Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1193/13.2TVLSB-A.L1-6
Relator: NUNO SAMPAIO
Descritores: PROVA
DECLARAÇÕES DE PARTE
REJEIÇÃO DE MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I–A lei processual vigente concede às partes o “direito à prova”, ou seja, o direito à produção de todos os meios de prova que possam ser relevantes e admissíveis no caso concreto.

II–Concretizando este princípio, o n.º 1 do art.º 466º do Código de Processo Civil permite às partes requererem a prestação de declarações “até ao início das alegações orais em 1ª instância”.

III–Desta disposição legal depreende-se que o legislador, na última reforma processual, pretendeu conceder às partes a faculdade de prestarem declarações após a produção dos restantes meios de prova, designadamente a testemunhal, em função da avaliação que dela façam.

IV–Consequentemente está vedado ao juiz a rejeição do requerimento para prestação de declarações de parte apenas por a parte não estar presente, não sendo a presença obrigatória, entender que é desnecessário face à prova já produzida em julgamento.

V–Tal rejeição só é possível em situações de inadmissibilidade legal, designadamente quando os factos indicados no requerimento já estejam plenamente provados por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,


IRelatório:


Autora/recorrida:
Maria ..., que também usa o nome profissional de Maria..., advogada com domicílio profissional na Rua ....

Réus/recorrentes:
S..., residente ..., T..., residente e U..., residente..., em Lisboa.

Pedido:
A condenação dos réus no pagamento, a título de honorários, da “quantia de 34.380,78€, acrescida da quantia do I.V.A. que no momento presente se cifra em € 10.896,37 que corresponde à taxa legal em vigor de 23%, ou no valor correspondente à taxa legal do I.V.A. que estiver em vigor aquando do pagamento reclamado na presente acção”.

Decisão recorrida:
O despacho proferido na audiência de julgamento que indeferiu o pedido de prestação de declarações de parte da Ré S..., adiante reproduzido integralmente nos factos provados.

Conclusões da apelação:
a)- Perante a prova produzida em audiência, particularmente o depoimento de parte da Autora – recorrida, justificavam-se as declarações de parte da recorrente S... à matéria contida nos artigos 13, 14, 29, 30, 32, 35, 36 e 37 da contestação.
b)- Era o referido meio de prova imperioso produzir para o tribunal se pronunciar, justa e adequadamente, sobre a bitola de honorários praticada pela recorrida até Fevereiro de 2012 e se esta informou os seus constituintes sobre as horas gastas com o patrocínio.
c)- O douto despacho recorrido rejeitando a produção daquele meio de prova desde logo viola o princípio da igualdade armas – art.º 3º, nºs 1 e 3, do CPC.
d)- O previsto no artigo 466/1, do CPC, constitui um direito processual que pode ser exercido pela parte até ao início das alegações, consistindo em declarações que devem recair sobre factos em que a dita parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo.
e)- Ora, a recorrente S... tinha conhecimento directo da factualidade acima elencada.
f)- O despacho recorrido rejeitando as declarações de parte da recorrente S... violou as garantias de defesa dos recorrentes, não lhes permitindo produzir prova sobre matéria controvertida que dela carecia para uma justa composição do litígio.
g)- Violou a decisão recorrida os artigos 3º, n.ºs 1/3; 7º/2; 410; 411 e 466/1, todos do CPC.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se as declarações de parte da recorrente S..., assim se fazendo Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Questões a decidir na apelação:

Importa unicamente decidir acerca da admissibilidade, ou não, das declarações de parte da Ré S....

IIApreciação do recurso

Factos provados:
No decurso da audiência de julgamento “pelo ilustre mandatário dos Réus foi dito prescindir da inquirição da sua testemunha, J..., e requerendo as declarações de parte da Ré, S..., que por ter conhecimento directo dos factos contidos nos artigos 13º, 14º, 29º, 30º, 32º, 35º, 36º e 37º da contestação, ao abrigo do disposto no art. 466º, nº 1 do CPC.
O presente requerimento justifica-se face à prova entretanto produzida em audiência de julgamento, em ponto que a dita parte, por ter conhecimento directo dos aludidos factos, preste as suas declarações para um cabal esclarecimento da verdade material.
Dada a palavra à ilustre mandatária da Autora pela mesma foi dito opor-se dado que o requerimento não fundamenta quais foram as respostas do depoimento de parte que fundamentarão, e em que medida as declarações de parte da outra parte, sendo isto apenas uma dilação para eternizar este processo, penso que tudo que havia para provar já está provado por documentos, não fazendo por isso sentido e devendo ser indeferido.
Pela Mmª Juiz foi proferido:
DESPACHO
Nos termos do art.º 466º, nº 1 do CPC, as partes podem requerer até ao início das alegações orais a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.
Este requerimento probatório não foi efectuado em sede de realização de audiência prévia nem foi requerido quando as partes apresentaram e actualizaram os requerimentos probatórios no seguimento de terem sido notificadas do despacho saneador que definiu o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, poderia é certo ser realizado em sede de audiência de julgamento conforme decorre do disposto no referido artigo, mas a parte não está presente e se o ilustre mandatário pretendia acautelar a necessidade de a ouvir devia ter providenciado que a mesma se encontrasse presente. Por outro lado, também não se vislumbra da prova que foi produzida em audiência que haja necessidade de ouvir a ré, até porque há muitos documentos juntos aos autos, que se afigura serem o elemento probatório essencial para a matéria a decidir.
Assim indefiro o requerido”.

Enquadramento jurídico:

Conforme se reconhece no despacho recorrido, o n.º 1 do art.º 466º do Código de Processo Civil permite às partes requererem a prestação de declarações “até ao início das alegações orais em 1ª instância”.
Desta disposição legal depreende-se que o legislador, na última reforma processual, pretendeu conceder às partes a faculdade de prestarem declarações após a produção dos restantes meios de prova, designadamente a testemunhal, em função da avaliação que dela façam.

O tribunal de 1ª instância indeferiu o requerimento para prestação de declarações da Ré S..., apresentado imediatamente após a produção de prova e antes das alegações, com dois fundamentos:
- O facto de não se encontrar presente, devendo o ilustre mandatário providenciar para que estivesse;
- Não vislumbrar, face à prova produzida, necessidade de a ouvir, havendo muita documentação nos autos que será o elemento probatório essencial.

No que respeita ao primeiro, embora se compreenda o desagrado com a realização de mais uma sessão e o consequente atraso do processo, a verdade é que a presença da Ré na audiência de julgamento não era obrigatória e, seja como for, ignora-se a razão pela qual não compareceu.

O segundo fundamento tem directamente a ver com o chamado “direito à prova”, ou seja, o direito que a parte tem à produção de todos os meios de prova que possam ser relevantes e admissíveis no caso concreto.

São por si suficientemente elucidativas as considerações de Luís Filipe Pires de Sousa num seu studo denominado “As malquistas declarações de parte”, disponível em http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte/, do qual destacamos as seguintes passagens:
O princípio da relevância da prova opera como um filtro para a admissão das provas no processo. Em caso de dúvida sobre a relevância final da prova, atento o direito constitucional à prova (analisado infra) e as consequências gravosas da eventual procedência de recurso sobre o despacho que rejeite o meio de prova (cf. Art. 644.2.d) do CPC), deverá ser adotado o princípio pró-admissão da prova ou princípio de inclusão, o qual propiciará uma decisão mais fundamentada, mais segura e mais célere.
(...) Daqui se infere que o nosso paradigma se consubstancia numa tutela reforçada do direito à prova. Assim, o direito constitucional à prova e a sua regulação no processo civil opõem-se a que o juiz possa dispensar a produção de um meio de prova por entender que o enunciado fáctico em causa já está suficientemente provado.
(...) Por outro lado, não cabe ao juiz antecipar - no decurso da audiência – a explicitação de qual a convicção formada quanto à (in)suficiência da prova sobre os enunciados fácticos em discussão. A convicção que existe nesta fase é – por natureza e definição- provisória, sempre sujeita a revisão face à ponderação mais refletida e abrangente que será feita após a conclusão do julgamento. A audiência insere-se no contexto de descobrimento da prova e a subsequente decisão escrita ancora-se no contexto de justificação da prova que se regem por paradigmas diversos.
(...) Feito todo este excurso, concluímos que o juiz não pode rejeitar o requerimento de prestação de declarações de parte pela simples razão de entender que o mesmo é desnecessário face à prova já produzida (...)
O que o juiz pode fazer é rejeitar a prestação de declarações de parte por inadmissibilidade legal, o que pode ocorrer em duas situações:
(i)- quando os factos sobre que a parte se proponha prestar declarações já estejam plenamente provados por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena (Art. 393.2. do Código Civil, por analogia);
(ii)- quando os factos sobre que a parte se proponha prestar declarações beneficiem de prova pleníssima, designadamente os casos de presunções legais inilidíveis, casos em que não é admissível prova em contrário”.

O sublinhado é nosso, traduzindo adesão aos argumentos e à conclusão nele expressa.

No que se refere às situações excepcionais em que o juiz pode rejeitar as declarações de parte, os factos em causa são aqueles a que respeitam os art.ºs 13º, 14º, 29º, 30º, 32º, 35º, 36º e 37º da contestação; e facilmente se pode constatar que não recaiu sobre qualquer deles um meio de prova com força probatória plena (designadamente documental) ou pleníssima.

E, para efeitos dos dois requisitos da parte final do n.º 1 do citado art.º 466º, deles transparece que a Ré S... teve intervenção pessoal ou conhecimento directo dos factos relatados.

Como as declarações de parte estão sujeitas à livre apreciação do julgador, nos termos do n.º 3, à semelhança dos documentos referenciados no despacho recorrido e dos depoimentos da A. e da testemunha L... (únicos meios de prova produzidos), não encontramos motivo para negar aos RR. o “direito à prova”, reiterando-se a ideia de que é vontade expressa e inequívoca do legislador a faculdade de o exercer “até ao início das alegações orais em 1.ª instância”.

III–Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido e tramitação subsequente, determinando-se a admissibilidade e produção das declarações de parte da Ré S...  à matéria dos art.ºs 13º, 14º, 29º, 30º, 32º, 35º, 36º e 37º da contestação.      
Sem custas.
Oportunamente devolva também à primeira instância o apenso B.L1



Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018.
                                                                      


Nuno Sampaio (relator)
Maria Teresa Pardal 
Carlos Marinho