Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
229/14.4T8FNC-O.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR PARA COM A SOCIEDADE
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE CONCORRÊNCIA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A acção intentada ao abrigo do disposto no artigo 72.º do CSC tem subjacente a produção de danos causados pela violação de específicos deveres (contratuais ou legais) por parte dos administradores para com a sociedade.
II. Os direitos da sociedade que por tal acção se pretendam fazer valer prescrevem no prazo de cinco anos contados a partir, entre outros, da verificação do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador – artigo 174.º, n.º 1, al. b), do CSC.
III. Tal prazo encontra-se sujeito às normas substantivas da interrupção da instância – artigos 323.º a 327.º do CC -, nessa medida se interrompendo pela citação que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (artigo 323.º, n.º 1 do CC), com a consequente inutilização do tempo anteriormente decorrido.
IV. Os efeitos decorrentes do regime referido no ponto anterior restringem-se ao concreto direito com relação ao qual a prescrição é interrompida (e não a quaisquer outros direitos).
V. Tendo sido intentadas duas acções contra a mesma ré com fundamento em factos susceptíveis de integrar responsabilidade civil com fundamento em violação de normas do Direito da Concorrência que correspondem a alegadas condutas da ré no âmbito das relações contratuais existentes entre as partes e com elas directamente conexionadas – independentemente de estar em causa uma responsabilidade extracontratual (como defendido pelas autoras de tais acções) ou uma responsabilidade contratual (como entendido pelas instâncias, por decisões já transitadas em julgado) -, e vindo a ser depois intentada uma terceira acção de responsabilidade de administrador para com a sociedade, nos termos previstos pelo citado artigo 72.º do CSC, pela qual se qualifica a mesma ré como administradora de facto (de uma das sociedades que assumiu a posição de autora naquelas primeiras acções), as citações ocorridas no âmbito das primeiras não interrompem o prazo prescricional previsto no artigo 174.º do mesmo código, porquanto a natureza dos direitos em causa naquelas duas é distinta da natureza do direito invocado na terceira acção.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Por apenso ao processo de insolvência referente à sociedade I … SA, veio a Massa Insolvente, representada pelo respectivo administrador judicial - R -, intentar acção declarativa comum de condenação contra A … International, peticionando a condenação desta última a pagar-lhe “a quantia de €24.796.467,66 (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
Para tanto imputa à ré, na qualidade de administradora de facto da I … SA, a prática de actos ilícitos (violadores dos deveres de lealdade e de cuidado), no período ocorrido entre Abril de 2008 e Julho de 2011, que acarretaram danos para a insolvente (determinando, inclusive, a sua declaração de insolvência), nessa medida devendo ser responsabilizada nos termos previstos pelo artigo 72.º do CSC.
Na petição inicial justificou a tempestividade da acção nos seguintes moldes:
“(…) a prática continuada de factos ilícitos e dolosos que fundamentam a presente ação cessou no mês de julho de 2011. // 20.ª Em 25/02/2012, cinco dias após a propositura da aludida ação com o n.º de processo 135/12.7TCFUN, o prazo de prescrição do direito à indemnização da I … SA teve-se por interrompido (cfr. artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) – cfr. petição inicial que se junta como DOCUMENTO N.º 1. // 21.º Nesse mesmo dia, o aludido prazo prescricional recomeçou novamente a sua contagem, atenta a decisão de absolvição da Ré da instância (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil), que ora se junta como DOCUMENTO N.º 1-A // 22.º Tendo-se novamente interrompido em 03/04/2016, cinco dias após a propositura da ação com o n.º de processo 2312/16.2T8FNC (cfr. artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) – conforme petição inicial que se junta como DOCUMENTO N.º 2, // 23.º E, no mesmo dia, recomeçado a sua contagem, tendo em atenção a nova decisão de absolvição da Ré da instância (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil), que ora se junta como DOCUMENTO N.º 2-A. // 24.º Deste modo, o direito da I … SA de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Ré prescreve no próximo dia 03/04/2021.”

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual deduziu defesa por impugnação e defesa por excepção.
Entre outras, invocou a excepção da prescrição, com a inerente absolvição do pedido.
Para tanto alegou: “(…) 155.º Com efeito, iniciar uma ação com base em responsabilidade contratual ou extracontratual (como ocorreu no P. 135/12 e no P. 2312/16), é, por natureza, distinto de iniciar uma ação com base em suposta responsabilidade de um administrador, sendo absurdo que se pretenda que quem é citado para uma ação assente na suposta responsabilidade contratual ou extracontratual está, ainda que indiretamente, a tomar conhecimento de que o Autor dessa ação poderá também vir a querer demandá-lo como administrador. // 156.º Mais: esta pretensão da Autora contradiz frontalmente a posição em que assenta esta sua nova tentativa de demandar a A … International nos Tribunais portugueses, que pressupõe necessariamente que esta ação seja distinta das duas ações intentadas anteriormente (e que as várias instâncias já decidiram não poder ser apreciadas pelos Tribunais portugueses – cfr. Docs. n.º 5 e 6 já juntos). // 157.º Com efeito, a I … SA não pode simultaneamente querer uma coisa e o seu contrário. Ou seja, a I … SA não pode, simultaneamente, pretender, para se distanciar das decisões de absolvição da instância proferidas nos processos P. 135/12 e P. 2312/16, que o facto de agora dar uma configuração jurídica diferente aos factos aqui em causa, qualificando-os como integrando uma suposta responsabilidade da A … International como suposta administradora de facto, é suficiente para afastar o regime da responsabilidade contratual, e, nesse sentido, afastar a cláusula de escolha de lei e de atribuição de jurisdição aos tribunais irlandeses, e por outro lado, pretender que os pedidos deduzidos nas ações anteriores estão em linha com o que agora é pedido nesta ação, e, procurando agora prevalecer-se dessa proximidade, tentar aproveitar as citações efetuadas nessas duas outras ações e sustentar que as mesmas tiveram o efeito de interromper o prazo de prescrição da responsabilidade por supostos atos do administrador. // 158.º Com efeito, a jurisprudência é clara no sentido de que o efeito de interrupção do prazo prescricional só opera quando o direito que se pretende exercer na ação em que se dá a primeira citação é idêntico ao direito que se pretende exercer na nova ação, sob pena de este regime de interrupção da prescrição se poder prestar a toda a espécie de abusos, como o aqui pretendido pela Autora. // (…) 162.º   Face ao exposto, sendo manifesto que o direito que se pretendia exercer no P. 135/12 e no P. 2312/16, relativo à suposta responsabilidade contratual (ou, quanto muito, extracontratual) da A … International, é de natureza distinta do direito à indemnização por suposta atuação ilícita de administrador de facto invocado na presente ação, a citação ocorrida nos referidos processos judiciais não interrompeu o prazo de prescrição de cinco anos para exercício de eventuais direitos contra o suposto administrador. (…) // 164.º Sendo aqui de realçar que, mesmo a atentar na tese da Autora (cfr. artigo 19.º da p.i.), o termo dessa suposta conduta dolosa ocorreu pelo menos em julho de 2011, pelo que não há dúvida de que pelo menos desde julho de 2016 esse direito estaria prescrito. // 165.º Sem prejuízo do exposto e, mais uma vez, sem conceder, ainda que se pudesse  considerar que, como refere a Autora, a lei portuguesa é aplicável e o prazo de prescrição se suspendeu com a citação da A … International nos processos P. 135/12 e P. 2312/16, ainda assim a suposta responsabilidade da A … International enquanto alegada administradora de facto da I … SA já teria prescrito quanto a grande parte dos factos supostamente ilícitos alegados na P.I., cuja prática ocorreu e cessou mais de cinco anos antes de 25 de fevereiro de 2012 (que corresponde à data em que ocorreu a citação para o P. 135/12, e, nas palavras da Autora, se interrompeu pela primeira vez o prazo de prescrição. // 166.º Com efeito, como resulta claro do teor dos artigos 129.º e seguintes da p.i., os supostos factos alegados pela Autora quanto à suposta atuação ilícita da A … International no que respeita à demissão de trabalhadores ocorreram entre os anos de 2004 e 2006, pelo que, pelo menos no que respeita aos factos relativos a essa matéria em concreto (bem como a quaisquer outros ocorridos até 25 de fevereiro de 2007, ou seja, cinco anos antes da citação da A … International para o P. 135/12), qualquer eventual direito da Autora a demandar a A … International pela sua responsabilidade enquanto alegada administradora estaria já prescrito antes de a A … International ter sido citada para o P. 135/12. // 167.º Face a tudo o que vai exposto, dão-se aqui por reproduzidas as considerações supra expostas quanto à verificação da exceção de prescrição, devendo, em consequência, ser a Ré integralmente absolvida do pedido, logo no despacho saneador, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC (ou, quanto muito, assim não se entendendo, ser a Ré absolvida parcialmente do pedido relativamente a quaisquer factos ocorridos antes e até 25.02.2007, em particular quanto aos supostos factos referentes à sua alegada ingerência na demissão de colaboradores da I … SA).”

A autora apresentou réplica[1], pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela ré, sendo que, no que concerne à excepção de prescrição, referiu não poder a sua interrupção ficar dependente da qualificação jurídica dada aos factos (não estando o tribunal vinculado às alegações das partes em matéria de direito, podendo alterar a qualificação jurídica que tenha sido dada).
Mais referiu: “(…) 188.º Ora, não há dúvidas de que nas ações com o n.º de processo 135/12.7TCFUN e 2312/16.2T8FNC se convocou uma fonte de responsabilidade distinta daquela que ora se pretende efetivar: naquelas, a Autora e a sociedade T … SA pretenderam efetivar a  responsabilidade civil extracontratual da Ré, pela prática de abusos de posição dominante e abusos de dependência económica, ao abrigo dos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (correspondentes aos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), // 189.º Ao passo que na presente ação se pretende efetivar a responsabilidade societária da Ré, pela violação dos deveres legais que sobre si impendiam enquanto administradora de facto da I …SA. // 190.º No entanto, em ambas as ações, os factos de que emerge o direito à indemnização peticionado pela Autora são os mesmos (sendo mesmo parcialmente restringidos no caso dos presentes autos). // 191.º   Isto é, a pretensão indemnizatória da Autora procede do mesmo “facto jurídico”, na aceção do artigo 581.º, n.º 4, do CPC. // 192.º Ou, doutro modo dito, o direito exercido em cada uma das ações não só emerge dos mesmos factos, como é materialmente o mesmo: trata-se de um direito indemnizatório da Autora, estabelecido em decorrência dos comportamentos firmados pela Ré, os quais, como se começou por notar na presente resposta, são suscetíveis de assumir diferentes qualificações jurídicas. // 193.º Nessa medida, o prazo prescricional em apreço interrompeu-se por duas vezes anteriormente à propositura da presente ação, sendo que, ao ser citada para as referidas ações, a ora Ré ficou naturalmente a saber da intenção da Autora agir pela via judicial conta os atos por si perpetrados, no que, por sua vez, não podem deixar de considerar-se todos os meios jurídicos que visam a defesa do seu direito à indemnização. (…) // 196.º Em face do exposto, conclui-se, pois, que o prazo prescricional previsto no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC se interrompeu em 25/02/2012 e em 03/04/2016, com a propositura, respetivamente, das ações com o n.º de processo 135/12.7TCFUN e 2312/16.2T8FNC, // 197.º Tendo recomeçado a sua contagem em 03/04/2016, atendendo à decisão de absolvição da Ré da instância proferida no processo n.º 2312/16.2T8FNC (cfr. artigo 327.º, n.º 2, do Código Civil e DOC. N.º 2-A junto à Petição Inicial). // 198.º Deste modo, o direito da I …SA de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Ré apenas prescreveria em 03/04/2021. (…)”.

Realizou-se uma tentativa de conciliação, a qual se gorou, tendo sido decidido, com expressa anuência de ambas as partes, que o despacho saneador seria proferido por escrito (Ref.ª/Citius 51179018).

Foram juntas aos autos certidões, com nota de trânsito em julgado, das decisões proferidas no âmbito dos Procs. n.º 135/12.7TCFUN e n.º 2312/16.2T8FNC.

Em 17/11/2022, foi proferido despacho saneador no qual, para além do mais, foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de incompetência internacional do tribunal e de ilegitimidade passiva processual da ré e julgada procedente a excepção peremptória de prescrição, com a inerente absolvição do pedido da ré.

Não se conformando com tal decisão, no segmento que julgou procedente a excepção de prescrição, dela interpôs RECURSO a Massa Insolvente da I …SA, tendo para tanto formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
A) A Autora, ora Recorrente, interpõe o presente recurso de apelação do despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo em 17/11/2022, na parte em que julgou procedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Recorrida na sua Contestação, e, em consequência, determinou a sua absolvição do pedido.
B) Entende a Recorrente que o despacho recorrido deve ser revogado, por fazer o mesmo uma interpretação errada do disposto no artigo 323.º, n.º 1 e 2, do CC.
Vejamos:
C) O objeto da presente ação de condenação consiste na prática continuada de atos ilícitos pela Recorrida, na qualidade de administradora de facto da I … SA e em violação dos seus deveres legais, entre abril de 2008 e julho de 2011.
D) Os atos ilícitos praticados pela Recorrida integraram já o objeto de duas ações anteriores, as quais correram termos no Juízo Central Cível do Funchal, respetivamente Juiz 4 e Juiz 2, sob os números de processo 135/12.7TCFUN e 2312/16.2T8FNC.
E) Nessas ações, a I … SA e a sociedade T … SA pretenderam efetivar a responsabilidade civil extracontratual da Recorrida, pela prática de abusos de posição dominante e abusos de dependência económica.
F) Todavia, em ambas as ocasiões as instâncias vieram a considerar que os factos em apreço seriam idóneos a gerar uma eventual responsabilidade civil contratual da Recorrida, e não a responsabilidade civil delitual invocada pelas aí Autoras.
G) Assim, ambas as ações culminaram com a absolvição da Ré da instância, em resultado da procedência de uma invocada exceção de violação de pacto atributivo de jurisdição, o qual se encontrava aposto nos contratos existentes entre as partes e que atribuía aos tribunais da Irlanda a competência para dirimir eventuais litígios resultantes da execução dos mesmos.
H) Contudo, a atuação conduzida pela A … International, que conduziu à total evicção da I … SA do mercado, assume contornos e gravidade tais que afronta e viola, em simultâneo, diferentes princípios e institutos jurídicos, todos eles justificando em igual medida o direito à indemnização da I …SA, motivo pelo qual a Recorrente intentou a presente ação de responsabilidade contra a Recorrida, enquanto administradora de facto da I …SA.
I) Nos termos do disposto no artigo 174.º, n.º 1, alínea b), do CSC, os direitos da sociedade contra os administradores prescrevem no prazo de cinco anos, contados do termo da conduta dolosa ou culposa do administrador.
J) Sucede, porém que este prazo de prescrição se interrompeu por duas vezes, em 25/02/2012 e em 03/04/2016, na sequência da propositura das aludidas ações com o n.º de processo 135/12.7TCFUN e 2312/16.2T8FNC (cfr. artigos 323.º, n.ºs 1 e 2 e 327.º, n.º 2, do Código Civil).
K) Deste modo, o direito da Recorrente de se ver ressarcida dos danos que culposamente lhe foram provocados pela Recorrida apenas prescreveria a 03/04/2021.
L) E, tendo a presente ação sido intentada a 12/01/2021, esta é necessariamente tempestiva.
M) Contudo, assim não entendeu o Tribunal a quo, tendo antes considerado que “[…] as citações operadas nas acções cíveis supra identificadas não têm a virtualidade de interromper o prazo de prescrição do direito aqui em causa, como seja o direito à indemnização emergente da responsabilidade da Ré por danos causados à Autora, na qualidade de sua gerente de facto”, porque “o direito em causa nesta acção é assim distinto daquele constante nas acções cíveis supra identificadas, muito embora possa assentar em factos idênticos”.
N) Não tem razão o Tribunal a quo.
Com efeito:
O) O artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil prevê que: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
P) O Tribunal a quo entendeu que as duas ações judiciais propostas contra a Recorrida, nas quais foram invocados os mesmíssimos factos que estão em causa na presente ação e peticionada, tal como aqui, a condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização pelos danos causados em decorrência desses factos, não constituem atos judiciais que exprimam a intenção da Recorrente de exercer o seu direito indemnizatório contra a Recorrida, por estarem em causa nessas ações fontes de responsabilidade distintas da que ora se pretende fazer valer.
Q) Mas não é, manifestamente, assim: pelo contrário, conforme é entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, a extensão objetiva do efeito interruptivo da prescrição determina-se única e exclusivamente pelo pedido e pela causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica concretamente atribuída pelas partes aos factos em causa.
R) Deste modo, o efeito interruptivo da prescrição provocado pela citação do devedor numa ação judicial é extensível às pretensões em discussão num processo posterior, desde que estejam em causa o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.
S) Ora, nos termos do disposto no artigo 581.º, n.º 3, do CPC, “[h]á identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”, entendendo-se esse como “o efeito prático jurídico a alcançar”.
T) O efeito prático jurídico que a Recorrente visa alcançar é o mesmo nas três ações propostas contra a Recorrida: a condenação da mesma no pagamento de uma quantia indemnizatória, acrescida de juros moratórios à taxa legal, a título de compensação pelos danos por esta causados com a conduta ilícita que se lhe imputa, independentemente da concreta qualificação jurídica que a mesma revista, de mais a mais num caso de concurso de responsabilidades, como o presente.
U) O facto de o valor peticionado nestes autos ser distinto – para menos – do peticionado nas ações anteriores é irrelevante para efeitos prescricionais, importando apenas que o efeito jurídico pretendido seja o mesmo – como é manifestamente o caso.
V) É, pois, manifesto que existe identidade entre o pedido formulado na presente ação e os pedidos formulados nas ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016.
W) Por outro lado, no que respeita à identidade de causa de pedir, não pode haver dúvida de que os factos de que emerge o direito à indemnização peticionado pela Recorrente nestes autos são os mesmos que sustentam o direito à indemnização peticionado nas duas ações anteriores.
X) A circunstância de os factos alegados nas três ações propostas terem sido qualificados de forma distinta pela Recorrente é absolutamente irrelevante para a aferição da identidade da causa de pedir.
Y) Neste sentido, vide, por exemplo, JOÃO CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, que confirmam o seguinte: “a causa de pedir é integrada por factos jurídicos, ou seja, por factos juridicamente qualificados, mas a causa de pedir são os factos, e não a sua qualificação jurídica”.
Z) Nem poderia ser de outro modo, porquanto a qualificação jurídica dos factos está na disponibilidade do Tribunal, e não das partes, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC.
AA) É igualmente entendimento unânime na jurisprudência que “[a] essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/04/2013, Processo n.º 770/07.3TBVFR.P1.S1).
BB) Sendo forçoso concluir, por isso, que é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência que a causa de um pedido é constituída pelos elementos fácticos essenciais para a aplicação do direito pelo tribunal, sendo, no entanto, independente da qualificação jurídica que o autor ou o tribunal venham concretamente a dar aos mesmos.
CC) Isto, precisamente, porque o Tribunal não está vinculado às alegações das partes em matéria de direito, podendo alterar a qualificação jurídica dada aos factos pelas partes.
DD) Pelo que, se se entendesse que a causa de pedir abrange a qualificação jurídica dada pelo autor aos factos alegados e que, consequentemente, a interrupção da prescrição depende dessa mesma qualificação jurídica – como o fez, erradamente, o Tribunal a quo – tal implicaria, desde logo, que nenhum prazo prescricional se pudesse considerar interrompido, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, quando o tribunal entendesse alterar essa qualificação,
EE) Ficando, nesse caso, o efeito interruptivo da prescrição do direito condicionado à qualificação jurídica efetivamente atribuída pelo tribunal a determinados factos, o que nunca se poderia admitir, por não ser essa a solução positivada na lei.
FF) Ora, in casu, nas três ações propostas a Recorrente alegou o mesmo conjunto de factos essenciais com vista à condenação da Recorrida na satisfação do seu direito indemnizatório, sendo irrelevante que tais factos se subsumam a diferentes qualificações jurídicas ou fontes de responsabilidade (todas elas assentes, sem prejuízo, nos mesmos pressupostos: facto voluntário, ilícito e culposo, existência de dano e de nexo de causalidade entre o facto e o dano).
GG) O que releva é apenas que a pretensão indemnizatória da Recorrente nesta ação procede do mesmo “facto jurídico”, na aceção do artigo 581.º, n.º 4, do CPC.
HH) Inexistindo, pois, quaisquer dúvidas de que se verifica identidade de causa de pedir entre a presente ação e as ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016.
II) O direito exercido em cada uma das ações emerge dos mesmos factos e é materialmente o mesmo: um direito indemnizatório da Recorrente, fundado na conduta ilícita da Recorrida, suscetível, como notou o Tribunal a quo, de assumir diferentes qualificações jurídicas JJ) Aliás, tanto assim é que, tivesse a Recorrente sido já compensada ao abrigo das ações anteriores, não poderia vir a sê-lo também no âmbito da presente ação, precisamente porque o seu direito indemnizatório, nessa eventualidade, teria já sido satisfeito.
KK) Ao ser citada para as ações anteriores, a ora Recorrida ficou a conhecer a intenção da Recorrente de agir judicialmente contra os atos por si executados, o que, necessariamente, inclui todos os meios jurídicos que lhe assistem na defesa do seu direito indemnizatório.
LL) É também nesse sentido que se tem posicionado a jurisprudência e a doutrina.
MM) Verifica-se, pois, uma clara identidade de pedido e de causa de pedir entre a presente ação e as ações propostas em 20/02/2012 e 29/03/2016, pretendendo a Recorrente exercer em todas elas o mesmo direito indemnizatório.
NN) Nessa medida, deveria o Tribunal a quo ter aplicado o artigo 323.º, n.º 1 e 2, do CC e, consequentemente, concluído que o prazo prescricional em apreço se interrompeu por duas vezes anteriormente à propositura da presente ação, não se encontrando o mesmo decorrido à data da propositura da presente ação.
OO) Pelo que, em face de tudo o que foi exposto, deve o despacho saneador sentença recorrido ser revogado na parte em que julga procedente a exceção perentória de prescrição invocada pela Recorrida, e substituído por Douto Acórdão que julgue tal exceção improcedente, ordenando que os autos prossigam os seus ulteriores termos até final.
Termos em que deve a presente apelação ser julgada totalmente procedente, revogando se o despacho recorrido na parte em que julgou procedente a exceção perentória de prescrição invocada pela recorrida, e, consequentemente, proferindo-se em sua substituição douto acórdão que julgue a referida exceção improcedente e determine o regular prosseguimento dos presentes autos até final.”

Pela ré foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, pelas quais pugnou pela improcedência do recurso.
Mais peticionou, a título subsidiário (para a eventualidade de o recurso da autora proceder), que, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, sejam conhecidas as questões que ficaram por apreciar pelo tribunal de 1.ª instância – “excepção dilatória inominada de preterição do recurso prévio aos meios de resolução alternativa do litígio acordados entre a I … SA e a A … International.”
Igualmente a título subsidiário, requereu ampliação do objecto do recurso, nos termos previstos pelo artigo 636.º do CPC, tendo para tanto invocado a nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia (no que concerne à peticionada condenação da autora como litigante de má fé) e impugnado esta última quanto aos segmentos que lhe foram desfavoráveis (improcedência das excepções de incompetência internacional do tribunal e de ilegitimidade passiva).   
Para tanto formulou as seguintes CONCLUSÕES:
Nótula introdutória deste processo (que configura um imoral copy paste, mutatis mutandis, das improcedentes ações judiciais de 2012 e 2016)
A) Esta ação configura mais uma tentativa – a terceira –, novamente infrutífera, da I … SA, hodiernamente enquanto “Massa Insolvente”, de fazer um uso abusivo de mecanismos judiciais (escassos e preciosos) disponíveis no ordenamento jurídico nacional, fazendo tábua rasa do cristalinamente decidido e transitado em julgado, em duas pretéritas ações improcedentes da Autora, em que são alegados factos idênticos aos aqui em causa, decisões essas do Tribunal do Funchal confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e reconfirmados pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos processos 135/12.7TCFUN.L1.S1 e 2312/16.2T8FNC.L1.S1, que está votada à total improcedência.
Da improcedência do recurso: da prescrição da suposta responsabilidade da A … International
B) A citação da A … International nos processos P. 135/12 e P 2312/16 não interrompeu o prazo de prescrição da suposta responsabilidade da A … International enquanto dita administradora de facto da I … SA porquanto os direitos que se pretendia exercer nessas ações - assentes na suposta responsabilidade contratual ou extra-contratual da A … International por violação das normas de Direito da Concorrência (artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012 e artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) – são totalmente distintos dos que se pretende exercer na presente acção, supostamente fundada na responsabilidade da A … International e enquanto alegada administradora de facto da I …SA ao abrigo do Código das Sociedades Comerciais, não estando minimamente verificados os pressupostos de que depende a interrupção do prazo de prescrição ao abrigo do artigos 323.º, n.º 1 do Código Civil (cfr., por todos, quanto ao entendimento que aqui se defende quanto à interpretação deste preceito, Ana Filipa Morais Antunes, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2003, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2002, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2006, ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.04.2021, todos citados no texto das alegações).
C) Mais: ainda que se pudesse conceder que o prazo de prescrição se pudesse interromper uma vez com a citação para uma outra ação judicial (isto, claro, assumindo que estivesse em causa o mesmo direito, o que no caso dos autos nem sequer sucede), nunca se poderia admitir uma segunda interrupção da prescrição nos mesmos termos, sob pena de violação intolerável do princípio basilar da segurança jurídica (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.03.2022 citado no texto das alegações).
D) Contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil não se refere à identidade da causa de pedir, mas sim à identidade do direito invocado como critério para determinar se se verificam os pressupostos da interrupção do prazo de prescrição.
E) Em todo o caso, e sem conceder, uma ação judicial em que se discuta responsabilidade contratual ou extra-contratual de uma sociedade fundada na violação das normas de Direito da Concorrência não tem a mesma causa de pedir de uma ação em que se discute a responsabilidade de uma entidade enquanto administrador de facto, sendo equivocada a leitura que a Recorrente procura fazer das citações doutrinais e jurisprudenciais que apresenta nas suas alegações para tentar sustentar a sua posição.
F) O direito à indemnização por suposta responsabilidade da A … International como alegada administradora de facto da I … SA, a existir (que foi rejeitado e relativamente ao qual não se concede), prescreveu assim cinco anos decorridos sobre o termo da suposta conduta dolosa ou culposa do administrador que originou essa alegada responsabilidade, ou seja, considerando que, como a própria Autora reconhece (cfr. artigo 19.º da petição inicial ou ponto 2 das alegações de recurso), o termo dessa suposta conduta dolosa ocorreu pelo menos em julho de 2011, não há dúvida de que pelo menos desde julho de 2016 esse direito estaria prescrito.
G) Sem prejuízo do exposto e, mais uma vez, sem conceder, ainda que se pudesse considerar que o prazo de prescrição se suspendeu com a citação da A … International nos processos P. 135/12 e P. 2312/16, ainda assim a suposta responsabilidade da A … International enquanto alegada administradora de facto da I … SA já teria prescrito quanto a grande parte dos factos supostamente ilícitos alegados na petição inicial, cuja prática ocorreu e cessou mais de cinco anos antes de 25 de fevereiro de 2012.
Subsidiariamente: Da apreciação da exceção relativa à violação de cláusula de resolução de litígios que não foi apreciada pelo Tribunal a quo
H) No capítulo II. 2 da Contestação a A … International invocava uma exceção dilatória inominada de preterição do recurso prévio aos meios de resolução alternativa do litígio sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, sendo que muito embora o referido conhecimento se possa considerar prejudicado pela solução dado ao litigio, num cenário (em que não se concede), em que a Relação entenda que o recurso procede, deve a referida questão ser agra apreciada ao abrigo do artigo 665.º, n.º 2 do CPC.
I) Tanto no IMC Agreement (cfr. Doc. n.º 12 da petição inicial do P. 135/12, junta como Doc. n.º 1 da Contestação), como no VAD Agreement (cfr. Doc. n.º 15 da petição inicial do P. 135/12, junta como Doc. n.º 1 da Contestação), as aí partes – I … SA e A … International – estabeleceram um mecanismo de resolução de eventuais conflitos que surgissem, quer no âmbito do contrato, quer no âmbito de qualquer relação entre as partes, que previa que as partes apenas podiam recorrer ao Tribunal quando tivessem decorrido, sem sucesso, as negociações com a administração da A … International, e, no caso de as partes aí não lograrem obter consenso, e após recurso obrigatório à mediação.
J) Verifica-se, deste modo, uma exceção dilatória inominada que obsta à decisão do mérito da causa e cuja verificação resulta já manifesta face ao teor dos contratos e das cláusulas aí estabelecidas, devendo conduzir à absolvição da Ré da presente instância, nos termos do artigo 576.º, n.º 2 e 595.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
Subsidiariamente: Da ampliação do objeto do recurso
K) Subsidiariamente ainda, a A … International vem requerer a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do artigo 636.º do CPC, invocando (i) a nulidade da decisão proferida na parte em que omite pronúncia sobre questão suscitada pelo Recorrente e que o Tribunal devia conhecer, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4 do CPC – no caso, o pedido formulado pela A … International na Contestação quanto à condenação da Autora/Recorrente como litigante de má fé - e (ii) impugnando a sentença recorrida quanto a dois fundamentos de defesa invocados pela A … International na defesa por exceção deduzida na Contestação que o Tribunal a quo julgou desfavoravelmente, no caso, a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses e de ilegitimidade passiva da A … International.
Da incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar a ação
L) Num cenário (em que não se concede) em que este Tribunal entenda que o direito da Autora não prescreveu por as ações iniciadas em 2012 e 2016 se referirem aos mesmos factos aqui em discussão e exprimirem a intenção da Autora de fazer exercer o mesmo direito que agora aqui exercem, então, por maioria de razão, essa identidade de factos alegados e de direitos invocados terá que conduzir a que, nesta ação, como já aconteceu nas ações de 2012 e 2016, se conclua estar em causa a discussão de questões relativas à relação contratual entre as partes, que devem ser apreciadas pelos Tribunais da Irlanda. Qualquer entendimento diferente resultaria numa contradição insanável e consequente ininteligibilidade da sentença, causadora da respetiva nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.
M) Como a própria Autora/Recorrente reconhece expressamente nas alegações de recurso, desde logo no respetivo ponto 41, os factos aqui imputados à A … International estão em linha com os que também lhe foram imputados nos processos P. 135/12 e P. 2312/16, como as petições iniciais das referidas ações bem ilustram (cfr. Docs. n.º 1 e 3 juntos com a Contestação).
N) Tanto no processo de 2012 como no de 2016 as várias instâncias foram unânimes em considerar que os factos aí em causa, tendo ocorrido no contexto da relação contratual vigente entre as partes e em decorrência da mesma, resultariam, quanto muito, na eventual responsabilidade contratual da A … International, tendo a consequência sido a de que as várias instâncias julgaram os Tribunais portugueses incompetentes para conhecer das referidas ações, em virtude de cláusula de atribuição de competência aos Tribunais da Irlanda constante do contrato celebrado entre as partes [cf. Decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância (cfr. Doc. n.º 1-A da petição inicial), da Relação (cfr. Doc. n.º 9 da Contestação) e pelo STJ (cfr. Doc. n.º 5 da Contestação) no âmbito do processo n.º 135/12.7TCFUN, e decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª instância (cfr. Doc. n.º 2-A da petição inicial), pela Relação (cfr. Doc. n.º 10 da Contestação) e pelo STJ (cfr. Doc. n.º 5 da Contestação) no âmbito do processo n.º 2312/16.2T8FNC, que se dão aqui por integralmente reproduzidas].
O) No que respeita à competência territorial dos tribunais para matérias do foro contratual, prevê o artigo 25.º do Regulamento (UE) 1215/2012, sob a epígrafe “Extensão de competência”, que: “1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão. 2. (…)” (sublinhado nosso).
P) A Autora sustenta ainda que a A … International é responsável pelos danos decorrentes de suposta rutura ilícita de negociações com vista ao prosseguimento da relação comercial em 2011, ou seja, supostos danos emeregentes de responsabilidade civil pré-contratual, que, como vem entendendo maioritariamente a jurisprudência, tem natureza contratual. Sendo os Tribunais portugueses incompetentes para conhecer de matérias relativas à relação contratual aqui em causa, também o serão para apreciar matérias de natureza pré-contratual, como sejam as relativas a rutura de negociações (cfr., em particular, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.10.2003 melhor citado nas alegações).
Q) No caso dos autos, face aos factos alegados pela Autora, e independentemente da qualificação jurídica que lhes é dada pela mesma, é forçoso concluir que estamos perante um caso que se enquadra no âmbito da responsabilidade contratual, porquanto a indemnização peticionada assenta, na realidade, num alegado incumprimento de obrigações assumidas e decorrentes de contratos celebrados entre as partes.
R) De acordo com a Cláusula 13.1 do VAD Agreement (que consta como Doc. n.º 14 da petição inicial do P. 135/12, junta como Doc. n.º 1 da Contestação), que se manteve por força da celebração do AD Agreement, quaisquer litígios surgidos na relação entre a I … SA e a A … International em decorrência dos contratos entre estas estabelecidos devem ser regidos pela lei irlandesa e submetidos aos Tribunais irlandeses, pelo que os Tribunais Portugueses carecem de competência internacional para conhecerem das questões suscitadas pela Autora, devendo dar-se por verificada a exceção de incompetência internacional do tribunal português e, em consequência, absolver-se a Ré da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 595.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
S) Nenhuma razão de ordem pública impede esta conclusão, dado que está em causa um acordo de atribuição de foro alcançado entre duas empresas comerciais no exercício da respetiva atividade, não estando também aqui em causa uma situação em que deva ser reconhecida competência exclusiva aos Tribunais Portugueses, nos termos dos artigos 65.º-A e 99.º do CPC e artigo 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 (anteriores artigos 22.º e 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001).
Da ilegitimidade passiva
Da ilegitimidade passiva substantiva da Ré
T) O artigo 390.º, n.º 3 do CSC dispõe de forma inequívoca que “os administradores podem não ser acionistas, mas devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena”, prevendo o artigo 390.º, n.º 4 do CSC que “se uma pessoa colectiva for designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo em nome próprio”.
U) O regime legal acima exposto radica no princípio fundamental de que os atos de administração em si (bem como, por inerência, a respetiva sindicância e apreciação) são, por natureza, indissociáveis do conceito de pessoa singular (cfr. citação do Código das Sociedades Comerciais Comentado e Anotado constante do texto das alegações).
V) A opção da lei de não admitir o exercício de funções de administração por pessoas coletivas explica-se, em particular, pela vontade de afastar a incerteza e imprevisibilidade que resultaria da admissão dessa possibilidade, totalmente incomportáveis para a segurança e fiabilidade das relações comerciais e do tráfego jurídico (cfr. citação de Nogueira Serens constante do texto das alegações).
W) Os argumentos que acima se expõem aplicam-se, por maioria de razão (e, aliás, com acentuada relevância), a um eventual cenário de exercício de funções de administração de facto por parte de uma pessoa coletiva, que promoveria um cenário de constante indefinição e incerteza quanto à questão de saber quais os concretos poderes da pessoa coletiva administradora e quais as concretas pessoas singulares que representam essa pessoa coletiva no exercício desses poderes a cada momento.
X) A Autora refere-se indiscriminadamente, ao longo da petição inicial, a um conjunto de pessoas singulares que teriam, ao longo do tempo, alegadamente exprimido a vontade da A … International enquanto suposta administradora de facto da I … SA (cfr. em particular, os artigos 80.º, 81.º, 87.º, 88.º, 98.º, 100.º, 101.º, 102.º, 106.º ou 109.º da petição inicial), não indicando, em momento algum, em que contexto ou âmbito essas várias pessoas teriam sido habilitadas a atuar como representantes da A … International na sua relação da I … SA – mais, não indicando sequer que as referidas pessoas fossem sequer colaboradores da aqui Ré A … International, sociedade de direito irlandês, quanto mais seus representantes legais, como de facto não eram (cfr. Doc. n.º 11 da Contestação) – o que bem evidencia todo o absurdo já não apenas jurídico, mas de facto desta tese da Autora.
Y) Do exposto resulta que não apenas a lei não admite a possibilidade de a A … International atuar como administradora de facto (nem, de resto, de direito) da I … SA, como, em todo o caso, a Autora não alegou um qualquer facto concreto do qual resulte que essa administração de facto ocorreu, pelo que face à factualidade alegada nos autos sempre se terá que concluir, sem necessidade de qualquer produção de prova adicional, pela improcedência do pedido aqui formulado contra a A … International, nos termos do artigo 595.º do CPC.
Da ilegitimidade passiva processual da Ré
Z) Não pondo em causa que o critério para aferir da legitimidade processual ínsito ao artigo 30.º, n.º 3, do CPC manda atender à relação controvertida tal como configurada pelo Autor, cabe, ainda assim, ao Tribunal obstar a que a ação prossiga quando a descrição da relação controvertida feita pelo Autor indiciar que a parte indicada como Réu não é efetivamente titular da referida relação jurídica, como aqui sucede de forma clara com a A … International (cfr., em particular, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2004 citado nas alegações, ou a passagem de Remédio Marques também aí citada).
AA) Qualquer processo que possa seguir o seu curso contra a A … International e no qual se discutam supostos atos não praticados pela A … International (e que, aliás, a Autora nem sequer alega vincularem a A … International) sempre consubstanciariam um ato inútil, cuja prática está vedada ao Tribunal (cfr. artigo 130.º do CPC),
BB) Assim, com base na análise objetiva dos factos e dos documentos carreados para os autos pela Autora, deve concluir-se que a A … International é parte ilegítima relativamente aos pedidos contra si formulados, devendo, em consequência, ser julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, sendo a A … International absolvida da instância (cfr. artigos 30.º, nºs. 1 e 2, 278.º, n.º 1, alínea d), 577.º, alínea e) e 595.º, n.º 1, alínea a), do CPC).
Da nulidade da decisão recorrida na parte em que não se pronuncia sobre o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé
CC) A sentença recorrida é nula na parte em que omite pronúncia sobre questão suscitada pelo Recorrente e que o Tribunal devia conhecer – no caso, o pedido formulado pela A … International na Contestação quanto à condenação da Autora/Recorrente como litigante de má fé nos termos do artigo 542.º do CPC, que o Tribunal estava em condições de decidir no saneamento - o que ora expressamente se argui, nos termos do previsto nos art.ºs 615.º, n.º 1, d) e n.º 4 e 636.º, n.º 2 do CPC, dando-se aqui por reproduzido o teor do capítulo II.7 da Contestação.
DD) A Autora, com dolo, ou, no mínimo, negligência grave, deduz pretensões contra a A … International cuja falta de seriedade e fundamento não pode ignorar, quer no que respeita à escolha da lei aplicável e do Tribunal competente, quer no que respeita ao enquadramento jurídico que faz dos factos aqui em causa, distorcendo o teor e alcance das disposições legais aplicáveis e a realidade dos factos com o intuito de procurar imputar à A … International atuações de pessoas singulares que não representam nem vinculam a A … International.
EE) Com efeito, a Autora atua aqui com manifesta má fé e em violação clara dos seus deveres de cooperação com o Tribunal, fazendo um uso manifestamente reprovável do presente processo com o intuito de obter um benefício injustificado, assim violando de forma clara o disposto nas acima referidas alíneas a) a d) do artigo 542.º do CPC.
FF) Face à gravidade e carácter particularmente oportunista da conduta da Autora, deve a mesma ser condenada, nos termos do artigo 543.º, n.º 1 do CPC, em multa e no pagamento de uma indemnização à A … International com vista ao reembolso das despesas relativas à preparação da defesa, em valor a fixar oportunamente pelo Tribunal mas que não deverá ser inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), estando o Tribunal em condições de decidir a questão da má fé face aos elementos que já tem disponíveis nos autos.
Nestes termos e nos mais de Direito:
a) deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida:
b) subsidiariamente e sem conceder, deve o Tribunal de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, decidir a exceção dilatória inominada de preterição do recurso prévio aos meios de resolução alternativa do litígio acordados entre a I … SA e a A … International, nos termos melhor expostos supra;
c) subsidiariamente ainda, caso seja julgado procedente o recurso, deve ser admitida a ampliação do objeto    do recurso ao abrigo do artigo 636.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sendo (i) declarada a nulidade da sentença na parte em que não conheceu do pedido de condenação da Autora como litigante de má fé (o qual deve ser julgado procedente ainda em fase de saneamento), bem como (ii) julgadas procedentes a excepção de incompetência internacional dos Tribunals portugueses, e de ilegitimidade passiva da A … International, tudo nos termos melhor expostos supra.”

A autora/apelante respondeu à matéria da ampliação do objecto do recurso requerida pela ré/apelada nas suas contra-alegações, nos termos previstos pelo artigo 638.º, n.º 8 do CPC.
Com tal resposta juntou documentos.

A ré/apelada pronunciou-se quanto à junção de tais documentos, pugnando pela sua inadmissibilidade legal e, para o caso de assim não ser entendido, exerceu o respectivo contraditório.

O recurso intentado foi correctamente admitido, assim como a solicitada ampliação do seu objecto.
No mesmo despacho, a Mma. Juíza a quo pronunciou-se quanto à nulidade da decisão suscitada no âmbito da referida ampliação, refutando a mesma.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Contudo, não está este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Admissibilidade da junção de documentos pela apelante na resposta apresentada;
2. Aferir se o direito invocado pela apelante se encontra prescrito, o que passa pela análise de eventuais interrupções do prazo de prescrição aplicável;
3. Subsidiariamente, apenas em caso de procedência da apelação, aferir:
a) se ocorreu preterição do recurso prévio aos meios de resolução alternativa do litígio acordados entre a I … SA e a A … International;
b) se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pedido referente à litigância de má fé;
c) se o tribunal recorrido é internacionalmente competente para conhecer e decidir a acção;
d) se a ré/apelada goza de legitimidade passiva para ser demandada na presente acção.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Os factos e ocorrências processuais relevantes são os que resultam do relatório supra enunciado.
Porém, por se assumirem igualmente relevantes para apreciação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC (cfr., ainda, artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4 do mesmo código), elencam-se os seguintes factos (sobre os quais as partes não divergem e que resultam da documentação/certidões que foram juntas e não foram alvo de impugnação):
1. A presente acção deu entrada em juízo no dia 12/01/2021, para a mesma tendo a ré sido citada em 22/01/2021.
2. Correu termos pelas então Varas de Competência Mista do Funchal (1.ª Secção), o Proc. n.º 135/12.7TCFUN, no qual foram autoras as sociedades I … SA e T … SA e ré A … International, pela qual foi peticionado: “a) Ser declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho, e do artigo 102.º TFUE; b) Ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente na imposição do contrato AD Agreement, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho; c) Ser a R. condenada a pagar à I … SA 39.183.667,40€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e d) Ser a R. condenada a pagar à T … SA 1.042.791,76€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
3. A acção referida no facto anterior deu entrada em juízo no dia 20/02/2012, tendo a ré sido citada no dia 21/05/2012.
4. Por decisão proferida em 27/06/2014 foi julgada procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, tendo a ré sido absolvida da instância.
5. Tal decisão foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o STJ, que a confirmaram, tendo transitado em julgado em 29/03/2016.
6. Correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo Central Cível do Funchal (Juiz 2), o Proc. n.º 2312/16.2T8FUNC, no qual foram autoras Massa Insolvente de I … SA e Massa Insolvente de T … SA e ré A … International, pela qual foi peticionado: “a) Ser declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 11.º da Lei n.º 19/2022, de 8 de Maio), e do artigo 102.º TFUE; b) Ser declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., ao abrigo do artigo 7.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho (correspondente ao artigo 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio); c) Ser a R. condenada a pagar à I … SA, nos termos discriminados, a quantia de 39.068.150,95€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, por fim, e d) Ser a R. condenada a pagar à T … SA, nos termos discriminados, a quantia de 1.035.081,31€ (…), acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
7. A acção referida no facto anterior deu entrada em juízo no dia 29/03/2016, tendo a ré sido citada no dia 01/07/2016.
8. Por decisão proferida em 14/06/2017 foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e julgada procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, tendo a ré sido absolvida da instância.[2]
9. Tal decisão foi alvo de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o STJ, que a confirmaram (embora o STJ o tenha feito com fundamentação distinta), tendo transitado em julgado em 14/01/2019[3].

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Fundamentação de direito                               

Da admissibilidade da junção de documentos pela apelante na resposta à ampliação do objecto do recurso:
Estatui o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como decorre expressamente deste n.º 1, a possibilidade de junção de documentos às alegações reveste carácter excepcional. Com efeito, para além da situação em que tal junção se mostra necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (decisões surpresa), o que aqui não releva, uma vez encerrada a discussão e sendo interposto recurso, apenas serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Nesta segunda hipótese incluem-se os casos de superveniência objectiva (como sucede quando, por exemplo, o documento se encontra em poder de terceiro, o qual só posteriormente o disponibiliza) e de superveniência subjectiva (situações nas quais, pese embora a parte tenha actuado de forma diligente, só posteriormente teve conhecimento da existência do documento).[4]
Assim, e como tem vindo a ser decidido uniformemente pela nossa jurisprudência, será de recusar a junção de um documento que, pese embora potencialmente útil à causa, esteja relacionado com factos que, já antes da decisão, a parte sabia estarem sujeitos a prova (e, como tal, que já deveriam ter sido juntos).[5]
No presente caso, na resposta apresentada à ampliação do objecto do recurso, veio a autora/apelante juntar a reclamação de créditos (datada de 19/01/2015), e respectiva documentação que à mesma foi anexada, bem como a posterior “adenda” à mesma (datada de 28/01/2015) que, no âmbito da insolvência, foram apresentadas pela ré/apelada (enquanto credora da insolvente).
Ambas datam de 2015 pelo que há muito que se encontravam na posse do Sr. Administrador da Insolvência, razão pela qual, se assim entendia a apelante, já poderiam ter sido juntos em momento anterior (sendo que nada foi alegado em sentido contrário).
Por assim ser, uma vez que não está em causa qualquer situação enquadrável na previsão do artigo 651.º, n.º 1 do CPC, não se admite a requerida junção.
Custas do incidente pela massa insolvente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Da prescrição do direito da apelante
Na presente acção pretende a autora a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no montante de 24.796.467,66€, acrescida dos legais juros de mora.
Reputando a ré de administradora de facto da sociedade I … SA (saber se assim era corresponde já a matéria que extravasa o âmbito do presente recurso), imputa-lhe a prática de actos ilícitos no período decorrente entre Abril de 2008 e Julho de 2011 (actos esses violadores dos deveres de lealdade e de cuidado), os quais alegadamente acarretaram elevados prejuízos e, inclusive, determinaram que a insolvência viesse a ser declarada.
Estamos, pois, no âmbito da previsão do artigo 72.º do CSC[6], isto é, em sede de responsabilidade de membros da administração para com a sociedade, responsabilidade essa que tem subjacente a violação culposa de deveres específicos.
Por seu turno, resulta do artigo 174.º, n.º 1, al. b), do CSC que “Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos: (…) O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade” (sublinhados nossos).[7]
Apelante e apelada não questionam ser este o prazo prescricional aplicável.
E, alegando a autora que os supostos actos ilícitos praticados pela ré o foram entre Abril de 2008 e Julho de 2011, será a partir desta última data que o início de tal prazo terá de ser contabilizado (sem prejuízo de a ré sustentar que, no que concretamente concerne aos actos atinentes aos invocados despedimentos, terem os mesmos cessado em data anterior).
Como tal, o direito da autora prescreveria em Julho de 2016, sendo que a acção a que se reporta o presente recurso deu entrada em juízo em 12/01/2021, ou seja, muito para além do referido prazo de cinco anos.
Defende, no entanto, a autora que este prazo se interrompeu por duas vezes nos termos previstos pelo artigo 323.º, n.ºs 1 e 2 do CC, a saber: em 25/02/2012 (cinco dias após a propositura da acção referente ao Proc. n.º 135/12.7TCFUN, o que sucedeu em 20/02/2012) – recomeçando a sua contagem nesse mesmo dia, em face da decisão que absolveu a ré da instância (artigo 327.º, n.º 2 CC) -  e depois em 03/04/2016 (cinco dias depois de ter sido proposta a acção referente ao Proc. n.º 2312/16.2T8FUN, o que sucedeu em 29/03/2016), recomeçando novamente nessa data a sua contagem em face de nova decisão de absolvição da ré da instância.
Na sua perspectiva, o prazo prescricional apenas cessaria em 03/04/2021.
Será assim?
Com o instituto da prescrição tem-se em vista, desde logo, satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, sendo, no entanto, tal protecção dispensada em face do desinteresse, da inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo por um determinado período, inércia essa que o legislador considera censurável.[8] [9]
Daí que, como escreveu Mota Pinto, “A prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. (…) Apesar disso, porém, sempre intervém na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Diversamente da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito (…)”. Também Vaz Serra[10] escreveu, que a prescrição “supõe a inércia do titular do direito, prolongada por certo tempo”, acrescentando que “o que importa, para se dar a prescrição, é que o direito não seja exercido”.
Claro está que se visa igualmente proteger o devedor, designadamente em face das dificuldades com que o mesmo se possa deparar na sua defesa decorrido que seja um determinado período de tempo.
Feita esta nota introdutória, dir-se-á que ao prazo prescricional previsto no artigo 174.º do CSC é aplicável o regime da interrupção da instância previsto no CC (tanto o tribunal recorrido, como ambas as partes também assim o entendem).
Segundo o artigo 323.º deste diploma, “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. (…)”.[11]
Uma vez iniciado o prazo pode, pois, o mesmo ser interrompido desde que seja demonstrada a intenção de exercer o direito. Assim sucedendo, e como decorre do artigo 326.º do CC, o prazo que tenha, entretanto, decorrido fica inutilizado, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (sem prejuízo do disposto no artigo 327.º, n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte).
Com a citação judicial fica o réu a saber do exercício do direito pelo seu titular e, consequentemente, da interrupção do prazo prescricional que estiver em curso[12]. A citação assume-se, pois, como um acto incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição de trata.
E sendo a interrupção um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito pelo titular, será sobre este que impende o respectivo ónus de alegação e prova – artigo 342.º, n.º 2 do CC.
Reportando ao caso, vejamos o que na sentença recorrida se escreveu:
“Conforme também se extrai dos autos, os factos que sustentam as acções vindas de identificar consubstanciam de uma forma genérica e com algumas diferenças, factos semelhantes aos que sustentam o pedido nos presentes autos. // Sem perder de vista o vindo de expor vemos que, naquelas acções que foram instauradas pela Autora nas Varas Cíveis do Funchal, supra identificadas, a Autora peticionou da Ré uma indemnização que quantificou em €39.068.150,95 (…) emergente de responsabilidade civil, que veio a ser entendida e decidida naquelas acções como tratando-se de responsabilidade contratual, emergente dos contratos celebrados entre a Autora e a Ré. // Tais acções, por respeitarem a responsabilidade civil, foram instauradas nas Varas Cíveis. // Nos presentes autos, conforme de resto a Autora alega expressamente, a presente acção tem por objecto a prática continuada de actos ilícitos pela Ré, na qualidade de administradora de facto da Autora e em violação dos seus deveres legais, entre Abril de 2008 e Julho de 2011 (…), estando em causa uma acção de responsabilidade contra os administradores de facto da Autora (…). Esta acção foi instaurada no Tribunal de Comércio. // Naqueles autos que correram termos nas varas cíveis visava-se apurar uma responsabilidade civil extra contratual ou contratual. // Nos presentes autos visa-se apurar uma responsabilidade específica, como seja uma responsabilidade de administrador de facto, por parte da Ré, por actos praticados no âmbito dessa invocada administração.”
E, continua, “Os mesmos factos podem gerar diversos tipo de responsabilidade e direito de indemnização. // Ora, a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade emergente de actos praticados pelos administradores, muito embora possam emergir dos mesmos factos, assentam em pressupostos distintos. Têm prazos de prescrição distintos e a competência dos Tribunais Portugueses para a sua apreciação é também distinta. Ademais o valor peticionado naquelas acções, de €39.068.150,95 (…), é distinto do peticionado nesta acção, que ascende a €24.796.467,66 (…). // Nesta acção é invocado um direito assente nas alegadas relações estabelecidas entre a sociedade e a Ré, enquanto gerente de facto, estando em causa um direito a apurar no âmbito do direito societário.“
Concluindo depois que “(…) o direito de que a Autora se arroga nos presentes autos é distinto daquele invocado nas acções cíveis supra identificadas. // De resto, da própria alegação da Autora extrai-se que esta bem conhece a distinção supra enunciada ao referir que através da presente acção pretende efectivar a responsabilidade societária da Ré. // Ora, a norma contida no já citado artigo 323.º refere expressamente que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. // Nos presentes autos a Autora pretende exercer o direito à indemnização, emergente dos danos causados pela Ré, alegadamente actuando como sua gerente de facto. // O direito em causa nesta acção é assim distinto daquele constante nas acções cíveis supra identificadas, muito embora possa assentar em factos idênticos. // Assim sendo, entendemos que as citações operadas nas acções cíveis supra identificadas não têm a virtualidade de interromper o prazo de prescrição do direito aqui em causa, como seja o direito à indemnização emergente da responsabilidade da Ré por danos causados à Autora, na qualidade de sua gerente de facto. // Assim sendo, entendemos que a excepção de prescrição invocada pela Ré terá que proceder pelo facto de à data de entrada da presente acção em juízo já ter decorrido o prazo de prescrição previsto na lei.”
Subscrevemos o entendimento da 1.ª instância quando alega que “a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade emergente de actos praticados pelos administradores, muito embora possam emergir dos mesmos factos, assentam em pressupostos distintos”, sendo que nas anteriores duas acções “visava-se apurar uma responsabilidade civil extra contratual ou contratual” enquanto na presente se visa “apurar uma responsabilidade específica, como seja uma responsabilidade de administrador de facto, por parte da Ré, por actos praticados no âmbito dessa invocada administração.”[13]
Daí que tenha a 1.ª instância concluído que “O direito em causa nesta acção é assim distinto daquele constante nas acções cíveis supra identificadas, muito embora possa assentar em factos idênticos.”[14]
Segundo Paulo Manuel Leal Lacão[15], “o facto interruptivo é conformado, na sua existência e nos seus limites, pela atuação dos sujeitos envolvidos. Assim, o alcance da interrupção afere-se em função do conteúdo do facto interruptivo. Na hipótese prevista no art.º 323º, o âmbito da interrupção afere-se em função dos elementos da citação, em especial do pedido e da causa de pedir, ou da notificação judicial. Por outras palavras, o alcance da interrupção provocada pela citação corresponde ao objeto do processo (cfr. art.º 552º, n.º 1, CPC).” Mais acrescentando, “(…) a delimitação do pedido e da causa de pedir, como elementos que conformam o objeto do processo, serve ainda o propósito de determinar o alcance da interrupção da prescrição provocada pela citação, nos termos do art.º 323º, n.º 1. Assim, o pedido indemnizatório específico apenas interrompe a prescrição relativamente ao dano especificado. (…) Cada pedido, quando quer que seja deduzido e como quer que seja formulado e levado ao conhecimento da outra parte, seja através da citação, seja através da notificação de articulado superveniente, fixa o momento e o alcance da interrupção da prescrição, nos termos do art.º 323º, n.º 1.”[16]
Ao decidido pela 1.ª instância contrapõe a apelante que os actos ilícitos imputados à ré integraram já o objecto das duas acções anteriores e que tal actuação “afronta e viola, em simultâneo, diferentes princípios e institutos jurídicos, todos eles justificando em igual medida o direito à indemnização da I … SA”.
Na sua óptica, nas três acções, estão em causa os mesmíssimos factos (os pedidos deduzidos em cada uma das acções assentam no mesmo conjunto de factos essenciais, sendo irrelevante a qualificação jurídica que aos mesmos tenha sido atribuída ou a fonte de responsabilidade à qual se subsumam) e em todas elas foi peticionada a condenação da ré no pagamento de uma indemnização pelos danos causados em decorrência desses factos (é este, segundo defende, o efeito prático jurídico pretendido, sendo irrelevante que os concretos valores peticionados em cada uma das acções seja distinto).
Argumenta estarmos perante uma identidade de causas de pedir e de pedidos, pelo que o direito exercido em todas as acções é materialmente o mesmo.
Nessa medida, entende que sempre a prescrição se terá interrompido nos moldes alegados (nos cinco dias subsequentes à instauração de cada uma das anteriores acções), porquanto “a extensão objetiva do efeito interruptivo da prescrição determina-se única e exclusivamente pelo pedido e pela causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica concretamente atribuída pelas partes aos factos em causa”. E, acrescenta, sempre assim será “porquanto a qualificação jurídica dos factos está na disponibilidade do Tribunal, e não das partes, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC.”, sustentando-se, entre outros, no constante do acórdão do STJ de 24/04/2013 (Proc. n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1), segundo o qual “[a] essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações”.
Por seu turno, defende a apelada que nas duas acções anteriormente intentadas estava em causa o exercício de um direito totalmente distinto do agora peticionado (não obstante aqui se terem invocado factos idênticos aos que naquelas acções foram alegados), sendo que o regime da interrupção previsto no n.º 1 do artigo 323.º do CC só é admissível quando se pretende exercer o mesmo direito concreto. E não existindo identidade quanto aos direitos exercidos, as citações para os termos das anteriores acções (assentes na suposta responsabilidade contratual ou extracontratual da ré) nunca seriam susceptíveis de dar a conhecer à citanda que poderia vir também a ser demandada enquanto administradora de facto.
Defende, também, que, mesmo a ter ocorrido interrupção da prescrição, nunca se poderia admitir uma segunda interrupção nos mesmos termos, sob pena de violação intolerável do princípio basilar da segurança jurídica.
  Por fim, não obstante entender que, na questão aqui a decidir, ter-se-á que atender ao direito invocado e não à causa de pedir, conclui que também quanto a esta última inexiste identidade entre a presente acção e as duas anteriores, uma vez que “a causa de pedir de uma ação não é unicamente constituída pelos factos que aí se invocam sem ligação com o direito que dos mesmos se pretende extrair, mas sim pelos factos à luz do direito que o autor da ação pretende extrair dos mesmos e peticiona nos autos” (daí se falar em facto jurídico de que procede a pretensão deduzida).
Isto posto,
Começaremos por frisar que o artigo 323.º, n.º 1 do CC refere expressamente uma intenção, directa ou indirecta, de exercer o direito, logo, o direito de cuja prescrição se trate ou, por outras palavras, de um concreto e determinado direito.
O acto exprime directamente a intenção de exercício do direito quando se integra no próprio processo onde ele é exercido; e exprime indirectamente essa intenção quando torna o obrigado ciente de que ulteriormente se instaurará o processo em que o direito será exercido.
O acto interruptivo ter-se-á que reportar, pois, ao mesmo direito que esteja em causa na acção onde seja invocada a prescrição - será esse direito (e não quaisquer outros) cuja prescrição será interrompida.[17]
Tendo o efeito interruptivo como causa a citação, tal efeito reportar-se-á ao direito feito valer por esse acto (ao concreto direito que se pretende exercer)[18]. Sendo diferente o direito cuja prescrição foi evitada com a citação para outra acção, já não haverá lugar à interrupção nos moldes previstos pelo artigo 323.º, n.º 1 CC.
Importa, assim, aferir da (in)existência de identidade entre o direito peticionado na presente acção e o que foi formulado nas duas anteriores acções.
E, para tanto, tal como defendido pelo STJ, no seu acórdão de 22/02/2007 (Proc. n.º 06B4510, relator Pereira da Silva), estando em causa um acto interruptivo judicial, a extensão objectiva da interrupção da prescrição deverá ser determinada pelo pedido e pela causa de pedir.[19]
Também assim o entendeu o acórdão da Relação de Coimbra de 02/05/2023 (Proc. n.º 193/22.6T8TND-A.C1, relatora Helena Melo), no qual se pode ler: “(…) A intenção de exercer o direito cuja manifestação em sede judicial permite interromper o prazo de prescrição tem de se reportar ao direito cuja prescrição está em questão e não a qualquer outro direito (…), pelo que é relevante a causa de pedir e o pedido formulado. No entanto, não se entende que para que o efeito interruptivo atue, tenha de haver identificação total entre as causas de pedir e os pedidos formulados, pois que a lei não o exige.”
Correspondendo o pedido ao efeito prático-jurídico pretendido pela autora (efeito prático-jurídico que pretende obter com base no estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa), no caso, e numa leitura mais simplista, traduz-se o mesmo no pedido de condenação da ré no pagamento de uma indemnização, acrescida dos legais juros de mora.
Mas, frisa-se, o pedido terá que ser interpretado, não em termos literais, mas com o alcance substancial que resulta da sua conjugação com os fundamentos da pretensão deduzida, em ordem a surpreender o modo específico de tutela jurídica visado – através de uma qualquer acção peticiona-se a tutela jurisdicional de um determinado e concreto direito que alegadamente terá sido violada, sendo esse o efeito jurídico pretendido e que importa decidir.
Já no que concerne à causa de pedir – a qual, nos termos previstos pelo artigo 581.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC, corresponde ao facto jurídico de que procede a pretensão deduzida -, a mesma consubstancia-se na factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, devendo essa mesma factualidade ser susceptível de valoração jurídica.
A mesma será integrada pelos factos essenciais necessários para que seja alcançado o pretendido efeito jurídico.
Sendo incontrovertido que, entre a presente acção e as que foram anteriormente intentadas, ocorre identidade entre a quase totalidade dos factos alegados, o certo é que não se poderá deixar de reconhecer que ocorreu inovação fáctica, designadamente no que respeita à alegação de a ré ter sido administradora de facto da sociedade I … SA (sendo nessa qualidade que se pretende a sua responsabilidade pelos actos descritos e reputados de ilícitos).
Veja-se que, nas duas anteriores acções, o quadro descrito foi já diverso – tendo a ré sido identificada enquanto contraparte de uma relação contratual (sendo a ré fornecedora dos produtos da A … International de que é titular e as sociedades I … SA e T … SA, revendedora e distribuidora, respectivamente, de tais produtos).
Também nós temos por seguro que, para aferir da identidade entre causas de pedir não releva qualquer alteração atinente à qualificação jurídico-normativa da concreta factualidade invocada nas diversas acções (desde que se mantenha inalterada a causa de pedir subjacente a todas elas). Como a apelante defende, a qualificação jurídica dos factos alegados pode ser efectuada pelo julgador, o que desde logo resulta do estatuído do n.º 3 do artigo 5.º do CPC – “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.[20]
Porém, para que se possa afirmar essa identidade, como já antes se aludiu, torna-se necessário que o núcleo essencial dos factos susceptíveis de permitir a sua subsunção a diversos institutos jurídicos (permitindo mais do que um enquadramento jurídico) seja comum a todas essas acções.
E, a referida alegação de ser a ré administradora de facto da I … SA, facto essencial para que a mesma possa ser responsabilizada nos moldes aqui peticionados, só agora surgiu.
Por pertinente, citaremos o acórdão do STJ de 18/09/2018 (Proc. n.º 21852/15.4T8PRT.S1, relator Tomé Gomes) - o qual, não obstante versar sobre a figura do caso julgado, trata de forma exemplar a questão atinente à identidade do pedido e da causa de pedir -, em cujo sumário se escreveu: “(…) 2. Para tais efeitos, a identidade do pedido afere-se pela identidade do efeito prático jurídico considerado à luz do estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa. 3. Por sua vez, a causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo impetrante com fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC. 4. A densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado. 5. Todavia, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida. 6. Embora a diferenciação da causa de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir. 7. Porém, perante uma pretensão deduzida e julgada numa ação, não basta empreender uma qualificação jurídica diferente sobre a mesma factualidade para, em ação posterior, se concluir por causa de pedir diversa, já que ao tribunal incumbe proceder às qualificações jurídicas que tiver por corretas, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 3, do CPC, de modo a esgotar as possíveis qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico pretendido, segundo o denominado “princípio da exaustão”. 8. Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa. 9. Assim, num caso em que, como no dos presentes autos, em ação anterior foi julgada improcedente uma pretensão indemnizatória por danos patrimoniais, fundada na violação do interesse contratual negativo na decorrência da invocada nulidade de contratos celebrados, tal não preclude, por via do efeito do caso julgado, a possibilidade de se deduzir, em ação posterior, pretensão indemnizatória por danos patrimoniais sustentada na mesma factualidade mas agora com fundamento em violação do interesse contratual positivo, na medida em que esta pretensão revele, sob o ponto de vista normativo, um alcance essencialmente diferente da pretensão anteriormente julgada, quanto à valoração dos comportamento ilícitos em causa e dos danos ressarcíveis e, nesta medida, um modo específico de tutela distinto com reflexo no efeito prático-jurídico pretendido.”
Neste aresto, pode igualmente ler-se: “sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular”, bem como que, “a caracterização jurídico-processual do litígio não deve ser feita numa base meramente empírica da identidade sócio-económica do conflito de interesses subjacente, devendo antes passar pelo crivo do seu enquadramento jurídico, substantivo e processual. Um mesmo conflito de interesses pode ser fonte de uma diversidade de pretensões judiciais, consoante os diversos modos de tutela jurídica que o mesmo potencie, cabendo ao impetrante optar por aquele que, em função dos meios de prova de que disponha ou de outras condicionantes, melhor satisfaça o interesse pretendido.”
Reportando tais considerações ao presente caso, dir-se-á que a causa de pedir das acções anteriormente intentadas e a causa de pedir referente à acção a que se reporta o presente recurso convocam distintos quadros normativos, porquanto, ao contrário das anteriores, nas quais estava em causa uma situação atinente a responsabilidade civil contratual (como já decidido por acórdãos do STJ transitados em julgado), não obstante as aí autoras a terem identificado como integrando responsabilidade civil extracontratual, estamos agora em sede de responsabilidade emergente de actos ilícitos alegadamente praticados por um administrador (razão pela qual a autora carreou para o processo factualidade tendente a demonstrar a putativa qualidade de administradora de facto da ré), sendo esta última responsabilidade aferida à luz do regime previsto no CSC e em face das normas respeitantes aos específicos deveres a que os administradores de uma sociedade estão obrigados e da inerente violação que dos mesmos tenha ocorrido (trata-se de um específico e distinto modo de tutela jurídica). Neste último caso, existe uma responsabilidade orgânico-funcional de carácter societário.
Como se refere na sentença recorrida, estes dois tipos de responsabilidade, muito embora possam emergir dos mesmos factos, assentam em pressupostos distintos (para além de, no caso, terem igualmente prazos de prescrição distintos, sendo ainda distinta competência dos tribunais).
É certo que, para que um administrador possa ser responsabilizado, mostra-se necessário o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre aquele e este último), mas exige-se, ainda, que os danos causados o tenham sido em consequência da preterição de deveres legais e contratuais a que estava obrigado enquanto administrador (aos quais, desde logo, se refere o artigo 64.º do CSC), porquanto lhe é exigível que actue com a diligência de um gestor criterioso e ordenado e com lealdade (no interesse da sociedade e tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores). Nessa medida, sempre será pressuposto desta responsabilidade a desconformidade existente entre a conduta do administrador e aquela que lhe era normativamente exigível (em face dos específicos deveres a que está obrigado e que se encontram previstos no CSC, deveres esses inerentes à administração gestionária da sociedade, com a qual mantém um vínculo directo e específico).
Impõe-se, assim, a verificação, não apenas dos pressupostos exigidos para a responsabilidade civil em geral, mas ainda dos especificamente resultantes do citado regime (previstos no CSC), do que ressalta, em primeira linha, a exigência de estarmos perante um acto ilícito que tenha sido praticado por alguém que detenha a qualidade de administrador[21], ilicitude essa que decorre da violação da lei, do contrato de sociedade ou do contrato de administração. Note-se que, mesmo no que concerne aos exigidos pressupostos gerais, estando em causa a responsabilidade prevista no artigo 72.º, n.º 1 do CSC, a culpa do administrador se presume[22].
Aliás, no artigo 259.º da PI a que se reporta o presente recurso, a apelante/autora alegou expressamente que “a responsabilidade da A … International enquanto administradora de facto deverá ser aferida ao abrigo das disposições relativas à responsabilidade civil dos administradores previstas no Código das Sociedades Comerciais”, nessa medida tendo partido para a análise do artigo 72.º do CSC. (cfr. artigos 261.º e ss. do mesmo articulado). E, invocando expressamente os deveres fundamentais de cuidado e lealdade, acrescentou “Se a atuação dos administradores em desrespeito destes deveres e à revelia de critérios de racionalidade empresarial causar danos à sociedade administrada, os administradores podem e devem ser responsabilizados” (artigo 264.º da PI).
Não estamos, assim – naquelas acções e na presente -, perante uma mera qualificação formal da factualidade alegada mas antes perante duas perspectivas de tutela jurídica ressarcitória de âmbitos essencialmente diferentes.
E tanto assim é que, não obstante o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPC, nunca ao julgador teria sido possível julgar aquelas duas primeiras acções com fundamento em responsabilidade emergente de actos praticados pelos administradores.
Assim como referido no já citado acórdão do STJ de 18/09/2018, também aqui estamos perante qualificações jurídicas que “desembocam em dimensões normativas substancialmente distintas, seja no campo da valoração da ilicitude dos comportamentos em causa, seja no alcance dos danos ressarcíveis daí decorrentes.”
A causa de pedir inerente à acções a que respeitam os Proc. n.º 135/12.7TCFUN e n.º 2312/16.2T8FNC não é a mesma que subjaz à presente acção, estando em causa, naquelas, por um lado, e nesta, por outro lado, direitos com natureza distinta (a natureza e o conteúdo material do direito invocado naquelas e nesta acção é substancialmente distinto).
E, também os pedidos deduzidos não gozam da exigida identidade, porquanto os efeitos prático-jurídicos visados assentam em distintos âmbitos de tutela.
Como tal, não poderá aqui valer a previsão constante do artigo 323.º do CC, não tendo a citação da ré[23] operada em tais acções a virtualidade de determinar a interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 174.º do CSC – através de tais citações não foi dado conhecimento à ré da intenção de a autora pretender vir a responsabilizá-la e peticionar a sua condenação no pagamento de uma indemnização enquanto administradora de facto da I … SA.
Termos em que se entende ser de manter o decidido quando se julgou procedente a invocada excepção de prescrição e se absolveu a ré do pedido contra a mesma formulada.

Em face da improcedência da apelação, prejudicado ficou o conhecimento das questões suscitadas pela ré/apelada a título subsidiário (melhor elencadas nas respectivas contra-alegações, a saber: questões não apreciadas pela 1.ª instância e questões objecto da requerida ampliação do objecto do recurso).
Rege o artigo 636.º, n.º 1, do CPC que “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Nesta hipótese, se a parte vencida obtiver ganho de causa na instância superior, pode o tribunal do recurso conhecer de fundamento não apreciado na sentença recorrida ou que, embora conhecido, tenha sido desfavorável à parte vencedora.
Como refere Abrantes Geraldes, não se está, assim, perante um verdadeiro recurso, desde logo por faltar ao recorrido “a qualidade de parte vencida relativamente ao resultado final do processo que serve de critério aferidor da legitimidade, através do segmento decisório, nos termos dos art.ºs 631.º, n.º 1, e 633.º, n.º 1”.
Ora, como defende o mesmo Conselheiro, “apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas se, porventura, forem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente (ou que oficiosamente forem conhecidos) com repercussão na modificação da decisão recorrida.[24]
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 14 de Novembro de 2023
Renata Linhares de Castro
Nuno Magalhães Teixeira
Rosário Gonçalves

______________________________________________________
[1] Em 07/06/2021, a Mma. Juíza a quo proferiu despacho com o seguinte teor: “(…) ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º3, art.º 4.º, art.º 6.º e art.º 547.º, todos do Cód. Proc. Civil, concede-se à Autora o prazo de 30 dias para se pronunciar por escrito sobre as excepções deduzidas pela Ré em sede de contestação e, bem assim, sobre o pedido de condenação de litigância de má fé. (…)”.
[2] Em tal decisão pode ler-se: “Transitada em julgado aquela decisão de incompetência internacional dos tribunais portugueses, proferida no referido processo nº 135/12.7TCFUN, da 1ª Secção das Varas de Competência Mista do Funchal, as autoras instauraram a presente acção, também contra a A … International, peticionando: (…) Ora, sendo as mesmas partes em ambos os processos, a verdade é que estes pedidos são idênticos aos formulados no referido processo nº 135/12.7TCFUN, da 1ª Secção das Varas de Competência Mista do Funchal. (…) terá de conclui-se que as autoras voltam a centrar a causa de pedir na execução dos contratos anteriormente celebrados com a ré, uma vez que os ilícitos invocados decorrem da relação contratual que tinham com a ré. Assim, temos identidade das partes, pedido e causa de pedir nos presentes autos e no referido no processo nº 135/12.7TCFUN, da 1ª Secção das Varas de Competência Mista do Funchal, onde já foi decidido que os tribunais portugueses não têm competência internacional para apreciar a pretensão das autoras. (…) Dispõe o art.º 100º do C.P.C que “a decisão sobre incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferida, salvo o disposto no artigo seguinte” (…) Deste modo, terá de concluir-se pela improcedência da invocada excepção de caso julgado, pelo que este tribunal terá se apreciar novamente a questão suscitada pela ré, da incompetência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação do peticionado pelas autoras.
[3] No aresto proferido pelo STJ escreveu-se igualmente: “(…) conforme decidido pelas instâncias e perante o regime do artigo 100º do Código de Processo Civil, a decisão final proferida na acção n.º 135/12.7TCFUN não produz efeito de caso julgado fora daquele processo (…)”.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa comum, Almedina, 4ª edição, pág. 291.
[5]  ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2.ª edição, reimpressão, 2020, pág. 813.
[6] Segundo este artigo, “1. Os gerentes ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a estes causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa. 2. A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial. (…)”. Já segundo o artigo 80.º do mesmo código, “As disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes ou administradores aplicam-se a outras pessoas a quem estejam confiadas funções de administração”, defendendo MENEZES CORDEIRO, poder este preceito “apoiar a responsabilidade do administrador de facto”, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 4.ª edição, 2021, pág. 369.
[7] Segundo MENEZES CORDEIRO, obra citada, pág. 688, o artigo 174.º fixa uma prescrição objectiva, iniciando-se o prazo “independentemente de concretos conhecimentos de sujeitos”, dominando aqui uma preocupação de segurança jurídica.
[8] Nesse sentido, cfr. MOTA PINTO, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1988, pág. 376. Segundo este professor, a fls. 373, “Se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou).
[9] Como refere ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, in Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a repercussão nas relações jurídicas”), Coimbra Editora, 2008, pág. 16, “O CC não acolhe uma noção de prescrição. A prescrição é um instituto que se funda num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. (…) A noção avançada pressupõe, assim, três notas essenciais: i) o efeito paralisador dos direitos; ii) o não exercício do direito, pela inércia do respectivo titular; iii) o decurso de um certo lapso de tempo.
[10] In Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 105 (Abril de 1961), pág. 53.
[11] Como referem PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1987, pág. 290, “(…) é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de exercer a sua pretensão (…). Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito”, bastando que o obrigado tenha conhecimento que “o titular pretende exercer o direito.
[12] A citação judicial da contraparte visa comunicar-lhe o exercício judicial do direito pelo titular, uma vez que não se afigura razoável que o devedor fique sujeito à interrupção do prazo prescricional sem o seu conhecimento – nesse sentido, VAZ SERRA, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106 (Maio de 1961), pág. 189, e ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, obra citada, pág. 130.
[13] Segundo ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol. I, Almedina, 1989, 6.ª edição, pág. 490, “Na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causem prejuízo a outrem (responsabilidade extracontratual).
[14] No caso, não obstante existir identidade quanto a muitos dos factos alegados nas três acções, importa consignar que, enquanto na presente foi invocado o exercício de um direito societário (visando-se responsabilizar a ré por uma alegada violação dos deveres específicos a que estaria obrigada enquanto administradora de facto da I … SA); nas anteriores acções o direito invocado assentava na violação de normas atinentes ao direito da concorrência (imputando-se à ré comportamentos que se reputaram de abusivos – abusos de posição dominante e abusos de dependência económica), em face das relações contratuais estipuladas entre as partes (proibição de exportações para outros Estados-Membros da União Europeia, no quadro do contrato de distribuição que vigorava entre a I … SA e a ré; apropriação do cliente FNAC e das vendas online, retirando a ré às autoras a parte mais lucrativa dos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes; imposição de obrigações suplementares aos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes, como seja o despedimento e afastamento de colaboradores da I … SA, a imposição da venda dos APRs da T … SA, bem como o despedimento de pessoal associado a esses APRs da T … SA; definição unilateral dos preços e descontos pelos quais a I … SA deveria passar a vender produtos da ré aos grandes retalhistas, imposição de encomendas e atrasos nas entregas, definição de quantidades a fornecer a clientes, recusa de venda de bens e abusos nos serviços de reparação e manutenção; exclusão da I … SA do mercado, decorrente do facto de a ré ter colocado termo, de forma ilícita e unilateral, à sua relação comercial com a I … SA, com os consequentes lucros cessantes e despedimento de pessoal daquela autora).
[15] In A Prescrição da Obrigação de Indemnizar: Notas sobre o artigo 498º, nº 1, do Código Civil, tese de mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Junho de 2017, disponível online, págs. 15/16.
[16] Obra citada, pág. 62.
[17] Nesse sentido, ANA FILIPA MORAIS ANTUNES, obra citada, pág. 135, podendo ler-se, em anotação ao artigo 323.º do CC: “A interrupção da prescrição, fundada nos actos elencados no artigo, só opera em relação ao direito exercido e já não quanto a qualquer outro”. Vide, ainda, VAZ SERRA, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ n.º 106, pág. 210: “Parece escusado acentuar que a citação judicial ou os outros actos mencionados apenas interrompem a prescrição do direito exercido, e não qualquer outro”.
[18] Cfr. VAZ SERRA, obra citada, BMJ n.º 106, pág. 261 – “No que toca à extensão dos efeitos da interrupção, a regra parece ser que esses efeitos se limitam ao direito e às pessoas, em relação aos quais a prescrição é interrompida. Começando pelos limites objectivos da interrupção, isto é, pela determinação dos direitos cuja prescrição ela interrompe, a causa interruptiva interrompe, naturalmente, a prescrição dos direitos a que se referir. Portanto, se essa causa for a citação judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o direito que se faz valer por esse acto” – e o acórdão do STJ de 31/10/2006 (Proc. n.º 06A2596, relator Faria Antunes), em cujo sumário se pode ler: “(…) 6 – Relativamente à extensão dos efeitos da interrupção da prescrição, a regra tradicional é a de que tais efeitos se restringem ao direito e às pessoas em relação aos quais a prescrição é interrompida (limites objectivo e subjectivo da interrupção), cingindo-se a causa interruptiva da prescrição a interromper a prescrição dos direitos a que se refere, e não a quaisquer outros, donda resulta que, se tal causa for a citação judicial ou qualquer outro acto interruptivo judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o feito valer por esse acto.”, disponível in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados.
[19] Nesse sentido, vide igualmente VAZ SERRA, obra citada, BMJ n.º 106, pág. 262.
[20] Como se escreveu no acórdão do STJ de 24/03/2013 (Proc. n.º 7770/07.3TBVFR.P1.S1, relator Lopes do Rego), pese embora reportando-se à figura do caso julgado, “podendo, na verdade, o juiz operar livremente a qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento ou suporte das respectivas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º CPC), é evidente que as várias possíveis configurações ou qualificações, situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados não podem suportar a propositura de uma nova acção, em que se pretendesse inflectir o sentido do julgamento através da construção de uma subsunção normativa ou enquadramento jurídico desses mesmos factos, diverso do invocado na primeira acção, já definitivamente julgada. É que tais possíveis qualificações ou subsunções jurídicas alternativas de uma mesma factualidade concreta constitutiva, emergentes apenas de uma diversa configuração ou coloração jurídica dos factos essenciais, invocados pelo autor, podiam, todas elas, ter sido conhecidas e apreciadas pelo juiz na primeira causa julgada – que podia perfeitamente ter convolado da qualificação jurídica feita pelo autor para a que tivesse por pertinente e adequada à justa composição do litígio – pelo que terão naturalmente de se ter por irremediavelmente consumidas ou precludidas, ainda que na acção já definitivamente julgada não tivesse sido explicitamente abordada e decidida a questão das possíveis e concorrentes qualificações jurídicas de determinada - e absolutamente imutável - factualidade concreta.”, mais se afirmando que “a essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções.” (sublinhado nosso). E, embora defendendo que não traduz “dualidade ou diversidade de causas de pedir a simples subsunção normativa a institutos jurídicos diferentes de uma realidade factual cujo núcleo essencial permanece imutável”, afirma-se neste aresto que “a causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos integradores da previsão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo”.
[21] Não cuidando aqui de apreciar se os chamados administradores de facto estão ou não incluídos na previsão do artigo 72.º do CSC, nem aferir se a ré/apelada assim deverá ser qualificada, por se tratar de matéria que não releva para apreciação da questão atinente à prescrição.
[22] Daí que a responsabilidade dos administradores para com a sociedade, prevista no artigo 72.º, n.º 1 do CSC, seja uma responsabilidade subjectiva (porquanto se baseia na presunção de culpa do administrador, incumbindo ao mesmo demonstrar ter agido sem culpa para se eximir à responsabilidade).
[23] Citações fictícias, porquanto se deu cumprimento ao estatuído no n.º 2 do artigo 323.º do CC (já que as citações concretizaram-se para além dos cinco dias subsequentes à instauração de cada uma dessas acções). 
[24] In Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, 6.ª edição, pág. 149.