Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24644/24.6T8LSB.L1-1
Relator: SUSANA SANTOS SILVA
Descritores: RJPADLEC
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
RECURSO DE DECISÃO DO CONSERVADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC):
I - O mecanismo de dissolução de sociedade em causa nos autos reconduz-se à dissolução administrativa oficiosa, em que é causa da dissolução a declaração do conservador do registo comercial em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional – arts. 143º, al. c) do CSC e 5º, al. c) do RJPADLEC.
II - As alíneas a) a c) do art.º 143º do CSC e a) a e) do art.º 5º do RJPADLEC constituem causa autónomas de dissolução das sociedades comerciais e bastam-se por si próprias enquanto expressão de uma valoração legislativa conducente à extinção ágil da sociedade em circunstâncias particularmente censuráveis de subsistência da sociedade, tipicamente elencadas na lei.
III – No que se refere à alínea c) do art.º 143º do CSC e à al. c) do art.º 5º do RJPADLEC o decretamento da dissolução depende de a Administração Tributária ter comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária.
IV - Em todos os casos de dissolução administrativa oficiosa, a notificação do conservador efetuada nos termos do art.º 8º, n.º4 do RJPADLEC, integra a menção expressa de ser concedido um prazo de 30 dias para a regularização da situação ou para a demonstração de que a regularização se encontra efetuada ou até para a demonstração, nos casos pertinentes, de que o vicio não existiu.
V - Se a situação for regularizada no prazo concedido, o conservador declarará a extinção do procedimento. (arts. 9, n.º1, al. b) e 2 e 11º, n.º1 do RJPADLEC. Porém, no caso dos autos, na pendência do procedimento administrativo, nada foi carreado para os autos, seja no sentido da manutenção da sua atividade, seja no sentido de ter impugnado a decisão da AT de declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, o que se concluiu na sentença recorrida.
VI – O RJPADLEC é consequência da intenção clara do legislador em simplificar o processo de extinção das sociedades num contexto de desjudicialização de determinados atos com a atribuição aos conservadores de competências judiciais, tratando-se de procedimento que é destinado a entidades sujeitas a registo comercial obrigatório e ao dever de veracidade e atualização da informação prestadas e por isso, subordinados também eles ao Principio da Autoresponsabilização, afirmando, contudo, a tutela jurisdicional efetiva dos atingidos com a decisão quer do ponto de vista formal, assegurando uma garantia adicional ao conhecimento e publicitação das notificações, quer do ponto de vista material, assegurando a tutela jurisdicional efetiva com a garantia do direito de impugnação judicial, não ocorrendo por via do regime consagrado nos arts. 8º, n.º4 e 11º, n.º5 e 167º do CSC qualquer ofensa ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança do cidadão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Foi instaurado oficiosamente procedimento administrativo com vista à dissolução da sociedade Anyfugures Unipessoal, Lda., NIPC (…) com fundamento no disposto no art.º 5º, n.º1, al. c) do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), na sequência de comunicação, por parte da Administração Tributária, da declaração oficiosa de cessação da atividade da identificada sociedade, nos termos previstos na legislação tributária.
Por despacho de 26 de Junho de 2024, a Sra. Conservadora concluiu pela dissolução e o encerramento da liquidação da referida entidade comercial, com a consequente extinção da mesma.
A sociedade BFORLIFE – GESTÃO E INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A não se conformando com a decisão proferida interpôs recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa alegando, em síntese, que foram preteridas formalidades essenciais, designadamente não foi dado cumprimento ao estabelecido no artigo 8.º, nº 5 do RJPADLEC, porquanto nem a impugnante, nem o gerente foram notificados da pendência do procedimento por carta registada; não tendo sido concedido à Impugnante (e aos demais interessados e afetados) oportunidade de tomar posição em momento prévio à prolação da decisão de dissolução/liquidação administrativa – existiu preterição das formalidades essenciais que determina a ilegalidade da decisão de dissolução/liquidação proferida no procedimento.// Mais alega que tendo a cessação oficiosa da atividade da sociedade por parte da Administração Tributária por fundamento a previsão no nº 2 do artigo 34.º do CIVA, a sociedade ANYFIGURES – UNIPESSOAL, LDA. nunca deixou de exercer a atividade para a qual se encontrava inscrita não existindo fundamentos de facto e de direito, subsumíveis na previsão normativa do artigo 34.º, nº 2 do CIVA.
Conclui pedindo que seja declarada a ilegalidade da decisão de dissolução/liquidação administrativa por via da preterição de formalidades essenciais, devendo ser revogada a decisão de dissolução e liquidação sindicada.
A impugnação foi admitida e, após sustentação da decisão pela Sra. Conservadora (Ref. n.º…) e parecer do Ministério Publico (Ref. nº…) foi proferida sentença em 1ª Instância que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, que declarou a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade Anyfugures Unipessoal, Lda.
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É desta decisão que foi apresentado recurso pela impugnante, tendo sido formuladas as seguintes CONCLUSÕES que se reproduzem:
I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida nos autos que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade ANYFIGURES – UNIPESSOAL, Lda., da qual a recorrente é única sócia.
II. Para tanto, a decisão em mérito considera que o procedimento conducente à dissolução administrativa da mencionada sociedade não enferma de qualquer dos vícios assacados pela recorrente à decisão promovida pelo Exmo. Conservador do Registo Comercial.
III. Salvo o devido respeito, que se diga, é todo, não se pode a Recorrente conformar com tal entendimento, na medida em que a decisão tomada, viola diretamente a letra da lei, mormente, o Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC).
DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IV. Sem quebra do elevadíssimo respeito devido, a douta decisão recorrida faz uma apreciação “pela rama” da matéria aqui sob escrutínio, porquanto, tal decisão, limita-se a referir que foi dado cumprimento integral a todos os trâmites que o procedimento exige.
V. Contudo, entendemos que não basta a prolação da decisão à questão colocada pois, é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito na qual se escora a decisão.
VI. Nesse seguimento, entendemos que a decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.
VII. Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”
VIII. Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”
IX. Contudo, na nossa modesta opinião, atento o atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, cremos que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário com a clareza do homem médio percecionar as razões de facto e de direito da decisão judicial, deve também ela, ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
X. O que nos parece ser o caso da decisão em mérito, o que implica, nos termos do artigo 615.º do CPC - a nulidade da decisão em mérito.
DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA
XI. Em sede de impugnação judicial a Recorrente sustentou que mantinha, com carácter de permanência e habitual a atividade de compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.
XII. Sustentou que, desde o momento da sua constituição e até ao momento presente, sempre efetuou negócios, celebrando contratos promessa de compra e venda, pagamento IMT e IS relativo às aquisições efetuadas.
XIII. Daí que, a decisão de dissolução escorada na alínea c) do artigo 5.º do RJPADLEC faz uma incorreta subsunção jurídica na mencionada previsão normativa – supostamente pelo não exercício da atividade.
XIV. No entanto, os factos carreados para os autos demonstram exatamente o contrário, ou seja, o exercício efetivo e ininterrupto da atividade por parte da sociedade visada no procedimento administrativo.
XV. Relativamente a tal imputação (constante dos últimos artigos da impugnação judicial apresentada) a decisão recorrida não teceu qualquer comentário.
XVI. Isto é, parte dos fundamentos convocados pela Recorrente para a impugnação judicial apresentada, não foram, sequer, alvo de apreciação por banda do Tribunal a quo.
XVII. O que, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, faz enfermar a douta decisão recorrida de nulidade – a qual, desde já, se deixa aqui invocada para todos os legais efeitos.
DA FALTA DE PRESSUPOSTOS DO ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO DE DISSOLUÇÃO ADMINISTRATIVA
XVIII. O artigo 24.º, nº 4 do RJPADLEC, relativamente ao encerramento do procedimento de dissolução administrativa determina que:
Cumpridas as diligências previstas no número anterior, se não for apurada a existência de qualquer bem ou direito de que a entidade em liquidação seja titular, o conservador declara imediatamente o encerramento da liquidação do estabelecimento individual de responsabilidade limitada.
XIX. Da legislação que regula a matéria relativa à dissolução administrativa das entidades comerciais e mais especificamente no nº 4 do artigo 24.º do RJPADLEC, resulta que o encerramento do procedimento de dissolução administrativa, com a subsequente averbamento da mesma e o cancelamento da matrícula apenas pode ser efetuado – caso inexistam bens e/ou direitos de que a entidade seja titular.
XX. In casu, a entidade visada no procedimento de dissolução ANYFIGURES – UNIPESSOAL, LDA. é detentora/proprietária de 3 imóveis, a saber:
a) Fração autónoma designada pela letra A, destinada a garagem, sito na Rua …, Tapada do Mercês, concelho de Sintra, descrito na CRP sob o número …5/Sintra e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …9-A
b) Fração autónoma designada pela letra AJ, destinada a garagem, sito na Rua …, Tapada do Mercês, concelho de Sintra, descrito na CRP sob o número …5/Sintra e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …9-AJ
c) Fração autónoma designada pela letra BG, destinada a garagem, sito na Rua …, Tapada do Mercês, concelho de Sintra, descrito na CRP sob o número …5/Sintra e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …9-BG, conforme cadernetas prediais que junta e que dá por integramente reproduzidas para todos os legais efeitos. Cfr. Doc. 1.
XXI. Ora, dos elementos agora juntos e, bem assim, relativamente àqueles a que a entidade administrativa tinha acesso oficiosamente ao abrigo do princípio do inquisitório e da prossecução do interesse público,
XXII. Do exposto resulta que, à data do encerramento do procedimento de dissolução administrativa – a entidade visada no mencionado procedimento era titular de pelo menos, três bens imóveis.
XXIII. Com efeito, tal facto impede que o procedimento de dissolução administrativa seja encerrado sem que se mostre concluída a respetiva liquidação.
XXIV. Aqui chegados, resulta à saciedade que a entidade administrativa aferido de tal circunstancialismo e, ainda assim, ter determinado o encerramento do procedimento de dissolução administrativa – tal decisão mostra-se ilegal decorrente da violação do disposto no nº 4 do artigo 24.º do diploma anteriormente referido.
DA INCONSTITUCIONALIDADE
XXV. O princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, embora não estejam explicitamente enunciados na Constituição da República Portuguesa (CRP), são princípios fundamentais do Estado de direito democrático, dedutíveis do artigo 2.º da CRP.
XXVI. A segurança jurídica garante a estabilidade e a previsibilidade do direito, enquanto a proteção da confiança visa garantir a legítima expectativa dos cidadãos nas leis e nos atos administrativos por força da aplicação direta do disposto art. 8.º, nº 4 do RJPADLEC, relativamente à instauração do processo e quanto à prolação da decisão final, de acordo com a mesma disposição, aplicável por via do n.º 5, do art. 11, também do RJPADLEC, ambos os referidos factos são notificados através da publicação de aviso, nos termos do n.º 1 do art. 167º do Código das Sociedades Comerciais.
XXVII. Ora, tais atos decisórios, pela importância que os mesmos encerram em si devem ser diretamente notificados aos visados no procedimento e não, através de uma publicação no site que a maioria dos comuns desconhece.
XXVIII. Daí que se diga que, a publicitação da decisão nos termos dos normativos transcritos viola de forma clara o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança,
XXIX. Como tal, deve a interpretação normativa que resulta dos artigos 8.º, nº 4 e n.º 5, do art. 11, RJPADLEC e n.º 1 do art. 167º do Código das Sociedades Comerciais quando interpretados no sentido de a instauração do processo e quanto à prolação da decisão final ambos os referidos factos são notificados através da publicação de aviso, ser julgada inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no artigo 2.º da CRP.
Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso interposto e revogada a decisão recorrida.
Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações
O recurso foi admitido como Apelação, a subir nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão recorrida- arts. 629, 631, 644/1/a) 645/1/a) e 647/2 todos do Código de Processo Civil e art.º 12 do RJPADLEC, e art.º 106 do Código do Registo Comercial.
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Foram colhidos os vistos das Exmas. Adjuntas.
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II – Questões a decidir
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
I. Como questão prévia, da (in)admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
II. Das nulidades da decisão recorrida.
Na improcedência das nulidades arguidas:
III. Da ilegalidade dos fundamentos para a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade.
IV. Da inconstitucionalidade do art.º 8º nº 4 do RJPADLEC relativamente à instauração do processo e quanto à prolação da decisão final, de acordo com a mesma disposição, aplicável por via do n.º 5, do art.º 11, também do RJPADLEC.
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III. Fundamentação
A) Matéria de Facto decidida na 1ª instância
Os elementos fácticos que foram considerados assentes na 1ª Instância são os seguintes:
1. A decisão final de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade ANYFIGURES UNIPESSOAL LDA, NIPC: (…) (ANYFIGURES), foi proferida em 26 de junho de 2024, no âmbito do processo de dissolução administrativa oficiosa, a que ficou a corresponder o n.º 243/2024.
2. O referido processo foi instaurado, oficiosamente, na Conservatória do Registo Comercial com base na al. c), do artigo 5.º, do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), na sequência de comunicação, por parte da Administração Tributária, da declaração oficiosa de cessação da actividade da identificada sociedade, nos termos previstos na legislação tributária.
3. O respetivo auto de notícia foi lavrado em 03.01.2024.
4. Em 15.01.2024, a coberto do disposto no n.º 1, do artigo 6.º, do RJPADLEC, foi averbada a pendência do processo de dissolução administrativa na ficha informática de registo – cfr. Av. 1 à Insc. 1.
5. A notificação prevista nos n.ºs 4 e 8 do artigo 8.º, bem como dos n.ºs 1 e 6, do artigo 9.º, do RJPDLEC foi, também, efetuada em 15.01.2024.
6. Em 20.05.2024 foram enviadas – para a sede da sociedade e para a sede da sócia única, para as moradas constantes da ficha informática de registo –, sob registo de correio, as comunicações previstas no n.º 5, do artigo 8.º e no n.º 4, do artigo 9.º, do RJPDLEC.
7. Apenas a carta remetida para a sociedade objeto do processo foi devolvida ao remetente.
8. Em cumprimento do disposto no n.º 3, do artigo 9.º, d o RJPADLEC, em 09.01.2024 foi solicitado à Segurança Social que informasse sobre a existência de eventuais registos de trabalhadores da sociedade nos últimos dois anos.
9. Aquela entidade não identificou trabalhadores.
10. Nos prazos fixados legalmente não foram recebidas comunicações relativas à existência de ativo e de passivo, nem foi demonstrada a regularização da situação que justificou a instauração do procedimento.
11. A coberto do n.º 4, do artigo 11.º, do RJPADLEC, por decisão de 26.06.2024 foi, simultaneamente, declarada a dissolução e a liquidação da ANYFIGURES, constando da referida decisão que: “Não resulta dos elementos constantes do processo que a situação da sociedade esteja regularizada ou estejam pendentes diligências com vista à sua regularização.” e “Do procedimento não resulta a existência de ativo ou passivo suscetíveis de liquidação administrativa.” pelo que “se dá por verificada a causa de dissolução prevista na al. c), do artigo 5.º do RJPADLEC. (…) nada obstando a que seja declarada, simultaneamente, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade comercial (…).”
12. A notificação prevista no n.º 4 do artigo 8.º, aplicável por força do n.º 5, do artigo 11.º, do RJPADLEC, foi efectuada em 27.06.2024, tendo as comunicações previstas no n.º 5, do mesmo artigo 8.º, aplicáveis ao caso com base no mesmo artigo 11.º, sido enviadas, por via postal, em 09.09.2024.
13. No dia 24.09.2024 foi recebida na Conservatória remetente a petição inicial – bem como procuração – relativa à impugnação do mesmo despacho, subscrita por Mandatário.
14. Foi considerada a impugnação como tempestiva, contado o prazo de impugnação da data do envio das referidas cartas.
15. Por ofício datado de 02.10.2024, enviado sob registo de correio em 03.10.2024, foi remetida ao Tribunal a documentação relativa a esta impugnação, tendo ficado a corresponder-lhe o P.º n.º 24644/24.6T8LSB.
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I.
Da Questão prévia da (in)admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso.
Requer a recorrente a junção, sem qualquer fundamentação adicional, de três documentos que consistem na caderneta predial urbana relativa a três imóveis dos quais alega serem propriedade da sociedade visada no procedimento de dissolução.
Diz o art.º 651º nº. 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”
O art.º 425º do CPC, diz que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, norma esta excecional, semelhante à prevista no nº. 3 do art.º 423º do C.P.C., no que se reporta à fase de junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Assim sendo, é possível a junção de documentos com as alegações de recurso, dependendo a admissibilidade da sua junção de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
- a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso; a superveniência em causa, pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;
- o julgamento efetuado na primeira instância ter introduzido na ação um elemento adicional, não expectável, que tornou necessária esta junção; pressupõe esta situação a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, págs. 229 e 230 da 4ª edição, “podem (…) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.” (…) “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
No caso concreto, nada foi alegado pela recorrente para justificar a necessidade de junção do documento seja, por via da sua superveniência objetiva, seja por via da sua superveniência subjetiva. Não resulta, por outro lado, a necessidade da sua junção em face do julgamento efetuado em primeira instância.
Visto os documentos cuja junção se pretende, constata-se que, em primeiro lugar, a recorrente tinha necessariamente acesso a tais documentos no momento da interposição do recurso da decisão impugnada pelo que poderia e deveria tê-los junto com aquele requerimento, não se verificando o pressuposto da superveniência objetiva ou subjetiva.
Como se disse, admite ainda o artigo 651º, nº 1 do CPC, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento, situação que pressupõem, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
No caso, o thema decidendum tal como foi definido no requerimento de interposição de recurso da decisão administrativa consistia, por um lado, na preterição das formalidades essenciais, designadamente por não ter sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 8.º, nº 5 do RJPADLEC e, por outro, a ausência de fundamentos de facto e de direito, subsumíveis na previsão normativa do artigo 34.º, nº 2 do CIVA, porquanto, a sociedade ANYFIGURES – UNIPESSOAL, LDA. nunca deixou de exercer a atividade para a qual se encontrava inscrita.
A contender com a questão da inadmissibilidade legal da declaração de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade face ao disposto no art.º 24º, nº 4 do artigo 24.º do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março (RJPADLEC), nada foi referido pela recorrente quanto à propriedade destes três prédios.
Esta alegação surge posteriormente em sede de recurso de apelação, constituindo uma questão nova que transcende a matéria discutida nos autos, e que, por isso, nunca teria assento na sentença, não podendo pois, ser operante em termos de alteração do decidido, pois a problemática trazida a juízo não a abarcava, (cfr. a este propósito o Amâncio Ferreira, in Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 8ª Edição, 204/206.).
Os documentos cuja junção foi requerida pela recorrente em sede de recurso de Apelação, mostram-se impróprios e apresentados fora do momento adequado, face aos preceitos legais aplicáveis nesta matéria e supra enunciados, para além de serem suscetíveis de terem sido juntos pela Recorrente até à prolação da sentença recorrida
Em consequência, indefere-se a consideração/junção destes documentos juntos com as alegações de recurso.
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II. Das nulidades da sentença
Defende a recorrente que a sentença recorrida é nula com fundamento nas alíneas b) e d) do art. 615º do CPC.
O Tribunal recorrido não se pronunciou quanto às invocadas nulidades, como o impõe o artigo 617.º, n.º 1, do CPC.
Não obstante, considera-se não ser indispensável mandar baixar o processo para esse efeito (como previsto no n.º 5 do referido preceito), razão pela qual das mesmas se conhecerá desde já.
II.1
Da Nulidade por falta de fundamentação
Diz a recorrente que a fundamentação da sentença recorrida faz uma apreciação “pela rama” da matéria sob escrutínio, limitando-se a referir que foi dado cumprimento integral a todos os trâmites que o procedimento exige, de maneira que, de facto e de direito, é insuficiente, porquanto não permite ao respetivo destinatário com a clareza do homem médio percecionar as razões de facto e de direito da decisão, considerando dever ser, no caso, equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1 que a sentença é nula quando: a) não contenha a assinatura do juiz, b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e) condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Como se disse, invoca a recorrente a nulidade prevista na al. b), nos termos da qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É consensual na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art.º 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/05/2024, processo n.º 754/19.0T8VNG-C.P1, relatora Manuela Machado, disponível em dgsi.pt).
Ou seja, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais ou intrínsecos da decisão, também designados por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Conforme mencionado supra, a al. b), do nº 1, do art.º 615.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art.º 607.º, nº 3 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Está, assim, em causa o disposto no art.º 154.º do CPC, o qual dispõe que: «1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. //«2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade».
Como assinala a recorrente nas suas alegações de recurso, este dever de fundamentação resulta de imperativo constitucional, tendo em atenção o art.º 205.º, n.º 1 da CRP que estabelece que: «1. As decisões judiciais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/11/2020, processo n.º 1307/20.6T8VNF-A.G1, relator Jorge Teixeira: “Este dever de fundamentação cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.”
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Ob Cit., Vol. 1.º, pág. 329) dizem que: «Hoje, o preceito constitucional impõe o entendimento de que só o despacho de mero expediente (art.º 152º, n.º 4) não carece, por sua natureza, de ser fundamentado (já assim entendia Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil cit., III ps. 46-47), outro sendo o caso de toda a decisão, que direta ou indiretamente, interfira no conflito de interesses entre as partes».
Por sua vez, refere Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, págs. 688 e 689, que para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Também a este propósito Miguel Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Processo Civil, pág. 221) escreve que «(...) esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 CRP e artigo 158º, n° 1 CPC). O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».
No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 669., afirmando que "... há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2019, proferido no processo 19/14.4T8VVD.G1.S1, se conclui em termos idênticos: “1. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
Ou seja, só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão, quando exista uma falta absoluta de fundamentação, ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.
Tecidas estas considerações e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisada a decisão recorrida com relação à sua fundamentação, embora se reconheça ser reduzida, podendo ser perfeitamente justificável um maior aprofundamento dos seus fundamentos, parece-nos, no entanto, que os mesmos são perfeitamente percetíveis, de molde a permitirem às partes “o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação” e o “controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão”.
Na verdade, analisados os fundamentos da decisão recorrida constata-se que dela constam quer os factos relevantes para a decisão que foram tidos como provados em face da prova documental junta, quer os fundamentos de direito, concretamente, a observação das formalidades ínsitas na legislação aplicável ao caso – os arts. art.º 8.º, n.º 4 do DL 76-A/2006 de 29 de março (RJPADLEC), relativamente à instauração do processo e quanto à prolação da decisão final, de acordo com a mesma disposição, aplicável por via do n.º 5, do art.º 11º, também do RJPADLEC, factos notificados através da publicação de aviso, nos termos do n.º 1 do art.º 167º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), resultando dos documentos constantes do processo, que estas notificações foram efetuadas em 15.01.2024 e 27.06.2024.
Também ali se diz que a formalidade prevista no n.º 5, do art. 8.º do RJPADLEC, aplicável diretamente, no momento da instauração do processo, e por força do n.º 5, do art.º 11.º, do RJPADLEC, depois de proferida a decisão final, foi cumprida, como decorre consulta dos elementos juntos ao processo.
Mais concluiu, em face da factualidade resultante dos autos que «a Conservatória do Registo Comercial, ao contrário do que se invoca, cumpriu o disposto nos arts. 8. º e 9. º do RJPADLEC, porquanto, a notificação realiza-se através da publicação de aviso nos termos do art. 167/1 do Código das Sociedades Comerciais, que dê conta de que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente e inclua os elementos indicados no art. 9.º/1. //Como resulta da análise do aviso efectuado no sítio da internet de acesso público https://oublicacoes.ml.pt, a notificação foi efectuada, nos termos supra indicados. Foram enviadas, sob registo de correio, as comunicações previstas no n .º 5, do art. 8.º e no n. º 4, do art. 9.º, do RJPDLEC.// A notificação prevista nos n.s 4 e 8 do art. 8.º, bem como dos n.ºs 1 e 6, do art. 9.º, do RJPDLEC foi efectuada.// A conservatória, ao enviar cartas registadas com aviso de recepção para a sede da sociedade, cumpriu o disposto no n. 5, do já mencionado art. 8. do RJPADLEC, e assegurou à impugnante a possibilidade de intervenção no processo.// Existem avisos de recepção das comunicações enviadas para a sociedade - e as cartas remetidas não foram reclamadas apesar de efectuadas para as moradas constantes do registo.»
Assim concluindo pela não preterição de quaisquer formalidades essenciais.
A sentença recorrida expressa as razões da improcedência do recurso de impugnação, de um modo coerente, justificado e percetível, já que, certo ou errado, deixa bem claro os critérios em que se alicerçou, ou seja, a observância do prescrito nos arts. 8.º, n.º 4, 9º, 11º, n.º5 todos do RJPADLEC e 167º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais para fundamentar de facto e de direito a invocada preterição de formalidades essenciais.
Por assim ser, não enferma a sentença recorrida da nulidade prevista na al. b) do art.º 615º do CPC.
*
I.2
Da nulidade por omissão de pronúncia
Mais alega a recorrente que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronuncia - que se reconduz à previsão da alínea d) do art.º 615º do CPC nos termos da qual é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (…) – porquanto a recorrente sustentou que mantinha, com carácter de permanência e habitual a atividade de compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e que desde o momento da sua constituição e até ao momento presente, sempre efetuou negócios, celebrando contratos promessa de compra e venda, pagamento IMT e IS relativo às aquisições efetuadas, donde a decisão de dissolução escorada na alínea c) do artigo 5.º do RJPADLEC faz uma incorreta subsunção jurídica na mencionada previsão normativa – supostamente pelo não exercício da atividade. Relativamente a tal imputação, a decisão recorrida não teceu qualquer comentário, de modo que parte dos fundamentos convocados pela Recorrente para a impugnação judicial apresentada, não foram alvo de apreciação por banda do Tribunal a quo.
Esta concreta causa de nulidade consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer.
É posição pacífica na doutrina (cf. entre muitos Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, pág.143, Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição pág. 690) a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art.º 608º do CPC, designadamente, com o seu nº 2, havendo, assim, de, por ele, ser integrado. Deste modo, a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Porém, não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cf. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Esta nulidade está, pois, correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”
Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes. A pronúncia cuja omissão releva incide, assim, sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir) e não aos motivos ou às razões alegadas. Não padece, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia a sentença ou o despacho na qual o tribunal não responda, um a um, a todos os argumentos das partes ou que não aprecie questões com conhecimento prejudicado pela solução dada a anterior questão.
Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretende a recorrente.
Para apreciação desta questão revela-se necessária a determinação das regras processuais aplicáveis à impugnação da decisão final do procedimento administrativo de dissolução e liquidação.
A dissolução de uma sociedade comercial, prevista nos artigos 141º a 145º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), opera, como é sabido, a modificação da situação da sociedade provida de personalidade jurídica, sendo um pressuposto para a extinção da sociedade e a primeira fase do processo que conduz a essa extinção.
O seu principal efeito é a entrada imediata da sociedade em liquidação, nos termos previstos no artigo 146º do CSC e artigo 15º RJPADLEC.
Nos termos do disposto no artigo 144º do CSC, o regime do procedimento administrativo de dissolução é regulado em diploma próprio, sendo que, como é sabido, o preceito alude ao regime constante do RJPADLEC, designadamente do disposto nos seus artigos 4.º a 14.º, para a dissolução administrativa voluntária, iniciada através de requerimento, e para a dissolução administrativa oficiosa, iniciada através de auto do conservador do registo comercial - sendo esta última, a situação dos presentes autos.
Trata-se um procedimento administrativo, aplicável apenas a entidades sujeitas a registo comercial (cfr. art.º 2º nº1 do RJPADLEC e 1º nºs 1 e 2 do Código do Registo Comercial - CRC), ou seja, sociedades comerciais, sociedades civis sob forma comercial, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, cuja competência pertence, em exclusivo aos serviços de registo comercial, a decidir pelo Conservador do Registo Comercial, dirigindo-se a finalidade sujeita a registo (dissolução/liquidação).
E, tratando-se de uma decisão de conservador do registo comercial que defere ou indefere um registo (dissolução e/ou registo do encerramento da liquidação – nos termos do art.º 13º do RJPADLEC), tal tramitação é a prevista, em sede geral, para a impugnação das decisões de Conservador no CRC, nos arts. 101º-A e 104º e ss., com as especialidades previstas no RJPADLEC. Este diploma apenas regula a tramitação do próprio procedimento e, no tocante à respetiva impugnação judicial, estabelece o prazo, a legitimidade, a data de propositura e a obrigatoriedade de o tribunal comunicar as decisões definitivas ao serviço de registo – arts. 12º e 25º nº2 do RJPADLEC (cf. o Acórdão desta secção de 27/05/2025, proferido no processo n.º 5058/24.4T8FNC.L1-1, relatora Fátima Reis Silva).
As modalidades de dissolução poderão ser diversas consoante a causa que lhe der origem:
1) causas de dissolução automática, as quais estão previstas no artigo 141º, n.º 1, a) a e) do CSC, atuando por si mesmas, nos termos aí consignados;
2) causas de dissolução administrativa oficiosa e necessária, de acordo com o disposto nos artigos 143.º do CSC e 5.º, a) a e) do RJPADLEC, que “operam por declaração do conservador do registo comercial, em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional”;
3) causas de dissolução administrativa voluntária ou facultativa, sobretudo nos termos dos artigos 142.º, nºs 1 e 2 do CSC e 4.º, n.º 1, a) a f) do RJPADLEC, a qual resulta também de declaração do conservador, mas no seguimento de requerimento pedindo o reconhecimento da causa de dissolução da entidade; e
4) causas de dissolução voluntariamente deliberada, de acordo com o artigo 142.º, nºs 3 e 4 do CSC (cf. Ricardo Costa, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário” (Coord. Coutinho de Abreu), Vol. II, p. 567).
Portanto, o artigo 5.º do RJPADLEC, em conjunto com o artigo 143º do CSC, incide sobre a dissolução administrativa que opera por instauração oficiosa do conservador.
Como se referiu, o mecanismo de dissolução concretamente utilizado na situação dos autos reconduz-se à dissolução administrativa oficiosa, em que é causa da dissolução a declaração do conservador do registo comercial em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional – arts. 143º, al. c) do CSC e 5º, al. c) do RJPADLEC.
Esta dissolução administrativa determinada pelo conservador «veio substituir por princípio a dissolução voluntária determinada pelo tribunal – a anteriormente denominada dissolução judicial (diferida), prevista na redação anterior dos arts. 142º/1 e 144º: esta “desjudicialização” (e correspondente substituição da competência do juiz por um conjunto de poderes atribuídos ao conservador) foi justamente a principal novidade da reforma societária de 2006 (DL 76-A/2006)» (cf. Ricardo Costa, in Ob. Cit., pág. 569.).
As alíneas a) a c) do art.º 143º do CSC e a) a e) do art.º 5º do RJPADLEC constituem causa autónomas de dissolução das sociedades comerciais e bastam-se por si próprias enquanto expressão de uma valoração legislativa conducente à extinção ágil da sociedade em circunstâncias particularmente censuráveis de subsistência da sociedade, tipicamente elencadas na lei (cf. Ricardo Costa, in Ob. Cit., pág. 602).
Neste quadro normativo, o decretamento da dissolução dependia de a Administração Tributária ter comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária.
Com efeito, refere o n.º2 do art.º 34º do CIVA que “(…) pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de atividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial suscetível de a exercer”.
Desta forma, a comunicação da declaração oficiosa da cessação atividade da sociedade pela Administração Tributária constitui causa oficiosa dissolução das sociedades, sendo um ato administrativo individual e concreto praticado pela AT, com base em indícios de que o sujeito passivo cessou efetivamente o exercício da atividade (por exemplo, ausência de faturação, não entrega de declarações periódicas, etc.), decisão que produz efeitos jurídicos diretos sobre a esfera do contribuinte, e que assim sendo, é suscetível de impugnação pelos meios previstos no Código de Procedimento Tributário.
No que contende com o processo administrativo de dissolução da sociedade, competia-lhe, então, nos termos do disposto no art.º 11º do RJPADLEC demonstrar a regularização da situação.
Com efeito, em todos os casos de dissolução administrativa oficiosa, a notificação do conservador efetuada nos termos do art.º 8º, n.º4 do RJPADLEC, integra a menção expressa de ser concedido um prazo de 30 dias para a regularização da situação ou para a demonstração de que a regularização se encontra efetuada ou até para a demonstração, nos casos pertinentes, de que o vicio não existiu. Se a situação for regularizada no prazo concedido, o conservador declarará a extinção do procedimento. (arts. 9, n.º1, al. b) e 2 e 11º, n.º1 do RJPADLEC.
Porém, na pendência do procedimento administrativo nada foi carreado para os autos, seja no sentido da manutenção da sua atividade, seja no sentido de ter impugnado a decisão da AT de declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade (que a ocorrer poderia até justificar a suspensão do procedimento administrativo de dissolução da sociedade – neste sentido ainda que em situação com contornos diversos, mas que julgamos também poder ser aplicável ao caso, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/11/2020, proc. n.º 9667/18.2T8VNG.P1, relator Pedro Damião e Cunha).
A invocação, apenas em sede de recurso para a 1.ª instância e depois da prolação da decisão em sede de procedimento administrativo, que a sociedade mantinha atividade quando está demonstrado aqueloutro fundamento de dissolução, é, pois, irrelevante.
Isso mesmo se concluiu na sentença recorrida ao ali se referir que (…) “Nestes termos, porque o procedimento seguiu a tramitação prevista no RJPADLEC e porque não foi trazida ao processo, pela forma prevista na lei, informação da existência de ativo ou de passivo, nem foi feita prova da regularização da situação que serviu de base à instauração do processo ou recebida qualquer comunicação da AT nesse mesmo sentido. (sublinhado nosso).”
Em conclusão, a sentença não deixou de conhecer questão cuja apreciação houvesse sido sujeita à sua análise, pelo que também não incorreu neste concreto vício formal que a recorrente lhe assaca.
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III. Da Falta de Pressupostos do Encerramento do Procedimento de Dissolução Administrativa.
Defende a recorrente que resultando dos autos e podendo a entidade administrativa aferir de tal circunstância ao abrigo do princípio do inquisitório e da prossecução do interesse público, que a sociedade visada no procedimento de dissolução à data do encerramento do procedimento de dissolução administrativa era detentora/proprietária de 3 imóveis, o procedimento de dissolução administrativa não poderia ter sido encerrado sem que se mostrasse concluída a respetiva liquidação, pelo que, assim tendo decidido, tal decisão mostra-se ilegal decorrente da violação do disposto no nº 4 do artigo 24.º do RJPADLEC.
Como deixamos já antever sobre o ponto I. deste aresto, esta questão em concreto configura questão nova, porquanto não suscitada aquando da interposição de recurso da decisão da entidade administrativa.
Tal como foi definido no requerimento de interposição de recurso da decisão administrativa, à primeira instância apenas foi pedida a revogação da decisão da autoridade administrativa com base em dois fundamentos: por um lado, a preterição das formalidades essenciais, designadamente por não ter sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 8.º, nº 5 do RJPADLEC e, por outro, a ausência de fundamentos de facto e de direito, subsumíveis na previsão normativa do artigo 34.º, nº 2 do CIVA, porquanto, a sociedade ANYFIGURES – UNIPESSOAL, LDA. nunca deixou de exercer a atividade para a qual se encontrava inscrita.
A contender com a questão da inadmissibilidade legal da declaração de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade face ao disposto no art.º 24º, nº 4 do artigo 24.º do RJPADLEC, nada foi referido pela recorrente quanto à propriedade destes três prédios, alegação que surge, posteriormente, em sede de recurso de Apelação.
Ora, os recursos são meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. Os recursos visam modificar apenas as decisões de que se recorre, e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar neles questões que não tenham sido objeto das decisões impugnadas (cf. entre muitos o Acórdão do STJ de 8/10/2020, proferido no processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, relator Ilídio Sacarrão Martins e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8/11/2018, proferido no processo n.º 212/16.5T8PTL.G1, relator Afonso Cabral de Andrade e na doutrina o já citado Manual Dos Recursos Em Processo Civil, Amâncio Ferreira e Abrantes Geraldes, in Recurso em Processo Civil, 2022, pág. 141).
As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição.
Ora, a questão suscitada pela recorrente não faz parte do objeto do processo pois não foi incluída no requerimento de interposição de recurso da decisão administrativa, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida.
É uma nova questão que o recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso.
A única exceção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer.
Não obstante, sempre se diga que o facto de posteriormente à dissolução e encerramento da liquidação se vir a apurar a existência de bens propriedade da sociedade, contrariamente ao invocado pela recorrente, não é fundamento para que haja lugar à revogação da decisão do Conservador.
Apurando-se a existência de bens não partilhados posteriormente ao encerramento da liquidação e à extinção da sociedade, deve ser adotado o procedimento previsto no art.º 164º do CSC que dispõe que verificandose, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie. Prevê-se neste preceito o procedimento a adotar no caso de, após o encerramento da liquidação e após a extinção da sociedade, se vir a constatar a existência de bens não partilhados, não se exigindo que tais bens sejam supervenientes, mas apenas que não hajam sido partilhados (neste sentido Ac. do STJ de 30/07/2017, relator: Cabral Tavares, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt. e desta secção de 28/04/2020, proferido no processo n.º 5787/19.4T8LSB.L1-1, relatora Manuela Espadaneira Lopes).
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IV. Da inconstitucionalidade do art.º 8º nº 4 do RJPADLEC relativamente à instauração do processo e quanto à prolação da decisão final, de acordo com a mesma disposição, aplicável por via do n.º 5, do art.º 11, também do RJPADLEC.
Finalmente defende a apelante a inconstitucionalidade da interpretação normativa que resulta dos artigos 8.º, nº 4 e n.º 5, do art.º 11, RJPADLEC e n.º 1 do art.º 167º do Código das Sociedades Comerciais quando interpretados no sentido de a instauração do processo e quanto à prolação da decisão final ambos os referidos factos são notificados através da publicação de aviso, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsitos no artigo 2.º da CRP.
São os seguintes os fundamentos em que ancora a sua posição: i) tal interpretação é violadora do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, princípios fundamentais do Estado de Direito democrático, dedutíveis do artigo 2.º da CRP; ii) a notificação dos atos decisórios previstos no art.º 8º, n.º4 do RJPADLEC, relativamente à instauração do processo e à prolação da decisão final, aplicável por via do n.º 5, do art.º 11, do mesmo diploma, através da publicação de aviso, nos termos do n.º 1 do art.º 167º do CSC, viola de forma clara o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, atenta a importância que os mesmos encerram, pelo que devem ser diretamente notificados aos visados no procedimento e não, através de uma publicação no site que a maioria dos comuns desconhece.
O nº5 do art.º 11º do RJPADLEC remete integralmente para o art.º 8º, nºs 4, 5 e 7 do mesmo diploma quanto à «forma» de notificação da decisão.
O art.º 8º regula a notificação da sociedade, dos sócios e gerentes para o próprio procedimento, uma vez instaurado, permitindo o exercício do contraditório no seio do mesmo (cf. Acórdão desta secção de 27/05/2025, proc. n.º 5058/24.4T8FNC.L1-1, relatora Fátima Reis Silva).
Quanto à forma da notificação, o legislador regulou-a expressamente pela forma prevista nos nºs 4 e 5 do art.º 8º: «A notificação realiza-se através da publicação de aviso nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do Código das Sociedades Comerciais» e «A realização da publicação prevista no número anterior é comunicada à entidade comercial e aos respectivos membros que constem do registo, por carta registada.»
A lei é clara no sentido de que ambas as notificações - da instauração do procedimento e da decisão proferida, é realizada mediante a publicação do aviso nos termos do nº1 do art.º 167º do CSC e a tanto se aludiu na decisão proferida na primeira instância ao referir que: «(…) conforme decorre do disposto no nº 4 do art.º 8.º, do RJPADLEC, a notificação realiza-se através da publicação de aviso nos termos do art. 167/1 do Código das Sociedades Comerciais, que dê conta de que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente e inclua os elementos indicados no art. 9.º/1.// Como resulta da análise do aviso efectuado no sítio da internet de acesso público https://oublicacoes.ml.pt, a notificação foi efectuada, nos termos supra indicados.// Foram enviadas, sob registo de correio, as comunicações previstas no n .º 5, do art. 8.º e no n. º 4, do art. 9.º, do RJPDLEC.// A notificação prevista nos n.s 4 e 8 do art. 8.º, bem como dos n.ºs 1 e 6, do art. 9.º, do RJPDLEC foi efectuada.// A conservatória, ao enviar cartas registadas com aviso de recepção para a sede da sociedade, cumpriu o disposto no n. 5, do já mencionado art. 8. do RJPADLEC, e assegurou à impugnante a possibilidade de intervenção no processo.// Existem avisos de recepção das comunicações enviadas para a sociedade - e as cartas remetidas não foram reclamadas apesar de efectuadas para as moradas constantes do registo.// Pelo que, improcede a argumentação da impugnante de falta de notificação e consequentemente da regularidade da notificação.»
Afigura-se-nos, pois, que apesar da menção feita em sede de apelação da inconstitucionalidade da interpretação normativa que resulta dos artigos 8.º, nº 4 e n.º 5, do art. 11, RJPADLEC e n.º 1 do art. 167º do Código das Sociedades Comerciais (conclusão XXIX), do teor das restantes conclusões e do corpo da apelação, a crítica de inconstitucionalidade é, em concreto, dirigida ao legislador, por ter adotado soluções que incorporam critérios ou padrões normativos de decisão desprovidos de legitimidade constitucional, porquanto, no entendimento do apelante, tais atos decisórios, pela importância que os mesmos encerram em si, devem ser diretamente notificados aos visados no procedimento e não, através de uma publicação no site que a maioria dos comuns desconhece (conclusão XXVII).
Em suma, o apelante identifica uma questão de constitucionalidade relacionada com o problema da forma da notificação prevista no art.º 8º, n.º4 do RJPADLEC e n.º 1 do art.º 167º do CSC e invoca argumentos para a defesa da respetiva inconstitucionalidade, os quais, pela importância que os mesmos encerram em si devem ser diretamente notificados aos visados no procedimento e não, através de uma publicação no site que a maioria dos comuns desconhece. Assim não sendo, mostra-se violado o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, princípios fundamentais do Estado de direito democrático, dedutíveis do artigo 2.º da CRP.
A critica enunciada na apelação, não surge, pois, diretamente, ao julgador, em virtude de erro de julgamento, nas suas dimensões interpretativa e aplicativa do direito ordinário, à luz de princípios com assento constitucional, tendo como pressuposto assente o julgador da primeira instância aplicou a norma prevista no art.º 167º do CSC por força do disposto nos arts. 8º, n.º4 e 11º, n.º5 do RJPADLEC nos termos do n.º 1 do art. 167º do CSC com repercussão na decisão recorrida.
Isto posto, lê-se no preâmbulo do diploma que aprovou o RJPADLEC que: “Em 3.º lugar, o presente decreto-lei aborda a matéria da dissolução de entidades comerciais, incluindo sociedades comerciais, cooperativas e estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.
Por um lado, é criada uma modalidade de «dissolução e liquidação na hora» para as sociedades comerciais, assim se permitindo que se extingam e liquidem imediatamente, num atendimento presencial único, nas conservatórias de registo comercial, quando determinados pressupostos se verifiquem.
Por outro lado, adopta-se uma modalidade de dissolução e liquidação administrativa e oficiosa de entidades comerciais, por iniciativa do Estado, quando existam indicadores objectivos de que a entidade em causa já não tem actividade embora permaneça juridicamente existente. Esta medida é especialmente relevante tendo em conta o elevado número de sociedades comerciais criadas sem actividade efectiva na economia nacional, pois estima-se que existam dezenas, senão centenas, de milhar de empresas a estar nessas circunstâncias. E essa relevância cresce tendo em conta que um número substancial dessas empresas está nessas condições por estas não terem elevado o seu capital social de 400000$00 para 1000000$00 quando a isso passaram a estar obrigadas. O procedimento administrativo que agora se estabelece evita que todas essas situações, que podem ser dezenas de milhar, originem um processo judicial para cada uma delas, pois atribui a competência para a dissolução e liquidação às conservatórias, sempre com garantia do direito de impugnação judicial (sublinhado nosso).
Finalmente, acolhe-se igualmente um procedimento administrativo da competência da conservatória para os casos legais de dissolução e liquidação de entidades comerciais, a requerimento de sócios e credores da entidade comercial”.
Resulta, pois, evidente que também este diploma é consequência da intenção clara do legislador em simplificar o processo de extinção das sociedades, tornando-o mais célere, num contexto de desjudicialização de determinados atos, na atribuição aos conservadores competências para judiciais – como acontece, por exemplo, nos processos de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais –, sem prejuízo de se salvaguardar o acesso a juízo, garantido pelo art.º 20º, nº1 da CRP, por via da referida possibilidade de impugnação judicial.
Estruturalmente trata-se de um procedimento administrativo sujeito a contraditório. Como se refere no já citado Acórdão desta secção de 27/05/2025: “No que toca às entidades a que este regime é aplicável (cfr. art.º 2º) e seus sócios e representantes, lidamos com entidades sujeitas a registo comercial, em que a sede e os domicílios dos sócios e administradores são elementos obrigatórios e fornecidos pela própria entidade e pelos seus representantes. Têm o dever de manter tal informação atualizada. No fundo trata-se de um corolário do princípio da autorresponsabilização pelos dados fornecidos pelos próprios a um serviço de registos públicos, que serve, entre outras finalidades, precisamente a de permitir a terceiros (tribunais, conservadores, credores, etc.) ter informação institucional sobre uma sociedade comercial”. A única exigência quanto ao regime do art.º 8º é que o expediente por correio registado (com ou sem aviso de receção) seja remetido para a morada certa que conste do registo, não cabendo qualquer apelo a regras mais formais, nomeadamente as regras de citação previstas no CPC.”
Esta notificação, constitui já garantia adicional à notificação através da publicação de aviso, nos termos do 167.º, n.º 1 do CSC, em sítio da internet de acesso público, universal e gratuito (https://publicações.mj.pt - publicitações de Actos Societários e de outras entidades -, que a generalidade dos órgãos societários conhecem, ou deveriam conhecer, tanto mais que atualmente são diversos os casos na nossa legislação em que publicitação das decisões ou notificações ocorrem por essa via) dando conta que os documentos estão disponíveis para consulta no serviço de registo competente.
A segurança jurídica consiste num princípio inerente ao Direito e que supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas de forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem. Trata-se de um princípio deduzido pelo Tribunal Constitucional a partir do princípio do Estado de direito democrático, constante do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa no contexto de uma definição próxima à que foi dada supra (cf. o Acórdão n.º 294/2003 do TC).
A par do próprio artigo 2.º da CRP existe uma dimensão objetiva da segurança jurídica no n.º 4 do artigo 282.º da CRP que alude expressamente ao princípio: os efeitos passados de uma norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral podem ser preservados por decisão do Tribunal Constitucional, nomeadamente por razões de segurança jurídica, na medida que pessoas jurídicas públicas ou privadas tenham, de boa-fé, presumido a validade da norma, construído relações jurídicas e praticado atos à sua sombra. A dimensão subjetiva da segurança jurídica surge conexa com a esfera da proteção de direitos fundamentais: é o caso do n.º 1 do artigo 29.º da CRP (princípio da legalidade penal, envolvendo a proibição de retroatividade da lei penal incriminadora); n.º 3 do artigo 103.º (proibição de criação de impostos retroativos); e n.º 3 do artigo 18.º (interdição de lei restritivas de direitos, liberdades e garantias com efeito retroativo).
Acresce outra dimensão subjetiva da segurança jurídica que o Tribunal Constitucional retira do princípio do Estado de direito democrático que é a do princípio da proteção da confiança (Acórdãos n.ºs 287/90 e 188/2009 do TC), que censura alterações súbitas, arbitrárias e altamente gravosas de normas em cuja continuidade os cidadãos tenham depositado expectativas legítimas que tenham sido alimentadas pelos poderes públicos.
Como já referido, o DL n.º 76-A/2006, de 29 de março, resulta da intenção expressa do legislador em simplificar e agilizar o processo de extinção das sociedades, inserindo-se num contexto de desjudicialização de determinados atos e de atribuição aos conservadores de competências de natureza parajudicial, à semelhança do que ocorreu noutros institutos.
Concluímos pois que: i) pretendendo o legislador, com a intenção assinalada no preâmbulo do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, passar a poder dissolver e liquidar oficiosamente entidades comerciais sem atividade, com base em indicadores objetivos, medida cuja intenção foi a de responder ao elevado número de empresas juridicamente existentes mas sem atividade efetiva, muitas das quais não aumentaram o capital social exigido por lei, assim evitando a abertura de milhares de processos judiciais, atribuindo às conservatórias a competência para a dissolução e liquidação, mas garantindo contudo o direito de impugnação judicial, mediante o recurso a um procedimento administrativo simplificado; ii) tratando-se de procedimento que é destinado a entidades sujeitas a registo comercial obrigatório e sujeitas ao dever de veracidade e atualização da informação prestadas e por isso, subordinados também eles ao Principio da Autoresponsabilização; iii) e que este regime afirma a tutela jurisdicional efetiva dos atingidos com a decisão quer do ponto de vista formal, como se viu, assegurando uma garantia adicional ao conhecimento e publicitação das notificações, quer do ponto de vista material, assegurando a tutela jurisdicional efetiva com a garantia do direito de impugnação judicial, não ocorre por via do regime consagrado nos arts. 8º, n.º4 e 11º, n.º5 e 167º do CSC qualquer ofensa ao princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança do cidadão.
Consequentemente, improcede a arguição de inconstitucionalidade bem como as alegações de recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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IV – Decisão
Em conformidade com o exposto, decide-se pela improcedência do recurso, com consequente manutenção da sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.

Lisboa, 25 de novembro de 2025
Susana Santos Silva
Amélia Sofia Rebelo
Isabel Brás Fonseca