Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17803/15.4T8LSB-A.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: REVOGAÇÃO DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ACTOS DO ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Não existem duas pessoas distintas uma antes da declaração de insolvência e após revogação dessa declaração e outra durante a pendência do processo de insolvência.
-Existe uma só pessoa coletiva, a sociedade, que durante um determinado período de tempo esteve insolvente, até à revogação da sentença que assim a declarou.
-Nos termos do art. 43º do CIRE, a revogação da sentença de declaração de insolvência não afeta os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência.
-Assim, a citação efectuada na pessoa da Administradora de Insolvência nomeada, bem como todos os actos por esta praticados têm-se por válidos e eficazes.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


C. instaurou ação declarativa, entre outros, contra a Massa Insolvente de P..

A Ré Massa Insolvente arguiu a sua «ilegitimidade ou inexistência».
Alegou que: a ação foi intentada contra a Ré Massa Insolvente em 24/06/2015; a sentença que decretou a insolvência da Ré foi revogada por acórdão do TRP de 23/06/2015 (que deu parcial razão ao recurso de C); conclui ser «duvidosa a existência da entidade contra a qual foi intentada a ação» e «persistirem dúvidas acerca da sua legitimidade».

O tribunal entendeu verificar-se uma situação, não de inexistência ou ilegitimidade, mas de irregular representação da mesma.

Consequentemente ordenou a notificação de P. com as formalidades da citação, para prosseguir na ação no lugar da sua  massa insolvente, advertindo-a de que é obrigatória a constituição de advogado.

Inconformada, interpôs P. competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma:

1.-Não obedece ao mesmo regime legal um crédito sobre a Insolvente e um crédito sobre a sua Massa Insolvente; uma coisa é a A. ser titular de um crédito sobre a Insolvente - que é o que in caso alega -, outra bem distinta é ser titular de um crédito sobre a sua massa Insolvente.
2.-A “Massa Insolvente de P. é ab initio parte ilegítima na presente acção, posto que nela não é alegado que a sua responsabilidade se funda em qualquer das hipóteses previstas nas várias alíneas do nº 1 do art. 51º do CIRE.
3.-Com a prolação do douto Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que anulou a sentença que declarou a Insolvência da ora Apelante, deixou de haver “Massa Insolvente da P., o que, por si só, determina dever esta R. ser absolvida da instância.
4.-À ora Apelante não podem ser opostos os actos processuais praticados pela R. Massa Insolvente, e a ausência da sua citação para deduzir a sua própria defesa, viola frontalmente todos os seus direitos processuais e mesmo constitucionais.
5.-Os regimes do art. 85º, nº 3 do CIRE, e do art. 162º do CSC, regulam de modo diverso ao estabelecido na Lei Geral - designadamente as regras contidas nos arts. 261º e 262º do CPC -, pelo que constituem normas excepcionais, cuja aplicação analógica está vedada pelos comandos do art. 11º do CC.
6.-As funções e responsabilidades do Administrador da Insolvência ou do Liquidatário não se confundem com as do Administrador da Sociedade, para as quais o legislador concebeu regimes distintos. Por esta razão, não se pode aplicar o mesmo regime, mesmo que por analogia, da representação da empresa que é declarada insolvente, ao da empresa insolvente que deixa de o ser.
7.-O douto Despacho sub judice corporiza uma situação subsumível na al. a) do nº 1 do art. 188º do CPC, que se consubstancia na falta de citação da ora Apelante para os presentes autos, o que determina a respectiva nulidade, implicando a nulidade de toda a tramitação ulterior, nos termos da al. a) do art. 187º do CPC.
8.-O douto Despacho recorrendo viola, entre outras, as normas do nº 1 do art. 51º e do nº 3 do art. 85º, ambos do CIRE, dos arts. 261º e 262º, ambos do CPC, do art. 162º do CSC, e do art. 11º do CC.
ASSIM DECIDINDO, SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, revogando o Douto Despacho recorrendo, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, UMA VEZ MAIS,    J U S T I Ç A’’

A C... contra-alegou pugnando pela confirmação do julgado.

São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1.-P. foi declarada insolvente, por sentença proferida em 16/02/2015.
2.-Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/06/ , a referida sentença foi anulada por desprovida de fundamentação, nomeadamente de facto.
3.-Não tendo o processo de insolvência elementos de prova necessários e suficientes para apreciar a situação patrimonial da sociedade, o TRP determinou que os autos prosseguissem em 1.ª instância, devendo aí ser ordenada a correção do parecer emitido pelo administrador judicial provisório, nomeado em sede de processo de revitalização, no sentido de este fundamentar factualmente a situação de insolvência em que diz que a P. incorreu e, após, se outras diligências não se afigurarem necessárias, se decida em conformidade.
4.-Do acórdão do TRP foi interposta revista excecional, que não foi admitida, tendo o despacho de não admissão da revista sido objeto de reclamação que foi indeferida, em consequência do que o acórdão do TRP transitou em julgado e foi remetido ao tribunal a quo em 18 do corrente mês (informação telefónica colhida junto do STJ e de que alguns dos Il. Mand. demonstraram conhecimento).

Do mérito.

O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) dedica todo um capítulo – o IV- ao tema dos efeitos da declaração de insolvência.

De entre as 5 categorias de efeitos consideradas interessa-nos tão-só os efeitos processuais.

O insolvente perde a administração e a disponibilidade dos bens que integram a massa insolvente , a qual se destina, como é sabido, à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (artigo 51.º) e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (artigo 46.º, n.º 1).

Em consequência daquela privação o devedor perde a sua legitimidade processual. ‘’Por isso, em todas as ações patrimoniais pendentes em que o insolvente seja autor ou réu, o administrador de insolvência substitui (por força da lei – artigo 85.º, n.º 3) o insolvente, independentemente da apensação do processo e do acordo da parte contrária – esta substituição é automática , sem necessidade de qualquer habilitação’’ (Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, 6.ª ed.:161).

Se o insolvente continuar a intervir como parte , apesar da declaração de insolvência, e assim sem legitimidade (ilegitimidade superveniente) a sentença que venha a ser proferida é inoponível à massa insolvente Se o insolvente for substituído, os atos que tenha praticado em violação da ilegitimidade serão nulos e deverão ser repetidos.

Como refere Pedro de Sousa Macedo, ‘’a substituição do quebrado pelo administrador resulta da sentença falimentar, impondo-se o seu acatamento a todos Não há que proceder a habilitação para que esta alteração de legitimidade valha para qualquer lide pendente. A sentença falimentar é, permita-se a expressão, uma habilitação universal. Uma vez decretada, em todo e qualquer negócio, em toda e qualquer ação, ‘’ipso facto’’ deixa o falido de ter legitimidade para esta caber ao administrador. Em particular deixa o falido de ser parte para tomar essa posição o administrador. As notificações e os atos que posteriormente se processarem só lograrão validade quando feitas ou praticadas pelo administrador. O falido deixa de ser parte; as notificações que receba ou os actos que pratique apresentam-se como efectuados a ou por pessoa estranha à relação jurídica processual. São, portanto, nulos, havendo que repeti-los’’ (Manual de Direito das Falências, Vol II, 1968:117).

Inversamente, com o encerramento do processo de insolvência, levantada a inibição patrimonial ao devedor, este recupera a sua legitimidade exclusiva para a causa, independentemente de habilitação ou do acordo da contraparte (artigo 233.º, n.º 4).

Como defende, com sabedoria, a recorrida, ‘’parece resultar das alegações de recurso apresentadas pela Ré P., que esta entende existirem duas pessoas distintas, por um lado, a P. antes da declaração de insolvência e após revogação dessa declaração e por outro a P. durante a pendência do processo de insolvência.

Ora, existe uma só pessoa coletiva, a P. que durante um determinado período de tempo esteve insolvente, até à revogação da sentença que assim a declarou.
(…)

Nos termos do art. 43º do CIRE, a revogação da sentença de declaração de insolvência não afeta os efeitos dos atos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência.

Assim, a citação efetuada na pessoa da Senhora Administradora de Insolvência nomeada, bem como todos os atos por esta praticados têm-se por válidos e eficazes.

Deste modo, bem decidiu o despacho recorrido’’

Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso e, consequentemente em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 26.01.2017



Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Decisão Texto Integral: