no processo mediante (i) o consentimento dos titulares das contas; (ii) pedido da autoridade de supervisão; ou (iii) despacho judicial.
            Por não se encontrar nos autos qualquer evidência de ter ocorrido uma das circunstâncias acima referidas, impõe-se, segundo o recorrente, a conclusão de que a instauração do presente processo contra-ordenacional foi efectuada a partir de prova obtida ilegalmente, pelo que a génese do processo assenta em método proibido, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 8 do art.º 32.º da C.R.P. e do artigo 126.º do C.P.P., aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO. Por outras palavras: sendo crime a violação de segredo e tendo as investigações sido iniciadas com base no crime praticado e em prova ilícita e proibida, a decisão de instauração do processo e todas as demais diligências de prova que se lhe seguiram estão igualmente inquinadas, pelo chamado efeito à distância, que impede a valoração das provas dependentes da prova proibida.

            3.3.1. Segundo o artigo 32.º, n.º 8, da C.R.P., que estabelece as garantias de processo criminal “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
            À data em que as denúncias foram feitas e o processo se iniciou, os artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante designado RGICSF), tinham a seguinte redacção (entretanto alterada, mas sem que essas alterações relevem para o caso em apreço):
           
            Artigo 78.º
            Dever de segredo
            1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
            2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
            3 - O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.


            Artigo 79.º
            Excepções ao dever de segredo
            1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
            2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
            a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
            b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
            c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
            d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
            e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo. 

            O sigilo bancário encontra-se contemplado, como dever de segredo profissional, nos artigos 78.º a 84.º do RGICSF.
            A primeira excepção ao dever de observância do sigilo bancário é a dispensa voluntária desse dever mediante autorização do cliente transmitida à instituição bancária (artigo 79.º, n.º 1, do RGICSF). Para além disso, a lei prevê um conjunto de situações de dispensa legal do dever de sigilo e até de imposição do dever legal de informar.
            Para Silva Sanchez, o segredo bancário «não é, na realidade, senão uma variante do segredo profissional, reconhecido como dever na maior parte dos ordenamentos penais do mundo. Nessa medida e independentemente de outras considerações de política económica e financeira, encontra-se ao serviço da proteção de uma esfera da vida privada dos cidadãos: a relativa às suas relações económicas. Daí que, por exemplo no direito suíço, se prefira falar de "segredo do cliente bancário" (BankKundengeheimnis), para sublinhar que é da proteção de um dos direitos dos clientes e não da entidade bancária de que realmente se trata.» (Tiempos de derecho penal, Edisofer, SL, Madrid, 2009 p. 173, a propósito de “el secreto bancario y su previsible erosión”).
            É pacífico o entendimento que inclui o segredo bancário entre os segredos tutelados pelas incriminações dos artigos 195.º e 197.º, do Código Penal, na sua actual versão, os quais estão sistematicamente integrados no Livro II, Título I, Capítulo VII, este relativo aos “Crimes contra a reserva da vida privada”, diversamente do que se verificava no domínio do Decreto-Lei n.º 2/78 de 9 de Janeiro e da versão originária do Código Penal de 1982. O referido Decreto-Lei n.º 2/78, que regulou o segredo bancário até à sua revogação pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, iniciava o respetivo preâmbulo ligando a preocupação de tutelar o segredo bancário à necessidade de estabelecer um clima de confiança na banca que permita a captação e recuperação do dinheiro entesourado, implicado pela reconstrução do país, apelando claramente à prossecução de interesses de natureza pública.
            Por sua vez, o artigo 184.º da versão originária do Código Penal de 1982, não obstante encontrar-se sistematicamente entre os crimes contra a reserva da vida privada, tinha natureza pública, refletindo a maior relevância então dada à tutela dos interesses públicos prosseguidos com o segredo profissional em geral e o segredo bancário em particular, enquanto a legislação penal actual confere natureza semipública aos crimes previstos nos artigos 195.º e 197.º, do Código Penal (ver o texto do Desembargador João Latas, sobre “Sigilo bancário”, disponível em www.tre.pt/informaçao/estudos.html, que se segue de perto).
            A afirmação da prevalência da proteção do interesse individual visado pelas normas que directa ou indiretamente respeitam à tutela penal do segredo, incluindo as que se ligam ao seu regime processual, não significa, porém, que embora de forma reflexa ou mediata não seja igualmente visada a defesa de interesses públicos e institucionais, portanto supra-individuais, identificados com o prestígio e confiança do sistema bancário, pressuposto elementar e condicionante da organização económica (cfr. Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal I, Coimbra Editora, 1999, pp.776/777).
            Em todo o caso, continua a discutir-se, mantendo-se como questão controvertida, se o segredo bancário deve ou não considerar-se abrangido pelo direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar consagrado no artigo 26.º, n.º1, da C.R.P.
            Assim, por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem-se ao segredo bancário, respeitando a interesses de ordem patrimonial e económica, como sendo o «direito ao segredo do ter», que dificilmente pode considerar-se abrangido pela proteção constitucional aos direitos de personalidade, nomeadamente pelo artigo 26°.º, n.º1, da C.R.P.
            Dizem estes autores (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 468-9):
            «A teleologia intrínseca dos direitos de personalidade justifica fundamentalmente o «direito ao segredo do ser» (direito à imagem, direito à voz, direito à intimidade da vida privada, direito a praticar actividades da esfera íntima sem vídeo vigilância). É problemática a inclusão nestes direitos de personalidade do pretenso «direito ao segredo do ter» (segredo bancário, segredo dos recursos financeiros e patrimoniais, ... sigilo fiscal). Além de não haver qualquer princípio ou regra constitucional a dar guarida normativa a um «segredo do ter» (o que obriga alguns autores a recorrerem forçada e esforçadamente a «direitos fundamentais implícitos», sempre haverá que ter em conta a necessidade de concordância prática com outros interesses (ex. combate à criminalidade organizada, combate à corrupção e tráfico de influências, combate à fraude fiscal, combate ao branqueamento de capitais, combate ao financiamento do terrorismo, etc.)»

            O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 42/2007, de 23 de Janeiro de 2007, disse, a este propósito:
            «O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário não é equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação de medidas de coacção) ou ao núcleo da reserva de privacidade que é afectado com uma escuta telefónica ou com uma busca domiciliária. O segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional da reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 607/2003, em que foram tomadas em consideração diferenciações em função da esfera da privacidade em causa – www.tribunalconstitucional.pt). Seja como for, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/2005 (www.tribunalconstitucional.pt) salientou-se que o segredo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.»

            E lê-se no seu Acórdão n.º 442/2007, de 14 de Agosto de 2007:
             «A integração no âmbito normativo de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada dos dados relativos à situação económica de uma pessoa em poder de uma instituição bancária é de molde a provocar alguma perplexidade, se tivermos em conta a natureza e o sentido tutelador dos direitos da personalidade, que, neste ponto, constituem a matriz do imperativo constitucional. Poderá, na verdade, pensar-se que, estando em causa a protecção dos atributos da pessoa, dos bens constitutivos e expressivos da sua personalidade, só podem ser abrangidas situações subjectivas existenciais, sendo de rejeitar, à partida, a inclusão de aspectos patrimoniais, respeitantes ao ter da pessoa.
            A isso há a contrapor que não é possível estabelecer, sobretudo nas sociedades dos nossos dias, uma separação estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial. A posição económica de cada um não deixa de ser uma projecção externa da pessoa, constituindo um dado individualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, também no plano pessoal, um interesse tutelável, e tutelável constitucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do conhecimento dos outros.
            Não custa, assim, admitir “uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela” (ALBERTO LUÍS, Direito bancário, Coimbra, 1985, 88), como componente da mais geral esfera da privacidade.
            No caso particular dos dados e documentos na posse de instituições bancárias, concernentes às suas relações com os clientes, há um argumento suplementar, que cremos decisivo, nesse sentido. Mormente no que respeita às operações passivas de movimentação da conta, não é apenas, nem é tanto, o conhecimento da situação patrimonial, em si mesma, que pode ser intrusivo da privacidade. O que sobremaneira importa é o facto de esse conhecimento, numa época em que se vulgarizou e massificou a realização de transacções através dos movimentos em conta, designadamente pela utilização de cartões de crédito e de débito – o chamado “dinheiro de plástico” – propiciar um retrato fiel e acabado da forma de condução de vida, na esfera privada, do respectivo titular.
            É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indirectamente revelados, que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado.
            Na verdade, como se disse no processo decidido pelo Tribunal Constitucional espanhol, pelo acórdão 110/1984, de 26 de Novembro, «uma conta-corrente pode constituir ‘a biografia pessoal em números’ do contribuinte» (apud PISÓN CAVERO, El derecho a la intimidade en la jurisprudencia constitucional, Madrid, 1993, 179). Através da análise do destino das importâncias pagas na aquisição de bens ou serviços, pode facilmente ter-se uma percepção clara das escolhas e do estilo de vida do titular da conta, dos seus gostos e propensões, numa palavra, do seu perfil concreto enquanto ser humano. O conhecimento de dados económicos permite, afinal, a invasão da esfera pessoal do sujeito, com revelação de facetas da sua individualidade própria – daquilo que ele é e não apenas daquilo que ele tem. Conhecimento que, por sua vez, e para além de tudo o mais, é susceptível de exploração económica (veja-se o florescente mercado de informações sobre dados dos consumidores), propiciando afinadas estratégias de marketing, frequentemente violadoras do direito à reserva, agora na sua veste de direito a estar só.
            Conclui-se, assim, que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República.
            Essa inclusão só é problemática em relação às pessoas colectivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações fundamentadoras acima aduzidas, que se apoiam na possibilidade de acesso à esfera mais pessoal.»

            E, mais adiante:

            «(…) o segredo bancário localiza-se no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes.»


            Em todo o caso, certo é que não oferece dúvida, como já se disse, a inclusão do segredo bancário entre os segredos tutelados pelas incriminações dos artigos 195.º e 197.º, do Código Penal, ou seja, a violação do dever de segredo consubstancia a prática do crime específico próprio (cuja tipicidade depende da qualidade de insider do agente) previsto e punível pelo art.º 195.º do Código Penal, que dispõe:

Artigo 195.º
Violação de segredo

Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.


O pressuposto de que parte a decisão recorrida é o seguinte: na origem exclusiva do processo contra-ordenacional em causa está a prática de um crime de violação de segredo (bancário) por parte de quem entregou ao cidadão F... determinadas informações e documentação, pelo que existe um vício “genético” que afecta o processo desde a origem, inquinando-o na totalidade.

Diz-se na decisão recorrida.
«As denúncias têm o teor de fls. 4672, 4673 e 4680 a 4687, que aqui damos por reproduzidas, e os documentos anexos às mesmas são, de facto, cópias de documentos internos do BANCO ..., S.A. relativos a operações de crédito a clientes; a missivas dirigidas por beneficial owners à sociedade cliente do banco; procurações assinadas por administradores do BANCO ..., S.A. conferindo poderes a funcionários do banco para celebrarem contratos ou para agirem enquanto representantes do banco que, por sua vez, havia sido mandatado pelas sociedades suas clientes.
Analisados os respectivos teores, não nos restam dúvidas de que as denúncias contêm informações sobre factos e as cópias dos documentos constituem elementos respeitantes à vida da instituição e à relação desta com os seus clientes.
Trata-se, pois, inequivocamente, de documentos sujeitos a segredo bancário.
Por outro lado, tal como ficou claro para o Magistrado do Ministério Público que subscreveu o despacho no Proc. n.º .../07.0 TDLSB, também é para nós cristalino que só um funcionário ou administrador do BANCO ..., S.A. – ou algum auditor externo, mas também vinculado ao segredo – poderia ter acesso em primeira-mão a estes documentos.
Com efeito, das declarações seguras, sinceras e que reputamos de credíveis prestadas pelo recorrente D... – o qual era Presidente do Conselho de Administração Executivo à data das denúncias – qualquer destes documentos apenas estava acessível a pessoas que exerciam profissionalmente as suas funções no BANCO ..., S.A..
Aliás, tratando-se de documentos que pertenciam a vários departamentos do banco, muito provavelmente o acesso privilegiado a eles só seria possível para um grupo restrito de membros da alta direcção.
Acresce que os autos não evidenciam que tenha ocorrido alguma das excepções previstas no art.º 79.º do RGICSF, ou seja, designadamente, que tenha havido autorização de divulgação por parte de algum cliente do banco.
Por outro lado, quem estava na posse de tais documentos, em virtude das funções que exercia ou havia exercido, optou – por razões que se advinham e que provavelmente estariam relacionadas com as lutas pelo poder na instituição, mas que não foi possível apurar nestes autos – por entregá-los ao Sr. F..., e não à autoridade de supervisão da actividade bancária, neste caso, ao Banco de Portugal. Esta opção tomada pelo indivíduo não identificado, impede a verificação da excepção prevista na al. a) do n.º 2 do art.º 79.º do RGICSF.
Das diligências feitas, quer no referido inquérito, quer já no âmbito dos presentes autos, não foi possível apurar a identidade do indivíduo que fez sair as informações e documentos da esfera do BANCO ..., S.A.. Com efeito, a testemunha F... afirmou que desconhecia quem lhe fornecera as cópias que anexou às denúncias. Diz tê-las recebido em envelopes brancos, sem remetente identificado e desacompanhadas de qualquer missiva ou explicação. Ora, apesar de a testemunha F... dizer que os documentos lhe chegaram anonimamente, o facto é que as denúncias, em especial a segunda, contêm muito mais informações para além das que se poderiam razoavelmente retirar dos documentos. Tais informações também teriam necessariamente de provir do interior do banco, pelo que ou existiam mais documentos que não foram juntos às denúncias (facto que a testemunha F... se mostrou incapaz de confirmar) ou foram transmitidas à referida testemunha por algum modo que não se nos afigura legítimo, uma vez que o destinatário imediato da informação não era uma autoridade de supervisão ou o Ministério Público.
Deste modo, a transmissão das referidas informações e documentos ficou sem paternidade conhecida. No entanto, como já vimos, tal fuga de informação e documentos teve necessariamente origem em alguém que fazia parte do círculo de autores previsto no art.º 195.º do Código Penal, ou seja, alguém que estava vinculado ao sigilo bancário.»


            A primeira nota que a decisão recorrida nos suscita é a seguinte: a sua configuração como a decisão final do processo, conforme referido supra sob o ponto 3.1., tendo dependido da apreciação de prova documental e pessoal (declarações e depoimentos prestados em audiência) para a fixação dos pressupostos de facto da própria decisão, determina indeclináveis exigências de fundamentação.
Atente-se que decorre do preceituado nos artigos 66.º e 75.º, n.º1, do RGCO, que em matéria de recurso de decisões relativas a processos por contra-ordenações, a 2.ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estabelecendo o referido artigo 75.º, n.º1, que “se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá de matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Exclui-se, pois, que possamos proceder à reapreciação das provas – que sempre seria impossível no caso da prova por declarações e depoimentos prestada em audiência que não é objecto de gravação – reapreciação que, por vezes, parece estar na expectativa dos recorrentes quando se acolhem nas provas reunidas nos autos, como se nos coubesse julgar de facto em função das mesmas.
            Porém, se o tribunal entendeu antecipar a sua decisão quanto à nulidade da prova e para esse efeito julgou necessária a produção de prova em audiência para estabelecer os factos que lhe permitissem ajuizar sobre essa nulidade – em termos que, se tivessem sido apreciados em sentença proferida depois da audiência de julgamento, conduziriam à absolvição dos arguidos por desconsideração das provas tidas como ilícitas (que para o tribunal recorrido eram todas, sem qualquer excepção), temos de concluir que a decisão recorrida não poderia deixar de contemplar a descrição dos factos apurados (não de meros juízos conclusivos), de forma fundamentada, exigindo-se, por outro lado, que esses factos fossem suficientes para suportar a própria decisão.
Saliente-se, a este propósito, que a nosso ver carece de razão o recorrente Ministério Público quando alega que o M.mo Juiz não podia fundamentar a decisão em apreço com base na valoração da prova entretanto produzida, designadamente da prova por declarações e depoimentos (prova pessoal).
Como já dissemos, a questão da nulidade da prova/proibição de prova podia, em princípio, ser conhecida no momento em que o foi, ou seja, quando se considerou esgotada a prova que se entendeu necessária para a conhecer (questão diversa é saber se foi bem conhecida e se foram bem determinadas as respectivas consequências).
Porém, assentando a decisão recorrida em pressupostos de facto que tiveram de ser apurados, estribando-se na análise das provas e decidindo como o fez, aceita-se, sem reservas, que a decisão recorrida comporta exigências de fundamentação que, nessa medida, se aproximam das da sentença, de modo a que o tribunal superior possa sindicar as razões da decisão.
            Percorrendo a decisão recorrida, afigura-se-nos que a mesma denota diversas insuficiências.
            Desde logo porque, a nosso ver, havia que, do acervo documental em conjugação com a prova pessoal (declarações e depoimentos que o tribunal apreciou), extrair a factualidade concretamente apurada e relevante (factos provados e não provados) que suporta a decisão.
             Ora, quanto à conclusão de que a génese exclusiva do processo de contra-ordenação residiu na prática, a montante, de um crime de violação de segredo e que sem as denúncias do cidadão F... não haveria processo, a decisão recorrida socorre-se de segmentos de declarações e depoimentos e apela a alguns documentos, não considerando, porém, uma série de outros elementos documentais constantes do processo, não se sabendo se foram ou não valorados e em que sentido, de forma conjugada com a restante prova (pessoal e documental).
            Assim, as denúncias apresentadas pelo cidadão F... têm as datas de 28 de Novembro de 2007 e 11 de Dezembro de 2007.
             A nota informativa elaborada pela testemunha T3... tem data de 26 de Dezembro de 2007, mas dizendo-se na decisão recorrida que, segundo o seu autor, terá sido escrita nos dias 16, 17 ou 18 de Dezembro de 2007, seguramente na segunda quinzena desse último mês de 2007.
            A documentação junta pelo Banco de Portugal, a fls. 11331 e seguintes, contempla notícias de jornais surgidas entre as datas das duas cartas de F... e anteriores à referida nota informativa e, obviamente, à Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de instauração de processo de contra-ordenação, sendo que, algumas dessas publicações – e bem assim exemplares de imprensa juntos aos autos a fls. 11157 e ss.  - são anteriores ao pedido de informação que o Banco de Portugal endereçou ao Banco ..., S.A.. Haveria, então, que justificar porque razão se entendeu que a carta do cidadão F... desencadeou a realização pelo Banco de Portugal de averiguações junto do BANCO ..., S.A., desde logo para efeitos prudenciais, com a consequente recolha de extensa documentação, se entre a 1.ª carta e o desencadear dessa acção, foram publicadas notícias, como a que se refere no despacho recorrido, relativa ao jornal “E...”, de 1 de Dezembro de 2007 (como outras, incluídas na referida documentação junta pelo Banco de Portugal). Qual a base de raciocínio que sustenta que essa notícia (e as outras), por si, não justificaria o desencadear de quaisquer averiguações, como as que vieram a ser levadas a cabo dias depois (e antes mesmo da segunda carta) e que permite concluir que, com base nas mesmas mas sem as ditas cartas, forçosamente nada seria feito?
            E o mesmo se diga da extensa documentação que o Ministério Público indica no seu recurso, relativa a actas das reuniões do Conselho de Administração do BANCO ..., S.A., reportando-se aos Anexo XXIII e XXIII-B, reportadas quer a datas posteriores à 1.ª carta de F..., quer a datas que lhe são anteriores, documentação que também não se vê que haja sido considerada, num ou noutro sentido, como ocorre como a que dá conta da atenção do supervisor para as relações do BANCO ..., S.A. com Q..., matéria que, ao contrário da questão dos créditos concedidos ao filho do arguido A..., já faz parte do objecto deste processo (e apenas a essa questão dos créditos ao “filho de um dos recorrentes” se refere a decisão recorrida).
            Não se está aqui a fazer um juízo substitutivo em sede de apreciação da prova, que não nos compete atentos os poderes de cognição que nos são atribuídos, mas antes a afirmar que não transparece da decisão recorrida que esta tenha considerado – em que sentido, não nos compete dizer – diversa documentação junta aos autos, sobre a qual havia que ajuizar concretamente, conjugando-a com os demais elementos (designadamente, com a prova pessoal que é invocada, confrontando o que se extrai dessa prova pessoal com o que objectivamente se pode extrair dos documentos, de modo a retirar conclusões), por forma a definir os pressupostos de facto da decisão.
            E, como se diz no parecer do Ex.mo P.G.A. não parece, neste contexto, que seja relevante saber se o Banco de Portugal não instaurou processos de contra-ordenação por motivos idênticos ao longo de anos para se concluir que aqui nada iria  fazer sem a denúncia. “É que, das duas uma: ou não o fez porque não teve fundamentos para o fazer ou porque, tendo-os, decidiu não agir, sendo, neste caso, questionável a decisão, mas noutra sede, que não neste processo, com os efeitos processuais que se pretendem.”
           
            Quanto à questão do crime de violação de segredo, poder-se-á contrapor – como fazem os recorrentes - que não está provado que tenha sido efectivamente cometido um crime, «por não estar suficientemente esclarecido, neste processo, com o necessário grau de certeza, que F... obteve as informações e documentos sob sigilo por virtude de uma conduta dos guardadores do segredo (mencionados no artigo 78 do RJICSF) criminalmente punível», pelo que «tudo o que se possa dizer sobre este ponto não passa para além de um simples juízo de suspeita ou de probabilidade que não pode ter a consequência que lhe é atribuída», e bem assim que «falta um dado essencial, que é o ter-se dado por provado que a transmissão ou revelação dos materiais sob segredo foi feita por pessoa vinculada ao segredo» (citações do parecer do Ex.mo PGA).
 Nesta parte, afigura-se-nos que a decisão recorrida mais não faz do que, com base nos elementos elencados na própria decisão, socorrer-se das regras da lógica e da experiência, que fundamentam as presunções naturais, para, por via racional, inferir que só um funcionário ou administrador do BANCO ..., S.A. – ou algum auditor externo, mas também vinculado ao segredo – poderia ter acesso em primeira-mão aos documentos e informações em causa, ou seja, que «tal fuga de informação e documentos teve necessariamente origem em alguém que (...) estava vinculado ao sigilo bancário», independentemente de não se conhecer a identidade da pessoa concreta em causa.
A nosso ver, a referência aos elementos documentais e à prova pessoal, nos termos que constam da decisão recorrida, permitem compreender qual foi o percurso intelectual trilhado pelo M.mo Juiz e que o levou a concluir, dentro das regras da experiência, que só quem estivesse vinculado pelo segredo bancário podia ter entregue ao cidadão F... as informações e documentação em causa, não se evidenciando a presença de qualquer causa de justificação. E tal conclusão não dependia, a nosso ver, do prévio apuramento de quem foi a concreta pessoa a violar o dever de segredo e da sua prévia condenação por esse acto.
Já a alegação pelo Ministério Público recorrente de que a decisão recorrida enferma de vício decisório ao firmar a conclusão de que a entrega dos documentos em causa ao Banco de Portugal não está coberta pela al. a) do n.º2 do artigo 79.º do RGICSF em função da motivação da pessoa que entregou essa documentação ao cidadão F..., revela-se, a nosso ver, infundada. O crime de violação de segredo está na revelação do mesmo a F... e não na entrega posterior da documentação em causa ao Banco de Portugal. O que se alcança, a nosso ver, da decisão recorrida é o entendimento de que se a “fonte anónima” quisesse visar a realização da justiça teria entregue essa documentação ao Banco de Portugal e não ao cidadão F.... A posterior entrega por este dessa documentação ao Banco de Portugal não “apaga” ou “sana” o crime anterior. A ideia que se infere é que, no entender do M.mo Juiz, apenas a entrega directa da documentação em causa ao Banco de Portugal por parte de pessoa vinculada ao segredo pode estar a coberto da excepção prevista no artigo 79.º, n.º2, al. a), do RGICSF, entendimento que é discutível, certamente, mas que em si mesmo não consubstancia qualquer vício de decisão em sede factual.
Aceitando-se, assim, como já se disse, a razoabilidade da conclusão quanto à forma como o cidadão F... acedeu às informações que transmitiu ao Banco de Portugal, afigura-se-nos, porém, que a decisão recorrida merece censura quanto à forma como pondera as consequências, o que acresce às deficiências já apontadas na fixação dos seus pressupostos de facto.
Vejamos, pois.


3.3.2. Escreve Costa Andrade, na sua obra Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal (ob. cit., pp. 68 e 73) que em nome de uma exigência de “superioridade ética do Estado”, das suas “mãos limpas” na veste de promotor da justiça penal, a violação das proibição de provas, que significaria o “encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime”, é hoje uma questão de actual e premente abordagem, uma vez que sob a égide de uma justiça penal eficaz, se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para o “clima de moral panic”, um “estado de necessidade de investigação”, de que fala Hassemer, assistindo-se segundo este autor, a uma “dramatização da violência” que “encosta a sociedade à parede” e induz a “colonização da política criminal por lastros de irracionalidade”.
Admitamos, pois, que os documentos que acompanharam as missivas de F..., tendo chegado ao poder deste mediante a prática de um crime (não por ele, mas por quem os disponibilizou) – pelo menos através do preenchimento da sua factualidade típica e a descoberto de qualquer causa de justificação – sejam provas “nulas”.
Nesta parte, afigura-se-nos despiciendo regressar à questão da nulidade da prova/proibição de prova em contraponto à nulidade de actos processuais.
Trata-se de matéria complexa, referindo-se Costa Andrade, conforme já citámos, à imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime de nulidades (ob. cit., p. 193), enquanto João Conde Correia assinala a autonomia técnica das proibições de prova em relação às regras gerais sobre nulidades processuais penais (Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais, Coimbra Editora, 1999).
Importa realçar que o vício que afecta a prova e determina a sua ilicitude, pode ocorrer antes da sua admissão no processo e, nesse sentido, ter começado por ser, nesse sentido, extra-processual (mas vindo a produzir efeitos processuais).
Por outro lado, é sabido que as proibições de prova (aqui na acepção de proibições de produção de prova utilizada, entre outros, por Paulo de Sousa Mendes, em As proibições de prova no processo penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004) dirigem-se, preferencialmente, aos órgãos de perseguição criminal, a começar pelas autoridades judiciárias e a terminar pelos órgãos de polícia criminal. Diz este autor que «as proibições de produção de prova não se dirigem aos particulares, por isso mesmo que eles não estão vinculados às normas de processo penal, salvo se actuarem às ordens ou sob a direcção das instâncias formais de controlo social (por exemplo: o agente provocador)» (ob. cit., p. 141).
Isso não significa, porém, que a obtenção ilícita de um meio de prova por um particular seja irrelevante e não possa impedir a sua utilização em processo penal (e contra-ordenacional, que é o que nos importa), por via do regime de proibições de prova, ao contrário do que se infere do parecer do Ex.mo P.G.A.
É sabido que na doutrina e jurisprudência norte-americana prevalece o  entendimento  de  que  as exclusões probatórias  dirigem-se apenas  à dissuasão das más condutas realizadas pelos órgãos policiais contra os direitos constitucionais dos cidadãos e daí a denominada “excepção da boa fé” (good faith exception) como excepção à aplicação da exclusionary rule, baseada no princípio de que, tendo agido o funcionário policial de boa fé, não há que excluir a prova por não se justificar o efeito dissuasor (deterrent effect) que dessa exclusão se pretende retirar (deterrence of police misconduct). Neste quadro, não são contempladas as condutas de meros particulares.
O tema é discutido noutras latitudes, a propósito dos fundamentos da exclusão probatória das provas ilícitas, registando-se a tendência para, pelo menos, incluir os particulares que agiram sob a égide das autoridades públicas (ver, a este propósito, Teresa Armenta Deu, La prueba ilícita – un estúdio comparado, Marcial Pons, 2011, pp. 75 e ss. e Manuel Miranda Estrampes, El concepto de prueba ilícita y su tratamento en el processo penal, Bosch, 2.ª ed., pp. 28 e ss.).
Na doutrina brasileira, Eugénio Pacceli de Oliveira (Curso de processo penal, 3.ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006), alinha com a corrente predominante na doutrina norte-americana, sustentando:
«Mais do que uma afirmação de propósitos éticos no trato das questões do Direito, a aludida norma constitucional cumpre uma função ainda mais relevante, particularmente no que diz respeito ao processo penal, a saber: a vedação das provas ilícitas atua no controle da regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e  desestimulando  a  adoção  de  práticas  probatórias  ilegais  por parte de quem é o grande responsável pela sua produção. Nesse sentido,  cumpre  uma  função  eminentemente  pedagógica,  ao mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica.»

Entre nós, Costa Andrade, abordando a perspectiva predominante nos EUA, diz o seguinte (ob. cit., p. 153):
«As coisas são, a este propósito, relativamente óbvias e lineares para o direito americano, onde, por princípio, não subsistem obstáculos à valoração processual destes meios de prova. Isto em nome duma concepção das exclusionary rules como normas de estrutura processual, primacialmente dirigidas a disciplinar a acção da polícia, seu destinatário normal».

Ainda sobre o entendimento da doutrina norte-americana, prossegue o mesmo autor (ob. cit, p. 153):
 «Daí a admissibilidade dos meios de prova obtidos por particulares à custa, v. g., de fraude ou coação, apropriação indevida, intromissão em casa alheia, devassa e atentado ao right to privacy. Provas como fotografias, gravações, videogramas, diários, ilicitamente obtidas por particulares são, de resto, particularmente saudadas pelo seu qualificado valor probatório».

Sustenta Costa Andrade, noutro passo da mesma obra (ob. cit., p. 46):

 « (…) impor-se-á a renúncia ao meio de prova “sempre que o processo da sua obtenção está atingido pela mácula do atentado contra os direitos humanos (Makel na Menschenrechtswidrigkeit), do arguido, em termos tais que não pode, em concreto, exigir-se dos órgãos de aplicação da lei penal – em nome da sua respeitabilidade e credibilidade segundo a ideia do direito – que utilizem a prova obtida pelo particular».

Mais adiante, comparando o sistema português com o alemão, diz o mesmo autor (ob. cit., p. pp. 197/198):

«Pela natureza das coisas, também em Portugal será sobretudo na direcção das instâncias formais de controlo que caberá prevenir os atentados e agressões que os métodos proibidos de prova configuram. Só que não está excluído que eles possam ser também empreendidos por particulares. E se tal ocorrer, não se antolham razões determinantes a impor os meios de prova por essa via logrados, à margem de proibições de valoração (...).
 Desde logo, o artigo 126.º do CPP não contém qualquer referência às instâncias formais de controlo a que possa de algum modo adscrever-se o propósito de fazer dos seus agentes os destinatários exclusivos da proibição. Uma razão de teor literal reforçada pela indicação convergente do argumento sistemático. (...) o artigo 126.º da codificação portuguesa inscreve-se no livro Da prova. Onde, a par de preceitos apenas válidos na direcção das autoridades processuais, se encontram proibições aplicáveis (também) a particulares. Acresce um não menos expressivo argumento de fundo racional-teleológico. Resumindo, mal se compreenderia que, por um lado, o legislador português precludisse sem mais a valoração de meios de prova (gravações e fotografias) obtidas por particulares através de atentado ao direito à palavra e à imagem (art. 167.º); e, por outro lado e ao mesmo tempo, admitisse as provas logradas por particulares à custa de atentados tão intoleráveis a eminentes bens jurídicos pessoais como os previstos no artigo 126º do CPP.»

E noutro local (ob. cit. p. 196):
«Uma das implicações mais óbvias da compreensão material-substantiva das proibições de prova é o relevo central reconhecido à concreta expressão da danosidade social e, reflexamente, o esbatimento do significado do estatuto público ou privado do agente. O que reclama a extensão do princípio da proibição de valoração às provas proibidas e realizadas por particulares.»


Assumindo, assim, o pressuposto de que o cidadão F... forneceu as informações e documentos que foram considerados pelo Banco de Portugal (como se disse, se em exclusivo ou não é questão que, a nosso ver, carece de devido suporte de fundamentação) para determinar averiguações e abrir o processo de contra-ordenação, e bem assim que, em termos gerais, as proibições de prova também abrangem a obtenção ilícita de prova por particulares, ajuizemos sobre o acerto (ou não) da decisão recorrida.
Em primeiro lugar, importa salientar que o acto objectivamente típico de violação de segredo que antecedeu as denúncias não foi praticado pelo cidadão F...: nem no momento em que recebeu as informações e documentação (elementos que lhe terão sido remetidos de forma alegadamente anónima, segundo terá declarado em audiência), nem quando transmitiu esses elementos ao Banco de Portugal.
Por outro lado, não se evidencia na transmissão das informações e documentos em causa ao Banco de Portugal – nem tal questão foi equacionada na decisão recorrida, sendo apenas posteriormente apresentada, em parecer, na fase de recurso – o preenchimento do crime de devassa da vida privada p. e p. pelo artigo 192.º do Código Penal, tipo criminal que incrimina (no segmento que nos importa) quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, «divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa» (artigo 192.º, n.º1, alínea d), do Código Penal).
As informações e documentação transmitidas ao Banco de Portugal respeitam, quando muito, à privacidade em sentido estrito (que não à intimidade), de uma sociedade comercial – Banco ..., S.A.
 Não se vislumbra que as informações e documentos relativos às 17 C... e suas operações constituam dados da reserva da vida privada dos arguidos (pelo menos dos demais, para além da referida sociedade comercial). Tais informações e documentação indiciavam a existência de condutas ilícitas, sendo que a sua natureza e o destinatário da transmissão/revelação denotam que a finalidade objectiva que presidiu a essa transmissão foi que o Banco de Portugal desencadeasse o exercício das suas atribuições de supervisão – Banco de Portugal que pertence ao círculo interno do segredo bancário, porquanto, ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF «os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo [...] podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições».
Assim, não se identifica – nem o faz a decisão recorrida – qualquer ilícito criminal no acto de transmissão ao Banco de Portugal de informações e documentação por parte de F....
O ilícito, de violação de segredo, está a montante deste – por quem lhe disponibilizou esses elementos.
Não está em causa – realce-se – que o Banco de Portugal, no exercício das suas atribuições, não pudesse aceder aos mesmos, solicitando-os a quem os devesse facultar – e que não lhe poderia opor a natureza sigilosa -, mas antes determinar a projecção de um acto ilícito pretérito na validade desses elementos como meios de prova.
Admitamos, por agora, que por via da proveniência ilícita desses elementos (reportada à sua revelação ao cidadão F...), os mesmos deveriam ser desconsiderados como meios de prova de factos
Será que daí deveriam decorrer as consequências radicais que a decisão recorrida afirma e nos termos em que o faz?
Respondemos negativamente.

A exclusão das provas obtidas com violação de direitos ou garantias fundamentais - exclusionary  rule – é uma regra de elaboração jurisprudencial  do Supremo Tribunal norte-americano (U.S. Supreme Court), pela qual as “evidence” obtidas com violação de direitos e garantias processuais reconhecidos nas IV, V, VI e XIV Emendas da Constituição Federal não poderão ser admitidas ou valoradas para determinar a culpabilidade do acusado.
É sabido que quanto à admissibilidade ou não das provas derivadas (reflexas, secundárias ou indirectas) de provas ilícitas tem-se sustentado a inadmissibilidade dessas provas, com base no entendimento de que os vícios contidos na prova ilícita se transmite às provas que derivaram dela, havendo, porém, quem atenue a exclusão probatória em determinados casos, como seja, por exemplo, em função da aplicação do princípio da proporcionalidade e em situações pro reo.
Trata-se dos casos clássicos em que mediante tortura o acusado informa onde se encontra o produto do crime e este produto vem a ser, posteriormente, apreendido de forma lícita, ou de intercepção telefónica sem autorização judicial, através da qual se venha a obter a indicação de testemunha que veio a prestar depoimento de forma lícita, em que confirme os dados extraídos da referida intercepção.
Uma das teorias utilizadas para recusar a admissão da prova derivada é a doutrina dos “frutos da árvore envenenada” - “fruit of the  poisonous  tree” -, também de criação jurisprudencial pelo Supremo Tribunal norte-americano, segundo a qual a prova ilícita é uma árvore que se contaminou com uma mancha (um vício) e, em decorrência, todas as outras provas que derivem daquela “árvore envenenada”, ainda que a sua obtenção tenha ocorrido de forma lícita, também ficam contaminadas pela ilicitude da prova originária.
Esta doutrina foi desenvolvida pelo Supremo Tribunal americano em casos como Weeks v United States (1914) e   Silversthone Lumber Co v. United States (1920), ainda que o termo “fruit of the poisonous tree” apenas surja no caso Nardone (II) v. United States, de 1939, relativo a provas obtidas mediante gravações de conversas telefónicas do acusado que não tinham sido devidamente autorizadas.
Figueiredo Dias afirmava, já antes do Código de Processo  Penal  actual,  a inteira vigência entre nós da «doutrina que os alemães denominaram do “Fernwirkung  des Beweisverbots” e os americanos do “fruit of the poisonous  tree”» («Para uma  reforma  global do processo penal  português»,  in  Para uma Nova Justiça Penal,  Coimbra,  1983, p. 208).
Trata-se de matéria que, entre nós, encontra-se desenvolvida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, que foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 129, de 2 de Junho de 2004, estando também documentada na jurisprudência do S.T.J., entre outros, nos Acórdãos de 6 de Maio de 2004 (processo 04P774), 7 de Junho de 2006 (processo 06P650) e de 20 de Fevereiro de 2008 (processo 07P4553 – este como os restantes disponível em www.dgsi.pt).
Porém, à regra da exclusão não apenas das provas ilícitas (por violação de direitos constitucionais), mas também das reflexas, secundárias ou indirectas daquelas (ainda que licitamente obtidas) foram sendo adicionadas várias limitações ou excepções (“limitations” ou “exceptions”), podendo dizer-se, aliás, que a regra de exclusão das provas ilícitas tem vindo a sofrer, na jurisprudência do Supremo Tribunal norte-americano, uma interpretação crescentemente restritiva.
Sobre essas limitações ou excepções, lê-se no referido Acórdão do Tribunal Constitucional:

«Trata-se, assim, com a doutrina do  «fruto  da  árvore  venenosa», de  estender a  «regra  de  exclusão»  às  provas  reflexas.  Porém, esta projecção de invalidade aparece, desde os primórdios da formulação da doutrina, matizada por uma série de circunstâncias em que a prova derivada  (derivada  porque  de alguma forma relacionada com a prova inválida) pode, não obstante, ser aceite como prova válida.
Através  de uma longa elaboração jurisprudencial, o Supremo Tribunal  norte-americano pôde particularizar as circunstâncias em que uma prova reflexa deve ser  excluída do efeito próprio da doutrina do «fruto da árvore venenosa». São fundamentalmente três esses grupos de circunstâncias:  a chamada  limitação  da «fonte  independente» (independent source limitation); a limitação  da «descoberta inevitável» (inevitable discovery limitation), e a limitação  da «mácula (nódoa) dissipada» (purged taint limitation) (v. Jerold H. Israel e Wayne R. LaFave, Criminal  Procedure - Constitutional  Limitations,  6.ª  ed.,  Saint  Paul, Minnesota, 2001, pp. 291-301).
A primeira  situação,  a «fonte  independente», remonta à decisão Silverthorn,  onde  o juiz Holmes  excepcionou,  expressamente, a existência  de  uma  independent  source corroborando os  conhecimentos que também  eram derivados da prova proibida;  tal fonte possibilitaria  aceitação   daqueles  conhecimentos.
 (…)
A outra  restrição  à doutrina do «fruto  da árvore  venenosa»,  que é referida  como  a limitação  da  «descoberta inevitável»,  assenta  na ideia de que a projecção do efeito da prova proibida não impossibilita a  admissão  de  outras  provas  derivadas  quando  estas  tivessem  inevitavelmente  (would inevitably) sido descobertas através de outra  actividade  investigatória  legal.  Note-se  que  o  que  aqui  está  em  causa não é, contrariamente ao que sucede no caso da «fonte independente», a constatação de que através de uma actividade de investigação autónoma  daquela  que  originou  a prova  ilegal se chegou  efectivamente à  prova  derivada.  Contrariamente, nestas  situações,  está  em  causa a  demonstração pela  acusação  de  que  uma  outra  actividade  inves- tigatória não levada a cabo, mas que seguramente iria ocorrer naquela situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conduziria inevitavelmente ao mesmo resultado (cf. Israel/LaFave, ob. cit., p. 297).
(…)
A  terceira   limitação  estabelecida pelo  Supremo   Tribunal  norte-americano à  doutrina dos  «frutos  de  uma  árvore  venenosa»  pode ser denominada, numa tradução algo livre, «mácula dissipada» (purged taint limitation) (cf. Israel/LaFave, ob. cit., pp. 299-301). Nesta, admite-se  que  uma  prova,  não  obstante  derivada  de  outra  prova  ilegal, seja aceite, sempre que os meios de alcançar aquela apresentem uma forte  autonomia relativamente a esta, em termos  tais que produzam uma  decisiva atenuação da  ilegalidade  precedente. Como  se viu do trecho  antes  transcrito de  Nardone II,  o  juiz Frankfurter já falava em 1939 numa conexão tão atenuada com a prova proibida  que «dissipava  a  mácula»  (such  conection  have  become  so attenuated  as to dissipate the taint).  O  Supreme  Court  vem,  desde  então,  ao  longo de seis décadas,  exprimindo esta ideia ao falar de meios de aquisição da prova derivada  «suficientemente distintos»  da  prova  ilegal  que a  tornam  algo  de  tão  longínquo  que  a  «mácula»  se  dissipa.  Foi  o que se disse, em 1962, em Wong Sun et al. versus United States (371 U. S. 471), numa situação que, por se referir a uma confissão posterior à prova  proibida,  apresenta certo  paralelismo  com  o caso  que  nos ocupa.    Nesta decisão considerou-se que a invalidade de uma detenção inicial, não assente  em «causa provável», não afectava uma posterior confissão  voluntária  e esclarecida  quanto  às suas consequências, tratando-se  esta de um «acto independente praticado  de livre vontade» (independent  act  of  free  will)  (cf.  Israel/LaFave,  ob.  cit.,  p.  302). A este respeito constata-se mesmo a existência de um sentido  uniforme  nas decisões  do Supremo  Tribunal  norte-americano,  considerando  que nos casos de prova derivada  envolvendo  actos de vontade (derivative evidence involving volitional acts), traduzidos, por exemplo, no depoimento de testemunhas ou na decisão do suspeito de confessar o crime ou de prestar declarações relevantes quanto a este, a invalidade da prova anterior não se projecta  na prova posterior, porque  assente em  decisões  autónomas e  produto de  uma  livre  vontade  [v.Steven D. Clymer, «Are Police Free  to Disregard  Miranda?», The Yale Law Journal, vol. 112, n.º  3, Dezembro de 2002, p. 510; cf. neste  sentido as decisões, respectivamente, de 1971 e 1985, Michigan versus Tucker (417 U. S. 433) e Oregon  versus Elstad [470 U. S. 298]).»

Verifica-se, assim, que, a doutrina dos «frutos da árvore venenosa», nunca teve, na sua origem e desenvolvimento no direito norte-americano, o sentido de um forçoso e inevitável «efeito dominó» que devesse arrastar, forçosamente, em cascata, todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida  e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas.
Como se diz no citado Acórdão do Tribunal Constitucional, o que está em causa, pelo contrário, é uma doutrina que abre um amplo espaço à ponderação das situações concretas, ou seja, à interpretação, e que está longe de justificar, através da sua invocação, o caminho único de invalidar todas as provas posteriores à prova ilegal:

«Diversamente, trata-se com esta doutrina da procura de modelos de decisão assentes em critérios coerentes com a ponderação de interesses que justifica que, em determinadas circunstâncias,  se projecte a invalidade de uma prova proibida, para além de nela própria, noutras provas e, em circunstâncias  distintas, se recuse tal projecção.»

E por isso se diz, com referência ao artigo 122.º do C.P.P., «que  esta norma abre um espaço interpretativo no qual há que procurar relações de  dependência ou  de  produção   de  efeitos  (o  artigo  122.º, n.º 1, do CPP fala em actos dependentes ou afectados pelo acto  inválido) que, com base  em critérios  racionais,  exijam a projecção  do mesmo valor negativo que afecta o acto anterior. Daí que os critérios atrás enunciados, fixados na jurisprudência norte-americana, acabem por constituir bons instrumentos de trabalho, que sugerem mesmo caminhos passíveis de  ser  seguidos  entre  nós,  como  aliás  tem  sucedido em outras ordens jurídicas.»

A referência a «outras ordens jurídicas» pode ser ilustrada com os caminhos percorridos pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal Supremo de Espanha.
A norma de referência em relação à prova ilícita no ordenamento jurídico espanhol é a do artigo 11.1 da Ley Orgánica del Poder Judicial de 1 de Julho de 1985, ao determinar que em todo o tipo de processos serão respeitadas as regras da boa fé e que não surtirão efeito as provas obtidas, directa ou indirectamente, com violação de direitos fundamentais.
Como antecedente, tinha-se pronunciado o Tribunal Constitucional, em 29 de Novembro de 1984 (STC 114/1984), na sua primeira decisão sobre a matéria tomada num momento em que inexistia norma expressa sobre a proibição da prova ilicitamente obtida, propondo-se, como critério geral, o da ponderação entre os interesses processuais em jogo, para concluir que a primazia dos direitos fundamentais (e a sua condição de "inviolables", nos termos da Constituição), determinava a inadmissibilidade de provas obtidas com violação de um direito ou de uma liberdade fundamental, ainda que a garantia pudesse ceder quando a sua base fosse infraconstitucional.
O debate, a partir desse aresto e do mencionado artigo 11.1 da Ley Orgánica del Poder Judicial, tem-se centrado no sentido a conferir à menção a prova obtida "directa o indirectamente" – tida como fórmula de introdução no direito espanhol da referida doutrina do “fruto da árvore envenenada” -, sendo que a jurisprudência, seja do Tribunal Constitucional, seja do Tribunal Supremo, tem vindo a distinguir a prova directa da prova secundária, reflexa ou indirecta, introduzindo restrições ao efeito geral de ineficácia das provas obtidas indirectamente por meios lícitos. Modulações dos efeitos da prova ilícita que, partindo dos critérios definidos pela doutrina e jurisprudência americanas, têm avançado na definição do conceito de “conexão de antijuridicidade” e de “desconexão de antijuridicidade”, de que é exemplo a sentença do Tribunal Constitucional n.º 81/1998, de 2 de Abril, segundo a qual é na presença ou ausência dessa conexão que reside a “ratio” da inadmissibilidade das provas (em princípio lícitas) obtidas através do conhecimento derivado de outras que vulneram um direito fundamental - no caso, tratava-se do direito ao segredo das comunicações.
Segundo este entendimento, largamente seguido pela jurisprudência posterior do mesmo Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, não basta identificar uma mera conexão causal ou relação natural entre a prova derivada e a prova proibida, sendo ainda necessária uma outra conexão, não meramente causal (o nexo causal é visto como requisito necessário, mas não suficiente) mas jurídico-normativa: a conexão de antijuridicidade, para que a ilicitude original se transmita juridicamente também à prova derivada, o que depende, além do mais, da ponderação das características da violação do direito fundamental em causa e das necessidades essenciais de tutela desse direito (sobre a evolução da jurisprudência espanhola: José L. González Cussac, La conexión de antijuridicidad en la prueba prohibida, em “Prueba y processo penal – análisis especial de la prueba prohibida en el sistema español y en el derecho comparado”, Tirant lo blanch, 2008, pp. 279 e ss.; Elena  Martínez   García,  Eficacia  de la prueba ilícita en el processo penal, Valência,  2003, pp. 75 e ss.; Teresa Armenta Deu, ob. cit. supra, pp. 121 e ss.; Manuel Miranda Estrampes, ob. cit. supra, pp. 113 e ss.).
O que se infere do exposto – e também resulta, a nosso ver, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004 – é que a questão dos efeitos da prova proibida sobre provas reflexas, secundárias ou indirectas tem de ser equacionada concretamente e não mecânica e genericamente, por via de um simples critério causal, naturalístico ou de anterioridade no plano cronológico.
O que significa que só “prova” a “prova” poderia o M.mo Juiz aferir do efectivo nexo entre a prova que considerou ser “primária” e as provas ditas “secundárias”, pois a não ser assim, não se vislumbra como alguma vez poderiam funcionar os diversos critérios correctivos/restritivos da doutrina da “árvore envenenada”.
Mais concretamente: partindo do pressuposto assumido pela decisão recorrida de que as denúncias e documentos anexos constituíram a “prova primária” nula, não se segue que, num ápice, todas as demais provas recolhidas no processo de contra-ordenação, que se traduzem em declarações, depoimentos e em extensíssima documentação, pudessem ser “anuladas” indiscriminadamente, sem que a decisão recorrida tenha feito uma ponderação, “prova” a “prova”, analisando a conexão de sentido (que não é meramente naturalística) existente entre cada prova e a dita “prova primária”.
Veja-se, por exemplo, que em processo penal, as declarações, mesmo que confessórias do arguido e depoimentos de testemunhas, têm vindo a ser entendidos como integrando a excepção da “nódoa” (ou mácula) dissipada, ou como elementos que se destacam e introduzem uma desconexão da antijuridicidade. Aliás, o aproveitamento de prova traduzida em confissão, ou num sentido mais amplo, em declarações relevantes dos arguidos tem sido apresentado como verdadeiro paradigma de uma prova subsequente autónoma. Atenda-se, por outro lado, aos casos de depoimentos de testemunhas e à junção de documentação pelos diversos sujeitos e intervenientes processuais, que podem ou não ser susceptíveis de introduzir o referido elemento de desconexão.
Como avaliar, à luz dos critérios que vêm sendo propostos pela doutrina e pela jurisprudência, se alguma das restrições/excepções se verifica sem que se analise a conexão entre a alegada “prova primária” e cada uma (e não genericamente) das subsequentes?
A decisão recorrida não faz esse confronto e essa avaliação, pois citando as excepções à doutrina da árvore envenenada fruto da elaboração jurisprudencial norte-americana, ajuíza que nenhuma delas se verifica, sempre na perspectiva, afinal, de que nunca haveria processo de contra-ordenação sem aquelas “denúncias” e por isso não se verificam as limitações da fonte independente, da descoberta inevitável e da mácula ou nódoa dissipada. Isto sem se referir, concretamente, às provas recolhidas ao longo do processo, traduzidas em declarações, depoimentos e documentação diversa e muito extensa, que serviram de base probatória à decisão impugnada. Veja-se, por exemplo, a afirmação de que se extrai da circunstância de as “denúncias” serem juntas ao processo «mais de um ano depois do procedimento contra-ordenacional» a prova (?) da não verificação da limitação da mácula ou nódoa dissipada e de que isso também resultará do facto de as “denúncias” chegarem «a propor diligências probatórias», sem que, porém, mais uma vez, a decisão recorrida perspective a questão a partir da análise das diligências probatórias concretamente realizadas, a fazer na base do entendimento de que o artigo 122.º, n.º 1, do C.P.P., abre a oportunidade de ponderação do sentido das concretas provas subsequentes, possibilitando considerar em determinada circunstâncias, e recusá-lo noutras, que os fundamentos jurídicos da invalidade de determinada prova se mantêm  (e,  por  isso, se devem projectar) numa prova subsequente.
Do que se extrai que, a nosso ver, não só a conclusão de que as cartas e documentos anexos entregues ao Banco de Portugal por F... são a prova primária (e origem exclusiva) do processo contra-ordenacional desconsidera elementos documentais juntos aos autos que importava valorar em conjugação com as declarações e depoimentos que são invocados, o que não transparece tenha acontecido, mas também que, mesmo no pressuposto de que tais cartas e documentos constituam a dita prova ilícita primária, a extensão dos efeitos a todas as provas, em cadeia ininterrupta e irrestrita, não poderia prescindir da avaliação “prova” a “prova”, pois só desse modo e não com afirmações genéricas seria possível determinar, concretamente, a extensão do efeito alegadamente “contaminante” produzido pela prova primária.
De outro modo: tinha o M.mo juiz a quo de especificar que outras provas seriam inevitavelmente afectadas pela pretensa nulidade da invocada prova primária colhida invalidamente no processo.

Podemos e devemos, porém, dar um passo além, que ganhará primazia em relação ao mais que já se disse.
Reconhecendo-se que estamos na presença de matérias que suscitam debate e controvérsia, afigura-se-nos que nem mesmo no pressuposto de que na base do processo de contra-ordenação em questão esteve a recepção pelo Banco de Portugal das duas cartas e documentos enviados pelo cidadão F... (que é o fundamento que sustenta a decisão recorrida) se pode concluir que não estava aquela instituição habilitada a, legitimamente, proceder a averiguações no âmbito das suas incumbências de supervisão prudencial, retirando daí as consequências que se impusessem no plano contra-ordenacional.
Como já dissemos, o acto objectivamente típico de violação de segredo que antecedeu as “denúncias” não foi praticado pelo cidadão F...: nem no momento em que recebeu as informações e documentação (elementos que declarou em audiência de julgamento terem-lhe sido remetidos de forma anónima, fazendo fé no que se diz na decisão recorrida), nem quando transmitiu esses elementos ao Banco de Portugal.
Por outras palavras: não se invocando nem demonstrando uma comparticipação na violação de segredo por parte de F... (que teria de reger-se pelas regras do artigo 28.º do Código Penal, por estarmos perante um crime específico próprio), e não estando o mesmo no círculo de vinculados ao segredo, nos termos do artigo 78.º do RGICSF, a revelação da informação por parte de F... ao Banco de Portugal não preenche o tipo de crime do artigo 195.º do Código Penal. Para este efeito, não importa tecer considerações, no plano das hipóteses, sobre a intencionalidade que presidiu a quem fez chegar ao cidadão F... os elementos em questão.
Por outro lado, não se evidencia na transmissão das informações e documentos em causa ao Banco de Portugal o preenchimento de qualquer outro ilícito criminal.
            Pondere-se, ainda, que está em causa o segredo bancário e que F... remeteu os elementos em causa ao Banco de Portugal, instituição que pertence ao círculo interno desse segredo (legitimada, por isso, a tomar conhecimento dos dados protegidos e cujos funcionários também estão vinculados, por seu turno, ao sigilo, o que também afastaria a prática do crime no acto de entrega dos documentos ao Banco de Portugal), porquanto, ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.º 2, alínea a), do RGICSF «os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo [...] podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições». Segredo cuja inclusão no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da C.R.P., tem sido problematizado em relação às pessoas colectivas, muito particularmente as sociedades comerciais, e que, em todo o caso, ainda que se entenda compreendido no referido âmbito de protecção, se localiza, reconhecidamente, numa zona de periferia em relação à esfera mais estrita da vida pessoal, que requer maior intensidade de tutela, como foi afirmado pelo Tribunal Constitucional.
Se a entrega posterior ao Banco de Portugal não “apaga” nem “sana” o ilícito anteriormente cometido – e a pessoa que acabou por revelar o segredo não era quem estava vinculado ao mesmo e a quem, por isso, o artigo 79.º, n.º2, alínea a) do RGICSF se destina, excepcionando o dever de segredo no confronto com o Banco de Portugal e no âmbito das atribuições deste, pelo que temos como forçada a inclusão da situação em apreço nessa disposição legal -, certo é, a nosso ver, que no plano da valoração do alcance das consequências não podem deixar de ser relevadas as mencionadas circunstâncias, incluindo a de a matéria sigilosa em causa ter sido transmitida a quem, nos termos da lei, poderia exigir o legítimo acesso à mesma aos vinculados ao segredo, não parecendo oferecer dúvidas que caso as “denúncias” em causa tivessem sido remetidas directamente ao Banco de Portugal, ainda que anonimamente, este não poderia deixar de às mesmas atender, constituindo, aliás, as informações anónimas, no âmbito da supervisão, uma fonte relevante na descoberta e investigação de casos de especial gravidade.
            Banco de Portugal (cujas funções e poderes são detalhados no RGICSF) que exerce a função de supervisão – prudencial e comportamental – das instituições de crédito, das sociedades financeiras e das instituições de pagamento, tendo em vista assegurar a estabilidade, eficiência e solidez do sistema financeiro, o cumprimento de regras de conduta e de prestação de informação aos clientes bancários, bem como garantir a segurança dos depósitos e dos depositantes e a protecção dos interesses dos clientes. Compete-lhe, além do mais, monitorizar a actividade e a condição financeira das instituições sujeitas à supervisão, promovendo o exercício de acções de supervisão off-site (compreendendo a análise sistemática da informação reportada periodicamente pelas instituições, tendo o Banco de Portugal a capacidade para exigir das instituições toda a informação de que careça para o exercício da sua actividade) e on-site (compreendendo a realização de exames e inspecções nas próprias instalações das instituições), podendo a averiguação de infracções ser conduzida no âmbito da actividade off-site ou on-site, ou através de um exercício coordenado de ambas.
            Pois bem: a nosso ver, mesmo no pressuposto de que as cartas e documentos remetidos ao Banco de Portugal por F... lhe chegaram “às mãos” por força de um acto ilícito de outrem e que, por isso, não deveriam ser considerados “de per si” como meios de prova lícitos, tal não inibia o Banco de Portugal de desencadear averiguações e de, com base nos elementos apurados, instruir o processo por contra-ordenação.
            Há que distinguir entre o acto de denunciar e a transmissão de meios de prova.
            A nulidade da prova a que se refere o artigo 126.º, n.º1, do C.P.P. – “ são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas (…)” – respeita a um meio de prova, sendo que a consequência que lhe corresponde respeitará à utilização da mesma “prova” no respectivo âmbito, que é o probatório.
            Por isso, Francisco Aguilar (Dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas, Almedina, 2004, p. 99) assinala que:

             « (…) a aplicação do artigo 122.º, n.º1, do C.P.P. à nulidade sui generis probatória significará apenas e só a impossibilidade de valorar um outro meio de prova obtido através da proibição de valoração que atingirá o meio de prova primário. Em suma: o problema do efeito-à-distância é relativo, como referimos ao identificar a figura, à comunicação de tal proibição de um meio de prova primário a um meio de prova secundário que seja imputável à valoração ilícita; donde extravasa o seu âmbito a problemática da utilização para efeitos não probatórios, máxime para a “base de ulteriores investigações».

            Dizendo de outro modo: a finalidade da proibição de valoração da prova consiste em obstar à utilização da mesma nessa qualidade, isto é, enquanto prova (de factos), mas não impede que se tome como simples base de ulteriores investigações, como aquisição de uma noticia criminis, que haverá que investigar, a partir daí, autonomamente.
            Poderia/deveria o Banco de Portugal abstrair-se das comunicações que lhe foram enviadas pelo cidadão F... e esquecer para sempre o caso, encerrando-o em arquivo morto, nada fazendo quanto a infracções sobre as quais adquiriu suspeitas?
            Ou estava antes obrigado a, uma vez adquirida a noticia, procurar averiguar o que se passava, tal como faria se estivesse perante uma denúncia anónima ou perante uma notícia publicada num jornal que denunciasse matéria considerada suspeita (que também poderiam ter ou não, a montante, a quebra do segredo bancário por parte de quem ao mesmo estivesse obrigado)?
            Quer isto dizer que mesmo aceitando-se a desconsideração, para efeitos probatórios dos factos no processo de contra-ordenação, dos documentos (só esses poderiam ser “meios de prova” e não as cartas em si mesmas) que acompanhavam as missivas remetidas ao Banco de Portugal, sempre restava a legitimidade para a intervenção deste, no uso legítimo do seu poder/dever de supervisão, para, por essa via, formar autonomamente as bases da sua própria decisão, ao determinar as averiguações preliminares julgadas pertinentes, ao decidir a instauração do processo, ao instruir o processo e ao aplicar, finalmente, a sanção. O que não comporta qualquer menoscabo do previsto no artigo 42.º, n.º1, do RGCO, se o Banco de Portugal, na aquisição das bases para a sua decisão, veio a obter prova no âmbito das suas atribuições em que o segredo bancário não lhe é oponível.
            Do que se conclui, na nossa perspectiva, que é legítima a utilização pelo Banco de Portugal, como simples base de investigação ou como noticia (no caso, relativa a contra-ordenação), de informações que lhe foram transmitidas (licitamente) pelo cidadão F..., e que vieram a servir (por si ou em conjugação com outras) de base de ulteriores investigações levadas a cabo pelo mesmo Banco de Portugal, no exercício dos seus poderes públicos de supervisão, conduzindo, por sua vez, à recolha de elementos de prova (que até podem incluir os originais dos mesmos documentos, agora devidamente obtidos), ainda que, a montante, quem entregou tais elementos a F... o tenha feito com violação do segredo bancário a que estava vinculado. No máximo, haverá apenas que desconsiderar, para efeito de prova dos factos no processo de contra-ordenação, os ditos documentos entregues por F..., sem qualquer outra consequência.
           
            Do exposto extrai-se que a decisão recorrida não poderá subsistir (ainda que sem acolhimento integral das posições dos recorrentes).
           
            III – Dispositivo
            Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelo Banco de Portugal e pelo Ministério Público e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando que, não havendo outra razão que a tal obste, se retome e prossiga a audiência de julgamento e que, no momento oportuno, se decida de acordo com as provas, tendo em vista o supra exposto.
            Sem tributação.

Lisboa, 3 de Julho de 2012

Relator: Jorge Gonçalves;
Adjunto: Neto de Moura;
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[1] Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 222/99, de 22 de Junho.
[2] Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 1/2008, de 3 de Janeiro.
[3] Entretanto, este artigo já sofreu as alterações das Leis n.º 94/2009, de 1 de Setembro e 36/2010, de 2 de Setembro.
[4] Mas também não se pode dizer que era um dever que ele tinha enquanto "entidade que detinha uma participação qualificada" no BANCO ..., S.A. (art.os 120.º, n.º 5 e 211.º, al. m) do RGICSF), pois tanto quanto evidenciam os autos, quem deteria participações qualificadas seriam outras entidades (embora provavelmente dominadas por ele) como a "Metalgest" ou a "Fundação F…".
[5] Sobre este ponto, ver o Parecer nº 138/83 do Conselho Consultivo da PGR (BMJ 342, p. 61), o Ac. nº 278/95 do Tribunal Constitucional, de 31.5.1995, nº 7.2., Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª ed., p. 253, e José Maria Pires, O Dever de Segredo na Actividade Bancária, p. 19.
[6] Assim, o citado Ac. nº 278/95 do TC, nº 7.1., e Meneses Cordeiro, p. 254. Diferentemente, J.M. Pires funda o segredo bancário na “necessidade de proteger a actividade bancária de intromissões que prejudiquem a confiança das relações entre as instituições e os seus clientes”, considerando o segredo bancário como expressão de um “direito fundamental de segredo”, enquadrável nos direitos fundamentais atípicos, previstos no art. 16º, nº 1 da CRP.
[7] Previsão essa que é mais ampla e portanto afasta (por ser especial, face à norma geral) a prevista no n.º 2 do art.º 42.º do RGCO, a qual apenas excepciona os casos em que há consentimento de quem de direito.
[8] Sobre as antinomias das proibições de prova, e citando Hassemer, veja-se Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, pp. 66 e ss.
[9] Contra esta limitação, veja-se Helena Morão, “O efeito-à-distância das proibições de prova no Direito Processual Penal português”, in RPCC, ano 16, p. 612, e Paulo Pinto de Albuquerque, Ob. cit., p. 322, para quem os percursos hipotéticos de investigação que conduziriam a uma prova lícita são uma área onde reina a incerteza e que acarretam riscos político-criminais.
[10] Vide sumário do referido Acórdão do STJ, de 20-02-2008.
[11] Obra citada, p. 321.