Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9899/2003-7
Relator: ARNALDO SILVA
Descritores: ARRESTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/25/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Os efeitos do arresto perduram após o trânsito em julgado da sentença condenatória do arrestado, precisamente, porque o arresto antecipa a penhora, transferindo-se para a acção executiva a propor a relação de subordinação entre o procedimento cautelar do arresto e a acção declarativa de que depende.
2. Com o trânsito em julgado da sentença condenatória na acção principal, o procedimento cautelar de arresto que dele depende não pode ser julgado extinto por inutilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA
Por a questão a decidir ser simples,  nos termos do art.º 705º do Cód. Proc. Civil, « ex vi » art.º 749º do mesmo código, decide-se a mesma sumariamente:
I. Relatório:
1. Após ter transitado em julgado a sentença proferida nos acção declarativa comum com forma ordinária que S.– Sociedade Sanitária J. Pedroso Botas, Ld.ª instaurou contra a C.– Comércio, Indústria e Importação, Ld.ª, que correu termos na 5.ª Vara Cível 2.ª Secção da Comarca de Lisboa, com o n.º 70/2002, e que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 237.818,09, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de 12 % ao ano, até efectivo e integral pagamento, nos autos de arresto a esta acção apensos n.º 70-A/2002 __ e vindos da 13.ª Vara Cível da 2.ª Secção da mesma Comarca, onde fora decretado o arresto preventivo dos créditos da requerida C. decorrentes do contrato de factoring celebrado pela requerida contra E. – Aquisição de Crédito a Curto Prazo, S.A., com sede na Rua Castilho, n.º --, em Lisboa; dos créditos devidos pela Construtora A., S.A., com sede na Rua Virgílio Correia, n.º --, Lisboa, à requerida; e das quantias em dinheiro e quaisquer títulos que estejam depositados nas contas bancárias de que a requerida seja titular, via Banco de Portugal, e onde fora deduzida oposição pela requerida __ foi proferido o seguinte despacho judicial: « Considerando que passou em julgado a decisão proferida nos autos principais determino o arquivamento dos presentes autos ». Decidindo o pedido de aclaração deste despacho da requerente S. e qual o seu fundamento normativo, foi proferido o seguinte despacho judicial: « Relativamente ao pedido de aclaração formulado por S., Limitada, a folhas 346-347, cumpre dizer o seguinte: no âmbito do presente procedimento cautelar foi ordenado o arresto dos créditos e das quantias e títulos referidos a folhas 120, na decisão judicial preferida no dia 9 de Abril de 2002; a folhas 253, a requerida, C. Limitada, ofereceu a sua oposição, pedindo a revogação do arresto decretado; por sentença preterida em 8 de Outubro de 2002, a aqui requerida foi condenada a pagar à requerente a importância de € 237.818,09, acrescida de Juros moratórias vincendos à taxa anual de 12% (cfr. a acção declarativa com processo ordinário n. ° 70/2002).
O arresto é decretado com fundamento na existência provável do crédito invocado pelo requerente da providência __ artigo 407.°/1 do Código de Processo Civil. Na acção declarativa a que se aludiu acima, a existência desse crédito da requerente __ aí autora __ está judicialmente reconhecida.
Tal matéria nada tem a ver com o regime do artigo 410.° do Código de Processo Civil, o qual se reporta à extinção da providência por caducidade (o arresto fica sem efeito), reportando–se antes à utilidade da lide, ou seja, da instância.
Pelo exposto, o despacho preferido a folhas 341, com data de 4 de Novembro de 2002, significa que a instância se encontra extinta, por inutilidade superveniente da lide __ artigo 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil (cfr. o artigo 670.°/2 do Código de Processo Civil).
Notifique-se ».
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2. Inconformada com este despacho agravou a requerente S.. Nas suas alegações conclui:
1.º O Arresto consiste numa apreensão judicial de bens;
2.º O trânsito em julgado da Acção Principal não tem como consequência a extinção da Instância no Arresto, por inutilidade superveniente da lide;
3.º O douto despacho de fls... confunde o objecto do Arresto, que é a apreensão judicial de bens, com um dos requisitos da Providência, que é a existência de crédito;
4.º Os bens arrastados deverão, nos termos legais, ser convertidos em bens penhorados na Execução;
5.º Tal conversão do Arresto em penhora nunca seria possível se o trânsito em julgado da Acção Principal determinasse a extinção da Instância por inutilidade superveniente da lide no Arresto que daquela depende;
6.º Com efeito, a penhora é uma fase da Execução, e esta só pode ser intentada após o transito em julgado da Acção Declarativa, da qual depende;
7.º O douto despacho de fls..., viola entre outros os seguintes artigos do Código de Processo Civil; art.º 406.°, n.ºs 1 e 2, art.º 410.°, art.º 847.° e ainda o art.° 287.º e).
Termos em que deve ser revogado o douto despacho de fls... como é de Lei e de Justiça!
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3. A requerida não contra-alegou.
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4. O Tribunal manteve o despacho recorrido.
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5. Na perspectiva da delimitação pelo recorrente, os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim e atento o que flui das alegações dos autores agravantes supra descritas em I. 3., a única questão essencial a decidir consiste em saber se a instância do procedimento cautelar de arresto pode ou não ser declarada extinta por inutilidade superveniente da lide [art.º 287º al. e) do Cód. Proc. Civil] por ter transitado em julgado a sentença declarativa condenatória da ré, aqui no arresto requerida, e da qual o presente arresto depende.
Posto isto, cumpre conhecer.
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II. Fundamentação:
Nos termos do art.º 410º do Cód. Proc. Civil o arresto requerido na dependência da acção declarativa de condenação caduca se o credor insatisfeito não propor a acção executiva no prazo dos dois meses subsequentes, ou se, promovia a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente. E isto é assim, porque o arresto é uma providência cautelar que tem a função de antecipar a  penhora, na qual tende a converter-se (art.º 847º do Cód. Proc. Civil)[1], e porque sendo expressa a lei em admitir a penhora dos mesmos bens em diversas execuções (art.º 839º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), não haveria razão alguma para dar ao arresto um tratamento diferente[2]. Do que vem exposto, decorre que os efeitos do arresto perduram, mesmo depois do trânsito em julgado da sentença declarativa condenatória do réu-arrestado, precisamente, porque o arresto antecipa a penhora, transferindo-se para a acção executiva a propor a relação de subordinação existente entre o procedimento cautelar do arresto e acção declarativa de que depende[3].
A instância inicia-se com a propositura da acção (art.º 267º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), in casu com a acção cautelar, e cessa normalmente quando é proferida a sentença definitiva do mérito da causa. Porém a instância pode extinguir-se por causas anormais, que não permitem o desenvolvimento da relação jurídica processual até que o juiz, por sentença definitiva, conheça o litígio. E uma dessas causa é a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [art.º 287º al. e) do Cód. Proc. Civil]. A relação jurídica processual tem como elementos os sujeitos (as partes) e o objecto (pedido e causa de pedir). Se na pendência da instância desaparecer uma das partes, e não for juridicamente admissível a sua substituição, por ser estritamente pessoal o direito substancial por ela invocado ou que lhe era atribuído, ou desaparecer o seu objecto, por exemplo, se perecer a coisa cuja entrega se pede e esta for infungível, ou se a causa de pedir se extinguir por qualquer outro motivo estranho à composição da lide, por exemplo, quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor (cfr. art.º 868º do Cód. Civil), ou, ainda, quando a pretensão do autor encontrou satisfação fora do esquema da providência pretendida, a relação jurídica processual desprovida de um dos seus elementos vitais extingue-se, porque se tornou impossível, ou porque já é inútil a decisão sobre a demanda[4].
Ora, no caso sub judice, com o trânsito em julgado da sentença condenatória da ré-arrestada, proferida nos acção declarativa comum com forma ordinária, da qual o procedimento cautelar de arresto depende, nem os sujeitos se extinguiram no procedimento cautelar em fase de oposição, nem a sua causa de pedir e pedido desapareceram, nem a pretensão da requerente ou da requerida, esta na oposição que deduziu, ficaram satisfeitas fora do esquema da providência pretendida, porque o procedimento cautelar de arresto e a acção principal de que este depende têm finalidades diferentes. Aquele é um importante meio de conservação da garantia patrimonial visando o credor com ele obter a apreensão preventiva dos bens necessários à satisfação do seu crédito, e com esta visa-se obter a condenação do devedor arrestado no cumprimento de uma obrigação, ou seja o crédito a que o arresto respeita.
Por tudo o que vem dito, é pois, manifesto, que o despacho recorrido não se poderá manter. Procede, pois, manifestamente o recurso.
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III. Decisão:
Assim e pelo exposto, julga-se procedente o agravo interposto pela requerente e, consequentemente, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido, e manda-se que o procedimento cautelar prossiga os seus termos com o julgamento da oposição.
Sem custas.
Registe e Notifique (art.º 157º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil).
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Lisboa, 25-11-03

Arnaldo Silva
Rua Dias
Proença Fouto

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[1] Antes da reforma processual da acção executiva de 2003 (Dec. Lei n.º 38/2003, de 08-03). A qual aditou apenas um n.º 3 ao artigo, deixando intactos os n.º 1 e 2. São do processo executivo antes da reforma de 2003 os artigos indicados a ela respeitantes.
[2] Vd. J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, 2.ª Ed., Lisboa – 1971, pág. 269 anotação 5. ao artigo 403º. No âmbito do Cód. Proc. Civil de 1939 havia o art.º 413º que dispunha mesmo que os efeitos do arresto são os mesmos da penhora. E no âmbito da sua vigência ensinava o Prof. J. A. Reis __ Cód. Proc. Civil Anot., Vol. I, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Ld.ª- 1948, págs. 637-638 __ que o arresto corresponde  precisamente à antecipação da penhora, porque produz os mesmos efeitos desta (art.º 413º). Aliás no domínio de vigência do Cód. Proc. Civil 1939 não havia nenhuma norma semelhante ao art.º 410º do Cód. Proc. Civil. E esta solução consagrada no art.º 410º do Cód. Proc. Civil, com a reforma processual de 1995/96 (reforma introduzida pelo DL 329-A/95 de 12-12, com a redacção do DL 180/96, de 25-09), e correspondente já à provinha da solução existente do art.º 382º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil de 1961, que o Prof. J. A. Reis preconizou no âmbito do Cód. Proc. Civil fazendo intervir para o efeito o artigo 847º do Cód. Proc. Civil, na falta de disposição como as do art.º 382º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil na versão original de 1961 e do art.º 410º na versão da  reforma de 1995/96. Vd. obra citada deste professor págs. 636 e segs. Cfr. ainda vd. J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora – 2001, págs. 120 e segs. anotação 4. ao artigo 406º. No mesmo sentido Ac. do STJ de 14-10-1997: BMJ 470 pág. 519, mutatis mutandis por a questão dizer respeito ao arrolamento, mas este tomado na dependência da acção declarativa também antecipam uma medida executiva __ vd., v. g., J. A. Reis, opus cit., pág. 637.
[3] Neste sentido vd. J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora – 2001, pág. 53 anotação 2. ao artigo 389º.
[4] Vd. J. A. Reis, Comentário ao Cód. Proc. Civil, Vol. 3, Coimbra Editora, Ld.ª - 1946, págs. 367 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. II, 2.ª Ed., Lisboa – 1971; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra Editora, 1999, pág. 512 anotação 2.