Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
192/2005-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: O critério decisivo para a distinção entre os tipos contratuais em questão (contrato de trabalho - contrato de prestação de serviço) acaba, pois, por ser o critério da subordinação jurídica versus autonomia.
A circunstância de o Autor ser professor do ensino público não constitui óbice a que o contrato estabelecido com a Ré assuma carácter laboral.
A acumulação de funções docentes em estabelecimentos de ensino público com actividades privadas carece de autorização prévia do Ministro da Educação (DL 139-A/90 de 28.04 e Portaria 652/99 de 14.08), considerando-se infracção disciplinar a violação dessa norma.
No caso dos professores a consequência legal do desrespeito pelas referidas regras restringe-se à responsabilidade disciplinar, não gerando a nulidade do contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:  Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            (A), intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra CENTRO DE REABILITAÇÃO BAIRRO AZUL, Ldª, invocando a nulidade do seu despedimento pela R., e pedindo que o Tribunal a condene a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela cessação do contrato a exercer pelo A. no momento próprio, e ainda a pagar-lhe o montante já vencido de Esc. 2.544.873$00, acrescido do que se vencer até decisão final, e de juros calculados à taxa legal de 7% ao ano contados desde a citação da R. e até integral pagamento. Mais peticiona, caso venha a optar pela cessação do contrato de trabalho, a condenação da R. a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 13º do D.L. 64-A/89, bem como as férias, subsídio de férias e de Natal que se vencerem em consequência daquela cessação.
    Para tanto alega, em resumo, o seguinte: A R. dedica-se à reabilitação física. O A. foi admitido ao serviço da R. em 01/11/1989, e desde então passou a desempenhar as funções de professor de educação física sob as ordens, direcção e autoridade da R., no âmbito de contrato de trabalho. Auferia ultimamente Esc. 86.400$00 (dos quais Esc. 61.400$00 em dinheiro e Esc. 25.000$00 em senhas de gasolina) e tinha um horário de trabalho de 5h20m, prestado às 3ªs e 5ªs Feiras das 18h20m às 21h00m. Entre Setembro de 1993 e Setembro de 1994 e Setembro de 1995 a Agosto de 1996 o contrato entre as partes esteve suspenso. No início de Setembro de 2000 quando se dispunha para retomar funções, o A. foi impedido de o fazer, alegando a R. a cessação do contrato entre as partes, o que configura um despedimento, que é nulo nos termos do disposto nos arts. 12º e 13º do D.L.64-A/89. Nos anos de 1997 a 2000 a R. não pagou ao A. o período de férias que este gozou nos meses de Agosto daqueles anos. A R. nunca pagou ao A. subsídio de férias, nem subsídio de Natal. Conclui pela procedência da acção, pedindo a condenação da R. nos termos supra expostos.
       Citada a R., e realizada audiência de partes, na qual não foi possível a conciliação das mesmas, veio aquela contestar, sustentando, em síntese, que o vínculo que vigorou entre A. e R. não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como um contrato de prestação de serviços, o que em seu entender conduz à incompetência do tribunal. Mais invoca que o A. é funcionário público, não podendo por isso manter qualquer contrato de trabalho com entidades privadas, e sustenta que o A. litiga de má-fé. Conclui pela improcedência da acção, pugnando pela sua absolvição de todos os pedidos, e pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.
    O A. apresentou articulado de resposta, sustentando a improcedência da excepção de incompetência material. Mais reconhece ser professor do ensino público, mas sustenta que a invocada incompatibilidade entre o vínculo do A. com o Estado só se verifica desde 01/10/1999 e que a partir desta data a consequência legal do facto de ter estabelecido o contrato de trabalho dos autos não é a nulidade deste, mas sim a necessidade de optar pela cessação ou suspensão da função pública, mantendo a actividade privada em acumulação e deixar a actividade privada, mantendo o vínculo público, ou ainda manter as duas actividades sujeitando-se à aplicação das sanções previstas no Estatuto Disciplinar da Função Pública. Por fim reitera que o contrato que manteve com a R. é de trabalho, e que se alguém litiga de má-fé nestes autos é a R. Conclui pela improcedência da excepção, pugnando pela procedência da acção.
Proferido despacho saneador, no mesmo foi a excepção de incompetência do Tribunal julgada improcedente, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto assente e controvertida. Realizou-se audiência de julgamento, no decurso da qual o A. declarou optar, em definitivo, pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração (vd. acta de fls. 149). A factualidade provada e não provada foi fixada por despacho de fls. 150 a 153, que não foi objecto de qualquer reclamação. Foi seguidamente proferida a sentença de fls. 155/169 que julgou a presente acção globalmente procedente e, em consequência, declarou ilícito o despedimento do A. pela R e condenou a R. a pagar ao A. as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença e correspondentes: a) à remuneração não paga referente às férias gozadas pelo A. nos anos de 1997 a 2000; b) aos subsídios de Férias e Subsídios de Natal correspondentes ao período decorrido desde 01/11/1989 até Setembro de 1993 e de Setembro de 1995 até Setembro de 2000 [excluindo os proporcionais referidos em d)]. c) às retribuições, incluindo férias, subsídios de férias e subsídio de Natal vencidas desde 03/06/2001 até à data da sentença. d) aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitantes ao tempo decorrido desde 01/01/2000 até ao despedimento. e) à indemnização de antiguidade correspondente à multiplicação da retribuição base auferida pelo A. à data do despedimento pelo número de anos de antiguidade do mesmo, contada até à data da sentença. f) Juros de mora sobre as quantias referidas em a) a e), contados à taxa legal, desde a data em que se venceu cada um dos créditos em apreço, até integral pagamento.
            Inconformada apelou a R., que termina as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Apelado, em conluio com outro indivíduo, ambos funcionários públicos, a tempo inteiro, e fazendo "um biscate" para a Apelante, resolveram intentar uma acção de impugnação de "despedimento" contra esta, sendo um testemunha do outro, como se fossem trabalhadores por contra de outrem.
2. O Apelado e o outro indivíduo, no "biscate" que tinham com a Apelante, desenvolviam rigorosamente a mesma actividade, dedicavam-se à educação física, não tinham horário de trabalho, não estavam debaixo do domínio jurídico e económico desta, e a quantia que lhes era paga mensalmente, contemplava todos os créditos que tinham a haver em resultado dessa actividade.
3. O outro indivíduo que litigava conjuntamente com o Apelado não obteve ganho na primeira instância, assim como na Relação e depois no Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, num pedido rigorosamente igual, apenas mudando o nome do Autor, todas as instâncias judiciais foram unânimes em não atender o pedido deste, absolvendo sempre a Apelante.
4. A decisão do Tribunal recorrido, apresenta graves "fragilidades" como seja, por um lado, a de admitir, e bem, sendo um facto dado como provado, que a remuneração "era estabelecida anualmente e podendo variar de ano para ano, em função do número de horas mensais atribuídas ao A. em cada ano", transcreve- se.
5. Todavia, a entidade patronal não pode pagar o salário ao trabalhador conforme a carga de trabalho horário.
6. Em relação às faltas do Apelado, também não está esclarecido o caso das "faltas justificadas" como está previsto para o trabalhador dependente. Discorda-se também da sentença recorrida quando refere "o método indiciário" para catalogar o contrato de trabalho.
7. A lei fornece-nos a definição legal de contrato de trabalho, a doutrina e a jurisprudência deram o seu contributo, e hoje é pacífico que um trabalhador dependente não pode ter duas entidades patronais. A sua dependência económica tem de ser total, o que não é manifestamente o caso, bem como a sua dependência jurídica.
8. O Apelado não pode marcar as férias e estar disponível para efectuar trabalho suplementar tendo duas entidades patronais.
9. O Apelado tinha livre trânsito e só se justifica que tenha abandonado a Apelante e voltado quando acabou um curso qualquer no estrangeiro, veja-se o quesito 23 e 24 da sentença.
10. A sentença recorrida reconhece que "a actividade da Apelante era organizada por ciclos de onze meses (...). Ora é sabido que todos os trabalhadores dependentes recebem catorze meses por ano, independentemente dos citados "ciclos" da actividade da entidade empregadora.
11. A razão máxima da Apelante está na matéria dada como provada no quesito 20, e 21 da sentença; "cabendo ao Autor determinar quais os concretos exercícios físicos que cada um dos utentes deveria executar para atingir tais objectivos (... )". Ora o contrato de trabalho dependente, jamais permitiria ao Apelado ter essa autonomia.
12. Também a interpretação que se faz da comunicação referida no quesito 33 da sentença está exagerada. Tratava-se apenas de dar uma imagem mais organizada da Apelante, sem que tal significasse uma dependência hierárquica do Apelado.
13. Por outro lado o Apelado, precisamente porque se sabia pago de todos os créditos que tinha a haver da Apelante, nunca lhe pediu qualquer subsídio de férias, natal, férias ou outras quantias.
14. O controlo das alegadas "faltas" também não releva. Tinha de haver um controlo mínimo, doutra forma a Apelante não poderia funcionar.
15. A sentença recorrida reconhece que o Apelado não estava na dependência económica da Apelante, e da mesma forma que o Apelado não trabalhava exclusivamente para a Apelante.
16. Acresce que o Apelado não estava autorizado a fazer "biscates" e muito menos a ter outro emprego em "full time".
17. A portaria 652/99 de 14/8 não refere a situação de pleno emprego, o que é compreensível. Em rigor, legalmente, o Apelado, não pode ser funcionário público, e ter outro trabalho a tempo inteiro, apenas "actividades carácter ocasional" .
18. Sem conceder o ónus da prova caberia sempre ao Apelado.
19. A Apelante nada deve, portanto, ao Apelado, e assim mal andou o Tribunal recorrido quando considerou a acção procedente, por provada.
20. Em rigor, a sentença recorrida, reconhece as razões da Apelante, ou seja não estamos perante um contrato de trabalho, e por conseguinte, não lhe são aplicáveis as disposições que regulamentam o contrato de trabalho subordinado.
21. O Apelado não foi despedido, nem lhe são devidas quaisquer quantias a título de despedimento ou outro, bem como juros de mora.
22. A legalidade será reposta com deliberação do Tribunal da Relação, decretando o infundado do pedido do Apelado e absolvendo a Apelante, situação que aliás já foi reconhecida por esse Tribunal, noutro anterior caso, como acima se referiu e consta nos autos.
Nestes termos requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores, que a sentença recorrida seja revogada, decretando-se a acção improcedente, por não provada, e absolvendo-se a Apelante, com os fundamentos expostos, fazendo-se a costumada justiça.
         O apelado contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença.
       Também o digno PGA, no seu parecer, se pronunciou no sentido da negação de provimento ao recurso.
            Foram colhidos os vistos.

    Delimitado o objecto do recurso pelo teor das conclusões, verifica-se que, no caso, a recorrente pretende pôr em causa a apreciação efectuada na sentença relativamente à qualificação jurídica do contrato estabelecido entre as partes, sendo pois a reapreciação dessa questão o tema a tratar.
           
            Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1- O R., CENTRO DE REABILITAÇÃO BAIRRO AZUL, LDA dedica-se à reabilitação física.
2- O A., (A) é professor de Educação Física do Ensino Público na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, com "horário completo", desde data anterior a 01/11/1989.
3- Por acordo entre A. e R., desde 01/11/1989, aquele passou a ministrar sessões de recuperação física (cinesiterapia) no estabelecimento desta, a clientes desta, mediante contrapartida em dinheiro.
4- O A. exercia a actividade referida em 3- nas instalações da R., utilizando equipamentos e materiais pertencentes a esta, e em horário fixo, determinado anualmente por acordo entre ambos.
5- A actividade da R. era organizada por ciclos de onze meses, que começavam no início de Setembro de cada ano e terminavam no final de Julho do ano subsequente.
6- O horário do A. era determinado todos os anos, por altura do verão, de acordo com a disponibilidade do A., tendo em conta o horário que lhe havia sido atribuído na Escola Secundária onde leccionava.
7- A remuneração referida em 3- era fixada na mesma ocasião referida em 6-, em função do número de horas mensais atribuídas ao A., sendo liquidada mensalmente.
8- Assim, de Setembro de um ano a Julho do ano subsequente, o montante de tal remuneração mantinha-se o mesmo.
9- Não obstante o mencionado em 8-, se o A. faltasse, era descontada de tal remuneração a quantia correspondente ao número de horas em falta.
10- Caso precisasse de faltar, o A. avisava por telefone os serviços da R.
11- ... e era o gerente da R. quem determinava o professor que iria substituir o A..
12- Caso fossem os utentes a faltar, a remuneração do A. não sofria qualquer diminuição.
13- Entre Setembro de 1999 e Julho de 2000 a remuneração mensal mencionada em 3- e 7- foi de montante não inferior a Esc. 80.000$00, sendo em parte liquidada em dinheiro, e noutra parte através de "senhas de refeição" ou "senhas de gasolina".
14- De Setembro de 1999 a Julho de 2000 o horário mencionado em 4- e 6- foi o seguinte: 3ªs e 5ªs Feiras, das 18h20m às 21h00m.
15- O cumprimento do horário referido em 4- e 6- era controlado pela R. através de um registo de presenças que o A. rubricava à entrada e à saída das instalações da R., antes e depois de ministrar as sessões de recuperação física.
16- Tais registos encontravam-se na recepção do estabelecimento da R., em poder da recepcionista.
17- O A. recebia indicações acerca da situação clínica dos clientes da R. a quem ministrava as sessões de recuperação física através de fichas individuais elaboradas pelo Director Clínico da R., que é médico.
18- Tais fichas eram-lhe entregues pela R. (através da recepcionista de serviço) em cada dia de trabalho, antes do início das sessões de recuperação física que ministrava.
19- Nas fichas individuais mencionadas em 17-, e 18- o director Clínico da R. registava o diagnóstico dos utentes, e fornecia indicações genéricas acerca dos objectivos a atingir com as sessões de recuperação física e/ou a indicação de categoria(s) genérica(s) de exercícios a efectuar (ex: "alongamentos").
20- ... cabendo ao A. determinar quais os concretos exercícios físicos que cada um dos utentes deveria executar para atingir tais objectivos, o número de repetições, a sequência entre eles, etc ...
21- ... acompanhando também o A. a respectiva execução, e corrigindo a mesma quando necessário.
22- Entre 01/11/1989 e Julho de 1999 o A. a remuneração mencionada em 3- e 7- foi de montante não concretamente apurado.
23- De Setembro de 1993 a Setembro de 1995 o A. não ministrou Sessões de recuperação a clientes da R..
24- ... o que se deveu, pelo menos em parte, ao facto de o A. ter frequentado e concluído um curso de mestrado.
25- No início de Setembro de 2000 a R. comunicou ao A. que a vigência do acordo descrito em 3- a 21- havia cessado e que por conseguinte, não mais ministraria sessões de recuperação na R..
26- A R. sempre encerrou o seu estabelecimento, para "férias", no mês de Agosto.
27- Pelo menos nos anos de 1997 a 2000 (inclusive) a R. não entregou ao A. qualquer quantia, seja a título de "remuneração" referente ao mês de Agosto, seja a título de "férias".
28- A R. nunca entregou ao A. qualquer quantia a título de "subsídio de férias", nem a título de "Subsídio de Natal".
29- Era a R. quem determinava o custo das sessões de recuperação frequentadas pelos seus clientes a quem o A. ministrava sessões de recuperação.
30- ... e tais clientes entregavam as correspondentes importâncias directamente à R..
31- O A. não tinha qualquer intervenção no descrito em 29- e 30-.
32- Em data não posterior a 01/09/1992 a R. nomeou o A. Sub-Director do Centro de Reabilitação Bairro Azul de Lisboa, cabendo-lhe a coordenação de todas as actividades do referido Centro de Reabilitação, sob a orientação do seu Director Clínico, e com a incumbência de a este fazer chegar todas as informações acerca do seu funcionamento.
33- O facto descrito em 32- foi divulgado pela R. através da "comunicação interna n° 1/92-93, cuja cópia se acha a fls. 141 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

A questão de direito
Começamos por referir que a análise efectuada na sentença se mostra correcta, bem estruturada e fundamentada, não sofrendo das fragilidades que a recorrente lhe pretende assacar.
O cerne do litígio centra-se em saber se temos dados de facto suficientes para caracterizar a relação estabelecida entre A. e R. como jurídico-laboral, sendo certo que a R. sustenta a qualificação como emergente de um contrato de prestação de serviços, ao passo que o A., com o acolhimento do tribunal, qualifica o contrato em questão como de trabalho.
De acordo com as noções resultantes dos art. 1152º e 1154º do CC, as notas distintivas entre estes tipos contratuais situam-se, por um lado, no respectivo objecto - a prestação devida, no contrato de trabalho, é uma actividade, intelectual ou manual, enquanto no contrato de prestação de serviços é o resultado dessa actividade - por outro, no ca­rácter subordinado ou autónomo da prestação. Sendo ainda que, enquanto o contrato de trabalho é, por definição, oneroso, o de prestação de serviços pode ser oneroso ou gratuito: no contrato de trabalho há sempre remuneração; mas na prestação de serviços também pode havê-la, e, na maior parte dos casos, em regra esse elemento está também presente, pelo que não poderá ser esse o elemento determinante para estabelecer a dis­tinção entre as duas figuras.
          Quanto ao objecto da prestação devida consistir numa activi­dade ou apenas no resultado dela, é um critério que não pode, de todo, ser separado daquele outro fundado na dicotomia subordinação jurídica/autonomia. É que, sendo a prestação devida pelo trabalhador, por força do contrato e em contrapartida da remuneração, um facere, ela carece, para se concretizar, da definição, por parte da entidade patronal, do modo, tempo e lugar de execução. Pressupõe, pois, a direcção da entidade patronal e, no verso da medalha, a subordinação jurídica do trabalhador. Embora o empregador vise  obter da actividade do trabalhador um determinado resultado, esse resultado não faz parte do contrato. Já no contrato de prestação de ser­viços o objecto do contrato é um determinado resultado, que pressupõe naturalmente uma actividade. Mas, agora, o pro­cesso conducente à obtenção do resultado, a organização dos meios necessários e a própria ordenação da actividade estão fora do contrato, são determinados apenas pelo pres­tador, autonomamente, sendo indiferente para o credor do serviço.
            O critério decisivo para a distinção entre os tipos contratuais em questão acaba, pois, por ser o critério da subordinação jurídica versus autonomia.
           A subordinação jurídica, reverso da supremacia que corresponde à expressões "direcção" e "autoridade" utilizadas no art. 1º da LCT[1] e art. 1152º do CC, consiste numa situa­ção de sujei­ção, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direcção, o dever de prestar que sobre ele recai. Mas que se pode bastar com a mera possibilidade de o empregador dirigir ou fiscalizar o serviço, ainda que raramente o faça. Com efeito, de acordo com o ensinamento do Prof. Galvão Teles[2] “a subordinação ... consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação.”
       Citando o Prof. Jorge Leite[3] diremos que o conteúdo e a intensidade do poder do empregador de organizar e dirigir a prestação do outro variam em função de vários factores, em especial em função da natureza da actividade em causa (tendem a ser tanto menores quanto mais complexa for a actividade) e das condições em que é exercida (tenderá a ser mais ténue a daquele que exerce a sua actividade fora do espaço físico-organizacional da empresa). Mas mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica que corresponde, em princípio, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria actividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos pelo credor e não pelo devedor.
         A crescente flexibilização das formas de emprego tem contribuído para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de  trabalho subordinado ou de trabalho autónomo.
            É certo que estamos no domínio da autonomia da vontade, pelo que haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através  do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa  relação.
            É uma afirmação consensual na doutrina e na jurisprudência que, nesses casos nebulosos e de fronteira,  o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, sendo usual o recurso ao método tipológico e ao método indiciário, que passam pela procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico. Daí que surpreenda a proclamada discordância da apelante quanto à referência na sentença ao método indiciário. É pena que não explicite qual o método que, em alternativa àquele, propõe para proceder à qualificação jurídica do contrato. Não podemos, pois, acompanhar aquela discordância.
           «No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrém»[4]
A qualificação de um contrato como de trabalho (heterodeterminado) depende da referenciação, na relação concreta, de um conjunto de indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o outro contraente, sendo certo que “cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”[5]
No caso deparam-se-nos um conjunto de dados que, globalmente concatenados, em nosso entender apontam para uma situação de subordinação jurídica. Desde logo, e contrariamente ao que é afirmado na conclusão 2ª, o A. trabalhava sujeito a um horário de trabalho fixo - se bem que estabelecido, anualmente, por acordo entre ambos - (cfr. p. 4 da matéria de facto). O local  de trabalho era o estabelecimento da R. e o A. utilizava os equipamentos  e materiais pertencentes a esta. O cumprimento do horário era controlado através de um registo de presenças, que o A. rubricava à entrada e à saída e que se encontrava na recepção, em poder da recepcionista. Daqui concluímos que o tempo, o local e os meios de realização da prestação não eram determinados autonomamente pelo A. e, além do mais, havia um controlo da R. quanto ao cumprimento do horário. Estes dados indiciam, a nosso ver, subordinação jurídica à R.. 
Mais significativo desse pendor de subordinação jurídica é o facto de, quando o A. precisasse de faltar, ter de avisar por telefone os serviços da R., sendo o gerente da R. que determinava o professor que iria substituir o A. (p. 10 e 11), o que não sucedia no outro caso referido pela apelante nas suas conclusões 1ª a 3ª. Com efeito naquele outro caso, apreciado neste tribunal e também relatado pela ora relatora[6] o elemento de facto que determinou o afastamento da qualificação do contrato como laboral (para que apontavam alguns indícios, como se refere no acórdão) foi justamente e circunstância de a R. incumbir o ali A. de se fazer substituir, no caso de não poder efectuar alguma sessão, o que, no entender do tribunal, deixava “notar que, para a R., o objecto essencial do contrato era, mais do que a actividade ou a disponibilidade da força de trabalho do A., a realização das concretas sessões de reabilitação física prescritas pelo médico fisiatra, sócio-gerente da R para os clientes desta, ou seja, o resultado consistente na realização de tais sessões, fosse o A. ou outrem a concorrer para o alcançar. Ora, sendo o contrato de trabalho um contrato intuitus personae, em que as características pessoais do prestador são essenciais, não parece muito consentâneo com este carácter, a possibilidade de o trabalhador se fazer substituir por outrem, sem intervenção da entidade patronal.” Estas considerações que fundamentaram a conclusão de que o contrato em causa não tinha natureza laboral não têm cabimento no caso dos autos porque a situação que resultou provada é diferente. Sendo diversas as situações de facto apuradas em julgamento (e importa salientar que não foi impugnada a decisão da matéria de facto), não é de estranhar que possam ser diversas as soluções jurídicas encontradas.
Mas há ainda um outro dado de facto de enorme relevância como indício de subordinação jurídica (e que também não se verificava no outro caso aludido), que é o de o A. ter sido nomeado Sub-Director do Centro de Reabilitação Bairro Azul, de Lisboa, cabendo-lhe a coordenação de todas as actividades do referido Centro de Reabilitação, sob a orientação do respectivo Director Clínico e com a incumbência de a este fazer chegar todas as informações acerca do seu funcionamento (ponto 33 da matéria de facto). Não oferece dúvidas que esta atribuição de responsabilidade pela coordenação das actividades do Centro, sob a orientação do Director Clínico e com a obrigação de a ele prestar contas dessa coordenação representa a integração na organização técnico-laboral da R., significando inequivocamente que a prestação do A. era juridicamente determinada por outrem, isto é, heterodeterminada. A tal não obsta que, devido à especificidade técnica das suas funções, gozasse de um elevado grau de autonomia técnica, própria das legis artis, como decorre dos pontos 20 e 21 da matéria de facto, e que, nos termos do art. 5º nº 2 da LCT aprovada pelo DL 49408, é perfeitamente compatível com o contrato de trabalho.
Também a retribuição, em função do tempo de trabalho (cfr. p. 7 e 8), milita a favor da qualificação do contrato como laboral, não sendo impeditivo dessa qualificação o facto de ela poder  variar de ano para ano, em função do número de horas mensais atribuídas ao A., uma vez que as partes, no exercício da sua autonomia, acordavam anualmente a duração do tempo de trabalho, o que é indiscutivelmente lícito.
Contrariamente ao afirmado pela apelante, em termos gerais, não há qualquer impedimento legal a que um trabalhador possa ter duas entidades patronais, desde que os deveres assumidos perante cada uma delas não conflituem. Citando o Prof. Pedro Romano Martinez[7]  “... a exclusividade não é uma característica do contrato de trabalho, nada obstando à existência do designado pluriemprego, em que o mesmo trabalhador é parte em diferentes relações laborais.”
É certo que o caso do A. é  um caso particular pois o mesmo era já, aquando da admissão ao serviço da R.,  professor do Ensino Secundário do Sector Público, com horário completo.
Ora, de acordo com o art. 12º do DL 184/89 de 2/6 o exercício de funções públicas é norteado pelo princípio da exclusividade (nº 1), dispondo o nº 4 do mesmo preceito que “a acumulação de cargos ou lugares na Administração Pública bem como o exercício de outras actividades pelos funcionários ou agentes do Estado depende de autorização nos termos da lei.”
O art. 32º nº 1 do DL 427/89 de 7/12 veio determinar que “o exercício em acumulação de actividades privadas carece de autorização prévia do membro do Governo competente, a qual pode ser delegada no dirigente máximo do serviço”.
O DL 139-A/90 de 28/4, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, trata no art. 111º das acumulações, estabelecendo o nº 1 “É permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente” e o nº 2, por sua vez, “É ainda permitida a acumulação do exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino”, remetendo o nº 4 para portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação a fixação das condições em que é permitida a acumulação referida.
Essa portaria só foi publicada em 14/8/99, cabendo-lhe o nº 652/99.
Do respectivo nº 2 decorre que o exercício de funções e actividades públicas e privadas  carece de autorização prévia do Ministro da Educação. A violação do disposto na referida portaria considera-se infracção disciplinar para efeitos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos (nº 21).
Como bem refere o Sr. Juiz  recorrido as mencionadas disposições legais visam inequivocamente “salvaguardar valores e interesses inerentes ao exercício de funções públicas.” Nessa medida estabelecem cominações para o exercício não autorizado de funções em acumulação com cargos públicos. No caso dos professores a consequência  legal do desrespeito pelas referidas regras restringe-se à responsabilidade disciplinar do professor, não gerando a nulidade do contrato de trabalho.
Mas ainda que assim se não entendesse, sendo essa nulidade uma excepção, de acordo com as regras do ónus da prova (art. 342º nº 2 CC) recaía sobre a R. a prova dos factos integradores da mesma. E o certo é que a R. nenhuma prova fez de que o A. não tivesse obtido autorização para a acumulação de funções.
Não constitui, pois, a circunstância de o A. ser professor do ensino público, óbice a que o contrato estabelecido com a R. assuma carácter laboral.
Tampouco a circunstância de entre Setembro de 1993 e Setembro de 1995 o A. não ter desenvolvido actividade para a R., em parte, pelo menos, por ter frequentado um mestrado, é , de forma alguma, impeditiva da qualificação da relação como laboral, pois, pode bem, no âmbito de uma relação de  trabalho, haver lugar a um período prolongado de licença sem retribuição, designadamente para frequência de cursos de formação (art. 16º nº 2 do DL 874/76), se bem que não tenhamos dados para afirmar que foi isso que sucedeu.
Por último, o facto de a R. apenas pagar a retribuição onze meses por ano e o A. não ter reclamado durante a vigência do contrato o pagamento da retribuição das férias e os subsídios de férias e de Natal, embora possa constituir um índice de que o contrato não tivesse natureza laboral, não tem relevância bastante para se sobrepor aos índices de laboralidade atrás referenciados, tanto mais que, a situação de efectivo desequilíbrio entre os contratantes numa relação laboral, reconhecida pela lei e determinante da própria autonomização do Direito do Trabalho, retira à atitude passiva do trabalhador durante a vigência do contrato,  esse conteúdo de conformação com a situação. Por isso é que o legislador estabeleceu para os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, o prazo de prescrição de um ano a contar do dia seguinte à respectiva cessação (art. 38º da LCT). É por reconhecer que  a liberdade de o trabalhador reclamar os seus direitos na vigência do contrato pode efectivamente estar diminuída em consequência da subordinação jurídica e económica em que o mesmo se encontra relativamente à entidade patronal. 
Em suma, improcedem na totalidade os fundamentos do recurso, nenhuma censura nos merecendo a apreciação efectuada na sentença recorrida.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.

     Lisboa, 27/04/05

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Como bem salienta o Sr. Juiz na sentença recorrida, não tem aplicação no caso o C.T. provado pela L. 99/2003 de 27/8, em vigor desde 1/12/2003, por estar em discussão uma situação totalmente passada antes desta data (cfr. art. 8º nº 1 da lei preambular).
[2] Contratos Civis, pág. 62-63.
[3] Direito do Trabalho, reimpressão, Coimbra 1999, vol. II, pag. 46.
[4] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 133.
[5] Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 134.
[6] Ac. proferido no Pº 7779/02.
[7] Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo, in Estudos de Direito do Trabalho, vol I, pag.292.