Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1111/12.5TMLSB-B.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: PENHORA DE SALDO BANCÁRIO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
DEVEDOR DE CRÉDITO PENHORADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O objecto da penhora não é a conta do executado, isto é, a universalidade de posições activas que compõem a sua posição contratual perante o banco, mas o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário. Por isso, a penhora do saldo bancário é uma penhora do saldo presente.

II – Com a redacção dada ao nº 4 do art 860º ACPC o legislador do DL 38/2003 tomou posição relativamente à querela de saber se o devedor podia elidir o reconhecimento da dívida decorrente do seu silêncio na execução, fazendo-o na oposição à execução que lhe mova o exequente naquela, entendendo que podia, apenas lhe atribuindo responsabilidade pelos danos que causou ao exequente – nestes podendo-se incluir as custas dessa execução - desde que este faça valer tal indemnização na contestação da oposição à execução.

III - Se o credor – exequente – se subrogava no crédito do executado sobre a instituição bancária – como decorria da aplicação do nº 3 do art 860º ACPC à penhora de saldos bancários - necessariamente que a «prestação» que o exequente dele podia exigir haveria de corresponder ao valor concreto do crédito desta sobre o executado que, por isso, equivaleria ao montante do saldo bancário existente, nada tendo a ver com a divida exequenda na execução em que ocorreu a penhora.

IV - O NCPC no seu art 780º/1 já não remete o regime da penhora de depósitos bancários para o regime geral da penhora de créditos, mas somente para o regime do art 417º/1 NCPC que rege a respeito do dever de cooperação para a descoberta da verdade.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - A, Sociedade Aberta, sendo executado no processo de execução comum que B e C lhe move ao abrigo do art. 861-A/8 do CPC para cobrança da quantia de 17.805,40 €, veio deduzir oposição, invocando que respondeu a 12/9/2012 à notificação que lhe foi dirigida em 7/9/2012 pelo Sr. solicitador da execução para penhora de saldos bancários e, portanto, que o fez atempadamente, mais referindo que a conta em causa se apresentava com saldo negativo àquela data.

 A exequente/oposta contestou, pugnando pela improcedência da oposição, mantendo que o oponente não respondeu à notificação no prazo legal.

Proferido despacho saneador, no qual foi dispensada a selecção da matéria e, realizado subsequentemente julgamento, foi proferida sentença que julgou a oposição à execução procedente.

II – Do assim decidido, apelou a exequente concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:

1- Por acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado a 16/11/2007, pelo Sr. Conservador do Registo Civil, por estabelecido, nomeadamente que, o progenitor pagaria para cada uma das duas filhas, Caetana e Francisca, a quantia de 1.050€ mensais, Guantia atualizável anualmente em janeiro, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE.

2 - A progenitora intentou execução especial por alimentos contra o progenitor, alegando a dívida de 12.529,90€ de prestação de alimentos a favor das menores.

3 - Na execução foi deferido o pedido de penhora de saldos bancários, por despacho de 4/7/2012.

4 - O agente da execução dirigiu notificação ao A, para penhora de quaisquer contas ou depósitos bancários, bem assim outros valores mobiliários, escriturais ou titulados, integrados em sistema centralizado, registados ou depositados, pertencentes a Francisco ….

5 - A notificação datada de 2/8/2012, foi expedida nos primeiros dias de setembro, por carta registada.

6 - A notificação foi recebida pelo A, a 07/09/2012.

7 - A conta titulada por Francisco ... no A, com o n° ..., à data de 31/8/2012, apresentava o saldo negativo de - 24,15€ e a 10/9/2012 o de -26,15€, não havendo outros movimentos entre estas datas.

8 - A 16/1/2013, a progenitora intentou execução contra o A., no valor de 17.808,40€, alegando que o A foi regularmente notificado pelo Sr. agente de execução, em 7/92012, para proceder à penhora de saldos bancários em nome do executado Francisco ... (progenitor das menores) e nada disse, reconhecendo a dívida.

9 - O A, não respondeu à notificação do Sr. agente da execução por carta, a 12/9/2012, enviada para a morada do Sr. solicitador da execução e que não foi devolvida.

10- Perante os extractos juntos pelo próprio executado A, o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que, o executado Francisco ..., apresentava os saldos descritos nas identificadas datas, concretamente que:

11 - Em 29.11.2012, dispunha de um saldo positivo de Euros 3995.68. em 03.01.2013 dispunha de um saldo positivo de Euros 1200, em 19.02.2013 dispunha de um saldo positivo de Euros 918, em 08.04.2013 dispunha de um saldo de Euros 1839,35.

12 - Ao ter julgado a oposição procedente, como julgou, nas apontadas circunstâncias, o Tribunal recorrido violou o disposto no art 856 n° 3 do CPC, na versão em vigor à data da notificação do executado A pelo agente de execução (12.09.2012);

13 - Como bem refere a Sentença recorrida "Uma vez notificada, deve a entidade informar o agente da execução sobre a existência ou não do crédito. Pois caso nada diga, ao abrigo do n° 3 do art. 856° do CPC (atual art. 773°, n ° 4 do CPC, na versão conferida pela Lei n ° 41/2013, de 26 de junho), entende-se que reconhece a existência da obrigação, nos precisos termos da indicação do crédito à penhora."

14 - No caso vertente, o silêncio do A deveria ter sido interpretado como reconhecimento da existência da obrigação, nos precisos termos da indicação do crédito à penhora e não do saldo bancário do executado à data da notificação para penhora.

15 - A redacção do disposto no n.° 3 do art 856º do CPC, ao estabelecer uma sanção, destinou-se precisamente a facilitar a cobrança do crédito, mediante a "reversão" enquanto consequência pela falta de resposta.

16 - Se o legislador tivesse acolhido a tese sufragada pela decisão recorrida, teria dito expressamente que, a falta de resposta pelos bancos no prazo legal fixado, faz presumir a inexistência de saldo, ou até que, o depositário responde apenas pelo limite do saldo existente.

17 - Numa redacção simples e objectiva, o legislador estabeleceu um comando, um prazo e uma sanção, sem condicionar a aplicação desta à existência de qualquer outro pressuposto: concretamente, a existência ou inexistência de saldo positivo.

18 - A simples omissão, é qualificada pelo legislador, como reconhecimento do crédito, ao seu todo e nunca no limite do saldo bancário existente.

19 -Demonstrando-se que, posteriormente à notificação de 12.09.2012, o executado Francisco ... apresentou saldos penhoráveis e que, tal facto não mereceu qualquer cuidado por parte do executado A, nem no sentido de alertar os autos ou até o agente de execução, demonstram urna total indiferença pelos comandos legais e pelos agentes da justiça, particularmente para com os Tribunais e com todos quantos recorrem à justiça para fazer os seus direitos, como é o caso da exequente.

20 - Manter a decisão recorrida, implicará premiar todos quantas (como os Bancos, tendo estruturas profissionais montadas para responder (com remuneração legalmente fixada 1/10 Uc), nada fazem, por saberem que nada lhes vai acontecer.

21 - Ao ter decidido como decidiu que, o A não é responsável pela quantia peticionada na execução, ou seja, de 17.805,40€, mas apenas pelo valor que o devedor (progenitor dos menores) detinha na conta bancária em causa à data de 7/9/2009." o Tribunal recorrido interpretou o disposto no art 856º n.° 4 do CPC, em violação do P. da Confiança e do acesso ao direito, ao retirar coercibilidade ao dito comando ordinário, deixando credores como a exequente, sem nunca  saberem se podem ou não demnadar os bancos, por não terem acesso aos respectivos saldos.

A oponente apresentou contra alegações nelas defendendo a manutenção do decidido.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) Por acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado a 16/11/2007, pelo Sr. Conservador do Registo Civil, por estabelecido, nomeadamente que, o progenitor pagaria para cada uma das duas filhas, Caetana e Francisca ..., a quantia de 1.050€ mensais, quantia atualizável anualmente em Janeiro, de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE.

2) Mais acordaram que, daquele valor, 350€ seriam devidos a título de comparticipação no pagamento da empregada doméstica, valor que cessaria ou se reduziria numa nas seguintes circunstâncias que enunciaram nas als. a) e b) da cláusula 10ª daquele acordo.

3) A progenitora intentou execução especial por alimentos contra o progenitor, alegando a dívida de 12.529,90€ de prestação de alimentos a favor das menores.

4) Na execução foi deferido o pedido de penhora de saldos bancários, por despacho de 4/7/2012.

5) O agente da execução dirigiu notificação ao A, para penhora de quaisquer contas ou depósitos bancários, bem assim outros valores mobiliários, escriturais ou titulados, integrados em sistema centralizado, registados ou depositados, pertencentes a Francisco ....

6) A notificação tem aposta a data de 2/8/2012, foi expedida nos primeiros dias de setembro, por carta registada.

7) A notificação foi recebida pelo A, a 7/9/2012.

8) A conta titulada por Francisco ... no A, com o nº ..., à data de 31/8/2012, apresentava o saldo negativo de -24,15€ e a 10/9/2012 o de -26,15€, não havendo outros movimentos entre estas datas.

9) A 16/1/2013, a progenitora intentou execução contra o A, no valor de 17.808,40€, alegando que o A foi regularmente notificado pelo Sr. agente de execução, em 7/9/2012, para proceder à penhora de saldos bancários em nome do executado Francisco ... (progenitor das menores) e nada disse, reconhecendo a dívida.

10) O A foi citado a 12/4/2013, enquanto executado na execução comum intentada pela progenitora das menores.

11) A 29/4/2013, o A veio deduzir oposição à execução movida pela exequente.

12) Por telefone e correio eletrónico, em 9/11/2012, uma funcionária do escritório do Sr. agente de execução solicitou ao A resposta à notificação referida em 5º e 6º.

13) O A respondeu por correio eletrónico a 9/11/2012, enviando cópia de carta, datada de 12/9/2012.

IV – As conclusões das alegações colocam para apreciação saber se o silêncio da instituição bancária notificada para penhora de quaisquer contas do executado nos termos e para o efeito dos nº 1 e 2 do art 856º ACPC, tinha como consequência/sanção, em função do disposto no nº 3 dessa disposição, o inilidível reconhecimento da sua responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda e, porque assim fosse, se o tribunal a quo deveria ter dado como provados os subsequentes saldos positivos registados na conta bancária em questão.

Cabe, em primeiro lugar, definir o regime legal aplicável à situação fáctica em causa nos autos.

Questão que no caso se mostra pacífica, desde o momento em que, desconhecendo-se embora a data da propositura da execução (especial por alimentos) de que emergiu a penhora do saldo bancário em referência, se sabe de fonte segura - em função do nº de processo, como também da data da homologação do acordo de regulação das responsabilidades parentais que deu origem a essa execução - que foi intentada após a entrada em vigor do DL 38/2003 de 8/3, pelo que será indiscutivelmente aplicável o regime processual decorrente para matéria em questão deste diploma legal e não já o regime anterior ao mesmo.

Esta certeza referente ao regime processual aplicável dispensa-nos de tomar posição na questão - também ela, desde logo, não pacífica - de saber se a execução contra o terceiro devedor que nasce do titulo judicial impróprio que decorre do seu  silêncio na execução após a notificação a que se referem o nº 1 e 2 do mencionado art 856º, constitui, ou não, uma execução autónoma daquela de que emerge. É que, quando se não partilhe o entendimento de que se trata de uma execução autónoma – mas antes, o de que se está na presença de um  processo executivo incidental, instrumental da execução principal - o regime legal aplicável à totalidade das consequências daquele silêncio será o vigente à data da interposição da execução em que teve lugar a penhora, implicando decorrentemente que, quando esta seja anterior na sua propositura à entrada em vigor da Reforma da acção executiva a que se refere o DL 38/2003, se aplique igualmente à execução instrumental o regime anterior a esta reforma [1], diferente do desta em aspectos fundamentais.

Por outro lado, desde que a execução (dita principal) foi instaurada em 2012 – como decorre do respectivo nº de processo - ter-se-á que ter como referência a redacção do art 861º-A ACPC dada pelo DL 52/2011 de 13/4 a respeito da penhora de depósitos bancários.

Vejamos o que dela resulta com interesse para o que está em apreciação:

Logo no nº 1 diz-se que «a penhora que incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebe-lo é feita, preferentemente, por comunicação electrónica (…) aplicando-se as regras referentes à penhora de créditos, com as especialidades constantes dos números seguintes». No seu nº 3 diz-se que «quando não seja possível identificar adequadamente a conta bancária é penhorada a parte do executado nos saldos de todos os depósitos existentes na instituição (…)  até ao limite estabelecido no nº 3 do art 821º». No nº 6 que, «a notificação é feita directamente à instituição de crédito, com a menção expressa de que o saldo existente (…) até ao limite estabelecido  no nº 3 do art 821º, fica cativo desde a data da notificação  e,  sem prejuízo do disposto no nº 10 , só pode ser movimentado pelo agente de execução». No nº 8 que, «a entidade notificada deve, no prazo de 10 dias, comunicar ao agente de execução o montante dos saldos existentes ou a inexistência de conta ou saldo, comunicando, seguidamente ao executado, a penhora efectuada». No  nº 10, que «o saldo penhorado pode, porém, ser afectado, quer em beneficio, quer em prejuízo do exequente, em consequência de: a) Operações de crédito decorrentes do lançamento de valores anteriormente entregues e ainda não creditados na conta à data da penhora; b) Operações de debito decorrentes da apresentação a pagamento, em data anterior à penhora, de cheques ou realização de pagamentos ou levantamentos cujas importâncias hajam sido efectivamente creditadas aos respectivos beneficiários em data anterior à penhora». E do nº 11, que «sem prejuízo do disposto no número anterior, a instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da notificação e fornece ao agente de execução extracto onde constem todas as operações que afectem os depósitos penhorados após a realização da penhora».

Desta norma, na parte que se reproduziu, resultam logo duas conclusões importantes para as questões em apreço:

A primeira, a de que se aplicava à penhora de depósitos bancários as regras referentes à penhora de créditos (embora com as especialidades constantes desse art 861º-A).

A segunda, a de que, o que é penhorado é o valor do saldo constante do depósito (ou em todos) os depósitos existentes na instituição bancária notificada, na precisa data em que ocorra essa notificação – por isso, a instituição é responsável pelos saldos bancários nela existentes à data da notificação. O mesmo é dizer, pelo valor concreto desse saldo nessa data, saldo esse que, podendo não ser o real em virtude de se mostrarem pendentes a essa data operações de crédito ou débito, como se refere nas al a) e b) do nº 10 acima transcrito, será subsequentemente corrigido, quer em beneficio, quer em prejuízo do exequente, correcções cuja exactidão o agente de execução pode controlar, na medida em que o banco lhe fornece(rá) extracto onde constem todas as operações que afectem os depósitos penhorados após a realização da penhora.

Só a determinação numa data fixa do valor penhorado permite, como é evidente, que se possa ter como ineficaz perante o exequente qualquer alteração do saldo penhorado, seja por acção do titular, seja por acção da instituição bancária   - neste caso fora das situações acima referidas de movimentos pendentes – como decorre dos arts 819º e 820º CPC: «Actos posteriores, do executado ou do terceiro devedor, que contendam com a existência do credito e a sua conformação – limitando o respectivo direito ou extinguindo-o por causa dependente da sua vontade – são inoponíveis à execução ( art 819º e 820º CPC)» [2].

Donde se concluirá que, no caso dos autos, o que seria penhorado seria o concreto saldo da conta do executado à data do recebimento pela instituição bancária aqui oponente da notificação ou comunicação electrónica com que foi efectuada a penhora. 

È evidente que a penhora desse concreto saldo só ocorreria até ao montante do limite da penhora (previamente calculado pelo agente da execução  de acordo com o nº 3 do art 821º, cfr nº 7 al b) -  no caso do mesmo- o referido saldo – se mostrar superior a esse limite.

Esta conclusão, de que a penhora de depósitos bancários tem lugar na precisa data da notificação da instituição bancária deles devedora já era acentuada muito antes dos dizeres mais pormenorizados da norma acima referida. 

Assim no Ac RC 20/11/2007 [3] refere-se: «Nos termos do art 856º/1 do CPC a penhora de créditos consuma-se com a notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal de execução»; no Ac do mesmo tribunal 8/11/2005 [4] diz-se: «Resulta assim do texto da lei, que se efectua a penhora de créditos por meio de notificação ao devedor e que ela fica feita logo que se proceda a essa notificação». Aliás, o Ac STJ 26/5/1994 [5] refere a respeito do momento da efectivação da penhora de créditos: «A penhora de créditos considera-se efectuada no momento em que o devedor é notificado de que o crédito fica à ordem do tribunal e não depois de produzir as declarações que tiver por convenientes e ter procedido ao depósito», citando doutrina vária a este respeito, designadamente Lopes Cardoso[6] quando diz, «é logo após a notificação que se produz o efeito essencial da penhora do crédito, isto é, que o crédito fica à ordem do tribunal e o devedor do executado deixa de poder pagar a este, e no caso de pagar, não ficará exonerado da dívida».

O que sucede, desde logo, como o refere Rui Pinto, porque «o objecto da penhora não é a conta do executado, isto é, a universalidade de posições activas que compõem a sua posição contratual perante o banco. O objecto é o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário». [7]

E afirma ainda muito expressivamente este autor [8]Os movimentos a favor da conta mas posteriores à penhora não relevam para o saldo que ficou indicado no auto de penhora. Isto significa que a penhora do saldo está temporalmente limitada a uma data – é uma penhora do saldo presente  - e que só pode ser alargada  mediante reforço da penhora  ao abrigo do art 834º/3 al b) CPC  - 751/4 al b) NCPC (“quando seja ou se torne manifesta a insuficiência dos bens (isto é, saldos) penhorados”)».

Nada mais claro para excluir, a qualquer luz, a pretensão da apelante no sentido de ver adicionada à matéria de facto a existência de saldos (positivos) da conta bancária do executado em datas, várias, subsequentes à da penhora[9].

A existência desses saldos positivos é facto não pertinente para o mérito destes autos. Trata-se de factos – esses concretos saldos positivos – não alegados, que, ainda que se pudesse dizer que tinham advindo da instrução da causa e que podendo configurar-se como complementares poderiam ainda ser considerados à luz do art 5º/2 b) NCPC – são factos totalmente irrelevantes para a decisão da causa, pelo motivo acima referido: a penhora de saldo bancário é uma penhora do saldo presente.

Na lógica argumentativa da apelante esta pretensão de alargamento da matéria de facto provada aos referidos saldos positivos, resulta da circunstância de entender que a execução em causa nestes autos – a que move à instituição bancária silente nos termos da al b) do art 856º ACPC - se destina ao pagamento, não do concreto valor que apresentasse o saldo da conta bancária em causa em 7/9/2012, mas da quantia sobre a qual incidia a penhora, isto é, o montante necessário ao pagamento da divida exequenda e das despesas da execução, nos termos do art 821º/3.

E este entendimento é, por sua vez, corolário do de que o silêncio da entidade bancária no prazo que lhe foi atribuído nos termos desse nº 2 do art 856º, tinha, necessária e inilidivelmente que ser interpretado como reconhecimento da dívida exequenda. 

Para a análise destas questões, importa ter presente que, como acima já se fez notar, decorria do art 861ºA/1 ACPC o principio de que de que se aplicava à penhora de depósitos bancários as regras referentes à penhora de créditos, consequentemente, a dos arts 856º e ss CPC.

Pelo que, nada sendo referido nessa norma sobre o silêncio da instituição bancária notificada, as consequências desse silêncio, ter-se-iam de encontrar – segundo a maioria entendia - no disposto no nº 4 deste 856º e, consequentemente, nada informando a mesma ao agente de execução  a respeito do montante dos saldos existentes ou da inexistência de conta ou de saldo nos termos do acima referido nº 8 desse art 861-A – «entende(r-se-ia) que ele reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do credito à penhora».

Sendo que o art 860º/3 ACPC referia que «não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente (…) exigir a prestação, servindo de título executivo (…) a notificação efectuada e a falta de declaração (…)»

Portanto, servindo-se de um título executivo complexo, decorrente da junção da notificação efectuada, acompanhada do termo no processo de falta de declaração quando, como é o caso que nos interessa, o reconhecimento houvesse resultado da não contestação.

Antes da vigência do DL 38/2003 a jurisprudência dividiu-se significativamente a respeito da admissibilidade do devedor notificado nos termos nº 1 do art 856º ACPC que se mantivesse inerte na execução, poder, em oposição à execução (ou antes da existência legal desta, em embargos de executado), ou, até, em oposição à própria penhora, vir impugnar a existência do crédito, questionando-se pois, o âmbito do reconhecimento a que aludia o nº 2 dessa norma.

 Para quem admitia que fora da execução o devedor podia impugnar a existência do crédito, necessário era que admitisse que o reconhecimento tácito da obrigação «nos precisos termos em que foi indicada à penhora» - nº 4 do art 856º -  sendo um efeito cominatório pleno da omissão de pronúncia sobre o crédito, valia apenas para efeito daquele concreto processo executivo.

 O que significava não haver «nenhum valor de caso julgado» [10], «mas um valor de preclusão, ou seja, de caducidade do direito de defesa quanto a uma questão concreta  no processo em questão», podendo «o debitor debitoris sempre invocar em outra acção a inexistência do crédito ou alegar contra ele qualquer excepção».

Apesar de dividida a jurisprudência, pode bem dizer-se que a maioritária secundava este entendimento[11] .

 Assim, entre muitos outros, lia-se no Ac RP 1/3/2005 [12]: «A cominação do nº 3 do art 856º CPC não pode ser encarada como um reconhecimento inabalável, fundado numa presunção “júris et de jure” decorrente de um cominatório pleno ou semipleno como o existente entre partes processuais. A redacção da disposição citada teve apenas em mente estabelecer uma presunção júris tantum como sanção para o terceiro que não quis aproveitar o momento próprio para declarar que a divida existia (…)»

Não obstante a questão ser irrelevante nos presentes autos, como melhor se verá, sempre se dirá que este se afigurava como o melhor entendimento perante a não qualidade de parte do terceiro devedor [13] e a sua consequente mera qualidade de «colaborador compulsório da execução». [14]   

A omissão de colaboração por parte deste terceiro devedor que tivesse optado na execução por nada dizer, levando o exequente a crer que reconhecia a obrigação, implicava, não apenas a inversão do ónus da prova em seu desfavor -  pois que tinha que provar a inexistência da obrigação na execução que lhe fosse intentada pelo exequente - mas, segundo se crê, também o pagamento das custas dessa execução, pois que, na verdade, fora quem, com o seu silêncio no momento e no lugar próprios, tinha acabado por dar causa a uma execução.

O exequente que executa título executivo nos termos do art 856º/3 e 860º/1 ACPC – arts 773º e 777º NCPC - não deverá, em princípio, ser onerado com as custas da execução porque foi o silêncio, a inacção, do executado que deu azo à acção executiva.

 A questão irreleva porém para os presentes autos, como acima se mencionou, na medida em que o DL 38/2003 de 8/3- aqui aplicável, como se viu - conferiu nova redacção ao nº 4 do art 860º, dizendo: «Verificando-se, em oposição à execução, no caso do nº 4 do art 856º, que o crédito não existia, o devedor responde pelos danos causados, nos termos gerias, liquidando-se a sua responsabilidade na própria oposição, quando o exequente faça valer na contestação o direito à indemnização».

 Quer dizer que o legislador veio tomar posição na querela acima referida, fazendo-o em função do entendimento – prevalecente - do devedor poder ilidir o reconhecimento da dívida em oposição à execução, atribuindo-se-lhe responsabilidade pelos danos que causou ao exequente – nestes podendo, decerto, incluir-se também as custas dessa execução -  desde que este faça valer tal indemnização na contestação da oposição à execução» [15]

Consequentemente, na situação dos autos, ao contrário do que o sustenta a apelante, era possível à aqui apelada defender-se na presente execução provando – como provou - que à data da penhora – 7/9/2012 -  não existia saldo na conta do executado, motivo pela qual, por falta de objecto, a penhora tem que ficar sem efeito.

Também o ponto de vista da aqui apelante no sentido de que em função do disposto no nº 4 do art 856º CPC a execução por ela interposta se destinaria ao pagamento pela instituição bancária silente do valor exequendo nos termos do nº 3 do art 821º ACPC seria em absoluto de rejeitar.

A propósito do art 860º/4 ACPC diz Rui Pinto [16]: «Materialmente está-se perante uma sub-rogação do credor ao devedor» [17].[18]

Se o credor – exequente – se subroga no crédito do executado sobre a instituição bancária, necessariamente que a «prestação» que o exequente dela pode exigir há-de corresponder ao valor concreto do crédito desta sobre o executado, que por isso tem de equivaler ao montante do saldo existente, nada tendo a ver, pois, com a divida exequenda na execução em que ocorreu a penhora [19] .

A confusão em que incorre a aqui apelante a respeito do valor da prestação a que alude o art 856º/4, decorre da circunstância de, em rigor, o preceituado nessa norma nunca se dever ter tido como aplicável à penhora de saldos bancários em que o exequente não definisse, à partida, o seu montante, como aliás é vulgar.

È que, o que, as mais das vezes, sucede na penhora de saldos bancários, é que, o exequente pretendendo a respectiva penhora desconhece se o executado tem conta naquela instituição bancária e, na afirmativa, se a mesma tem saldo e o respectivo montante.

Ora, na imprecisão destes «termos de indicação do crédito à penhora» - cfr parte final do nº 4 do art 856º - sempre seria muito difícil configurar, para efeitos do referido nº 3 do art 860º, o «montante da prestação»[20].

 A verdade é que na doutrina havia já quem negasse a aplicabilidade do art 860º/3 à penhora de saldos bancários [21], referindo que o regime geral do art 856º pressupunha a indicação precisa do crédito a penhorar.

Foi, certamente, em função das dificuldades decorrentes da articulação entre a falta, vulgar, de indicação precisa do crédito a penhorar na penhora de saldos bancários – em face da qual sempre se poderia dizer que o respectivo objecto não está determinado no momento da notificação -  e a consequência estatuída no art 860º/3 – [22] que o NCPC terá optado, no respectivo art 780º/1 CPC, em não remeter o regime da penhora de depósitos bancários para o regime geral da penhora de créditos,  mas somente para o regime do art 417º/1 NCPC.

  Com efeito, diz hoje o nº 1 dessa disposição legal: «A penhora que incida sobre deposito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo é feita por comunicação electrónica realizada pelo agente de execução às instituições legalmente autorizadas  a receber depósitos nas quais o executado disponha de conta aberta, com expressa menção do processo, aplicando-se o disposto nos números seguintes e no nº 1 do art 417º» (que rege a respeito do dever de cooperação para a descoberta da verdade).

Portanto, como reflecte Rui Pinto[23], «consagrou-se solução mais restrita, propugnada, nomeadamente por Januário da Costa Gomes, o que significa que se impõe ás entidades bancárias o cumprimento do dever de cooperação para a descoberta da verdade, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados, redundando a violação deste «importante dever processual  na litigância de ma fé  nos termos do art 542º/2 c) NCPC, com eventual condenação em multa e indemnização à parte contrária».

 Deste modo, haverá de concluir-se que em aspecto algum assiste razão à apelante, devendo, por isso, improceder a apelação.

V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 2 de Outubro de 2014
 Maria Teresa Albuquerque
José Maria Sousa Pinto

 Jorge Vilaça   

[1]  - Com muito interesse a respeito desta questão, cfr Ac RC 20/11/2007 (Jorge Arcanjo)

[2]-  Cfr Ac STJ 4/10/2007 (Santos Bernardino)
[3]-  Jorge Arcanjo, in www dgsi pt
[4]-  Marques Castilho, in www dgsi pt
[5] - CJ/STJ  II- 120/121
[6]»Manual da Acção Executiva»,  p446,  nota 1
[7] - Rui Pinto, «Manual da Execução e Despejo»  p 639
[8]  - Obra citada, p 641

[9] - Lembre-se que a apelante pretende que se adite à matéria de facto provada,  o facto – extraível dos extractos bancários do executado, de que o mesmo  em 29.11.2012, dispunha de um saldo positivo de Euros 3.995.68,  em 03.01.2013 dispunha de um saldo positivo de Euros 1200, em 19.02.2013 dispunha de um saldo positivo de Euros 918, em 08.04.2013 dispunha de um saldo de Euros 1.839,35.

[10] - Rui Pinto, obra citada, 623
[11] - Assim Ac STJ 24/3/2004, 7/10/2004, 1/3/2005 (Mario Cruz), 4/10/2007 (Santos Bernardino),  RP 18/11/2008, RC 20/11/2007 (Jorge Arcanjo), RL 23/11/2011 (Esaguy Martins) 12/5/2011 (Ondina Alves)
Em sentido contrario, Ac STJ 24/3/2004 (Ferreira de Almeida), Ac STJ 4/10/2007, Ac RP 2/5/2013 (Deolinda Varão), Ac RP 18/11/2008 (João Proença)
[12] - Mário Cruz, in www dgsi pt
[13]  - A respeito desta não qualidade d e parte, cfr Ac STJ 4/10/2007 (Santos Bernardino)  e o estudo de Lebre de Freitas em que se apoia,  «O silêncio do terceiro devedor», ROA, ano 62, Abril 2002,  p 386 e ss
[14] - Assim é designado no AC RL 12/5/2011 (Ondina Alves).
[15] - A respeito deste direito à indemnização refere Rui Pinto, obra citada,628: «Este direito de indemnização pode ser alegado pelo exequente na contestação àquela oposição - cfr art 817º/2 – vindo a ser liquidado nessa execução. Esta possibilidade configura um único caso de reconvenção na oposição à execução, porque esta não admite, em regra, tal atitude processual»
[16] - Obra citada, p 626

[17] - Acrescentando, na sequência do entendimento de Lebre de Freitas, «Acção Executiva», 253 nota 19- «O executado deverá ser citado para constituir litisconsórcio activo com o exequente, em razão do caso julgado ter de abranger também este».
[18] - Repare-se que hoje no NCPC o art 776º/2 2ª parte se refere especificamente à subrogação.

[19] - Cfr Ac STJ 15/6/1999[19] que referia: «A cominação para a falta de declaração do devedor  só pode respeitar ao saldo que efectivamente exista  no momento da notificação devendo a instituição bancária informar se o valor do deposito for inferior ao valor certo mandado penhorar».

Ac RL 27/5/2007 (Cristina Coelho): «Ao exequente é licito exigir a prestação – a prestação em que a entidade patronal é faltosa e só essa - não se confundindo a mesma com a prestação em divida pelo executado e objecto da execução;

Ac RP 8/11/2005, «O titulo executivo seria sempre limitado, quanto ao embargante, pelo saldo da quantia depositada no dia da notificação da penhora ou seja no caso em apreço, igual a 0,25 €»

[20] - Compreendendo-se, neste contexto, que à falta de outro valor, o exequente para intentar a acção executiva relativamente ao devedor inadimplente nos termos do art 860º/1, lhe faça corresponder o valor a que se refere o nº 3 do art 821º ACPC.
[21] - Assim, Januário da Costa Gomes, «Penhora de Direitos de Credito, Breves Notas», TH4/VII (2003)105- 132

[22] – Será a dificuldade referida que o Ac STJ 13/3/2003 (Oliveira Barros) e apesar de nele não estar em causa a penhora de saldos bancários,  reflecte, ao referir: «Resulta em tais termos inarredável conclusão do acórdão impugnado de que a agravante não dispõe, ao fim e ao cabo, de titulo executivo em que se mostre determinado o credito exequendo, e que permita concluir pela certeza, exigibilidade e liquidez desse credito como tudo  a lei de processo exige, conforme arts 802º e 813º/ al e)»
[23] - Obra citada, p 646