Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6607/2005-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- “As competências previstas no Código de Processo Civil”, expressão a que aludem os artigos 97º/1b), 102º-A e 103º da LOFTJ são essencialmente as competências previstas nos artigos 90º a 95º do CPC que têm em vista a competência em razão do território.
II- Previamente à determinação da competência territorial de um tribunal para a acção executiva, há-de determinar-se a competência material.
III- No caso de execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribuiu aos tribunais de competência específica criminal competência material exclusiva para neles se executarem as próprias decisões, sejam elas indemnizações cíveis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se for o territorialmente competente.
IV- A competência material dos tribunais de competência especializada e de competência específica para executarem as próprias decisões subsiste nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução(artigo 103º da LOFTJ).
V- Este entendimento vale para as coimas pois, face ao disposto no artigo 89º/2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro que manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa, a solução a dar há-de ser igual à que for dada tratando-se de execução de multa criminal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Está em causa o recurso da decisão que julgou incompetente em razão da matéria o juízo de execução de Lisboa para conhecer da execução instaurada pelo Ministério Público respeitante a coima/multa e custas.

2. Na sequência da reforma do regime jurídico da acção executiva, operada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, o Decreto-Lei nº 148/2004, de 21 de Junho, criou juízos de execução.

3. Depois, a Portaria nº 1322/2004, de 16 de Outubro instalou os primeiros juízos de execução do país e criou a Secretaria-Geral de Execuções do Porto. De acordo com o artigo 1º da Portaria declararam-se instalados, a partir de 18 de Outubro, de 2004, o 1º e o 2º juízo de execução da comarca de Lisboa e o 1º juízo de execução da comarca do Porto.

4. A decisão recorrida considerou que às execuções por coima é aplicável o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução de multa e este código manda seguir, no que toca a tal execução, os termos da execução por custas (ver artigos 89º/2 do DL 433/82, de 27 de Outubro e 491º/2 do C.P.P). As execuções por custas são instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento e observando-se os demais termos do processo comum de execução regulado nos artigos 810º e seguintes do Código de Processo Civil.

5. Prossegue a decisão recorrida considerando que a circunstância de tais execuções seguirem, por força da aludida norma remissiva, a forma de processo comum de execução, não lhes retira a sua natureza de execuções especiais; ora quando a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais prescreve no artigo 102º-A que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, está em causa a aplicação das normas de processo civil feita directamente, já não a sua aplicação por via de remissão. Ou seja, o que está em causa é apenas a tramitação processual daqueles processo executivos, não a atribuição de competência para tais execuções que se encontra definida na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).

6. A decisão proferida considera, assim, que a referência feita no artigo 103º da L.O.F.T.J. vale apenas para as varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível e, por isso, o artigo 3º/2 do Decreto-Lei nº 148/2004, de 21 de Junho determinou a redistribuição pelos juízos de execução das acções executivas pendentes nos tribunais cíveis e não de todas as execuções pendentes nos tribunais de Lisboa.

7. Depois, invoca algumas dificuldades que adviriam do entendimento contrário: impor-se aos juízos de execução o conhecimento de causas impeditivas, modificativas ou extintivas da dívida exequenda de natureza penal (prescrição das contra-ordenações, amnistia, perdão), atribuição às secções cíveis do tribunal da Relação do conhecimento de matérias de natureza penal.

8. Os juízos de execução ficam com a sua competência limitada às execuções previstas nos artigos 90º a 94º do C.P.C., às execuções fundadas em sentença, às execuções fundadas em liquidações de custas e multas aplicadas nos processos cíveis, indemnizações referidas no artigo 456º do C.P.C.

9. Salienta o Digno Magistrado do Ministério Público que a decisão recorrida fundamenta a sua posição na convicção de que a L.O.F.T.J. apenas atribui aos juízos de execução as “competências previstas no Código de Processo Civil”, no âmbito do processo de execução, expressão referida no artigo 102º-A da L.O.F.T.J.; e que tal processo só é competente para conhecer as execuções que sigam a forma de processo comum de execução prevista no Código de Processo Civil.

10. Ora, sendo o tribunal de execução um tribunal de competência específica, as matérias inseridas no âmbito da sua competência são definidas em função da espécie de acção ou da forma de processo. Pois bem: a forma de processo de execução, que serve para tramitar uma generalidade de matérias, detém uma competência genérica para matérias entre as quais se incluem as de natureza criminal e contra-      -ordenacional, ou seja, o actual regime executivo abrange não só as execuções directamente previstas no C.P.C., como também aquelas que aplicam o regime constante do C.P.C. por via de remissão como acontece com as execuções por custas, multas e coimas.

11. Outros argumentos são ainda apresentados pelo Ministério Público: a incompreensão que adviria de se considerar que, ao fazer-se alusão expressa no artigo 103º da LOFTJ aos tribunais de competência especializada, se a lei visasse apenas a atribuição aos juízos de execução de competências previstas em tribunais de competência específica (varas e juízos cíveis e tribunais de pequena instância cível). É que em face do novo regime legal, decorrente da reforma da acção executiva, os juízos de execução passaram a abranger a anterior competência executiva dos diversos tribunais, fossem eles de competência genérica, de competência especializada ou de competência específica, apenas se excluindo dessa regra os casos excepcionais expressamente consagrados na L.O.F.T.J.

12. A instauração da execução patrimonial autónoma regulada pelo C.P.C. não faz, porém, terminar a fase processual penal da execução da pena de multa. Com efeito, o processo penal continua com a instância em aberto, aguardando o desenrolar da execução patrimonial. Se, no decurso da execução patrimonial, se verificar qualquer causa de extinção da responsabilidade patrimonial (morte do condenado, prescrição da pena, amnistia ou perdão) será declarada extinta, por tal motivo, a instância processual penal, extinguindo-se, seguidamente, por impossibilidade superveniente, a instância na execução patrimonial regulada pelo processo civil. Tais questões assumem a natureza de questões prejudiciais de natureza penal e, assim sendo, o juiz de execução ,ao tomar conhecimento da existência dessa questão prejudicial, deverá oficiosamente suspender a instância processual civil e colocar a questão ao juiz penal, para que ele se pronuncie quanto a ela no âmbito do processo penal em aberto (artigos 97º e 279º do C.P.C.).

13. Não ficam, assim sendo, nem o juiz de execução nem o Tribunal da Relação, por via do recurso interposto no âmbito da execução, colocados na posição de ter de decidir questões substantivas de natureza penal com reflexo directo na tramitação do processo penal em aberto.

14. No quadro da execução das coimas, a questão coloca-se presentemente de forma diversa. Uma vez decorrido o prazo para pagamento da coima - prossegue o Ministério Público - segue-se a execução patrimonial desta, segundo a tramitação do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, sob impulso do Ministério Público. Uma vez instaurada a execução, cessa a instância no procedimento contra-ordenacional, sendo os autos remetidos ao Ministério Público competente para instaurar a execução (artigo 89º/3 do Decreto-Lei nº 433/82).

15. Tendo cessado a instância no procedimento contra-ordenacional, qualquer questão atinente à extinção da responsabilidade contra-ordenacional do condenado (prescrição da coima, amnistia), de conhecimento oficioso, e relevando em termos processuais  exclusivamente no âmbito da execução patrimonial da coima, deverá ser decidida pelo juiz de execução por aplicação do princípio geral decorrente do artigo 96º do C.P.C. Será, em tal circunstância, da própria competência do juiz de execução, no âmbito da instância processual civil da execução da coima, declarar extinta a instância executiva com o fundamento na verificação de qualquer das referidas causas de extinção da responsabilidade contra-ordenacional, já que não correrá qualquer relação de prejudicialidade relativamente a um qualquer outro processo de outra natureza que se encontre a correr termos.

16. Prescreve o artigo 102º-A da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil

17. A questão que se suscita é a de saber quais são as execuções para as quais são competentes os juízos de execução criados pelo Decreto-Lei nº 148/2004, de 21 de Junho.

18. Os juízos de execução criados são os de Lisboa, Porto, Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra (Decreto-Lei nº 148/2004, de 21 de Junho, artigo 3º/1)

19. Os artigos 64º/2, 77º, alínea c) 96º,alínea g), 97º, alínea b) 102º-A, 103º e 121º-A da L.O.F.T.J. foram introduzidos pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março que procedeu à reforma da acção executiva.

20. No que respeita ao artigo 64º/2 este passou a prescrever que os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas  pela espécie da acção ou pela forma de processo aplicável quando a redacção anterior prescrevia que “ os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável”.

21. Assim, por exemplo, nos termos da redacção anterior (artigo 101º), os juízos de pequena instância cível tinham competência para preparar e julgar causas cíveis (competência delimitada, portanto, em razão da matéria, às causas cíveis) tanto as previstas no Código de Processo Civil como as não previstas no Código de Processo Civil delimitadas pela forma de processo: processo sumaríssimo quanto às causas previstas no CPC, processo especial quanto às causas cíveis não previstas no CPC.

22. O Código de Processo do Trabalho admite duas formas de processo declarativo: comum e especial (artigo 48º).

23. Dir-se-ia então que os processos especiais laborais seriam julgados nos juízos de pequena instância cível pois estamos face a causas não previstas no Código de Processo Civil a que corresponde processo especial.

24. Tal conclusão não seria correcta pois esquecia o outro pressuposto de competência: tratar-se de causa cível. Os processos especiais previstos no Código de Processo do Trabalho são processos especiais atinentes a causas laborais, não a causas cíveis.

25. Que tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção (artigo 64º/2 da LOFTJ)?

26. No que respeita à espécie, as acções são declarativas ou executivas (artigo 4º/1 do CPC).

27. No que respeita à espécie acção executiva (delimitação em razão da matéria) o artigo 96º/1g) admitiu a criação de juízos de execução.

28. E prescreve o artigo 102º-A que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil.

29. As execuções fundam-se em sentenças e noutros títulos.

30. O anterior artigo 103º da LOFTJ  prescrevia que os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões. Actualmente, dada a sua nova redacção, tal só se passará nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução. Este preceito não se limita, porém, a declarar que nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões, mantendo-se, portanto, redacção igual à do texto anterior.

31. Introduz-se agora uma nova expressão que é esta: “são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”. Esta expressão é igual à que consta do referido artigo 102º-A e do artigo 77º/1c).

32. Fundando-se a execução em sentença, a acção executiva correria no tribunal que tinha sido o competente para julgar a causa a que respeita a sentença exequenda.

33. Fundando-se a execução noutro título, impunha-se analisar se, para a execução, seria competente tribunal de competência especializada; não sendo nenhum tribunal de competência especializada competente para a execução fundada noutro título que não a sentença, então impor-se-ia verificar se a competência para a execução pertenceria a algum tribunal de competência específica (vara, juízo cível, juízo de pequena instância cível; juízo criminal ou juízo de pequena instância criminal) ou, na sua falta, a tribunal de competência genérica (artigo 77º).

34. Assim, por exemplo, no caso de o título executivo respeitar a questão do foro laboral, há-de correr a execução em regra no tribunal de trabalho (artigo 85º/n da L.O.F.T.J. e 97º do CPT).

35. Daqui decorre que nem todas as execuções correm nos juízos de execução entretanto criados ainda que sejam os competentes territorialmente; pode efectivamente um título executivo, à luz das regras de competência territorial, levar a que a execução seja instaurada em comarca que dispõe de um juízo de execução e, no entanto, a competência deste juízo de execução ficar afastada por dever o título ser executado em tribunal de competência especializada.

36. É o que se passa com as execuções fundadas nas decisões dos tribunais de trabalho ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais (ver já referido artigo 85ºn da L.O.F.T.J.); é também o que se passa com as execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges que são da competência do tribunal de família (artigo 81º/f, 82º/1e) da LOFTJ)

37. E se, como vimos, nem todas as execuções correm nos juízos de execução entretanto criados, de igual modo nem todas as execuções cíveis previstas no Código de Processo Civil hão-de correr nos juízos de execução.

38. Continuam válidas as palavras de Alberto dos Reis: “daqui vem que o problema da competência em razão da matéria põe-se e resolve-se nos mesmos termos, quer se trate de acções, quer se trate de execuções. Quando se pretenda promover uma execução, há-de averiguar-se, em primeiro lugar, se alguma disposição de lei manda instaurar essa execução perante tribunal especial; adquirida a certeza de que tal execução não é atribuída por lei a nenhuma jurisdição especial, o problema está resolvido: sabe-se, sem mais hesitações, que há-de levar-se a execução para o tribunal civil” (Processo de Execução, Vol. 1º, pág. 414).

39. A lei fala, ao longo de várias disposições, tratando-se de competência no âmbito do processo de execução, na sua delimitação tendo em vista “ as competências previstas no Código de Processo Civil”. Assim, no artigo 77º/1c) da L.O.F.T.J. diz-se que compete aos tribunais de competência genérica exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízos de execução; as varas cíveis exercem, nas acções executivas fundadas em título que não seja decisão judicial, de valor superior à alçada dos tribunais da relação, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competências dos juízos de execução (artigo 97º/1b); nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, quanto às decisões que hajam proferido (artigo 103º).

40. Assim, tratando-se de execução de sentença ordinária, se esta foi proferida em tribunal de competência genérica, nele corre a execução (artigo 77ºc); se a decisão foi proferida numa vara cível e não há juízo de execução criado, a execução da sentença corre na vara cível(artigo 103º); se há juízo de execução, nele corre a execução (artigo 102º-A).

41. E se o título executivo não for decisão judicial de valor superior à alçada dos tribunais da Relação?

42. Ou há juízo de execução e nele corre (artigo 103º); ou não há juízo de execução e, então, a execução corre ou no tribunal de competência genérica (artigo 77º/1c) ou no tribunal de competência específica competente - juízo cível (artigo 99º).

43. A lei fala em competências previstas no Código de Processo Civil.

44. Esta expressão é ambígua.

45. No Código de Processo Civil prevêem-se “competências” várias: competência internacional, competência interna em razão da matéria, em razão da hierarquia, competência territorial.

46. No que toca à competência em razão da matéria, o CPC no artigo 66º define a competência regra dos tribunais judiciais: são da sua competência as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

47. Assim, por exemplo, se os tribunais administrativos tiverem competência para executar as suas próprias decisões - e têm-na - não correm tais execuções nos tribunais judiciais.

48. Se os tribunais administrativos não dispusessem de tal competência, então as execuções seriam da competência dos tribunais judiciais.

49. Se assim sucedesse, uma vez assente a competência dos tribunais judiciais em razão da matéria, teríamos de considerar quais os tribunais judiciais competentes para a execução em concreto.

50. No artigo 67º do CPC remete-se para as leis de organização judiciária. De acordo com estas pode dar-se o caso de uma execução, que é da competência material dos tribunais judiciais, ser da competência material de um tribunal judicial dotado de competência especializada. É o que sucede com as execuções laborais, como vimos.

51. Assim, quando a lei fala em competências previstas no Código de Processo Civil não está a considerar a competência em razão da matéria que em rigor não está prevista no Código de Processo Civil, mas nas leis de organização judiciária.

52. A expressão “as competências previstas no Código de Processo Civil não equivale à expressão “as execuções previstas no Código de Processo Civil”. Um tal entendimento não faria sentido. Há, desde logo, execuções previstas no CPC que não correm em juízos de execução (execução especial por alimentos: artigos 118º e seguintes); há execuções não previstas no CPC (execuções por custas judiciais) que vão correr nos juízos de execução (artigos 90º/3b e 92º do CPC).

53. Assim, o facto de um procedimento executivo não estar previsto no CPC ( é o que acontece com a acção executiva por dívida de custas e multa: artigos 116º a 123º do CCJ ou com a execução da pena de multa prevista nos artigos 489º a 491º do CPP) não significa que não seja para ele competente o juízo de execução criado.

54. Registe-se que a lei não criou juízos de execução com competência específica cível e criminal, ou seja, juízos de execução que seriam competentes materialmente em dois níveis: ao nível da espécie (matéria de execução ) e ao nível da causa (matéria cível/matéria penal).

55. Não podemos, portanto, partir de um argumento a contrario que faria equivaler o vocábulo “ competências” ao vocábulo “execuções” e, depois, considerar excluídas aquelas que não estivessem previstas no Código de processo Civil.

56. Nalguns casos tal raciocínio levaria a conclusões correctas, mas por mera coincidência. É claro que as competências executivas previstas no Código de Processo dos Tribunais Administrativos estão excluídas dos juízos de execução, mas isso acontece porque materialmente os tribunais administrativos são hoje competentes para executar as suas próprias sentenças (ver artigo 3º/3 e 157º/2 do CPTA) não obstante a execução se reger pelo disposto na lei processual civil; também os tribunais tributários têm competência para executar as suas próprias decisões (artigo 49º/1e)V do ETAF) aplicando-se o Código de Procedimento e Processo Tributário à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução fiscal (artigo 1º/c).

57. Podemos hoje considerar, onde houver juízos de execução, que os tribunais que são competentes para apreciar matéria criminal são competentes para executar as suas próprias decisões?

58. Não consta do elenco dos tribunais de competência especializada a referência a tribunais criminais salvo o tribunal de instrução criminal (artigo 79º).

59. Quanto a este, no artigo 79º da L.O.F.T.J. nenhuma referência se faz no sentido de que é competente para executar as decisões que haja proferido: a referência encontramo-la no artigo 103ºda L.O.F.T.J

60. A referência a causas/processos criminais vamos encontrá-la a propósito dos tribunais de competência específica que são as varas criminais, os juízos criminais e os juízos de pequena instância criminal (artigos 98º, 100º e 102º da L.O.F.T.J.).

61. Ora também quanto a estes não encontramos preceito que diga que tais tribunais de competência específica são os competentes para executar as respectivas decisões, salvo o artigo 103º que vale nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução.

62. Estamos a pensar na execução patrimonial das decisões proferidas, ou seja, na execução por via da acção executiva. Não está obviamente em causa a competência de um tribunal criminal (lato sensu) para praticar os actos de execução atinentes à pena aplicada (passagem de mandados de captura, decisão, quanto à pena de multa, substituindo-a por dias de trabalho ou autorizando o seu pagamento em prestações (artigo 490º do C.P.P.). Não está também em causa a execução das penas privativas de liberdade que é já da competência de tribunais de competência especializada que são os tribunais de execução de penas.

63. A referência a “ termos subsequentes nos processo de natureza criminal”(artigos 98º/1 e 100º) abrangem todos aqueles actos subsequentes à prolação da sentença, mas não a execução patrimonial desta. O vocábulo “ termos” aponta para uma tramitação subsequente à sentença, que há-de incluir, quanto à multa penal, os actos necessários ao seu pagamento (artigo 489º do CPP), mas já se afigura excessivo fazer abranger nesses “termos” a fase da execução patrimonial (artigo 491º do C.P.P.) tal como se afiguraria incorrecto fazer incluir a fase da execução da pena privativa de liberdade propriamente dita.

64. No âmbito do processo penal há, aliás, condenações em indemnização cível no caso de responsabilidade civil conexa com a criminal. A execução correrá perante o tribunal civil no caso de se impor a liquidação em execução de sentença (artigo 82º do C.P.P) a qual, face à redacção dada ao artigo 380º do CPC, se verificará hoje previamente à instauração da execução propriamente dita.

65. No caso de condenação em indemnização líquida, a competência dos tribunais criminais resultava da regra, que continua a valer para as circunscrições em que não haja juízos de execução (artigo 103º da LOFTJ), segundo a qual os tribunais de competência especializada e os tribunais de competência específica eram os competentes para executar as respectivas decisões (anterior redacção do artigo 103º da LOFTJ).

66. A verdade, porém, é que, afastada tal norma, a competência-regra passou para os juízos de execução. De facto, se os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável (artigo 64º/2 da L.O.F.T.J.), os juízos de execução conhecem de matérias determinadas tão somente pela espécie de acção que é a execução (artigo 4º/1 do CPC). Trata-se, pois, de uma competência-regra que está sujeita a excepções (v.g. execuções que correm em tribunais de competência especializada).

67. A lei não distingue, já o dissemos, para tal efeito, a proveniência da execução, cível, criminal, laboral, contra-ordenacional, ou outra ainda.

68. Aproveitando a lição de Alberto dos Reis, o que importa verificar é se a competência material para a execução da multa (penal) ou contra-ordenacional ou laboral pertence ou não pertence a tribunal de competência especializada ou a tribunal de competência específica ou se tal execução está atribuída a tribunal de outra ordem judiciária.

69. No que respeita a coima estamos face a uma execução no âmbito de matéria não civil, sem dúvida. Face ao disposto no artigo 89º/2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro que manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa, a solução a dar há-de ser igual à que for dada tratando-se de execução de multa criminal.

70. Ora, a partir do momento em que a lei deixou de atribuir competência material aos tribunais de competência específica para o julgamento de causas criminais para a execução das respectivas decisões, então os juízos de execução serão competentes, se o forem de harmonia com as regras de competência territorial.

71. Essa regras de competência territorial constam do Código de Processo Civil: artigos 90º a 95º (disposições especiais sobre execuções).

72. Significa isto que a expressão “ competências previstas no Código de Processo Civil” tem em vista as competências sobre execuções em razão do território.

73. Ou seja, competências que já pressupõem a competência material.

74. Assim, por exemplo, no caso de execução por custas criminais, não sendo estas da competência de nenhum tribunal de competência específica, hão-de correr no tribunal do lugar em que haja corrido o processo em que tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação, observando-se o nº3 do artigo 90º (artigo 92º do CPC)

75. Se não houver tribunal com competência executiva específica, a execução corre por apenso ao processo em que a decisão haja sido proferida (artigo 90º/3b) do CPC);  se, ao invés, houver juízo de execução, a execução corre no traslado a não ser que o juiz de execução entenda conveniente apensar à execução o processo, já findo, em que a execução haja sido proferida.

76.  Se a definição das regras de competência em razão do território não constar do Código de Processo Civil (v.g. a execução de coimas será promovida perante o tribunal competente, segundo o artigo 61º, ou seja, pelo tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção: ver artigos 61º e 89º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro) isso não retira a atribuída competência-regra em razão da matéria aos juízos de execução.

77. Face ao desaparecimento da regra anterior segundo a qual  os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões (artigo 103º da L.O.F.T.J. redacção primitiva), a lei, ressalvados os casos em que atribui competência executiva a tribunais de competência especializada ou a tribunais de outra ordem jurisdicional, passou a dividir a competência executiva-regra ou pelos juízos de execução ou pelos tribunais de competência genérica: ver artigos 77º/1a) e c) e 103º da L.O.F.T.J.)

78. Se as competências territoriais estão definidas no Código de Processo Civil a estas se deve atender; se o não estão, há que atender às regras aplicáveis de competência territorial para se saber se o tribunal materialmente competente é o juízo de execução ou tribunal de competência genérica.

79. A ambiguidade da referida expressão “competências previstas no Código de Processo Civil” resulta precisamente da ideia de que nesse diploma iremos encontrar competências em razão da matéria; não as encontrando, o intérprete pensará num primeiro momento que, então, as competências materiais pensadas são as que resultam das regras de competência ali consideradas que pressupõem matéria de natureza cível. Mas já vimos que nem por essa via se alcançaria uma identificação entre competências definidas no C.P.C/ competência dos juízos de execução: é que, como vimos, há competências previstas no Código de processo civil para as quais não são competentes os juízos de execução.

80. Aquela expressão, a nosso ver, deve ser interpretada restritivamente, valendo sem dúvida para os casos em que se impõe a determinação dos juízos de execução competentes à luz das regras definidas no Código de processo Civil, não se excluindo, porém, os casos em que os juízos de execução são materialmente competentes para as execuções cuja competência territorial seja aferida por outras normas.

81. As dificuldades operacionais não são, a nosso ver, de índole suficientemente grave que ponha em causa o regime consagrado na lei.

82. Admita-se que o tribunal onde corre a execução se atribui competência para apreciar as questões suscitadas como meio de defesa e outras a título oficioso.

83. A intervenção do juízo de execução será, portanto, indiferente à natureza criminal ou cível das questões a debater.

84. No que respeita aos tribunais de recurso, designadamente as Relações, poderá sustentar-se que, estando em análise no recurso uma questão penal, a secção criminal será a competente.

85. As secções criminais têm especialização limitada às causas de natureza penal e, a aceitar-se que “causas” sejam tanto as acções como as execuções, então, em caso de recurso, caberia às secções criminais pronunciar-se, por exemplo, se for essa a questão, sobre a extinção da execução de uma multa penal por prescrição da pena.

86. Se as execuções se fundam em decisão proferida em causa penal, essa será a natureza da execução e, consequentemente, ao nível das Relações, as secções criminais terão competência para decidir a causa, tal como a detêm actualmente e a continuam a deter onde não houver juízos de execução.

87. O que se refere pressupõe que a questão de natureza criminal tenha sido posta e resolvida no âmbito da execução; se o for no âmbito da causa crime, nenhuma dúvida se suscita, no caso de recurso dessa decisão (v.g. que aplique amnistia ao ilícito entretanto objecto de execução), quanto à competência das secções criminais.
Decisão: concede-se provimento ao recurso e, consequentemente, julga-se competente em razão da matéria o juízo de execução para conhecer da presente execução que nele deve prosseguir os seus termos

Sem custas


Lisboa,16 de Junho de 2005


(Salazar Casanova)

(Silva Santos)

(Bruto da Costa)