Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
681/13.5TTLSB-B.L1-4
Relator: CELINA NOBREGA
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1- Tendo o anterior Código de Processo Civil sido revogado, as remissões a que alude o artigo 1º nº 2 do CPT terão de ser entendidas como sendo feitas para o novo Código de Processo Civil e não para o anterior Código de Processo Civil que deixou de vigorar no ordenamento jurídico.

2- Do artigo 423º do CPC extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final mas, neste caso, a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respectivo; e c)posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

3- Para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 423º do CPC, não basta a mera alegação de que não foi possível a apresentação do documento até aquele momento, devendo o apresentante demonstrar tal facto o que deverá ser feito mediante incidente nos termos dos arts.292º a 295º do CPC.

(Elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            RELATÓRIO

    AA, desempregada, com morada em Quinta (…), nº 545 (…)-Coimbra, (…) Coimbra, veio instaurar a presente acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi movido por BB SGPS, S.A, com sede na Herdade (…),(…)Évora.

    A 20 de Janeiro de 2014, a Autora apresentou, junto do tribunal a quo, requerimento, invocando que, no decorrer das sessões de julgamento, foi-lhe deixada, não sabe por quem, uma pen à porta de casa com vária documentação que não tinha em seu poder até à presente data e, por verificar que tal documentação é de extrema importância para a descoberta da verdade, veio requerer, a sua junção aos autos nos termos do disposto no nº 2 do artigo 523º do CPC (antigo), ou ao abrigo do disposto no nº 3 artigo 423º do CPC (novo), conforme melhor seja entendido.

       Na audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 31 de Janeiro de 2014, a Srª Juiz proferiu despacho resumido na acta, no sentido de ser notificada a trabalhadora para, no prazo de 5 dias, juntar a “PEN” referida nos seus requerimentos.

            Por requerimento de 5 de Fevereiro de 2014, a Autora veio juntar aos autos a pen em causa.

            Na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro de 2014, a Srª Juiz proferiu o seguinte despacho:

            “(…).

           Vem ainda a trabalhadora juntar aos autos uns documentos nº 12 que constam de fls.625 a 607, fazendo menção que tais documentos constavam numa “PEN” que foi deixada à porta de casa.

  Face a tal alegação o Tribunal ordenou, notificou a trabalhadora para justificar e demonstrar que tal “PEN” não estava na sua posse, à data, facto esse que a trabalhadora não demonstrou.

          Determina o artigo 423º, que os documentos são juntos até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência ou, após esse limite, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Portanto, resulta do normativo que o legislador pretende que a parte demonstre a impossibilidade de junção em fase anterior, não basta dizer os documentos que constavam na PEN só chegaram à sua mão naquela data, há que o demonstrar, porque senão, estava aberta a porta para as partes, a qualquer altura, juntarem documentos e, afastando-se, assim, como uma mera alegação o que está previsto no artº.423º.

    Desta feita, o Tribunal considera que não foi demonstrado, pela trabalhadora relativamente a tais documentos ou a tal documento.

            Pelo desentranhamento vai a trabalhadora condenada em 2UC de custas pelo incidente.”


*

           Na contestação a Autora requereu cópias dos recibos do Sr. CC desde Maio a Fevereiro de 2013 e respectivas condições de expatriamento para prova dos arts.178º a 196º.

Na mesma audiência de julgamento (21.02.2014), pela Ilustre Mandatária da Trabalhadora foi dito “que ainda não foi proferido despacho relativamente ao requerimento apresentado em sede de contestação, relativamente às condições de expatriamento, para prova dos factos 178 a 196, reiterado com requerimento apresentado em Janeiro último.”

    Nessa sequência, a Srª Juiz proferiu despacho que foi resumido nos seguintes termos:

            “ Assiste razão à trabalhadora, na medida em que ainda não foi ordenada a junção aos autos das condições de expatriamento para a prova dos factos 178 a 196.

         Porém, atenta a prova até agora produzida, importa referir que, segundo a defesa da trabalhadora, a mesma pretende demonstrar que estava a ser perseguida pelo CC e que, uma das razões de tal perseguição, se prendiam com o facto do mesmo pretender auferir montantes que não estavam acordados.

  Segundo esta estratégia de defesa, basta à trabalhadora demonstrar quais eram os montantes que o Sr. CC pretendiam que fossem tidos em conta em sede de pagamentos de retribuição, e não, os montantes que foram previamente acordados, ou seja, para a defesa da trabalhadora não é relevante saber quais eram as condições do administrador, uma vez que a mesma não alega os factos em causa: quais eram essas condições. O que a mesma pretende demonstrar é que, aquilo que o Sr. CC pretendia não era correcto.

      Logo, as condições de expatriamento não são relevantes para a defesa da trabalhadora, ou seja, o tribunal considera que basta o que está alegado nos artigos em causa, de fls.178 a 196 para que a estratégia da mesma seja cumprida, sendo certo que aí não consta quais as condições de expatriamento.

         Logo, considera-se que a junção aos autos destes elementos não são relevantes.”

     Inconformada com estes despachos, a Autora interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

            A Ré contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões:

(…)

      O recurso foi admitido no modo de subida e efeito adequados.

   A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida.

            Notificadas as partes do dito parecer, não responderam.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC).

E no âmbito do presente recurso cumpre apreciar as seguintes questões:

1ª- Se, apesar de já estar em vigor o CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho quando se iniciou o julgamento e tendo a acção sido proposta antes da entrada em vigor de tal código, ao caso e no que respeita à requerida junção de documentos deveriam ter continuado a ser aplicadas as regras do anterior código.

2ª- Se o tribunal a quo errou ao indeferir o pedido de junção dos documentos constantes da pen.

3ª- Se o tribunal a quo errou ao indeferir o pedido de junção, por parte da Ré, das condições de expatriamento do seu Administrador.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevo para a decisão ficaram provados os factos a que alude o relatório que antecede e por resultarem dos autos, ainda os que, agora, se aditam ao abrigo do art.662º do CPC:

- A acção foi proposta em 01.03.2013 (certidão de fls.59 e 137).

- A contestação da Autora deu entrada no tribunal em 28 de Maio de 2013 e a contestação aperfeiçoada em 24 de Julho de 2013 (fls.60)

- Aquando do início da audiência de julgamento já estava em vigor o CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.


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            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

            Comecemos, então, por apreciar se, apesar de já estar em vigor o CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho quando se iniciou o julgamento e tendo a acção sido proposta antes da entrada em vigor de tal código, ao caso e no que respeita à requerida junção de documentos deveriam ter continuado a ser aplicadas as regras do anterior código.

            Nesta sede defende a recorrente, em resumo, que tendo o presente processo dado entrada antes do novo Código de Processo Civil, sempre deveriam ter continuado a ser aplicadas as regras daquele outro código e que, além do mais, fazendo o Código de Processo do Trabalho remissão para o Código de Processo Civil, a verdade é que aquele Código fazia remissão para o anterior CPC, não tendo até à presente data, entrado em vigor qualquer norma do CPT que venha remeter para o novo CPC, tendo sido vontade do legislador remeter para as concretas normas do CPC e não outras.

            Vejamos:

            Dispõe o artigo 1º do CPT:

       “ 1- O processo do trabalho é regulado pelo presente Código.

            2- Nos casos omissos recorre-se sucessivamente:

  a) À legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna.

            b) (…)

            c) (…)

            e) (…)

            3- As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código.”

            Em anotação a este artigo escreve Abílio Neto, in “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 5ª Edição, actualizada e ampliada, pag. 28:” A integração das lacunas existentes no âmbito do processo laboral realiza-se através do recurso aos cinco critérios nele fixados, enumerados sucessivamente, sendo que a aplicação de um deles impõe a exclusão do (s) que for (em) posterior (es), pela ordem ali indicada, ou, dito por outro modo, só afastado o primeiro se passa ao segundo e assim sucessivamente.

           (…) De todo o modo, o direito processual do trabalho é um ramo especial do direito, e não um conjunto de normas excepcionais, o que releva tanto em sede interpretativa como no âmbito da integração de lacunas.

        Ora, referindo a al.a) do nº 2 do art.1º do CPT que, nos casos omissos, recorre-se “à legislação processual comum civil…” entendemos que tal referência tem em vista a legislação processual comum civil que esteja em vigor, independentemente da alternância de códigos de processo civil, caso contrário, sempre que entrasse em vigor um novo CPC, necessariamente, haveria que alterar o CPT.

            O que exige aquela alínea e o nº 3 do mesmo artigo é que a legislação processual comum terá de, directamente prevenir os casos omissos e que as normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado no CPT, que como já vimos, é um ramo especial do direito, sendo que as especialidades do processo laboral se mantêm.

            Acresce, ainda, que tendo o anterior CPC sido revogado, as remissões a que alude o artigo 1º nº 2º do CPT sempre terão de ser entendidas como sendo feitas para o novo CPC e não para o anterior Código de Processo Civil que deixou de vigorar no ordenamento jurídico.

           Assim, soçobra, nesta parte, a argumentação da recorrente.

        Mas será que, conforme defende a recorrente, tendo a acção sido proposta quando ainda vigorava o anterior CPC, deveria o tribunal a quo ter continuado a aplicá-lo, não obstante a entrada em vigor, em 01.09.2013, do novo CPC?

  A questão prende-se com a aplicação da lei processual no tempo.

   A propósito da questão escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil”, 2ª Edição, pag. 47:” Outra é a orientação geral que tem prevalecido na própria doutrina em relação às normas de processo.

      Tem-se entendido neste sector que a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo.”

           E quanto às leis sobre as provas, lemos na obra citada, pag. 61 e 62 que “ relativamente ao direito probatório formal, destinado a regular o modo como os diferentes meios probatórios são produzidos em juízo, vale a regra da aplicação imediata das leis processuais. A nova lei vale não só para as acções futuras, mas também para as acções pendentes, quanto a todas as diligências probatórias que importe realizar após a sua entrada em vigor.

    Dentro da área do direito probatório material (aqui se incluem as normas que regulam a admissibilidade dos meios de prova) uma distinção cumpre estabelecer, para boa aplicação dos princípios.

     Se a nova lei se refere à admissibilidade dos meios de prova para os factos em geral, nenhuma razão se vislumbra para negar a sua aplicação imediata, mesmo às acções pendentes.

            (…).

     Tratando-se de lei reguladora da admissibilidade dos meios de prova relativos a determinados actos (especialmente de negócios jurídicos), a situação é substancialmente diferente e outra deve ser a solução aplicável.

            Se a nova lei se refere, não à prova de factos em geral, mas de certa categoria especial de actos (contrato-promessa de venda de imóveis, contrato de mútuo superior a certo montante, arrendamento para fins comerciais ou industriais, etc.), não seria efectivamente justo sujeitar qualquer das partes às exigências de outra lei, que não a vigente à data em que o acto foi realizado.”

           O caso em apreço, enquadra-se na 1ª situação referida, pois trata-se de aferir da admissibilidade de meios de prova em geral e não de meios de prova relativos a determinados actos pelo que, seguindo a regra enunciada, seria de aplicar a nova lei processual.

     Contudo e porque a regra comporta excepções há que analisar o regime transitório constante da Lei que aprovou o Código de Processo Civil e, em particular, as normas relativas à acção declarativa.

            Assim, de acordo com o nº 1 do artigo 5º da Lei 41/2013 de 26 de Junho, Lei de Aprovação do Código de Processo Civil:

    “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, é imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes.”

            Mas nos termos dos seus nºs 2 e 3, “as normas relativas à determinação da forma do processo declarativo só são aplicáveis às acções instauradas após a entrada em vigor do Código e as normas reguladoras dos actos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às acções pendentes na data de entrada em vigor do novo CPC.”

  Ora, embora o artigo 423º nº 1 do CPC determine que os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, norma que corresponde ao anterior nº 1 do artigo 523º, estando em 20 de Janeiro de 2014 ultrapassada a fase dos articulados, então não podia ser aplicado a tal requerimento de junção dos documentos as normas do anterior Código de Processo Civil.

            Assim e quanto ao requerimento de junção dos documentos constantes da pen, o qual foi apresentado em 20.01.2014, ou seja, em plena vigência do novo CPC e já depois de iniciada a audiência de julgamento, entendemos serem aplicáveis as suas normas por força do nº 1 do artigo 5º.

Acresce, ainda, que, mesmo que não tivesse sido dado cumprimento ao disposto no nº 4 do artigo 5º do novo CPC, que dispõe que “ Nas acções que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”, a verdade é que tendo a recorrente invocado que só depois de iniciado o julgamento, o que sucedeu já na vigência do novo CPC, é que a mencionada pen veio à sua posse, aquele notificação, relativamente aos documentos constantes da pen, teria sido completamente inócua, atenta a alegação da recorrente.            Assim, conclui-se que o requerimento de 20.01.2014 deverá ser apreciado à luz do CPC de 2013, como fez o tribunal à quo.

Contudo e relativamente ao requerimento para junção das condições de expatriamento do Administrador da Ré, o qual foi apresentado com a contestação e em data anterior à entrada em vigor do novo CPC, então, as condições de admissibilidade de tal pedido sempre teriam de ser apreciadas à luz do anterior código, excepto se o novo Código instituísse um regime mais favorável, o que não é o caso, pois o artigo 423º do CPC adoptou um regime mais restritivo no que respeita à junção de documentos.

Porém, tendo o tribunal a quo indeferido a junção deste documento com o fundamento de que não é relevante para a defesa da trabalhadora e sendo certo que, tanto o anterior como o actual código exigem que os documentos se destinem a provar os fundamentos da acção e da defesa (art.423º nº 1 do actual CPC e 523º nº 1 do anterior CPC) entendemos que, neste caso, não assume relevância a determinação de qual o CPC que deveria ser aplicado. Mas apenas por uma questão de rigor, há que referir que a apreciação da junção do documento em causa sempre deveria ter sido feita à luz das normas do anterior Código.

           


*

Vejamos, agora, se o tribunal a quo errou ao indeferir o pedido de junção dos documentos constantes da pen.

Conforme já referimos, a apreciação da admissibilidade destes documentos deverá ser efectuada à luz do CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.

Dispõe o artigo 423º do CPC:

“ 1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2- Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

Assim, deste artigo extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos:

a) com o articulado respectivo;

b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final mas, neste caso, a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respectivo; e

c)Posteriormente aos mencionados 20 dias, até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior – cfr. José Lebre de Freitas, in “ A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, pag.250.   

Ora, relembrando que a recorrente alegou que durante o decorrer das sessões de julgamento foi-lhe deixada à porta de casa uma pen com documentação que reputa essencial e que não tinha em seu poder até à data de 20.1.2014, a admissibilidade do documento deverá ser apreciada nos termos do nº 3 do artigo 423º do CPC, posto que à data da apresentação da sua contestação e nos 20 dias anteriores à audiência de julgamento, segundo, alega, tal documento não estava na sua posse.

Mas para que o documento em causa seja admitido ao abrigo do nº 3 do artigo 423º do CPC, incumbia à recorrente provar que a sua junção não foi possível até ao momento temporal a que alude o seu nº 2, o que não fez.

Na verdade, a recorrente limitou-se a alegar “ lhe ter sido deixada (não se sabe por quem) uma pen à porta de casa com vária documentação que a mesma não tinha em seu poder até à presente data, e por essa documentação se verificar ser de extrema importância para a descoberta da verdade…”

Ora, conforme decorre do despacho recorrido, o tribunal notificou a trabalhadora para justificar e demonstrar que tal pen não estava na sua posse, à data.

Mas como já vimos, a recorrente apenas alegou esse facto e não o demonstrou, o que deveria ter feito mediante incidente nos termos do arts.292º a 295º do CPC com vista a demonstrar perante o tribunal que não tinha a pen na sua posse na data referida no nº 2 do artigo 423º do CPC.

E não o tendo feito, não pode tal documento ser admitido aos autos, improcedendo o recurso do despacho que indeferiu a junção dos documentos constantes da pen, que se deve manter.


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Apreciemos, por fim, se o tribunal a quo errou ao indeferir o pedido de junção, por parte da Ré, das condições de expatriamento do seu Administrador.

Como já dissemos, esta questão deve ser apreciada à luz do CPC anterior, embora o actual código não preveja um regime distinto, no que respeita ao fundamento invocado.

Ora, o tribunal a quo fundamentou o indeferimento do requerimento em causa, invocando que, segundo a estratégia de defesa da recorrente basta-lhe demonstrar quais eram os montantes que o Sr. CC pretendia que fossem tidos em conta em sede de pagamentos de retribuição e não os montantes que foram previamente acordados, ou seja, para a defesa da trabalhadora não é relevante saber quais eram as condições do administrador, uma vez que esta não alega os factos em causa: quais eram essas condições.

Ainda considerou o tribunal a quo que basta o que está alegado nos artigos 178º a 196º para que a estratégia da trabalhadora seja cumprida, sendo certo que aí não constam as condições de expatriamento, pelo que considerou não ser relevante a junção destes elementos.

Vejamos:

Nos termos do artigo 513º do CPC, “a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.”

 E no que respeita à prova ensina o Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª Edição, pag.239 “Para efeitos processuais a prova deve definir-se em atenção à função que ela desempenha no processo. Qual é essa função?

  É sem dúvida convencer o juiz da veracidade das afirmações feitas pelas partes. Por isso se pode definir prova, no aspecto processual, como o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes (Cuasp, Ob.cit.pag.364, Eduardo Couture, Fondamentos del Derecho procesal civil pag.101; Manuel Rodrigues, Do processo declarativo, vol 2º, pag.5 Betti, Diritto processuale, 2ª ed. pag.348)”.

    E sobre a prova como resultado, escreve José Lebre de Freitas na obra citada, pag.204, “A produção dos meios de prova no processo, visa demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes ou, em outra perspectiva, demonstrar a verdade da alegação por elas feita. Esse resultado alcançado por um meio de prova isolado ou pelo conjunto dos meios de prova produzidos sobre um facto, pode ser ainda denominado prova.”

E na pag. 205, sobre o objecto da prova escreve o mesmo autor, “ A prova tem por objecto os factos pertinentes para o objecto do processo; do seu objecto são excluídos os conceitos de direito.”

E sendo assim, só os meios de prova que se revelem pertinentes, quanto aos factos alegados pelas partes, é que devem ser admitidos aos autos.

            Ora, invocou a recorrente, em resumo, que a impugnação concreta daqueles fundamentos, é desde logo feita com base naquelas que foram, no entender da trabalhadora, as reais motivações do despedimento, sendo com base nessas mesmas reais condições que veio deduzir o seu pedido reconvencional, ou pelo menos parte dele, motivações que são também elas essenciais à descoberta da verdade material, que as condições de expatriamento são absolutamente essenciais para a descoberta da verdade pois é o único documento que atesta que efectivamente os montantes que lhe tinham que ser pagos eram brutos e não líquidos e que tratando-se de matéria laboral, a Srª Juiz tem não só o direito, mas o dever de, até oficiosamente, caso assim o entenda, vir averiguar da veracidade ou inveracidade de factos instrumentais e determinar a produção de outras provas para além das constantes nos autos.  

            Vejamos:

            Nos artigos 178º a 196º da contestação, a recorrente sob o título “Da real motivação do despedimento da A.” invocou: que as situações que estão por detrás do seu despedimento são bem diversas das constantes do procedimento disciplinar (178º); que o que realmente justificou essa atitude por parte da Ré foi a negação da Autora de proceder a comportamentos e actos ilícitos que lhe eram ordenados pelo administrador CC (179º); desde logo relativamente aos pagamentos indevidos que este exigia receber, que no mês de Maio recebeu cerca de € 40.000,00 líquidos a título de adiantamento de despesas, dado que ainda não estava legalizado em Portugal (180º); esse valor teria de ser sujeito a impostos no mês de Junho por forma a regularizar os valores recebidos (181º); acontece que em Junho o Sr. CC referiu à A. que teria que fazer um gross up dos valores de modo a obter cerca de 40.000€ líquidos (182º); quando a A. lhe referiu que não poderia fazer tal coisa, excepto se a DD  a autorizasse, pois as suas condições de expatriamento eram claras (183º); veio o Sr. CC referir à A. que era ele que mandava, pois a DD tinha uma administração distinta da BB e que se devia também ao facto de estar a chegar a Portugal, necessitar de comprar móveis e nessa altura o dinheiro fazer-lhe falta (184º); que oportunamente rectificariam, contudo nunca vinha o mesmo pretender rectificar (art.185º); a A. foi sempre insistindo junto do administrador alertando-o que a R. estava obrigada a respeitar as disposições legais relativas ao processamento da sua retribuição, nomeadamente nos termos do IRS (art.187º); observações que o administrador nunca aceitou, nem revelou (art.187º); mensalmente o administrador CC foi sempre solicitando à A. que lhe processasse uma retribuição muito superior àquela que estava acordada com a R. sob pena de que, se não o fizesse, seria despedida (188º); sendo aquela feita à A. cada vez maior, com clara implicação quer no relacionamento, quer no trabalho da A. (189º); assim o administrador CC veio a receber, a título de retribuição global, desde Maio de 2012, quantias muito superiores às que foram acordadas aquando da sua transferência de S. José dos Campos, no Brasil, para a BB SGPS em Portugal (190º); de acordo com aquelas condições, aquele administrador tem direito a salário base ilíquido, a um subsídio de mobilidade e a um subsídio para habitação (191º); porém, o mesmo administrador ordenou à A. que lhe processasse outros acréscimos remuneratórios a título, nomeadamente de gratificações, incentivos às deslocações e prémios de carreira (192º); o que lhe tem permitido auferir, desde a data do início das suas funções em Portugal quantias que excedem as várias dezenas de milhares de euros as contratualmente devidas (193º); sendo estas as verdadeiras contingências fiscais que estão na origem do mau relacionamento entre o administrador e a A. e do despedimento desta última (194); quando em Outubro p.p. a A. ordenou que os serviços sob a sua direcção processassem apenas o vencimento contratualmente devido ao administrador CC (195º); pretendendo dessa forma dar início ao desconto dos valores recebidos sem excesso nos meses antecedentes (196º).

            Ora face ao alegado e contrariamente ao que é referido no despacho recorrido, resulta claro que as condições de expatriamento do mencionado administrador da Ré assumem relevância e são pertinentes para a defesa da Autora, na medida em que esta invoca que se negou a processar os vencimentos daquele administrador em desconformidade com as condições de expatriamento do mesmo, condições que, segundo alega nos artigos 183º, 188º, 190º, 191º e 193º da contestação, incluíam um retribuição inferior àquela que o dito Administrador exigia que a Autora lhe processasse.

 E constando dessas condições as remunerações a que, efectivamente, tinha direito o mencionado Administrador, reafirmamos que estas são pertinentes e relevantes para a prova dos factos alegados, pela Autora, nesta sede.

  Em consequência, procede o recurso deste despacho que deverá ser revogado, devendo ser substituído por outro que ordene a junção das condições de expatriamento do Administrador da Ré, CC.

            As custas do recurso são devidas por ambas as partes na proporção do decaimento (art.527º nºs 1 e 2 do CPC)


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            DECISÃO

   Em face do exposto, acordam as Juízes deste Tribunal e Secção em:

1-julgar improcedente o recurso do despacho que não admitiu a junção dos documentos constantes da pen, o qual se confirma;

2- julgar procedente o recurso do despacho que indeferiu a junção aos autos, por parte da Ré, das condições de expatriamento do seu Administrador, CC, o qual se revoga, devendo ser substituído por outro que admita a junção de tal documento.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Lisboa, 22 de Outubro de 2014

Celina Nóbrega

Alda Martins

Paula Santos

Decisão Texto Integral: