Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10079/2006-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: ALIMENTOS
MENORIDADE
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/29/2006
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Deve ser fixada prestação de alimentos a favor do menor mesmo nos casos em que não se apurou se o progenitor tem rendimentos que lhe permitam prestar alimentos.
II- O Tribunal, para o efeito, recorrerá à equidade (artigos 69.º da Constituição da República, artigos 1874.º, 2003.º, 2004.º do Código Civil)

(SC)
Decisão Texto Integral: Tendo em consideração que a decisão proferir não reveste grande complexidade e que neste Tribunal têm sido proferidas decisões no sentido que irei defender, entendo que posso conhecer deste recurso no termos do artigo 705º do CPC.

O Ministério Público, em representação do menor E.[…], nascido em 17-04-1990,  intentou a presente acção de regulação do exercício do poder paternal contra seus pais, D.[…], residente […] Brasil e M. residente […] Alemanha ou […] em Viseu.

Alegou, em síntese, que os requeridos são pais do menor e estão divorciados um do outro estando este a residir com a mãe.

Citados os requeridos, não foi possível obter o acordo dos pais em virtude da ausência de ambos, os quais, à data da conferência, estavam ausentes do país.

O pai do menor apresentou requerimento dando conhecimento de que reside no Brasil e que o seu filho está à guarda e cuidados da mãe.

Em virtude do pai residir no Brasil e a mãe na Alemanha, não foi determinada a realização dos legais inquéritos.

Após a “conferência de pais” a que ambos os progenitores faltaram, foram dados como provados os seguintes factos:
a) M.[…]  casou com D.[…], e em 13-1-2000 o casamento entre ambos foi dissolvido por divórcio.
b) E.[…] nasceu 17-4-1990 e é filho dos requeridos.
c) O menor reside com a sua mãe na Alemanha.
d) O pai do menor reside no Brasil […]

Foi então proferida a competente sentença, tendo sido decidido o seguinte:
- que o menor é confiado à guarda e cuidados da mãe.
- que o pai poderá visitar o filho quando quiser de acordo com a mãe;
- que os pais acordarão entre si a repartição do período de férias.
Todavia não foram fixados alimentos ao menor.
Quanto a esta questão foi referido o seguinte na douta sentença: Relativamente às condições económicas do pai do menor apenas se logrou apurar que actualmente o mesmo está emigrado no Brasil, desconhecendo-se os seus rendimentos e encargos, pelo que, por ora, não se pode fixar qualquer quantitativo a título de pensão alimentícia por se desconhecer se o pai, neste momento, a consegue suportar.

Desta decisão recorreu o MP formulando as seguintes conclusões:
1. Decidiu o acórdão do TRL de 23.11.2000 (rec. 7494 – não publicado: não oferece dúvidas que, independentemente da possibilidade da sua efectiva prestação pelo devedor, se mostra hoje obrigatória nas decisões relativas à regulação do exercício do poder paternal, a fixação de alimentos a cargo do progenitor a quem o menor não foi confiado;
2. Só a partir desta conclusão poderemos estabelecer uma relação lógica com as premissas que lhe estão constitucionalmente subjacentes, dando à ordem jurídica uma configuração consistente e harmoniosa, como o impõe o art.° 9° do CC;
3. Com efeito, dispõe o art.° 36° n.° 5 da CRP que "os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos" ; e o art.° 68° n.° s 1 e 2 reconhece-lhes um poder soberano, tornando-os portadores de "...valores sociais eminentes " e garantindo-lhes a "...protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos... ";
4. Certo que, nos termos do disposto no art.° 2004° do CC, a medida dos alimentos se obtém de acordo com o binómio necessidades/possibilidades; todavia, certo é também que a bitola para medir aquelas "possibilidades" não pode ser balizada entre o zero e o infinito;
5. Por definição – uma definição que mergulha as suas raízes na moral e na ética – as "possibilidades" dos pais para alimentarem os seus filhos, por modestas que sejam, partirão sempre de um patamar acima de zero, competindo-lhes a natural obrigação de tudo fazerem para garantir aos filhos o máximo que estiver ao seu alcance, ainda que o máximo se venha a traduzir, no mínimo, na partilha da sua modesta condição sócio-económica;
6. Verificando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, garantindo aos menores " ...as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna");
7. Por isto, e para isto, a Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro criou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM), estabelecendo como condição primeira de acesso a fixação judicial do quantum de alimentos devidos a cada menor;
8. Seguramente que, ao estabelecer esta condição de acesso, o Estado não pretendeu distinguir as situações em que, após a decisão judicial de fixação de alimentos, o obrigado se ausenta, sem deixar rasto nem rendimentos, ou entra em insolvência, daquelas outras em que o obrigado se esfuma ou se mostra insolvente antes da decisão.
 E termina pedindo que seja fixada em 100 euros a pensão alimentícia devida pelo pai.
**
Com base nos factos referidos cumpre decidir.
I
Apenas está em causa apreciar e decidir se, não obstante não ter sido apurado se o pai do menor tem rendimentos que lhe permitam prestar alimentos, mesmo assim deverá fixar-se uma pensão alimentícia.

Como vimos, na sentença recorrida, em virtude de nada se ter conseguido apurar sobre as condições económicas do pai, foi entendido que não deveria ser fixada a pensão de alimentos.

O EMMP cita alguns acórdãos em sentido contrário, nomeadamente proferidos neste Tribunal e mesmo nesta 7ª secção (1).

Foi referido nomeadamente no acórdão desta secção (2365/05): “Os menores com necessidade de alimentos são merecedores de especial protecção por parte da sociedade em que se inserem, protecção essa que o Estado chamou a si, em moldes tidos como minimamente necessários, como se vê, designadamente, da criação do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores”.

“Em face do predomínio, legalmente reconhecido, que nestas situações tem o interesse do menor, deve dizer-se que uma precária situação económica do seu progenitor, obrigado à prestação de alimentos, não tem a virtualidade de o eximir de tal obrigação”.

E assim é na verdade, salvo sempre melhor opinião em sentido contrário.

Não há qualquer dúvida de que é dever dos pais prestar alimentos aos filhos (artº 1874º do CC) na medida das suas possibilidades. E daí que tudo devam fazer para poderem cumprir esse dever, provendo à sua educação e sustento.

“Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” (artº 2003º). Trata-se, pois, de uma prestação destinada a satisfazer as necessidades primárias da pessoa que não tem condições para viver e que a lei impõe à pessoa que a deva realizar, por virtude dos laços familiares que as unem.

É certo que o artigo 2004º estabelece que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.

Mas tal não significa que não devam ser fixados os alimentos devidos aos menores quando não for possível apurar as condições económicas do progenitor que há-de prestá-los. Só que, nestes casos, impõe-se que o seu quantitativo seja determinado em termos de equidade, não se justificando uma quantia meramente simbólica, mas também não sendo possível atribuir-se quantia muito elevada.

O artigo 69º da CRP consagra expressamente que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado.

Por outro lado, a Lei nº 75/98 consagrou a garantia de alimentos devidos a menores. No seu artigo 1º estabelece-se que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL 314/78, de 27.10, e o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional… o Estado assegura as prestações previstas nessa mesma lei.

E com ele foi criado o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quem cabe assegurar o pagamento das prestações de alimentos em casos de incumprimento da obrigação do respectivo devedor.

Assim, se o obrigado a prestar os alimentos não cumprir a sua obrigação, poderá o Estado assegurar essa prestação através do aludido Fundo, desde que se verifiquem os restantes requisitos a que alude a Lei 75/98 e o DL 164/99, de 19.11 (regulando este a garantia dos alimentos prevista na Lei 75/98) (vejam-se sobretudo os artigos 2º e 3º do DL 164/98).

Além disso, e porque não são conhecidas as condições económicas do pai, tal não significa que este não possa prestar os alimentos e, de qualquer forma, sempre a sua situação poderá melhorar.

II
O Ministério Público pede que seja fixada a pensão mensal de 100 euros.

Parece-me tratar-se de uma quantia equilibrada.

Por um lado, entende-se que uma quantia inferior seria escassa para as necessidades sentidas nos dias de hoje por um menor da idade do Eduardo, mas, por outro, poderia tornar-se impossível ao pai pagar quantia superior.

**
Por todo o exposto decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, vai ainda o requerido condenado a pagar ao menor a quantia mensal de 100 (cem) euros a título de prestação de alimentos.
 
Sem custas.

Lisboa, 29.11.2006.

Pimentel Marcos



_____________________________________
1.-TRL de 24.05.2005 (rec. 2365/05/07), de 13.10.2005 (rec. 6890/05) de 17.02.06 (rec. 284/06/06) de 23.11.2000(rec. 7494/00) e TRC de 13.03.2001 (www.dgsi.pt). No recurso nº 2365/05 cita-se ainda o ac. desta Relação de 20.1.03 (rec. 7965/03/06)