Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
287/23.0PCRGR.L1-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: CONCURSO DE CRIMES
PENA ÚNICA
REGIME DE PROVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
JUÍZO DE PROGNOSE FAVORÁVEL
PENA EFECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I.–No âmbito do concurso de crimes, a pena única deverá consubstanciar uma reação penal consistente e adequada em face da multiplicidade de condutas, de acordo com a imagem global dos factos e mostrar-se apta a assegurar seriamente o êxito das finalidades de prevenção, sem exceder o limiar da culpa do arguido.

II.–Sempre estaria condenada ao fracasso a sujeição do arguido a regime de prova assente em plano individual de readaptação social quando este gere o seu quotidiano em função das suas necessidades de consumo de bebidas alcoólicas, não interioriza o seu comportamento aditivo como nocivo para a sua vida e em momento algum revelou abertura para a intervenção da D.G.R.S.

III.–A suspensão da execução da pena de prisão, enquanto verdadeira pena de substituição, só pode ser aplicada se for possível firmar, à data da decisão, um juízo de prognose favorável de que essa suspensão é suficiente para afastar o arguido da prática de novos factos ilícitos.

IV.–A inexistência de hábitos de trabalho, a prática dos factos no período de suspensão da execução de anterior pena de prisão, as circunstâncias de cometimento do crime de violência doméstica e do crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições e a persistência nos seus comportamentos contrariam, de modo frontal, esse juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, elevando o risco que a suspensão da pena sempre comporta em termos de reincidência.

(Sumário da responsabilidade da relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–RELATÓRIO


No Processo 287/23.0PCRGR do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 3, consta da parte decisória do Acórdão datado de 23/11/2023, o seguinte:

“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo:
1.–Declarar amnistiado o crime continuado de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº1 do Código Penal, que vinha imputado a AA e, nesta parte, declarar extinto o procedimento criminal.
2.–Condenar BB pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a) e nº2 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;
3.–Condenar BB pela prática de um crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
4.–Condenar BB pela prática de um crime continuado de violação de domicílio, previsto e punido pelos artigos 190º, nº1 e 30º do Código Penal na pena de 9 meses de prisão;
5.–Efetuado o cúmulo jurídico, condenar BB na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
6.–Condenar AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea d) e nº2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
7.–Condenar AA pela prática de um crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
8.–Efetuado o cúmulo jurídico, condenar AA na pena única de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão.
9.–Declarar perdoado 7 (sete) meses de prisão a AA ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
10.–Determinar a recolha de amostra de ADN aos arguidos e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro.
11.–Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, as quais se fixam em 4 UCS (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III Anexa].
12.–Julgar procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente CC, e, consequentemente, condenar o arguido BB a pagar-lhe uma indemnização no valor de 5 000,00€ (cinco mil euros) e o arguido AA a pagar-lhe uma indemnização no valor de 2 500,00€ (dois mil e quinhentos euros), montantes acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido e até efetivo e integral pagamento.
13.–Custas cíveis a cargo dos arguidos e da demandante na proporção do respetivo decaimento, o qual se fixa em 40% para os arguidos e 60% para a demandante nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil (por remissão do artigo 523º do Código de Processo Penal)”.
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Inconformados com a decisão condenatória, vieram os arguidos BB e AA interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

. BB recorre em relação à medida da pena de prisão aplicada e o AA não se conforma com a não aplicação dos pressupostos contidos no artigo 50.º, n.º1 do Código Penal na fundamentação e graduação da pena aplicada;
. Como se reconhece na fundamentação do douto Acordão o ora recorrente BB confessou parcialmente os fatos.
. Segundo o depoimento da Técnica da DGRS, o arguido terá uma possibilidade de ser acolhido numa residência em caso de o arguido ser restituído à liberdade.
. Ora, a decisão de aplicar uma segunda pena de 5 anos e 2 meses de prisão, acaba por culminar numa decisão desproporcional e injusta, atendendo ao cumprimento sucessivo das penas de prisão - a dos autos P.C.S.n.º458/21.4T9RGR, acrescida da pena dos presentes autos 287/23.0PCRGR. (caso a primeira pena seja revogada);
. Na sequência da primeira condenação, o arguido não teve a oportunidade de beneficiar das regras e orientações que fazem parte do plano homologado em 9/11/2023, o que teria contribuído em larga medida para a reintegração do Arguido e ainda do seu acolhimento habitacional, em alternativa ao anexo existente na moradia da vítima onde o arguido habitava desde a data que conheceu a pena aplicada.
. Acresce que, o global das penas aplicadas ao arguido, ou seja, 2 anos e 9 meses de prisão a somar a 5 anos e 2 meses de prisão, confere um resultado demasiado penoso de 7 anos e 9 meses de enclausura, se atendermos à perspetiva (hipotética) da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido em primeiro lugar.
. A simples censura do fato e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, mais que o arguido já se encontra privado de liberdade à cerca de 6 meses e se encontra abstinente.
. Deste modo, poderia o Exmo. Juiz a quo concluir in casu que, face ao circunstancialismo acima descrito, a simples ameaça de privação de liberdade por respeito aos autos n.º458/21.4T9RGR. realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
. Por conseguinte, deve revogar-se o douto Acórdão em recurso na parte em que condenou em prisão efectiva, devendo por todo o exposto, ser-lhe aplicada a pena suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova assente em plano individual de readaptação social, em termos a definir pela D.G.R.S., que preveja acompanhamento à sua problemática com realização de testes de rastreio, e ainda que preveja a ocupação profissional do arguido, nos termos do artigo 52.º e 54.º, do Código Penal.
. Por outro lado, o arguido AA foi condenado em pena inferior a 5 anos.
. As circunstâncias do crime, permitem afirmar que a conduta do arguido foi motivada pela sua toxicodependência à data dos factos, pois este procurava financiar o seu consumo.
. O Arguido se encontra em prisão preventiva.
. A não suspensão da pena afigura-se desajustada, por se encontrarem preenchidos os pressupostos constantes do artigo 50.º, n.º1 do Código Penal.
. O presente recurso, que versa apenas sobre matéria de direito, tem como fundamento a violação, pelo Acórdão recorrido, do disposto nos artigos 40.º 43.º, 50.º, n.º1, 53.º, n.º3, 70.º, 71.º, n.º1 e 2, do Código Penal”.
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O recurso foi admitido, por despacho proferido em 08.01.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

1.–Os arguidos BB e AA, não se conformando com a decisão constante do douto Acórdão proferido nestes autos que condenou BB, como autor material, pela prática de:
um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a) e nº2 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;
um crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
um crime continuado de violação de domicílio, previsto e punido pelos artigos 190º, nº1 e 30º do Código Penal na pena de 9 meses de prisão;
- Na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2.– E ao Arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea d) e nº2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
- um crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
- Na pena única de 3 anos de prisão.
3.–Lidas as doutas alegações de recurso, os arguidos apenas pretendem atacar é a convicção do Tribunal quanto a medida das penas aplicadas e das mesmas não terem sido suspensas na sua execução.
4.–A determinação da medida da pena continua compreendida dentro da faculdade discricionária do juiz (Cavaleiro Ferreira, "Boletim dos Institutos de Criminologia", 64) após a subsunção dos factos aos preceitos penais e respeitando os pressupostos a que se refere o artigo 71.º do Código Penal.
5.–O artigo 71.º n.º l do Código Penal refere que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
6.–O n.º 2 do mesmo artigo estipula que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
7.–O referido artigo 71º n.º 2, indica as circunstâncias comuns que determinam a agravação ou atenuação da pena concreta dentro dos limites da penalidade. Esta indicação é feita a título exemplificativo sem indicar quais as circunstâncias agravantes e quais as atenuantes.
O valor de cada circunstância só pode determinar-se perante cada facto concreto.
8.–A circunstância indicada na al. a) do n.º 2, do artigo 71.º (O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente) engloba todas as circunstâncias relativas ao facto ilícito.
9.–Importa atender logo ao grau de ilicitude do facto, à maior ou menor gravidade do ilícito considerando-se o modo de execução (quando não constitui elemento essencial do crime), a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
10.–No caso “sub judice” provados que estão os factos descritos no douto acórdão, e feita a sua sindicância legal, em termos de imputação penal.
11.–Perante os factos provados temos de concluir que o comportamento dos arguidos preenche os elementos do tipo objetivo e subjetivo dos aludidos crimes, nomeadamente o de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, alínea a) do Cód. Penal.
Prevê o artigo 152.º do Código Penal que comete tal crime1-Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) ao cônjuge ou ex-cônjuge.
d) a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, que com ele coabite.
12.–Dispõe o n.º 2 da citada disposição legal que no caso previsto no número anterior, se o agente:
a)- Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou […] é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
13.–O bem jurídico tutelado pelo preceito supra citado, e no que concerne aos maus tratos infligidos a cônjuge ou a quem viva em relação análoga, como refere EE “não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana”; assim, “deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que, pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que (…) afectem a dignidade pessoal do cônjuge e da progenitora”.
A natureza do bem jurídico protegido, é a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral.
13.–A dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos.
14.–Considerando ainda que se trata de um crime onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes, não deve ser aplicada a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, tanto mais que o arguido BB já foi condenado anteriormente pela prática do mesmo crime (NUIPC 458/21.4T9RGR).
15.–Pois que no caso em apreço a mesma não deve ser suspensa na sua execução, pois são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral, uma vez que, na valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, como defende o recorrente, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).
16.–Por isso, e tendo em conta o tipo de crime em causa, não só as exigências de prevenção geral positiva, atento o forte alarme social das condutas praticadas, como as exigências de prevenção especial positiva, consubstanciadas no fato de atento o seu percurso não se afigurar como suficiente a simples ameaça da pena, somos levados a concluir pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão efetiva.
17.–No caso do AA foi devidamente ponderado e justificada a não suspensão da pena dado que, e transcrevemos, “não se conseguem identificar fatores de protecção que permitam efetuar uma prognose positiva face ao eventual regresso do arguido ao meio de origem, estando comprometida a protecção da vitima (sua mãe deficiente auditiva o que lhe confere marcada debilidade física e psicológica), quer pela resistência e limitação da própria em aderir a medidas de protecção, quer pelas características do arguido, que se revela incapaz de encetar um processo de mudança e alteração da conduta….”
18.–Assim, da avaliação das exigências de prevenção geral e especial não podemos concluir pela aplicação de uma pena de substituição, pois dado o percurso dos arguidos e os crimes praticados considera-se que aquelas impõem a aplicação de uma pena de prisão efetiva. Na verdade, atendendo à personalidade dos agentes e às circunstâncias do facto não existem elementos que nos permitam concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente — as condutas anteriores à prática dos factos dos autos não mostram um caminho no sentido de um afastamento progressivo do mundo do crime, mas sim o contrário;
19.–Por tudo o exposto, consideramos não ser de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, prevista nos arts. 50.º e ss, do Código Penal.
20.–Bem se sabe que a suspensão da execução da pena não deve ser afastada por virtude da maior ou menor gravidade da culpa do arguido, mas o modo de atuação do arguido e as consequências da sua conduta não podem deixar de ser referidas na medida em que acentuam nitidamente as necessidades de prevenção geral, sendo esta “referida aos efeitos do delito, nas suas dimensões de exemplo negativo para o agente e para a colectividade e, sobretudo, de formulação positiva para integração no todo social…”, in Código Penal anotado Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayete, pág. 178.
21.–Tendo em conta o modo de atuação do arguido e as consequências do seu comportamento, a suspensão da execução da pena de prisão dificilmente seria compreendida pela comunidade e, por isso, potenciador de novos comportamentos idênticos, com isso se frustrando as necessidades de prevenção geral.
22.–Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelos recorrentes, pelo que o recurso não merece provimento”.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido da “validação da Deliberação censurada, por irrepreensível e conforme ao Direito”.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
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II.–OBJETO DOS RECURSOS

Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95),o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.

Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes, as questões a apreciar são as seguintes:
1.–Ponderar a medida da pena aplicada ao recorrente BB (5 anos e 2 meses) e se a mesma deve ser suspensa na sua execução;
2.–Saber se a pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido ao recorrente AA deve ser suspensa na sua execução.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO

O Acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

1.–BB e a ofendida CC casaram entre si a ... de ... de 1988 e divorciaram-se a ... de ... de 2017, por sentença transitada em julgado a ... de ... de 2017.
2.–O arguido AA é filho da ofendida CC.
3.–A ofendida é deficiente auditiva, tem dificuldades de comunicar com terceiros, o que lhe confere marcada debilidade física e psicológica, o que era do conhecimento dos arguidos.
4.–Na sequência do divórcio da ofendida e de BB e da decisão datada de ... de ... de 2017, no âmbito do processo de divórcio n.º …, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, Juiz 1, foi determinado que à ofendida, como única inquilina, seria atribuída a residência comum, sita na ....
5.–Como tal decisão não foi acatada voluntariamente por BB, na sequência do que foi judicialmente determinado, em execução daquela decisão, em 21 de março de 2022, procedeu-se à troca de fechaduras do imóvel.
6.–Na ocasião, BB foi advertido de que não podia por qualquer meio entrar naquele imóvel, incorrendo, se o fizer, num crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.
7.–BB, ficou, por força disso, ciente de que na data em questão, não poderia continuar a residir no imóvel da ofendida.
8.–O arguido BB, por decisão transitada em julgado a 24 de março de 2023, no processo n.º 458/21.4T9RGR, no Juízo Local Criminal da Ribeira Grande, foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, praticado contra CC, e por um crime de desobediência, na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a regime de prova e, ainda, na pena acessória de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 2 (dois) anos, com afastamento do arguido da residência da vítima (artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal).
9.–Na ocasião, BB foi novamente advertido de que não podia por qualquer meio entrar naquele imóvel, incorrendo, se o fizer, em crime.
10.–B, ficou, por força disso, ciente de que na data em questão, não poderia continuar a residir no imóvel da ofendida.
11.–AA foi condenado por decisão transitada em julgado a 24 de março de 2023, no processo n.º 458/21.4T9RGR, no Juízo Local Criminal da Ribeira Grande, pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 13.º, 14.º, n.º 1, 26.º, 1.ª parte, 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, praticado contra a aqui ofendida, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a regime de prova e, ainda, na pena acessória de proibição de contacto com a vítima CC, pelo período de 2 (dois) anos, com afastamento do arguido da residência da vítima (artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal).
12.–Não obstante, os arguidos têm vindo a manter os comportamentos anteriores para com a ofendida e que levaram à sua condenação.
13.–Não abandonaram a residência da ofendida, e continuaram a lá residir.
14.–Continuadamente e constantemente, contactaram e a destrataram a ofendida.
15.–Desde que foi condenado e, pelo menos, até 27 de junho de 2023, com frequência diária e várias vezes ao dia, AA, exigiu à ofendida que lhe desse dinheiro para os seus consumos de estupefacientes, gritando-lhe quando ela se recusou a dar-lhe dinheiro, partiu objetos de decoração que a ofendida tinha em casa e subtraiu-lhe diversos objetos pessoais ou de decoração, que depois vendeu para comprar produto estupefaciente.
16.–Por um número não apurado de vezes, AA, sem o consentimento da ofendida, levou para casa dela indivíduos seus conhecidos, que lá permaneceram por longos períodos, consumindo produto estupefaciente de natureza não apurado, conversando e fazendo barulho durante a noite, impedindo a ofendida de dormir e repousar.
17.–Por seu lado, BB manteve-se a residir num anexo existente no jardim da residência da ofendida até 27 de junho de 2023, quando foi preso preventivamente no âmbito deste processo.
18.–Entre 20 de Março de 2023 e 27 de junho de 2023, com frequência diária e várias vezes ao dia, BB, dizia à ofendida que era “puta”, “mouca”, “nojenta”, “desgraçada” e prometeu-lhe pancadas com as moletas no corpo e, ainda, que qualquer dia a matava.
19.–Em tal período temporal, o arguido também disse à ofendida: “és uma puta”, “és deficiente”, “nojenta”, “mouca”, “tás larga dos homens”, “vais para a ... vigiar os homens”.
20.–Por um número não apurado de vezes, o arguido BB, desligou a luz e a água da residência da ofendida, impedindo-a de usufruir desses serviços.
21.–Também por um número não apurado de vezes BB, ao ver a ofendida à janela de casa, foi para a rua, mandou parar os carros, apontou para ela e disse aos condutores para a levaram para o cerrado.
22.– atuação dos arguidos provocou na ofendida a humilhação de se ver sujeita aos comportamentos descritos, a que não dava causa; medo e ansiedade pelo que, em cada momento, eles lhe pudessem fazer e angústia por não vislumbrar o modo de ela se eximir às atitudes deles.
23.–Os arguidos sabiam que ao atuar da forma descrita, de forma reiterada, molestavam psiquicamente a vítima, ofendendo-a na sua honra e consideração, a humilhavam, lhe condicionavam na sua vida, liberdade e bem-estar psíquico-social, ofendendo a sua dignidade enquanto pessoa, criando nela sentimentos de vergonha, humilhação, diminuição e frustração.
24.–Os arguidos sabiam que estavam proibidos de contactar com CC e que deveriam abandonar e afastar-se da residência dela, em cumprimento da referida pena acessória a que foram condenados no processo 458/21.4T9RGR, ainda assim, não só não abandonaram a residência da ofendida, como continuadamente e constantemente, contactam e a destratam a ofendida.
25.–Tinham ainda consciência de que a ofendida não lhes consentia que entrassem e permanecessem na residência dela, e que atuavam contra o que sabiam ser vontade dela.
26.–Os arguidos atuaram em todos os momentos de acordo com o que decidiram e queriam, bem sabendo que havia lei penal a proibir e punir tais comportamentos.
(NUIPC 803)
27.–Desde 6 fevereiro de 2023, dia em que decorreu a audiência de discussão e julgamento, no âmbito do processo supra identificado, BB continuou a consumir diariamente bebidas alcoólicas em excesso, ficando alterado e em estado ébrio e provocando discussões com a ofendida assumindo comportamentos agressivos e controladores em relação à mesma.
28.–No período compreendido entre o dia 6 de fevereiro de 2023 e o dia 20 de março de 2023, por diversas ocasiões, aproximou-se da ofendida, durante o dia, enquanto esta estava a estender a roupa ou a sair de casa, e tenta falar com esta.
29.–Perante a recusa, o arguido passa a controlar os horários da ofendida, nomeadamente, as horas que entra e sai de casa e dirigi-lhe as seguintes expressões: “puta, larga dos homens, os filhos não são dele, és feia, tu queres te arranjar toda para os homens, mouca, deficiente.”
30.–O arguido, diariamente, ao meio dia bate com a bengala na porta da residência da ofendida e exige comer uma refeição confecionada por esta.
31.–Quando a ofendida se recusa, o arguido fala com o filho DD e este obriga a mãe a ceder.
32.–Pelo menos numa ocasião o arguido despiu-se no quintal, ficando nu, fazendo com que a ofendida se assuste quando o vê e volte para casa.
33.–Para além disso, no mesmo período, por diversas vezes, o arguido sentou-se no muro da residência e disse aos homens que passaram na rua “leva-a contigo para os cerrados”.
34.–Quando a ofendida manifesta o seu desagrado perante tal conversa, o arguido dirige-se a ela e diz: “Vai levar no cú”.
35.–Acresce que, no período identificado em 29), por diversas vezes, o arguido chegou à residência alcoolizado, e iniciou discussões, nas quais se dirigiu à ofendida e disse que a casa é dele e que não vai sair, que esta é que tem que sair de lá.
36.–Mais disse que: “se tivesse de sair de casa, chamava os filhos e a nora para bater nela”.
37.–Por outro lado, o arguido abriu, por diversas vezes, a fonte do quintal fazendo com que a ofendida pague contas elevadas, para a prejudicar.
38.–No dia 17 de março de 2023, pelas 08.00h, o arguido seguiu a ofendida até à paragem do autocarro, e viu que a mesma apanhou o autocarro.
39.–Quando regressou a casa pelas 18.00h, o arguido dirigiu-se a ela e disse: “isto são horas. Foste ter com os homens”.
40.–Perante tais comportamentos, a ofendida sente receio do arguido, e quando este regressa do café às 18.00h, fica nervosa, fechando-se na habitação.
41.–As agressões verbais perpetradas pelo arguido sobre a ofendida visaram não apenas violar a sua integridade física, a sua liberdade e a sua honra, mas também humilhá-la.
42.–Ao longo de todo o período descrito e por consequência do tratamento que lhe foi sendo dirigido pelo arguido, a ofendida viveu entristecida, humilhada, afetada na sua autoestima e atemorizada, pois temia a todo o momento novas investidas contra a sua paz e sossego, bem como contra a sua integridade física, que pudessem ser levadas a cabo pelo arguido dentro da sua própria casa.
43.–Por sua vez e com toda a conduta acima descrita, o arguido quis, como conseguiu, molestar reiteradamente a saúde psíquica da ofendida, bem sabendo que a mesma, devido à sua deficiência auditiva e debilidade física e psicológica, estava impossibilitada de se defender das suas sucessivas investidas, sabendo ainda que a ofendida era sua ex-mulher e mãe dos dois filhos em comum.
44.–O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, não ignorando que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
(NUIPC 514)
45.–No dia 4 de novembro de 2022, cerca das 11h e 50m, quando estavam na casa onde residem ambos, o arguido AA abeirou-se da vítima e exigiu-lhe dinheiro para aquisição de produto estupefaciente e como a vítima se recusou a dar-lho, o arguido, agarrou-a pelos abraços, apertou-os até lhe deixar impressos na pele os seus dedos e empurrou-a, fazendo-a bater com o joelho no mobiliário da casa, causando-lhe dores e mal-estar físico, ao mesmo tempo que lhe dizia que era “puta” e “nojenta”.
46.–Em resultado destas agressões a ofendida sofreu edema do ombro esquerda, com equimose superficial, lesões que lhe demandaram oito (8) dias de cura com três (3) de afetação da capacidade de trabalho geral.
47.–A vítima CC nasceu em .../.../1963 e padece de deficiência auditiva, o que lhe dificulta a comunicação com terceiros.
48.–Em razão da usa idade e da deficiência de que padece, mas também do desgaste psicológico resultante da reiteração, ao longo do tempo, das condutas desviantes do arguido, destratando-a e sujeitando-a a um leque de agressões à sua honra, integridade física e mental e ao seu património e à vivência num clima de medo, a vítima apresenta uma particular fragilidade e indefesa.
49.–Em virtude dos comportamentos do arguido, a vítima viu-se forçada a, por um número não apurado de vezes, ter de se ausentar da sua residência e a pernoitar fora da sua casa, e a refugiar-se em casa de familiares e amigos, de modo a salvaguardar-se das investidas e da agressividade do arguido.
50.–Com toda a sua conduta, o arguido quis, como conseguiu, molestar reiteradamente a saúde psíquica e física de CC, atentando repetidamente contra o seu bem-estar emocional, paz e sossego, bem sabendo que a era sua mãe.
51.–O arguido sempre que humilhou, ameaçou, perseguiu e agrediu a vítima, sabia que lhe infligia maus-tratos e que, assim, a molestava moral e psicologicamente, fazendo-o com total indiferença para com os deveres de respeito que devia à sua progenitora.
52.–O arguido agiu sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

(Dos pedidos de indemnização civil)
53.–A demandante sentiu-se fortemente nervosa, por temer pela sua vida.
54.–Ao ouvir as palavras ditas pelos arguidos, ditas em voz alta e em bom som, a demandante, sentiu-se muito envergonhada e humilhada, temendo pela sua vida.
55.–É uma pessoa séria e honesta, sendo mãe do 2º demandado e ex-mulher do primeiro deles.
56.–Não é tida no meio onde vive como “puta” e muito menos estar envolvida com outros homens, mas sim como uma trabalhadora, uma mãe dedicada e sobretudo honesta.
57.–As palavras dos demandados “magoaram” muito a ora demandante, sobretudo pela existência de laços familiares entre ambos e pelo facto dos demandados saberem que tais afirmações eram falsas e objetivamente ofensivas.
*

Das condições socioeconómicas de BB:
58.–À data da prática dos factos, BB estava a viver num espaço anexo à habitação, onde residia e continua a residir CC, ex-mulher do arguido, portadora de deficiência auditiva a par de aparente défice cognitivo. Nessa altura, o arguido mantinha o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
59.–A habitação de cariz social, situada na freguesia do ..., foi atribuída ao casal, onde sempre viveram ao longo do casamento.
60.–Aquando da emergência do presente processo, o arguido encontrava-se vinculado à decisão proferida à ordem do Proc.458/21.4T9RGR, no qual lhe foi aplicada a regra de conduta de proibição de contactos e de permanência na habitação da ex-mulher, pelo que o arguido estava obrigado a abandonar a referida residência até 24/05/2023, o qual não viria a acontecer por oposição do próprio.
61.–BB esteve casado com CC cerca de três décadas, e dessa relação tem cinco filhos, dos quais, dois viviam com a com a progenitora à data da alegada prática dos factos: DD e AA (coarguido nos presentes autos), ambos maiores de idade e na altura, desempregados.
62.–Ao longo do casamento, o relacionamento conjugal é descrito como desestruturado e conflituoso decorrente dos hábitos alcoólicos, rigidez de pensamento e comunicação pouco percetível do arguido que tende a acentuar-se quando se encontra alcoolizado. Essa instabilidade relacional culminou em divórcio do casal há cerca de seis anos, altura em que a habitação foi atribuída a CC. Pese embora a rutura conjugal, o arguido manteve-se a viver no mesmo espaço habitacional da ex-mulher, aparentemente, contra a vontade daquela.
63.–Oriundo de agregado familiar numeroso e de baixa condição socioeconómica e cultural, o seu processo de crescimento foi marcado pela ausência da figura paterna, que faleceu quando o arguido contava com nove anos de idade, altura em que saiu da escola sem conseguir adquirir os conteúdos de leitura e da escrita.
64.–BB descreve um percurso laboral regular desde tenra idade e em regime precário. Referindo experiências como indiferenciado ao longo da idade adulta, afirma ter trabalhado como...e ..., sendo ele a principal fonte de sustento familiar. Segundo o próprio, a gestão económica desse rendimento era efetuada pela esposa.
65.–Em 2018, resultante de um acidente de trabalho, que lhe deixou sequelas nos membros inferiores deixou de trabalhar, passou à condição de pensionista, por invalidez, sendo a sua reforma atual de 477,00 euros mensais, ao que acresce o Complemento Regional de Pensão (73,00€). Perante a sua atual condição de reclusão, refere que essa prestação social está a ser gerida pelo filho mais novo, DD, o qual reside, até ao momento, com a progenitora.
66.–A nível aditivo, BB situa o início do consumo de bebidas alcoólicas por volta dos vinte seis anos, os quais, reconhece ter intensificado ao longo da sua vida, no entanto, não interioriza esse comportamento aditivo como nefasto na sua vida, pelo que nunca recorreu a qualquer ajuda clínica.
67.–BB apresenta défices a nível cognitivo, o que condiciona a comunicação com terceiros, o qual se agrava significativamente quando se apresenta sob efeito de bebidas alcoólicas, assumindo uma conduta impulsiva, verbalmente agressiva e intimidatória.
68.–À data da reclusão à ordem do presente processo judicial (27/06/2023), BB encontrava-se sujeito à intervenção à ordem do Proc.458/21.4T9RGR, decorrente da condenação do arguido, pelo crime de violência doméstica a CC, e pelo crime de desobediência, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, e sujeito à regra de conduta de não residir na habitação atribuída à vítima, devendo abandonar a mesma no prazo de sessenta dias, após transito em julgado da decisão condenatória (24/03/2023). Desde então e até ocorrer a sua atual reclusão, BB não revelou qualquer abertura à intervenção desta Direção-Geral, sendo o seu quotidiano gerido em função das suas necessidades de consumo.
Quando abordado apresentava um discurso desorganizado e de descompensação mental, não sendo possível qualquer diálogo com o próprio, tendo manifestando na presença da técnica signatária, ameaças de morte à ex-mulher. Nessa sequência foi formalizada queixa-crime na Esquadra da PSP da zona de residência a 21/04/2023 e desencadeadas as medidas necessárias de proteção à vítima através da articulação com o ... -instituição de referência para CC no âmbito da intervenção da Rede de Apoio à Vítima de Violência Doméstica e Mulher em Risco.
69.–Nessa sequência, foi acolhida em casa abrigo, pese embora a sua resistência em abandonar o lar por recear que o arguido se apoderasse da propriedade.
70.–Em meio prisional mantém percurso adequado, beneficiando da visita dos filhos EE e DD.
71.–EE refere que o irmão, BB, perante a ausência de outra alternativa familiar será recebido na casa onde ela reside.
Atualmente, por motivos de saúde, aquele familiar encontra-se em fase de convalescença, decorrente de um acidente vascular cerebral, e está provisoriamente instalada em casa de um filho, que reside na freguesia da .... No entanto, após recuperação, a irmã do arguido pretende regressar à sua habitação, a qual no momento se encontra desabitada porque o filho, que com ela vivia, está atualmente recluso.
72.–A reclusão do arguido permitiu o afastamento do arguido da vida de CC, o que teve impacto significativo no quotidiano daquela, uma vez que promoveu junto da própria, alguma segurança bem como maior estabilidade emocional, ainda que, por vezes, continue a ser perturbada por
73.–AA, seu filho e coarguido nos presentes autos (à semelhança do progenitor, também está proibido de permanecer na residência da progenitora), uma vez que, segundo informação do ..., AA continua a incumprir com a proibição de contactos com a progenitora, acedendo à habitação à revelia da vítima.

74.–Já foi julgado e condenado:
a)- A 04/09/2020 pela prática de um crime de injúria em 08/10/2019, na pena de 50 dias de multa;
b)- A 22/02/2023 pela prática de um crime de violência doméstica e desobediência em 09/2021, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de contacto com a vítima por 2 anos.
*

Das condições socioeconómicas de AA:
75.–Encontra-se em situação de indigente, indo dormir, por vezes, a casa da ofendida, entrando pela janela.
76.–Ignorou todas as convocatórias da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para realização de entrevista.
77.–Esteve mais de dois meses sem cumprir a medida de coação de apresentações periódicas no posto policial da sua área de residência.
78.–Já foi julgado e condenado a 22/02/2023 pela prática de um crime de violência doméstica e desobediência em 09/2021, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo e com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de contacto com a vítima por 2 anos.
(…)
O crime de violência doméstica é punido com uma pena de prisão de dois a cinco anos [artigo 152º, nº1, alíneas a) e d) e nº2 do Código Penal].
O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (artigo 353º do Código Penal).
O crime de violação de domicílio é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias (artigo 190º, nº1 do Código Penal).
(…)
Importa, agora, determinar as medidas concretas das penas e que serão fixadas dentro da respetiva moldura penal abstrata.
Determinar-se-á a pena de prisão que se mostre adequada ao comportamento do arguido, atendendo-se, nos termos do artigo 71º, nº 1 do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, tendo em atenção que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).
A prevenção geral positiva está incumbida de fornecer o limite mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar e a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva, cabendo à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo, ainda, às circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao agente na medida em que se mostrem relevantes, como preceitua o artigo 71º, nº 2 do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.
Nesta decorrência, deverá ter-se presente o elevado grau de ilicitude de todos os factos praticados, consubstanciado não só nas agressões físicas e verbais infligidas à ex-cônjuge e à mãe e a especial vulnerabilidade daquela e a ameaça proferida, enquanto se encontravam proibidos, pelo Tribunal, de se aproximar daquela. O dolo é intenso, porquanto direto, sendo que a forma como os crimes foram cometidos revelam bem o seu sentimento de desprezo pela ação do Tribunal, já que, mesmo tendo sido julgados pela prática do mesmo tipo de crime, nunca acataram a sentença judicial. Não podemos ignorar a falta de arrependimento e autocritica do seu comportamento, revelada, quanto ao arguido BB, no modo como tentou desculpar-se e atribuir a responsabilidade à sua ex-cônjuge. Por fim, o Tribunal não pode ignorar os antecedentes criminais de ambos os arguidos, por crimes da mesma natureza. A seu favor nada releva.

Pelo exposto, o Tribunal decide aplicar as seguintes penas:

Arguido BB
- Pela prática do crime de violência doméstica: 4 anos de prisão;
- Pela prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições: 1 ano e 3 meses de prisão:
- Pela prática do crime de violação de domicílio: 9 meses de prisão.

Arguido AA
- Pela prática do crime de violência doméstica: 3 anos de prisão;
- Pela prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições: 1 ano de prisão:
*

Cúmulo jurídico

Verificando-se um concurso real e efetivo de infrações, a punição deve realizarse de acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal.
Nos termos do nº 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicada. Já o limite mínimo das penas corresponderá à mais elevada das penas concretamente aplicadas a todos os crimes.
Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade do agente, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), pelo que, realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, e recorrendo ao que já se escreveu aquando das exigências de prevenção geral e especial, demonstra-se adequada a fixação da pena única do concurso em 5 anos e 2 meses de prisão para o arguido BB e 3 anos e 7 meses para o arguido AA.
(…)
Impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA.
Determina o artigo 50º do Código Penal que o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ou posterior ao facto e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 40º, nº 1 do Código Penal).
A finalidade essencial é a ressocialização do agente na vertente de prevenção da reincidência cujas probabilidades de êxito são aferidas no momento da decisão em função dos indicadores previstos no artigo 50º, nº 1 do Código Penal.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da prática de crimes, assentando o juízo de prognose não numa absoluta certeza mas numa esperança fundada de que a socialização em liberdade seja realizada, importando sempre um risco para o julgador derivado dos elementos de facto a que tem acesso (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993 pág. 344).
No caso em apreço, não se conseguem identificar fatores de proteção que permitam efetuar uma prognose positiva face ao eventual regresso do arguido ao meio de origem, estando comprometida a proteção da vitima, quer pela resistência e limitação da própria em aderir a medidas de proteção, quer pelas características do arguido, que se revela incapaz de encetar um processo de mudança e alteração de conduta (o que é bem revelado pela prática dos factos durante a suspensão de outra pena), pelo que não se suspende esta pena.
*

Apreciação do Recurso

1.–Ponderação da medida da pena aplicada ao recorrente BB (5 anos e 2 meses) e da possibilidade de a mesma ser suspensa na sua execução

O recorrente BB entende que a pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão aplicada pelo tribunal recorrido é “desproporcional e injusta”, devendo ser-lhe aplicada “a pena suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova assente em plano individual de readaptação social, em termos a definir pela D.G.R.S., que preveja acompanhamento à sua problemática com realização de testes de rastreio, e ainda que preveja a ocupação profissional do arguido, nos termos do artigo 52.º e 54.º do Código Penal”.

Alega, para o efeito, que devem ser valorizadas as seguintes circunstâncias:
- o recorrente confessou parcialmente os factos;
- terá a possibilidade de ser acolhido numa residência em caso de ser restituído à liberdade;
- na primeira condenação, o recorrente não teve a oportunidade de beneficiar das regras e orientações que fazem parte do plano homologado em ........2023;
- está privado da liberdade há cerca de seis meses e encontra-se abstinente.
Vejamos se lhe assiste razão.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, aferindo-se por esta, o patamar máximo da pena concreta a aplicar (art. 40º do C.Penal).
A determinação da medida concreta da pena deve ser efetuada com recurso aos critérios gerais estabelecidos nos arts. 70.º e 71º do CPenal, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
E só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta ou o modo de execução da mesma.
Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício1.
Assim sendo, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objeto de qualquer correção por parte do Tribunal de Recurso.
O recorrente BB questiona apenas a concreta pena única aplicada.

Ao recorrente foram aplicadas as seguintes penas:
a)-4 anos de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do C.Penal;
b)-1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime continuado de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353º do C.Penal;
c)-9 meses de prisão pela prática de um crime continuado de violação de domicílio, previsto e punido pelos artigos 190º, nº 1 e 30º do C.Penal;
Em cúmulo jurídico, o recorrente foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.

O Tribunal a quo fundamentou a graduação das penas aplicadas no “elevado grau de ilicitude de todos os factos praticados, consubstanciado não só nas agressões físicas e verbais infligidas à ex-cônjuge … e a especial vulnerabilidade daquela e a ameaça proferida, enquanto se encontravam proibidos, pelo Tribunal, de se aproximar daquela. O dolo é intenso, porquanto direto, sendo que a forma como os crimes foram cometidos revelam bem o seu sentimento de desprezo pela ação do Tribunal, já que, mesmo tendo sido julgados pela prática do mesmo tipo de crime, nunca acataram a sentença judicial. Não podemos ignorar a falta de arrependimento e autocritica do seu comportamento, revelada, quanto ao arguido BB, no modo como tentou desculpar-se e atribuir a responsabilidade à sua ex-cônjuge. Por fim, o Tribunal não pode ignorar os antecedentes criminais de ambos os arguidos, por crimes da mesma natureza. A seu favor nada releva.

Pelo exposto, o Tribunal decide aplicar as seguintes penas:
Arguido BB
- Pela prática do crime de violência doméstica: 4 anos de prisão;
- Pela prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições: 1 ano e 3 meses de prisão:
- Pela prática do crime de violação de domicílio: 9 meses de prisão.
Cúmulo Jurídico
(…)
Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade do agente, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), pelo que, realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, e recorrendo ao que já se escreveu aquando das exigências de prevenção geral e especial, demonstra-se adequada a fixação da pena única do concurso em 5 anos e 2 meses de prisão para o arguido BB”.

Após ter encontrado as penas parcelares relativas aos ilícitos supra referidos, o Tribunal a quo procedeu à determinação da pena única, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, nos termos do art. 77º, nº 1 e 2 do C.Penal, correspondendo o limite mínimo da pena aplicável à pena máxima concretamente aplicada (4 anos) e o limite máximo corresponde à soma das penas parcelares encontradas (6 anos).
Perante as considerações tecidas na decisão, não pode deixar de se entender que o recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de desproporcionalidade da pena fixada em face dos factos provados.
Ao contrário do que afirma o recorrente, não deixou o Tribunal a quo de ponderar todas as circunstâncias relevantes, sendo certo que, em concreto, não se justifica uma reação mais branda.
Com efeito, foram ponderadas as circunstâncias e a gravidade dos factos praticados; a personalidade violenta, agressiva, controladora, provocatória e desrespeitosa para com a ofendida (com a qual esteve casado cerca de três décadas e com a qual teve cinco filhos – cfr. facto provado 61º) e também desrespeitosa para com as decisões do Tribunal (cfr. factos provados, 4º a 10º, 24º, 60º e 68º); as elevadas exigências de prevenção geral, o elevado grau de ilicitude, a intensidade do dolo (direto); as consequências decorrentes para a ofendida, revelando o recorrente baixa preocupação com os outros, reduzido juízo crítico, ausência de vontade para alterar os seus comportamentos2 (cfr. facto provado 66º) e ausência de arrependimento3, detendo antecedentes criminais pela prática do crime de violência doméstica que teve como vítima também a aqui ofendida, sua ex-mulher.
Acresce que praticou alguns dos factos desde 06.02.2023 (dia em que ocorreu a audiência de julgamento realizada no âmbito do processo nº 458/21.4T9RGR) e/ou no período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no âmbito desse processo (cfr. factos provados 17º a 21º e 27º a 49º).
A confissão parcial não assume a relevância que o recorrente sustenta na medida em que o fez injuriando a assistente e insistindo que a mesma tem um amante.
Por outro lado, a possibilidade de ser acolhido numa residência em caso de ser restituído à liberdade é meramente hipotética (uma vez que a irmã que afirma pretender acolhê-lo está instalada em casa de um filho, em fase de convalescença, decorrente de um acidente vascular cerebral).
Acresce que a circunstância de o recorrente não ter tido oportunidade de beneficiar das regras e orientações que fazem parte do plano homologado em ........2023 apenas é imputável ao recorrente que “não revelou qualquer abertura à intervenção desta Direção-Geral, sendo o seu quotidiano gerido em função das suas necessidades de consumo. Quando abordado apresentava um discurso desorganizado e de descompensação mental, não sendo possível qualquer diálogo com o próprio, tendo manifestado na presença da técnica signatária, ameaças de morte à ex-mulher” (cfr. facto provado 68º).
Por fim, há que sublinhar que a abstinência alcoólica constitui uma decorrência da própria da reclusão que não é suscetível de ser positivamente valorada.
Em suma, não se nos deparam circunstâncias atenuantes da responsabilidade do recorrente que o Tribunal a quo tenha desconsiderado e, por outro lado, os contornos dos factos por ele praticados, tal como resultam da matéria provada, não permitem a redução da pena.
Tendo presente tudo isto, resulta manifesta a falta de razão do recorrente, não se vislumbrando qualquer fundamento para se considerar excessiva a pena única que o Tribunal recorrido determinou.
Entre o limiar mínimo da moldura de cúmulo – 4 (quatro) anos - e o seu limiar máximo – 6 (seis) anos – o Tribunal a quo fixou a pena única em 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses, ou seja, dois meses acima do meio da moldura penal do concurso de crimes, definindo assim uma reação penal consistente e adequada em face da multiplicidade de condutas, de acordo com a imagem global dos factos e apta a assegurar seriamente o êxito das finalidades de prevenção.
Dadas as circunstâncias em que o recorrente cometeu os crimes e ponderando as elevadas necessidades de prevenção que o caso demanda, seria inadequada a fixação da pena única em medida mais reduzida. A determinação concreta da pena única aplicada ao recorrente não merece, assim, qualquer censura.
De modo racional foram considerados o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, não tendo o Tribunal a quo deixado de ponderar devidamente todas as circunstâncias relevantes.
A pena única mostra-se adequada, não excedendo o limiar da culpa do recorrente. Deverá, assim, manter-se o que foi determinado pelo Tribunal a quo.
Cumpre acrescentar que sempre estaria condenada ao fracasso a sujeição do recorrente, em conformidade com o sugerido, a regime de prova assente em plano individual de readaptação social, em termos a definir pela D.G.R.S., com acompanhamento à sua problemática com realização de testes de rastreio, e garantia de ocupação profissional do arguido, uma vez que, apesar de o seu quotidiano ser gerido em função das suas necessidades de consumo de bebidas alcoólicas, não interioriza o seu comportamento aditivo como nocivo para a sua vida e em momento algum revelou abertura para a intervenção daquela entidade.
Em função da pena única encontrada, resulta legalmente afastada a possibilidade de suspensão da execução da mesma por ser superior a 5 anos, atento o disposto no art. 50º do C.Penal, ficando prejudicada, nesta parte, a apreciação do recurso.
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2.–Possibilidade de suspensão na sua execução da pena de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão fixada pelo tribunal recorrido ao recorrente AA

O recorrente AA entende que a pena única de 3 (três) anos e 7 (sete) meses de prisão deve ser suspensa na sua execução e fundamenta a sua pretensão com o facto de não se encontrar em prisão preventiva e de as circunstâncias do crime permitirem afirmar que a conduta do recorrente foi motivada pela sua toxicodependência, à data dos factos, pois procurava financiar o seu consumo.
Em conformidade com o supra exposto, nos termos do art. 40º, nº 1 do C.Penal, as finalidades da pena são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, há que atentar no disposto no art.º 50º do C.Penal, onde se prevê que:
1– O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2– O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3–Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4– A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5– O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.

Como refere Lourenço Martins in “Medida da pena Finalidades Escolha Abordagem Crítica de Doutrina e de Jurisprudência”, Coimbra Editora, pág. 520, “o acento tónico está colocado no juízo de prognose de (bom) comportamento futuro, a partir da consideração de que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam as finalidades da punição. Por isso o legislador indica de forma específica os elementos salientes a ponderar.”
Pelo que, “a suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido. Prognose essa que neste caso não foi feita pelo Tribunal, uma vez que após deliberação não alcançou a esperança de que o arguido sentisse a sua condenação como uma advertência e que não cometesse no futuro nenhum crime, designadamente desta espécie”Acórdão deste TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9.
“A finalidade político-criminal que a lei visa através do instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, carecendo, a aplicação medida, de ser adequada a uma prognose positiva de prevenção especial, já que os fins da prevenção geral aqui devem fazer-se sentir unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder, em limites que lhe retirem sentido, na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, igualmente, constituir impedimento à realização das finalidades de política criminal que conformam o regime penal. São, pois, unicamente considerações de prevenção - especial e geral - e não de culpa, que devem conduzir, ou não, à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena … A este juízo de prognose é essencial a consideração da personalidade do agente, das suas condições de vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias que rodearam o crime. Não são considerações de culpa que devem ser atendidas, mas juízos sobre o modo como o arguido se irá comportar em liberdade, considerando a sua personalidade, as suas condições de vida, o seu comportamento e as demais circunstâncias do caso, tudo determinando que o juízo de prognose do julgador seja favorável à suspensão, por esta se revelar adequada e suficiente”cfr. Acórdão deste TRL de 15.12.2021, Proc. nº 158/19.5PQLSB.L1-3.
Por conseguinte, o juízo de prognose favorável deve ser formulado, em primeiro lugar, em relação ao agente em si mesmo, exigindo da parte do tribunal uma expectativa fundada, em função da personalidade do agente e das condições da sua vida, bem como das circunstâncias do crime, de que o mesmo sentirá a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, assim se cumprindo uma das finalidades da punição - reintegração do agente na sociedade.

Importa também que “desse juízo de prognose favorável resulte que ficarão acauteladas as exigências de prevenção geral, não só na vertente da «reprovação social imposta por um princípio de justiça que actua sobre a generalidade das pessoas», mas também na vertente do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e da confiança dos cidadãos no sistema de justiça. Daí que, mesmo concluindo o tribunal por um prognóstico favorável “à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação social e prevenção do crime: «estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas, exclusivamente, considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 520, p. 344 e Acórdão do STJ de 16/01/08, relatado pelo Cons. Raul Borges, proc. 3485/07, acessível em http://dgsi.pt.jstj). Na formulação do prognóstico que é exigido, “o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto” (Ob. citada, § 518 p. 343) – Acórdão deste TRL de 26.04.2023, Proc. nº 685/21.4JGLSB.

A suspensão da execução da pena de prisão, enquanto verdadeira pena de substituição, só pode ser aplicada se for possível firmar, à data da decisão, um juízo de prognose favorável de que uma suspensão de pena é suficiente para afastar o recorrente da prática de novos factos ilícitos.

Reportando-nos ao caso concreto, verificamos que muitos dos factos imputados ao recorrente, contrariamente ao por si alegado, não são motivados pelo financiamento do seu consumo. Mas, mesmo quando tais factos estão com ele relacionados, não é de considerar tal circunstância como atenuante pois resultou provado que (sendo a vítima sua mãe), nessas ocasiões gritava, partia objetos de decoração e subtraía-lhe objetos pessoais ou de decoração que vendia para comprar produto estupefaciente (cfr. facto provado 15º). Em acréscimo, agrediu-a fisicamente e insultou-a (cfr. factos provados 45º e 46º), desrespeitou-a, levando para casa dela, sem o seu consentimento, indivíduos seus conhecidos que lá permaneceram por longos períodos, consumindo estupefacientes, conversando e fazendo barulho durante a noite, impedindo-a de dormir e repousar, o que ocorreu por um número não apurado de vezes (cfr. facto provado 16º).

Por outro lado, a circunstância de o recorrente se manter em liberdade não abona a seu favor uma vez que continua a aceder à habitação da vítima, à revelia desta, onde pernoita, entrando pela janela, incumprindo com a proibição de contactos com a mesma (cfr. factos provados 73º e 75º) e ignorando todas as convocatórias da DGRSP para realização de entrevista, permitindo-se estar mais de dois meses sem cumprir a medida de coação de apresentações periódicas no posto policial da sua área de residência (cfr. factos provados 76º e 77º).

Resulta do exposto que o recorrente não se encontra inserido nem familiar, nem social, nem mesmo profissionalmente, o que constitui evidente impedimento à formulação de um juízo de prognose favorável.

Por fim, praticou alguns dos factos no período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado no âmbito do processo nº 458/21.4T9RGR (cfr. factos provados 15º e 16º).

Pode, pois, concluir-se que dos autos não decorrem elementos de facto com capacidade bastante para que o tribunal possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o recorrente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção do crime.

Com efeito, os inexistentes hábitos de trabalho do recorrente, os factos praticados no período de suspensão da execução da pena de prisão, as circunstâncias do cometimento dos crimes e a persistência nos seus comportamentos (“continua a incumprir com a proibição de contactos com a progenitora, acedendo à habitação à revelia da vítima” cfr. facto provado 73º) contrariam, de modo frontal, esse juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente, como considerou o tribunal a quo, elevando o risco que a suspensão da pena sempre comporta em termos de reincidência.

Tudo conjugado, concordando com as razões expendidas pelo tribunal recorrido, temos por evidente que o recorrente AA não se mostra merecedor de um juízo de prognose favorável em ordem a que se assuma, com segurança, bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para o afastar da prática de novos ilícitos criminais.

Aliás, à suspensão da execução da pena de prisão sempre se oporiam fortes razões de prevenção geral (sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico) relacionadas com o alarme social que este tipo de crimes causa, nomeadamente em situações como a concreta em que o recorrente continua a incumprir com a proibição de contactos com a vítima (sua mãe e pessoa com debilidade física e psicológica).

O sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais - sobretudo numa época em que é inegável (e impossível de negar) o agravamento da criminalidade em geral e, em especial, da violência doméstica – seria beliscado caso um indivíduo com o comportamento e os antecedentes criminais do recorrente fosse condenado a uma pena não privativa de liberdade.
Improcede, por isso, o recurso interposto pelo recorrente.
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IV–DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por BB e AA e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (art. 513º, nº 1 do C.P.Penal e art. 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Lisboa, 9 de abril de 2024


Luísa Oliveira Alvoeiro
(Juíza Desembargadora Relatora)
Mafalda Sequinho dos Santos
(Juíza Desembargadora Adjunta)
Sandra Oliveira Pinto
(Juíza Desembargadora Adjunta)



1.Como bem refere o Acórdão deste TRL de 22.02.2023, Proc. nº 402/20.6POER.L1-5“é de considerar que só em caso de desproporcionalidade manifesta na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª instância alterando o quantum da pena concreta. Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício. De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correção por parte do Tribunal de Recurso”.
2.Apesar de o recorrente BB admitir que consome bebidas alcoólicas em excesso, nunca recorreu a qualquer ajuda clínica nem revelou qualquer abertura à intervenção da DGRSP.
3.Tal como consta da motivação da matéria de facto: “embora tenha confessado alguns dos factos pelos quais vem acusado, atribuiu a responsabilidade do presente processo à assistente, apelidando-a, mais do que uma vez, por maluca e insistindo que a mesma tem um amante”.