Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2603/07.3TMSNT.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Enquanto durar a suspensão da instância só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável.
- Os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão da instância, mas havendo falta de impulso processual negligente do autor por mais de seis meses no incidente de habilitação de herdeiros de uma ré falecida, tal negligência reflecte-se no processo principal, pois neste a instância apenas podia prosseguir depois de ser proferida e notificada a decisão a julgar habilitada a herdeira da falecida ré.
- Tendo decorrido mais de seis meses sem que o autor tenha impulsionado o incidente de habilitação de herdeiros, conformando-se até com a decisão que julgou deserta a instância nesse incidente, deve ser julgada deserta a instância no processo principal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – Relatório:


Na acção declarativa sob a forma de processo sumário instaurada por J... contra M..., O... e M..., foi proferido o seguinte despacho em 30/10/2014:

«Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho datado de 18-04-2013, foi a instância suspensa, por entretanto ter sido dado conhecimento nos autos do óbito da Ré O..., despacho notificado a 19-04-2013.

A 21-06-2013 foi requerido o incidente de habilitação de herdeiros da Ré falecida, que, por ter sido junta aos autos principais, foi mandado desentranhar e autuar por apenso a 27-06-2013.

O incidente de habilitação de herdeiros correu os seus termos, tendo a decisão datada de 02-06-2014, sido declarada deserta, nos termos do artigo 281º do CPC, despacho notificado às partes a 3-06-2014 e que já transitou julgado.

Entretanto, nos autos principais e na sequência da deserção do incidente de habilitação de herdeiros, por despacho, de fls 212, a 11-07-2013, foi mantida a suspensão da instância já ordenada a 18-04-2013.

Vem o A., por requerimento de 3-06-2014, requerer a intervenção principal provocada de vários intervenientes.

Cumpre apreciar:

Verifica-se dos factos supra referidos que a instância principal está suspensa, desde 22-04-2013 até à data em que o A., por requerimento datado de 3 de Junho de 2014, vem requerer a intervenção principal provocada das pessoas por si identificadas.

Ora, desde 22-04-2013 até 3-06-2014, decorreram mais de seis meses sem que o A., a quem lhe incumbia o impulso processual, fizesse prosseguir os autos, nomeadamente com o terminus do incidente de habilitação de herdeiros com a sentença que os habilitasse, o que não veio a suceder (pressuposto para a que instância possa prosseguir contra os herdeiros da falecida), porquanto o mesmo incidente veio a terminar com a deserção, por falta de impulso.

Estando a instância principal, sem qualquer impulso processual, por parte de quem tem tal ónus, por mais de seis meses, a consequência de tal omissão é a deserção da instância, atento o disposto no artigo 281º do CPC.

Nestes termos, julgo a presente instância deserta, nos termos do artigo 281º do CPC.
Notifique.».

*

Inconformado, apelou o Autor, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. A instância estava suspensa, não correndo os prazos judiciais e apenas podendo praticar-se validamente os atos urgentes destinados a evitar dano irreparável;

B.  A meretíssima juíza a quo aplicou, erradamente, o artigo 281º do Código Processo Civil;

C. Abstendo-se de decidir sobre a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada instaurado pelo Autor, incumprindo o disposto nos artigos 316º e seguintes do CPC.

Termos em que deve a decisão da 1ª instância ser revogada e, em consequência verificar-se o prosseguimento dos autos.

*

A Ré M... contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se deve ser ordenado o prosseguimento dos autos na acção principal a fim de ser proferida decisão sobre o incidente de intervenção principal provocada.

*

III – Fundamentação:

A) A factualidade a considerar é a seguinte:

1 –  A acção foi instaurada pelo A. J... em 29/03/2007.

2 –  Em 26/02/2013 foi realizada audiência preliminar (acta de fls. 172 a 178).

3 – Em 14/03/2013 foi apresentado requerimento por R... subscrito pela sua patrona Dra Cristina Carrasco, dizendo que a sua mãe, a Ré O..., faleceu em 03/05/2011 (cfr fls. 181 a 187 e fls. 199 a 202).

4 - Em 18/04/2013 foi proferido despacho declarando suspensa a instância nos termos do art. 276º do CPC face à certidão do assento de óbito da Ré O... de fls. 182.

5 – Essa decisão foi notificada e não foi impugnada.

6 – Em 21/06/2013 o A. deduziu incidente de habilitação de herdeiros da falecida Ré O... onde alegou que R... é filha da falecida Ré O... e desconhece se existem mais sucessores para além desta e requereu a citação edital dos sucessores incertos - apenso B.

7 – No apenso B foi proferido o seguinte despacho em 11/07/2013: «Cite (artigos 372º e 375º do CPC)».

8 – No apenso B foi citada a habilitanda R... em 16/07/2013 (fls 8 e 23).

9 – No apenso B foi enviado o anúncio para citação dos sucessores incertos da falecida Ré O... à mandatária do A., em 16/07/2013, para diligenciar pela sua publicação (fls 18).

10 – No apenso B foi devolvida a carta para notificação de M..., Ré já habilitada no apenso A como herdeira do primitivo falecido Réu J..., e foi lavrada lavrada «Certidão Negativa» em 23/09/2013 onde consta que «não levei a efeito a citação/notificação do Habilitado: M...».

11 – No apenso B foi notificada a mandatária do Autor, conforme certificação CITIUS elaborada em 11/11/2013, nestes termos: «Assunto: Certidão Negativa:

Fica V. Exa notificado, relativamente ao processo supra identificado, da Certidão Negativa, cuja fotocópia se remete» (fls. 40).

12 – O Autor nada requereu no apenso B após essa notificação.

13 – No apenso B foi proferido o seguinte despacho em 02/06/2014:

«Em face do tempo decorrido, julgo extinta a instância por deserção (art. 281º do CPC).

Custas pelo Requerente».

14 – O despacho mencionado em 13) foi notificado à Dra Ana Cecília Ferreira (patrona do Autor), à Dra Luzete Bandeira (patrona do Réu M... e mandatária da Ré habilitada M...), à Dra Susana Araújo (patrona da R. habilitada Z...) e à Dra Cristina Carrasco (mandatária da habilitanda R...), conforme certificação CITIUS elaborada em 03/06/2014 (fls 42 a 45 do apenso B).

15 – O despacho mencionado em 13) não foi impugnado.

16 – Em 03/06/2014 o A. deduziu no processo principal incidente de intervenção principal provocada de L..., M... e R... alegando que as duas primeiras são irmãs da Ré M... e por isso são também proprietárias da fracção autónoma de que o A. é arrendatário e que a terceira juntou aos autos certidão de nascimento comprovando ser filha da falecida Ré O....

17 – Em 30/10/2014 foi proferido o despacho recorrido (fls 215/216 do processo principal).

*

B) O Direito

Sustenta o apelante que a 1ª instância aplicou erradamente o art. 281º do CPC, dizendo no corpo da alegação que à data da dedução do incidente de intervenção principal provocada mantinha-se a suspensão da instância pois, por um lado, não tinha sido proferido despacho a ordenar a cessação da suspensão e, por outro lado, a decisão proferida no incidente de habilitação de herdeiros ainda não tinha transitado em julgado, concluindo que podia deduzir o incidente de intervenção principal provocada e que devia ter sido tomada posição sobre o mesmo nos termos do disposto nos art. 316º e ss do CPC.

Vejamos.

O art. 276º nº 1 al a) do CPC dispunha:

«1 – A instância suspende-se nos seguintes casos:

Quando falecer ou se extinguir alguma das partes (…)»
(com igual redacção veja-se o art. 269º nº 1 al a) do NCPC).
Enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável e os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão (cfr art. 283º nº 1 e 2 do anterior CPC e art. 275º nº 1 e 2 do NCPC).

O incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo apelante não constitui um acto urgente destinado a evitar dano irreparável pelo que não podia ser deduzido durante a suspensão da instância. Repare-se, aliás, que incompreensivelmente o apelante requereu a intervenção principal provocada de R... quando esta é precisamente a pessoa identificada no apenso B (autos de incidente de habilitação de herdeiros) como sendo a herdeira conhecida da falecida Ré O... Janeiro e que já foi citada nesse apenso.

Vejamos então se havia fundamento para julgar deserta a instância no processo principal em 30/10/2014.

O art. 281º do NCPC estabelece:

«1 – Sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 – (…)
3 – (…)
4 – A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 – (…)».
O despacho proferido no apenso B que julgou deserta a instância não indicou qual foi a conduta omissiva do Autor – mas é certo que não resulta do processo físico que o Autor tenha diligenciado pela publicação do anúncio para citação edital dos sucessores incertos, o que, a não ter sido feito, consubstanciará realmente falta de impulso processual negligente; no que respeita à requerida M... tem de se considerar notificada apesar da devolução da carta para a sua notificação (cfr art. 255º nº 1 e 254º nº 3 do CPC e 249º nº 3 do NCPC), pois foi habilitada como Ré no apenso A e esteve presente na audiência preliminar realizada no âmbito do processo principal em 26/02/2013 (cfr acta a fls. 172/173).

Mas a verdade é que o Autor nada requereu no apenso B após a notificação efectuada à sua patrona em 11/11/2013 e não impugnou o despacho de 02/06/2014 que julgou deserta a instância no incidente de habilitação de herdeiros.

Assim, porque desde a notificação de 11/11/2013 (no apenso B) até à data do despacho proferido no processo principal - 30/10/2014 - decorreram mais de seis meses sem que o Autor tenha validamente impulsionado este último e sem que algo tenha requerido no apenso B com vista ao seu prosseguimento, antes se conformando com a decisão que aí julgou deserta a instância, impõe-se confirmar a decisão recorrida embora com fundamentação não inteiramente coincidente. Com efeito, apesar de os prazos judiciais não decorrerem durante a suspensão da instância, havendo falta de impulso processual negligente do A. por mais de seis meses no apenso B contados pelo menos desde 11/11/2013, tal negligência reflecte-se no processo principal, pois neste a instância apenas podia prosseguir depois de ser proferida e notificada a decisão a julgar habilitada a herdeira R...

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IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante sem prejuízo do apoio judiciário.


Lisboa, 30 de Abril de 2015


Anabela Calafate
Tomé Ramião
José Vítor dos Santos Amaral