Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8278/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OPOSIÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A norma consagrada no art. 386.º, n.º 4, do CPC destinou-se, na protecção do requerido, a facultar o exercício efectivo do princípio do contraditório subsequentemente ao decretamento da providência cautelar.
II. Sendo deduzida oposição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 388.º do CPC, o requerido, estando interessado na gravação dos depoimentos cuja audição requer, deve formular também essa pretensão, por efeito do disposto nos arts. 304.º, n.º s 3 e 4, e 384.º, n.º 3, ambos do CPC.
III. Sem esse requerimento, a omissão da gravação do depoimento prestado em audiência não constitui a nulidade processual prevista no art. 201.º, n.º 1, do CPC.
IV. Estando a parte presente na respectiva audiência, a nulidade, a ter existido, devia ser arguida durante a mesma audiência, sob pena de ficar sanada.
(O.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
No procedimento cautelar de arresto que Maria contra R, no 5.º Juízo Cível da Comarca de Oeiras, decretado o arresto, veio a Requerida, em 13 de Julho de 2006, deduzir oposição, indicando prova testemunhal e sendo omissa quanto a requerer a gravação.
Em 14 de Dezembro de 2006, realizou-se a audiência, com a presença do mandatário da Requerida, durante a qual se procedeu ao depoimento da testemunha Pedro Miguel Santos Luís, arrolada pela Requerida, sem que se tivesse procedido à gravação do depoimento.
Mantido o arresto, por decisão de 10 de Janeiro de 2007, a Requerida interpôs recurso, em requerimento apresentado em 22 de Janeiro de 2007, no qual alegava ir impugnar a decisão sobre a matéria de facto, para o que também requereu a “confiança, pelo período de cinco dias”, das “cassetes que contêm a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento”.
Foi, então, proferido despacho, que se limitou a admitir o recurso.
Em requerimento apresentado a 15 de Fevereiro de 2007, a Requerida arguiu a nulidade da omissão da gravação do depoimento da testemunha Pedro Miguel Santos Luís, prestado na audiência realizada a 14 de Dezembro de 2006, referindo ainda só ter tido conhecimento daquela omissão, em telefonema efectuado para o Tribunal, no dia 12 de Fevereiro de 2007.
Sobre esse requerimento, incidiu o despacho, de 7 de Março de 2007, indeferindo a arguição da nulidade.

Inconformada com essa decisão, a Requerida recorreu e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) Torna-se necessário conhecer da nulidade processual cometida pela não documentação do depoimento da testemunha Pedro Luís, prestado no dia 14 de Dezembro de 2006, por violação do disposto no n.º 4 do art. 386.º do CPC.
b) A Requerida só teve conhecimento da preterição de formalidade legalmente prescrita, aquando do telefonema realizado, em 12 de Fevereiro de 2007, para o 5.º Juízo Cível da Comarca de Oeiras.
c) A Requerida não pôde aceder às cassetes que documentam os depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, com violação do princípio do contraditório, previsto no art. 3.º do CPC.
d) E não proporcionando a igualdade substancial das partes, de acordo com o preceituado no art. 3.º-A do CPC, culminando na não efectivação do direito do recurso, constitucionalmente consagrado no art. 20.º da Constituição.

Pretende, com o provimento do recurso, a anulação da referida inquirição e de tudo quanto foi processado subsequentemente, sem prejuízo, subsidiariamente, de ser ordenada a confiança das cassetes que documentam os depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente e pela Requerida e de poder apresentar as suas alegações, tendo presente aqueles depoimentos.

A Requerente não contra-alegou.

A decisão foi, tabelarmente, sustentada.

Cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em causa a nulidade, decorrente da omissão da gravação de depoimento de testemunha, indicada na oposição ao procedimento cautelar de arresto.

II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente agora se enunciou.
A sua solução passa pela interpretação conferida ao disposto no n.º 4 do art. 386.º do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual “são sempre gravados os depoimentos prestados quando o requerido não haja sido ouvido antes de ordenada a providência cautelar”.
Esta disposição legal, introduzida originariamente pelo DL n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, teve como objectivo fundamental proporcionar a efectivação do princípio do contraditório ao requerido, possibilitando-lhe o acesso aos depoimentos que determinaram o juiz a decretar a providência cautelar, sempre que, por efeito directo da lei ou por decisão do juiz, não tenha sido ouvido previamente (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, pág. 353).
Na verdade, situações específicas existem em que a lei dispensa a audiência do requerido, como sucede nomeadamente com os procedimentos cautelares especificados da restituição provisória de posse (art. 394.º do CPC) e do arresto (art. 408.º, n.º 1, do CPC). Por outro lado, igual dispensa, ainda que excepcional, ocorre em geral, por determinação do juiz, quando a audiência do requerido ponha em risco a eficácia da providência (art. 385.º, n.º 1, do CPC).
No caso de dispensa da audiência do requerido, decretada a providência cautelar, pode aquele, em alternativa, recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, ou, então, deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (art. 388.º, n.º 1, do CPC).
Trata-se, com efeito, como consta expressamente da respectiva epígrafe, do exercício do princípio do contraditório subsequente ao decretamento da providência cautelar.
À oposição, nos termos previstos no art. 388.º, n.º 1, alínea b), do CPC, aplica-se, “com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386.º e 387.º”.
É baseado nesta norma legal que a recorrente, apoiada na doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2000 [Boletim do Ministério da Justiça, n.º 499, pág. 205, e Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano VIII, t. 2, pág. 153], entende que sobre o Tribunal impende o dever oficioso de diligenciar pela documentação da audiência, através da respectiva gravação.
Contudo, não obstante o conforto procurado no citado aresto, não se nos afigura como correcto tal entendimento.
Com efeito, a norma constante do n.º 4 do art. 386.º do CPC, tanto pelo objectivo pretendido alcançar com a sua consagração, já antes expresso, como também pela sua inserção sistemática, apenas tem aplicação no caso da dispensa de audiência do requerido antes de ser decretada a providência.
Nesta eventualidade, a gravação dos depoimentos é automática, não necessitando sequer de ser requerida, pela respectiva parte, no requerimento inicial, como, por regra, sucede, nos termos do disposto no art. 304.º, n.º s 3 e 4, do CPC, aplicável por remissão expressa do n.º 3 do art. 384.º do CPC, subsidiariamente aplicável ainda aos procedimentos nominados (art. 392.º do CPC).
Nos outros casos, a gravação dos depoimentos tem de ser requerida pelas partes, em conformidade com o disposto no art. 304.º, n.º s 3 e 4, do CPC.
Por isso, quando da dedução da oposição ao arresto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 388.º do CPC, o requerido, estando interessado na gravação dos depoimentos cuja audição requer, deve formular essa pretensão, pois, de contrário, não cumprindo essa formalidade, opera a pura oralidade.
Neste sentido, decidiram os acórdãos desta Relação, de 15 de Abril de 1999 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV, t. 2, pág. 107), e de 3 de Novembro de 2005 (Processo n.º 10.046/2005-6), acessível em www.dgsi.pt. Também na mesma direcção tem seguido a doutrina, citando-se, para além do autor já mencionado, J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, pág. 34, e A. ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 3.ª edição, pág. 228.
Dada a finalidade da gravação prevista no n.º 4 do art. 386.º do CPC, que desse modo serve de garantia ao requerido, não é possível surpreender uma situação violadora do princípio do contraditório ou do princípio da igualdade substancial das partes, susceptível de dificultar ou impedir a realização concreta do seu direito, afastando qualquer vício de inconstitucionalidade, por alegada violação ao art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste contexto, não tendo a recorrente, quando deduziu a sua oposição ao arresto, requerido a gravação dos depoimentos das testemunhas, não havia a obrigatoriedade de proceder à gravação do depoimento da testemunha Pedro Luís, prestado na audiência ocorrida no dia 14 de Dezembro de 2006.
Por isso, a falta da sua gravação não corresponde a uma omissão de formalidade legalmente prescrita, estando excluído o cometimento da nulidade processual prevista no art. 201.º, n.º 1, do CPC.

Mas, ainda que, porventura, se tivesse cometido tal nulidade processual, a sua arguição sempre seria improcedente, por dedução para além do prazo contemplado no art. 205.º, n.º 1, do CPC.
Efectivamente, tendo a recorrente estado presente, através do seu mandatário, na audiência em que foi prestado o depoimento da testemunha por si arrolada, impunha-se a arguição da nulidade durante a audiência, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 205.º do CPC.
Na verdade, sendo conhecidos os meios pelos quais se procede à gravação dos depoimentos em audiência, não era possível, a não ser por distracção indesculpável, ignorar a omissão da gravação no momento em que teria de estar a realizar-se.
Deste modo, seria inaceitável que o conhecimento da nulidade pela recorrente apenas tivesse ocorrido, como alegou, no dia 12 de Fevereiro de 2007.
Não sendo a nulidade arguida durante a audiência do dia 14 de Dezembro de 2006, mas apenas em 15 de Fevereiro de 2007, estaria já nesta altura a nulidade sanada, pelo decurso do respectivo prazo de arguição.
Neste contexto, improcedendo manifestamente a arguição da nulidade, não poderia declarar-se a anulação do respectivo acto, assim como dos actos subsequentes que daquele dependessem absolutamente.

No requerimento de 15 de Fevereiro de 2007, constante dos presentes autos, a recorrente limitou-se a arguir a aludida nulidade, constituindo apenas esta o objecto do despacho ora impugnado.
Por isso, não sendo lícito no despacho conhecer-se de outras questões, também a recorrente não podia ir além na delimitação do objecto do recurso.
Nesta perspectiva, de nada releva a alegação feita relativamente à questão da “confiança” da gravação dos depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrida.

2.2. Em face do que fica descrito, pode extrair-se de mais relevante:
1) A norma consagrada no art. 386.º, n.º 4, do CPC destinou-se, na protecção do requerido, a facultar o exercício efectivo do princípio do contraditório subsequentemente ao decretamento da providência cautelar.
2) Sendo deduzida oposição, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 388.º do CPC, o requerido, estando interessado na gravação dos depoimentos cuja audição requer, deve formular também essa pretensão, por efeito do disposto nos arts. 304.º, n.º s 3 e 4, e 384.º, n.º 3, ambos do CPC.
3) Sem esse requerimento, a omissão da gravação do depoimento prestado em audiência não constitui a nulidade processual prevista no art. 201.º, n.º 1, do CPC.
4) Estando a parte presente na respectiva audiência, a nulidade, a ter existido, devia ser arguida durante a mesma audiência, sob pena de ficar sanada.

Nestes termos, não relevando as conclusões do recurso, não está este em condições de obter o pretendido provimento, sendo caso para confirmação da decisão recorrida, a qual não violou a lei aplicável.

2.3. A recorrente, ficando vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade prevista no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a recorrente no pagamento das custas.
Lisboa, 11 de Outubro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)