Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SOARES | ||
Descritores: | DANO CAUSADO POR ANIMAL RESPONSABILIDADE CIVIL PROPRIETÁRIO DETENÇÃO RECURSO SUBORDINADO ALEGAÇÕES PRAZO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/24/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | Danos causados por animais - a responsabilidade civil por facto ilícito pode cumular-se com a responsabilidade pelo risco - a responsabilidade pelo risco recai sobre quem tiver a qualidade de “detentor do animal”, figura com um âmbito mais abrangente que a de “proprietário”; - “detentor”do animal é aquele em cuja casa o animal é albergado, não transitoriamente mas com um certo tempo de duração; - quem tem um cão de raça rottweiller a “viver” na sua casa, não se provando que o cão tenha outro “detentor” senão o dono da casa, permite-nos concluir que este o “utiliza no seu próprio interesse.” (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. B...., residente na Rua ..., em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a C..., residente na Rua ...., Parede, e D..., residente na Rua ..., Parede. Pede a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 114.333,38 e juros, acrescida das despesas que ainda vier a efectuar, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de ataque de um cão pertencente ao primeiro réu e que se encontrava confiado ao segundo. 2. Citados os réus, contestaram, excepcionando a ilegitimidade do primeiro réu, por não ser ele o dono do cão e impugnando a materialidade alegada pela A, negando que o cão tenha atacado a autora, tendo esta caído apenas quando aquele corria para o cão da autora, resultando os ferimentos da sua queda e não de qualquer acção do cão. 3. A autora respondeu pugnando pela improcedência da excepção e procedeu à ampliação do pedido, alegando que fora entretanto operada ao ombro, no que despendeu € 462,42. 4. Saneados os autos, a excepção foi julgada improcedente. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou “solidariamente os réus a pagarem à autora a importância global de € 19.796,30 (dezanove mil e setecentos e noventa e seis euros e trinta cêntimos) pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação e até esta data sobre € € 9.796,30 (nove mil e setecentos e noventa e seis euros e trinta cêntimos) e sobre a totalidade desde agora e até integral pagamento. Mais se condenam, na eventualidade da verificação dos seus pressupostos, no pagamento da pedida sanção pecuniária compulsória.” 5. A sentença foi notificada às partes por carta, datada de 2 /10 de 2006. Desta sentença interpôs recurso de apelação o R C..., por requerimento entrado a 11/20, o qual foi recebido, por despacho de fls. 369, despacho este que foi notificado às partes por carta, datada de 20/12 de 2006. A A interpôs recurso subordinado, por requerimento entrado a 3/1 de 2007, recurso esse admitido por despacho de fls. 370, notificado às partes por carta de 10/1. O recorrente C... deu entrada das suas alegações de recurso a 31/1- data do registo de correio-, delas tendo notificada a R, por carta datada de 30/1 –fls. 384. A A apresentou as suas alegações de recurso subordinado, em conjunto com as contra-alegações –fls 390 -, por requerimento entrado a 6/3. Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho – fls404-: “Considerando disposto nos arts.º 682.º e 698, n..º2 do CPC, em confronto com as datas cotadas a fls 379 e sgs e a data aposta a fls 390, verifica-se que as alegações apresentadas quanto ao recurso subordinado interposto se encontram fora de prazo, pelo que não se atende às mesmas.” 6. Após várias vicissitudes, veio a ser admitido recurso de agravo deste despacho. Insurgindo-se quanto ao despacho que não recebeu as alegações de recurso subordinado, alegou a A, concluindo: “1.O despacho de admissão do recurso principal foi notificado à ora Recorrente por carta de notificação datada de 20/12/2006 e o despacho de admissão do recurso subordinado foi notificado à Agravante por carta de notificação datada de 10/01/2007. 2. O Apelante C..., notificou a Recorrente das suas alegações de recurso, através de registo datado de 31/01/2007. 3. A ora Agravante apresentou, no prazo legal, que terminava em 07/03/2007, a sua contra-alegação no recurso principal, juntamente com as suas alegações no recurso subordinado. 4. Tendo pago, também no prazo legal, as taxas de justiça correspondentes. 5. A Recorrente não aceita, nem se conforma, com a decisão de não atendimento das suas alegações no recurso subordinado, "por se encontrarem fora de prazo", considerando tal decisão ilegal, ilógica e injusta. 6. O recurso subordinado é, por definição legal (artigo 682.º do CPC), dependente do recurso principal, e caduca, caso o recurso principal fique sem efeito, não fazendo sentido que se lhe não aplique o princípio da condensação de alegações. 7. O princípio da condensação de alegações está consagrado na lei, na doutrina e na jurisprudência. 8. Perfilhando o entendimento de Cardona Ferreira, defende-se que no caso de tanto uma parte como a outra terem recorrido, alega inicialmente a que tiver recorrido mais cedo; seguidamente, a outra parte contra-alega e alega no seu próprio recurso; depois, o primeiro recorrente pode responder, em 20 dias, ao segundo recorrente. 9. Também se entende, seguindo Armindo Ribeiro Mendes, que se manteve no actual código o sistema da condensação, em que o segundo apelante, na mesma peça, responde à alegação do primeiro apelante e alega no seu próprio recurso. 10. O mesmo entendimento é sustentado nesta Veneranda Relação, que se acompanha, concluindo clara e expressamente que o prazo para o recorrente subordinado apresentar as suas alegações inicia-se necessariamente, por força do regime legal, com a notificação das alegações apresentadas pelo recorrente subordinante. 11. A mesma Veneranda Relação, que igualmente se acompanha, clara e expressamente decidiu que o recorrente subordinado não pode apresentar a sua contra-alegação autónoma, devendo responder à minuta do recorrente principal na sua única alegação. 12. No regime legal do recurso subordinado funciona pois o sistema da condensação de alegações, formando a contra alegação no recurso principal e a alegação no recurso subordinado uma única alegação, independentemente do prazo para apresentação desta última. 13. O douto despacho recorrido ao não ter atendido as alegações da ora recorrente no recurso subordinado violou o princípio da igualdade das partes, o princípio da economia processual, bem assim a própria definição e regime legal do recurso subordinado, mostrando-se frontalmente transgredido o artigo 682.º do CPC.” Pede a revogação do despacho e que as alegações sejam admitidas. 7. Não houve contra-alegações a este agravo e o Sr. Juiz sustentou o despacho em crise. 8. Recurso de Agravo Nada obsta ao conhecimento do recurso de agravo, pelo que dele passamos a conhecer. Os elementos a ter em conta são os que constam do ponto 5. A questão colocada é a se saber se o prazo para a apresentação das alegações, relativas ao recurso subordinado, corre autonomamente, a partir da notificação do despacho que o admitiu ou se está dependente do prazo para apresentação das contra-alegações ao recurso principal, podendo o recorrente-recorrido condensar as alegações e contra-alegações numa única peça processual. Dispõe o art. 682º, nº 2 do C. P. Civil, que: “ O recurso independente é interposto dentro do prazo e nos termos normais; o recurso subordinado pode ser interposto dentro de 10 dias, a contar da notificação do despacho que admite o recurso da parte contrária”. No nº 3 do mesmo preceito dispõe-se que: “ Se o primeiro recorrente desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal”. O art. 698º, nº.2 do C.P. Civil, dispõe que: “ O recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante”. Para o caso de terem apelado ambas as partes, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo: “Se tiverem apelado ambas as partes, o primeiro apelante tem ainda, depois de notificado da apresentação da alegação do segundo, direito a produzir nova alegação, no prazo de 20 dias, mas somente para impugnar os fundamentos da segunda apelação”. Comecemos por dizer que não se vê qualquer obstáculo a que a agravante condensasse, na mesma peça processual, as suas contra-alegações e a sua alegação de recurso subordinado. Contudo, também não vemos na lei fundamento legal para se ampliar o prazo de que as partes dispõe para apresentarem as suas alegações. A regra é que as partes dispõem, cada uma delas, de 30 dias para alegar, contados da notificação do despacho que admitiu o recurso e de outros 30 dias para responder às alegações da parte contrária. A acolher-se a posição da recorrente, isso significaria poder a parte recorrente beneficiar de um prazo superior, ao legalmente fixado, para apresentar as suas alegações. A “subordinação” não pode, a nosso ver, justificar tal alargamento. É certo que tal entendimento já foi defendido, jurisprudencialmente, conforme citação da recorrente mas, salvo o devido respeito, não vemos como acolhê-lo. As posições doutrinárias citadas pela agravante não têm aplicação directa ao caso dos autos, pois que se reportam ao caso de ambas as partes terem recorrido, a título principal e não subordinadamente. Na situação de ambas as partes recorrem, a título principal, é que será caso de reger o art.º 698.º n.º3 do CPC,. E dizemos “será caso”, porque este preceito tem dado azo a várias posições doutrinárias e jurisprudenciais, havendo consenso sobre a falta de razão de ser deste preceito, com o regime dos recurso introduzido pela reforma de 1995.- ver por todos Ac. STJ de 22 de Junho de 2005 in CJ2005, T. II, p. 125. No regime anterior, os recorrentes e recorridos tinham prazos distintos e sucessivos para alegar, o que veio a ser radicalmente alterado com a reforma de 1995, passando todos os recorrentes e recorridos a alegar simultaneamente, dentro do mesmo prazo, os segundos a seguir aos primeiros. – arts.º 698.º 2 e 4 e 743.º n.º 1 e 2 . Ainda socorrendo-nos do acórdão do STJ citado diremos, em consonância com ele, que “não se encontra na lei actual o mínimo vestígio de início de contagem do prazo de alegação que não seja o da notificação da admissão do ou dos recursos”. Não nos sensibiliza, significativamente, o argumento da agravante de que, a entender-se como foi entendido na decisão recorrida, “poderia dar-se o caso de serem apresentadas alegações de recurso subordinado, mas vir a ficar o recurso principal sem efeito, nomeadamente por falta de alegações, o que acabaria por constituir um acto inútil.” É evidente que existe tal risco, mas também se corre esse risco no caso do tribunal superior decidir não conhecer do recurso principal, ou o recorrente principal vir a desistir do recurso, depois de apresentadas as alegações, sendo que nem por isso a agravante defenderá ser acto inútil alegar, nestes casos. Cabe ainda referir que, face ao actual regime dos recursos instituído pelo DL 303/07, de 24/8, o requerimento de interposição do recurso subordinado, acompanhado das respectivas alegações, deve ocorrer dentro de 30 dias, a contar da data em que a parte seja notificada da interposição de recurso pela parte contrária –notificação feita directamente ao abrigo doa rt.º 229.º-A do CPC. Pode assim ocorrer que o recurso principal nem sequer venha a ser admitido e já o subordinado está instaurado, com alegações apresentadas. Esta realidade actual reforça a falta de consistência do argumento da recorrente, quanto à “inutilidade” da apresentação das alegações de recurso subordinado, antes de saber se a parte contrária alegou no recurso principal. Além do mais, no caso concreto, confrontando as datas atrás indicadas, vemos que a recorrente, se assim o entendesse, poderia ter condensado alegações e contra-alegações, na mesma peça, pois quando foi notificada das alegações do R ainda estava em curso o prazo, para alegar, no seu recurso subordinado. O que a recorrente não poderia ter feito era deixar esgotar, como deixou, o prazo das contra-alegações e pretender que as alegações do recurso subordinado beneficiassem desse mesmo prazo. Neste mesmo sentido se pronunciou o AC. do STJ de 2003/4/24 proc. 03B822, acessível na Base de Dados do ITIJ, onde se pode ler: “No entanto, não obstante a douta argumentação do recorrente, entendemos que ela não procede pois, por um lado, ela não resulta da invocada norma do nº. 3 do artº. 498 do CPC e, por outro lado, o seu ponto de vista equivaleria a alargar, não obstante a apontada redução das peças de alegações de 4 para 3 (uma do recorrente subordinado e duas do recorrente principal), sem justificação, o prazo do recorrente subordinado para alegar, prolongando-se por vários meses a tramitação dos recursos. Com efeito, não se vê objecção válida a que o recorrente subordinado apresente as suas alegações no mesmo requerimento em que responde às alegações do recorrente principal. Mas tal não será possível quando daí resulte um alargamento do seu prazo para alegar. Foi o que, no caso, sucedeu estando as partes de acordo em que, no momento da apresentação da resposta às alegações da R, já se havia esgotado o prazo para alegar no recurso subordinado.” No mesmo sentido ver também Ac.R. Guimarães de 2008/1/14 proc. 2537/07-1, acessível na mesma base de dados. Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao agravo, confirmar o despacho recorrido e, consequentemente, não se conhecerá do recurso subordinado. 9. Recurso de Apelação O R- recorrente insurge-se contra a sentença proferida, invocando erro de direito e concluindo, em síntese, que: - o R não é dono ou possuidor, nem usa no seu interesse o cão; - não têm o encargo de vigilância do cão; - nunca autorizou o cão a sair de casa sem trela; - o cão não estava na sua propriedade no momento dos factos; -não violou o R qualquer direito da A, nem disposição legal destinada a proteger os seus interesses, pelo que deve a sentença ser revogada. Para o caso de assim não se julgar, pede que a indemnização fixada seja reduzida ao valor dos danos patrimoniais efectivamente causados pela queda da A. 10. A A contra-alegou pugnando pela falta de razão do recorrente. 11. Nada obsta ao conhecimento da presente apelação. 12. A matéria dada como assente em 1.ª instância e que não foi objecto de impugnação pelo recorrente, é a seguinte: A. Nos últimos anos, dada a situação clínica do marido e a necessidade de o ter em permanente vigilância e assistência, a autora passa cerca de dois meses na Casa de Repouso das Avencas, na Parede. B. No ano de 2002, como habitualmente, a autora e seu marido ficaram instalados na casa de Repouso das Avencas no dia 15 de Junho, para uma estadia prevista de cerca de dois meses. C. No dia 25 de Julho de 2002, como habitualmente fazia, a autora saiu por volta das 20.45 horas, para passear o seu cãozinho de estimação, o Peng, de raça Shih Tzu, um pequeno animal de cerca de 25 centímetros de comprimento e cinco quilos de peso. D. Ao transpor o portão da casa das Avencas, a autora avistou, a cerca de 50 metros de distância, três pessoas a conversar, entre elas o segundo réu, e, junto dessas pessoas, um cão de raça Rottweiller. E. A autora conhecia o cão de o ver habitualmente no quintal da casa do primeiro réu, constituída por uma vivenda sita na mesma rua ...., mas do lado oposto, tendo aquela o nº ... de polícia e esta última o ..... F. Àquela distância, e por ser quase noite, a autora não podia aperceber-se de que o Rottweiller não tinha nem coleira, nem trela, nem açaimo. G. Por isso a autora, que levava o seu pequeno Peng pela trela, receou avançar e, à cautela, perguntou, em voz alta, se podia passar, tendo-lhe sido dito pelo segundo réu que sim, que podia passar, dizendo mesmo: “à vontade, ele não faz mal”. I. Nesse momento, quando a autora avançou, o Rottweiller correu na sua direcção, derrubando-a no solo. J. O réu D... interveio de imediato fazendo estacar o cão. L. O Rottweiller atacou o cão Peng, abocanhando-o e ferindo-o. M. Sendo necessária, a pedido da autora, a intervenção de outras pessoas para acudir ao Peng. N. O embate do Rottweiller contra a autora provocou-lhe duas fracturas no ombro esquerdo, fractura no pulso esquerdo e fractura em duas costelas do lado esquerdo, além de extenso hematoma no braço e no peito do mesmo lado. O. O cão da autora sofreu um rasgão cutâneo. P. O segundo réu levou no seu carro o cão da autora a uma clínica veterinária da Parede, onde o mesmo foi suturado e tratado, ficando aí nessa noite, tendo a sua médica veterinária ido buscá-lo no dia seguinte para internamento na respectiva clínica. Q. De seguida, o segundo réu, igualmente no seu carro, transportou a autora à urgência do Hospital ...., nos Olivais, onde a mesma foi observada e radiografada e onde foram diagnosticadas fracturas, que aí foram tratadas, tendo-lhe sido aplicadas faixas de imobilização e ligamentos nas zonas afectadas. R. A autora teve dores e sofrimento nos dias que se seguiram e esteve imobilizada durante quinze dias, sem se poder mexer devido às dores. S. Após cerca de três semanas de consultas e tratamentos, a autora iniciou, em 16 de Agosto de 2002, por ordem do médico ortopedista, sessões diárias de fisioterapia na Parede, extremamente duras e penosas pelas dores que continuava a sentir. T. Dada a impossibilidade de a autora tratar do seu marido e a necessidade de ela própria ser assistida e tratada, teve de prolongar a estadia na Casa de Repouso das Avencas por mais dois meses para além do previsto. U. Em consequência dos factos descritos, a autora teve de se submeter a sucessivos exames e de consultar médicos de outras especialidades, nomeadamente de neurologia, por ter ficado com fortes tremores em todo o braço esquerdo, que aumentavam com a dor da elevação. V. À data de propositura da acção, a autora ainda tinha dores e não conseguia levantar completamente o braço esquerdo, nem efectuar com esse braço a rotação normal. X. A autora sofreu com o que sucedeu ao seu cão. Z. A autora viu-se impossibilitada de tratar do seu marido e de lhe proporcionar pessoalmente a assistência que este necessitava. AA. A autora gozava de invejável saúde e força para a sua idade e mantinha uma actividade constante, quer a nível familiar quer a nível social. BB. Deslocava-se para todo o lado no seu carro, que ela própria conduzia, quer fora quer dentro da cidade. CC. Tratava de todos os seus assuntos pessoalmente, assegurando todo o conforto possível a seu marido, recebendo frequentemente visitas e mantendo um convívio social e familiar (a autora tem filhos casados e netos) constante. DD. Ocupava-se pessoalmente de todos os assuntos domésticos, ela própria executando tarefas, as mais variadas, efectuando deslocações, sempre com grande gosto, interesse e a alegria de se sentir perfeitamente capaz, lúcida e activa. EE. Em consequência dos factos dos autos, a autora ficou totalmente imobilizada durante cerca de três semanas, mantendo-se mesmo depois desse período, e durante mais de um mês, dependente de terceiros, que lhe tinham de assegurar a alimentação, a higiene, e tudo o mais. FF. Durante meses, viu a sua funcionalidade afectada, ficou incapacitada de conduzir e da fazer a sua vida normal, sentindo-se desesperada, entristecida e traumatizada. GG. À data de propositura da acção a autora continuava a fazer fisioterapia e iniciou sessões de mesoterapia, para tentar combater a dor no ombro esquerdo. HH. A estadia da autora e de seu marido na Casa de Repouso foi prolongada por mais dois meses além do previsto, tendo este período suplementar importado em € 5.690,00. II. A cirurgia feita ao Shi Tzu na Clínica Veterinária da Parede importou em € 117,50. JJ. E o seu posterior internamento em € 1.222,50. LL. As consultas, exames, medicamentos e tratamentos no Hospital .... e nos .... ascenderam, até 31 de Dezembro de 2002, a € 1.117,78. LL. As consultas, medicamentos e sessões de fisioterapia na Parede (50 sessões) importaram em € 610,42. MM. Com consultas e tratamentos de fisioterapia e mesoterapia em Lisboa, consultas de neurologia e outros exames, despendeu a autora € 575,68. NN. A autora efectuou uma ressonância magnética, em 13 de Março de 2003, e foi operada a uma tendinite no ombro esquerdo em 23 de Maio de 2003, no Hospital do ...... OO. A autora teve alta hospitalar em 25 de Maio de 2003, regressando à Casa de Repouso das Avencas, onde se havia instalado com o marido, a fim de aí fazer o período pré operatório e pós-operatório, pois só assim poderiam ser ambos devidamente assistidos. PP. O pós-operatório foi doloroso, implicou consultas e deslocações para retirar os pontos e para avaliação da situação, e obrigou a medicação acrescida e a tratamentos de recuperação. QQ. A operação e o internamento em causa importaram em € 4.682,20, valor do qual a autora, por ser beneficiária dos ...., pagou apenas € 462,42. RR. O cão Rottweiller vivia e vive em casa do réu C..... SS. O réu D... era amigo do dono do Rottweiller, levando-o, por vezes, a passear. * 9. O âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 660º, n.º 2, ex vi artigo 713º, n.º 1 CPC. Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância. Apreciando O objecto do recurso reconduz-se à análise da verificação, ou não, dos pressupostos da responsabilidade civil. Caso se conclua pela verificação da responsabilidade civil do R, caberá então decidir se é caso de reduzir a indemnização fixada, ou seja, se a A tem ou não direito a ser indemnizada, a título de danos não patrimoniais. I- Responsabilidade Civil Para afastar a responsabilidade civil, por facto ilícito, que lhe vem imputada na sentença, argumenta o R: - não é dono ou possuidor, nem usa no seu interesse o cão; - não têm o encargo de vigilância do cão; - nunca autorizou o cão a sair de casa sem trela; - o cão não estava na sua propriedade no momento dos factos; -não violou o R qualquer direito da A, nem disposição legal destinada a proteger os seus interesses. Quanto à situação de não se ter provado que o cão era propriedade do R argumentou-se assim na sentença: “A ilicitude do facto resulta do disposto no art. 493º, nº 1, do C. Civil. Este preceito contempla os casos da não observância do dever de guarda dos animais – acórdão do S.T.J. de 17 de Julho de 1986, no B.M.J. nº 359, pág. 693. Daí que não proceda a argumentação do réu C...., que alegou não poder ser responsabilizado, por não ser o proprietário do cão. É certo que não se provou que fosse, mas provou-se que era este quem guardava o animal em sua casa, pelo que não pode deixar de ser responsabilizado pelo facto de permitir que o réu D... o passeasse na rua sem trela. Ora, o réu não alegou ausência de culpa da sua parte, nomeadamente que o segundo réu estivesse proibido, por si, de passear o cão, ou que lhe impusesse o uso de trela.” Nesta linha de raciocínio veio a entender-se que ambos os RR eram responsáveis, a título de responsabilidade delitual. Vejamos. No tocante à responsabilidade civil por danos causados por animais regem os artigos 493.º e 502.º do CC. No âmbito da responsabilidade por factos ilícitos, para os danos causados por coisas, animais e actividades, dispõe o art.º 493.º que quem tiver o encargo de vigilância de qualquer animal responde pelos danos que os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte. Existe, assim, uma presunção de culpa para aqueles que tem a seu cargo a vigilância de animais, cabendo ao vigilante fazer a prova de ausência de culpa sua na produção do evento. Já no âmbito da responsabilidade pelo risco, o art.º 502.º preceitua: «Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização». Quanto à razão da diferença de regime diz-nos Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed. p. 651: “A diferença de regime explica-se pela diversidade de situações a que as duas disposições se aplicam: o artigo 493.º refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais (o depositário. O mandatário, o guardador, o tratador, o interessado na compra que experimenta o animal, etc.), enquanto o disposto no artigo 502.º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse (o proprietário, o usufrutuário, o possuidor, o locatário, o comodatário, etc.) É quanto a estas pessoas que tem inteiro cabimento a ideia do risco: quem utiliza em seu proveito os animais, que, como seres irracionais, são quase sempre uma fonte de perigos, mais ou menos graves, deve suportar as consequências do risco especial que acarreta a sua utilização.” E mais adiante continua assim: “No caso do utente haver incumbido alguém da vigilância dos animais, poderão cumular-se as duas responsabilidades (a prevista no art.º 493.º e a fixada no art.º 502.º) perante o terceiro lesado, caso o facto danosos provenha da presuntiva culpa do vigilante; não havendo culpa deste, a obrigação de indemnizar recairá apenas, com fundamento no risco, sobre a pessoa do utente, casos e verifiquem os pressupostos de que ela depende(3). O achador do animal perdido também não responderá objectivamente pelos danos que ele causar, enquanto não se decidir a utilizá-lo como seu.” Porque se mostra interessante, transcreve-se aqui também a nota de rodapé (3):«Tem-se discutido no direito francês, a questão de saber em que termos responde a pessoa que utiliza o animal antes de o comprar. Antes de consumada a compra, a pessoa não utiliza o animal no seu interesse ; mas sendo-lhe confiado, ela fica comprometida a guardá-lo e vigiá-lo de modo que ele não cause danos a ninguém. Nestes termos, a solução exacta é a de essa pessoa responder como as pessoas incumbidas da vigilância do animal e de, ao lado dela, responder ainda, em termos objectivos, o dono do animal. Cfr, Vaz Serra, est. cit, pág, 141.» No mesmo sentido destes entendimentos defendidos por Antunes Varela, podemos ver também Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 4.ª ed. p.409 : este autor afirma que, perante o lesado e face ao mesmo evento, podem concorrer os pressupostos dos dois apontados tipos de responsabilidade, apontando o caso do “utilizador do animal”que confia a outrem a sua vigilância. O utilizador responderá pelo risco e o vigilante por facto ilícito, caso não prove a sua falta de culpa. Feito este enquadramento abstracto, e partindo para o caso concreto, podemos, desde já, assentar que o R C... não poderá ser responsabilizado, nos termos do art.º 493.º, pois, como ressalta da factualidade apurada, não era o este R quem tinha a concreta vigilância do animal, aquando da ocorrência dos factos. “A vigilância incumbe a quem tiver o poder de facto sobre os animais” –Rodrigues Bastos, Notas ao C.Civ. II, 291. Quem tinha o poder de facto sobre o animal, no momento do acidente era o outro co-R, que se encontrava a passear o cão, na rua. Provou-se que este R. “era amigo do dono do Rottweiller, levando-o, por vezes, a passear.” Por isso, a vigilância estava-lhe incumbia, razão pela qual foi e bem, condenado a reparar a lesada, ao abrigo da responsabilidade por facto ilícito. Assim, neste ponto, não podemos acompanhar a decisão recorrida, ao julgar o recorrente responsável nos mesmos termos, ou seja, por facto ilícito. Estão assim resolvidas as questões seguintes, colocadas pelo recorrente: - o cão não estava na sua propriedade, nem sob a sua vigilância, no momento dos factos e daí que não haja responsabilidade por facto ilícito, quanto a ele. - quanto à questão de ”nunca ter autorizado o cão a sair de casa sem trela”, trata-se de matéria que o R, infelizmente nunca alegou, no momento próprio, mas se assim foi, caso venha ser também responsabilizado, sempre poderá exercer direito de regresso sobre o vigilante. Contudo, isso é questão que não releva no confronto da lesada com os RR, mas apenas nas relações entre estes. Mas, como vimos, o facto de não ocorrerem os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, não leva, desde logo, à conclusão da inexistência de responsabilidade, por parte do R C.... Impõe-se, então, que se analise se se verificam os pressupostos da responsabilidade pelo risco. A este nível respondem, como já se viu, os que utilizam os animais no interesse próprio, sendo proprietários, ou como se o fossem. Aqui chegamos ao cerne da defesa do R –Recorrente, quando coloca as questões seguintes: - não é dono ou possuidor, nem usa o cão, no seu interesse. Estamos perante conceitos de direito e que, por isso, necessitam de factos para se julgarem integrados (ou não). Que matéria temos que possa relevar para o caso? Nos arts.º 40.º e 41 da BI, perguntava-se, respectivamente: “O cão Rotweiller em causa nos autos pertence ao 1.º R?” “O referido animal vive na residência deste, sendo conhecido de toda a vizinhança como pertencente ao dono da casa?” Respondeu-se: “Provado apenas que o cão Rottweiller vivia e vive em casa do réu C...”. Ponto E dos factos assentes – “A autora conhecia o cão de o ver habitualmente no quintal da casa do primeiro réu, constituída por uma vivenda sita na mesma rua ...., mas do lado oposto, tendo aquela o nº ... de polícia e esta última o ....” Importa aqui fazer um parêntesis: o R –recorrente ao longo de todo o processo, não negando a evidência de que o cão vivia no seu logradouro, limitou-se, tão somente, a negar que fosse o dono, mas não se dignou fazer qualquer esclarecimento, como se impunha a qualquer pessoa de boa-fé, certamente para evitar de que a lesada lograsse fazer a prova da propriedade do animal e, assim, ficarmos com um “cão sem dono”. Esta atitude processual obstou, caso houvesse “outro dono” para o cão, a que a A o pudesse demandar. Sempre negando a qualidade de dono, não deixa contudo o recorrente de alegar, logo na contestação que se trata de um “animal meigo, dócil e muito sociável” –art.º 9.º - . Só em sede de alegações, reforçando a tónica de não ser dono, é que vem dizer que quem detinha a obrigação de vigilância “era o seu dono que ao tempo morava na casa onde se encontrava o Rotteweiller”, mantendo silêncio quanto à identificação do dito “dono”... Temos, assim, na versão do recorrente, um “cidadão mistério” que seria então o dono do cão… Por um documento junto aos autos (Boletim de Vacinas), em duas versões – uma primeira em que o cão “não tem dono” e uma segunda em que o cão “já tem dono” – poderemos presumir que o recorrente, agora apenas nas alegações, estará a aludir a uma pessoa que será o seu filho, dada a identidade de apelidos…pena é que não tivesse alegado isso em sede ou momento próprio, antes de ter prescrito o direito da A de demandar também o suposto“dono”. Feito este parêntesis, regressemos à análise puramente jurídica da questão, com a matéria de facto que foi dada como provada em 1.º instância e que não foi impugnada (sê-lo-ia caso o recurso subordinado tivesse prosseguido….) Temos então provado, com relevo, que: o cão vivia e vive na casa do recorrente e era visto habitualmente, pela A, no quintal da casa daquele que é constituída por uma vivenda sita na mesma rua ...... É a partir daqui que temos que resolver a questão fulcral deste recurso e que passa pela definição da posição do R-recorrente em relação ao animal. Vamos procurar algumas pistas que nos ajudem a chegar a uma conclusão. Comecemos com o DL 276/2001, de 17/10, que estabeleceu medidas tendentes à aplicação em Portugal da Convenção Europeia para Protecção dos Animais de Companhia. No seu art.º2 podemos encontrar algumas definições que se afiguram relevantes: “Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por: a) 'Animal de companhia' qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente, no seu lar, para seu entretenimento e companhia; b) 'Animais selvagens' todos os especímenes das espécies da fauna selvagem; c) 'Animal vadio ou errante' qualquer animal que seja encontrado na via pública ou outros lugares públicos fora do controlo e guarda dos respectivos detentores ou relativamente ao qual existam fortes indícios de que foi abandonado ou não tem detentor e não esteja identificado. …… o) 'Hospedagem'' alojamento, permanente ou temporário, de um animal de companhia; p) 'Hospedagem sem fins lucrativos' alojamento, permanente ou temporário, de animais de companhia que não vise a obtenção de rendimentos; q) 'Hospedagem com fins comerciais' alojamento para reprodução, criação, manutenção e venda de animais de companhia que vise interesses comerciais ou lucrativos, incluindo-se no alojamento para manutenção os hotéis e os centros de treino; … u) 'Detentor' qualquer pessoa, singular ou colectiva, responsável pelos animais de companhia para efeitos de reprodução, criação, manutenção, acomodação ou utilização, com ou sem fins comerciais; No art.º 6 deste mesmo diploma estabelece-se: “Incumbe ao detentor do animal o dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas.” O Regime Jurídico da Detenção de Animais Perigosos, instituído pelo DL 312/2003 e alterado pela L 49/2007, de 31/08, voltou a servir-se da terminologia do “detentor”, definido-se como tal - art.º 2.º, al.d) – a pessoa que “mantenha sob a sua responsabilidade”. As próprias licenças são denominadas de “licença de detenção” –arts.º 3.º e 4.º. Embora sabendo-se que os factos dos autos são anteriores à vigência destes diplomas, permitimo-nos referir que o Rotteweiller, como é sabido, é uma das raças classificadas como de “animais potencialmente perigosos”- DL 321/2003 e Portaria 422/2004, de 24/4, sendo obrigatória a constituição de seguro de responsabilidade civil –art.º 13.º do mesmo DL. Dos preceitos apontados vemos que a lei não se cinge à figura do “proprietário”, contentando-se com uma figura que temos como mais abrangente –o “detentor “. Depois de se definir “animal de companhia” como o animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, define como “Animal vadio ou errante” qualquer animal que seja encontrado na via pública ou outros lugares públicos fora do controlo e guarda dos respectivos detentores ou relativamente ao qual existam fortes indícios de que foi abandonado ou não tem detentor e não esteja identificado. Isto para dizer que os animais de companhia, em contraposição aos animais selvagens, só podem ter uma de duas situações : ou têm detentor ou são vadios /errantes. O cão dos autos vadio/errante parece que não poderá ser considerado; logo detentor há-de ter. Poder-se-á questionar se a noção de “detentor”, para os aludidos diplomas, é equiparável à noção de “utilizador”para os efeitos do art.º 502.º do CC. Entendemos que sim, sendo que chegamos a tal conclusão com o Estudo do Prof. Vaz Serra in BMJ 86 do ano de 1959 “Responsabilidade pelos Danos Causados por Animais”. Este estudo, anterior ao Código Civil, conclui com uma proposta de articulado, tendo o art.º 1.º, sob a epígrafe “Responsabilidade dos danos causados por animais. Regra geral”, a seguinte redacção: “1. Quem se serve, no seu interesse, de animais, responde pelos danos por estes causados, se esses danos resultam do especial perigo que os animais implicam.” … 3. No caso de utilização abusiva por terceiro, o proprietário ou outro titular de direito sobre o animal só responde se teve culpa. … E no art.º 4, sob a epígrafe “Encarregados de vigilância do animal. Pluralidade de responsáveis”, pode ler-se: “1. Aquele que, por contrato, assumiu o encargo da vigilância do animal responde pelos danos causados por este, salvo provando a falta de culpa. … 3. Quando responderem, ao mesmo tempo, o utente do animal e a pessoa encarregada da vigilância deste, a sua responsabilidade é solidária. 4. Se os utentes do mesmo animal forem vários, responde cada um na proporção do seu interesse nele,…. “ Vemos assim que estas propostas de articulado transitaram, na sua essência – responsabilidade por facto ilícito e pelo risco -, para o CCivil, pelo que tem toda a pertinência, na compreensão do actual regime, o estudo feito, nomeadamente a nível de direito comparado, da época e da opção pelo regime alemão, feita pelo Prof., por o ter considerado como mais defensável. Permitimo-nos, então, trazer a estes autos diversos trechos do dito estudo, com a finalidade de apurar se o R pode ser enquadrado nos destinatários do art.º 502.º do CC. Pág. 35 “…se se entender que os perigos causados por animais (domésticos ou não, servindo ou não a profissão, a aquisição, a guarda ou alimentação do homem) impõem uma responsabilidade objectiva, esta parece dever ser aplicável aos danos causados por todos e quaisquer animais, desde que apropriados… Os animais, cujos danos importariam a responsabilidade do guarda,[1] (negrito nosso) seriam, em princípio, todos e quaisquer animais, ainda que infinitamente pequenos, desde que estejam apropriados: se o animal não está apropriado, não teria fundamento essa especial responsabilidade. Se a guarda e vigilância não são possíveis, pode parecer que não haveria também que responsabilizar quem não o pode guardar e vigiar e, por isso, em França entende-se que não há a responsabilidade do art.º 1.385; mas, desde que o animal esteja apropriado, parece não importar que a sua guarda e vigilância sejam impossíveis (como acontece com as abelhas), pois terceiros não podem ficar à mercê dos danos causados por esses animais que, apropriados por alguém e portanto servindo os interesses do apropriador, parece deverem determinar a responsabilidade deste.” Sobre a questão de “quem deve considerar-se responsável”: Pag. 50 “No direito francês, segundo o art.º 1.385.º, é o proprietário ou quem se serve do animal. Mas entende-se não bastar isto, pois há que atender a que a responsabilidade se funda mais no dever de guarda que no proveito….”chegando à conclusão no direito francês “responsável é, pois, o que tem a guarda, e não o proprietário. O Código suíço impõe a responsabilidade à pessoa que detém o animal (art.º 56.º, alínea 1) (60).” Esta nota (60) tem o seguinte teor: ”Entende-se que o responsável é a pessoa que tem o animal em sua casa ou ao seu serviço (v.g., o usufrutuário, o locatário, o vendedor que conserva o animal em seu poder), mas não quem o usa por favor, o depositário, o transportador, o empregado encarregado de cuidar dele; e que se o animal foge, cessa responsabilidade do antigo possuidor, salvo se este teve culpa: ver Von Tuhr, 48, IV.” E continua: “O Código italiano ao proprietário ou a quem se serve dele (art.º 2.052.º) (60-a).” No tocante ao direito alemão, Vaz Serra, citando Ennecerus-Lehmann, reproduz o seguinte trecho: “a responsabilidade dirige-se contra o que «tem o animal». É, porém, tenedor do animal aquele em cuja casa ou negócio pertence o animal ao tempo da lesão e, portanto, o possuidor em nome próprio, sendo indiferente que seja ou não o proprietário, mas também o titular de desfrute ou o locatário de uso e desfrute que tenham obtido a posse do animal, mas não o depositário ou comodatário, nem o que tenha tomado em locação o animal por pouco tempo». Pertinente a citação feita de Heck, na nota (62), p.53, que diz que «como tenedor deve ser havido aquele que introduz o animal na sua esfera económica ou de poder.» (negrito nosso). Citando de novo Ennecerus-Lehmann, a propósito do conceito de tenedor do & 833.º do Código alemão, pode-se ler a pág. 58: «Segundo o Trib. Do Reich, Enst., 52, pág 118(…), é decisivo aquele que «no seu próprio interesse tomou a seu cargo o cuidado do animal, albergando-o e alimentando-o não só para um fim transitório mas por um tempo de certa duração»(sublinhado nosso). A fórmula do direito alemão foi a acolhida pelo Prof. e, consequentemente, a que influenciou as normas em análise do nosso C. Civil. Feito este percurso, que concluir? Embora com uma escassez de factos, não podemos deixar de considerar que o R-recorrente era, ao tempo da lesão o tenedor do animal, de acordo com o direito alemão, seguindo o critério de Ennecerus-Lehmann, que não será demais citar: «é tenedor do animal aquele a cuja casa ou negócio pertence o animal ao tempo da lesão» Não provado que o R fosse “dono”, mas provado que o cão vivia e vive – ao tempo da lesão e ao tempo da entrada da acção - na casa do R e que era visto no quintal dessa casa, que é uma vivenda, nada tendo o R alegado a não ser a negação da qualidade de “dono”, temos por assente que o R era, pelo menos, aquela pessoa em cuja casa o animal se albergava; se o R aí o albergava no interesse de outrem, a pedido de outrem, cabia-lhe a si demonstrá-lo, o que não fez. Por “viver” temos que entender que aí passa os dias, aí dorme, é alimentado e guardado, pois tratando-se de um animal de porte e de uma raça considerada perigosa e situando-se a vivenda numa localidade, necessita que o guardem, ou seja, a propriedade há-de estar vedada, de forma a que o cão não saia livremente. A propriedade da casa e quintal pertencem ao R, que aí vive. (é a morada que consta da p.i. e onde o R foi citado, sendo também a morada que o R fornece na procuração como sendo a sua residência) Portanto, que prova mais seria de exigir, no entender do Recorrente? Não se fez a prova de que é o “dono” ou “proprietário”mas, como se viu, não é a qualidade de proprietário condição necessária nem indispensável para a responsabilização do R. E não diga o Recorrente que “não utiliza o animal no seu próprio interesse”. Um cão desta natureza, a viver em casa do R, quer este queria quer não, permite-lhe ter a sua propriedade a salvo de intrusos, nos termos em que um cão de guarda o faz. Com um Rotteweiller em casa, não vamos dizer que a casa não pode ser assaltada, mas estará muito mais protegida do que se tal animal aí não vivesse. Portanto, temos por evidente que o R beneficia da presença deste animal, ou seja, desfruta dele e, não se provando que exista outra pessoa com outro ou maior grau de detenção e desfrute do animal que o R, temos por assente que o R tem a qualidade de “detentor” (“tenedor”) do cão e que “o utiliza no seu próprio interesse”. Cabe anotar que nada obsta a que várias pessoas possam ter a qualidade de “utentes” ou “detentores” do mesmo cão. Complementarmente ao já dito, vejam-se dois acordãos com relevo para o caso: Ac. R. P. de 19978/5/30, in CJ 1978, p. 858: “II - A palavra "utilização", usada no artigo 502 do Código Civil, não significa apenas obtenção de proveito imediato, mas também potencial que pode ser material ou meramente recreativo. III - O perigo especial que a utilização do animal envolve é o resultante da sua natureza de ser vivo que actua por impulsos próprios.” Ac. STJ de 2007/6/19, proc. 07A1730 acessível na Base de Dados do ITIJ: I – Quem tiver o encargo da vigilância de qualquer animal responde pelos danos que ele causar salvo se provar que não teve culpa. II – Por outro lado quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos por ele causados, desde que resultem do perigo especial que envolva a sua utilização; III – Sendo o animal de terceiro e for guardado no benefício do guardador este acarreta as consequências da actuação culposa; IV – A responsabilidade pode coexistir quer fundada no risco ou na culpa; V – Quer numa das situações quer na outra, os utilizadores de um Rottweil são sempre responsáveis pelo dano que o cão venha a causar, tanto mais por se tratar de um animal perigoso.” Posto isto, estamos em condições de concluir pela responsabilidade do R-recorrente pelos danos sofridos pela lesada, em consequência da actuação do cão, a título de responsabilidade pelo risco, nos termos do art.º 502.º CC., sobre ele recaindo a respectiva obrigação de indemnizar. II- Indemnização Defende o recorrente que, a haver lugar a indemnização, deve a mesma ficar reduzida ao valor dos patrimoniais, ou seja, entende que as dores, os incómodos e demais lesões não quantificáveis em dinheiro, não devem ser ressarcidas… Quanto à indemnização fixada, pode ler-se na sentença: “Analisando em concreto, apuraram-se os seguintes danos patrimoniais: € 5.690,00 pelo internamento na casa de repouso em convalescença, € 2.766,30 de gastos em internamentos, consultas, exames, medicamentos e € 1.340,00 por despesas com a operação e internamento do cão da autora, tudo num total de € 9.796,30. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais. «Nestes a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de medida exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade» - Dr. Leite de Campos, “A Indemnização do Dano da Morte”, pág. 12. Por outro lado, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente - conforme o Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. 1º, pág. 630. Analisando em concreto, a autora pede indemnização pelas dores e incómodos sofridos e pelas sequelas da queda que sofreu. Não se pode ignorar que, na idade da autora, este tipo de lesões assume alguma gravidade. … Afigura-se correcto fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora em € 10.000,00.” O juízo feito não nos mercê qualquer reparo e se alguma alteração houvesse a fazer seria para aumentar o valor fixado, a título de danos não patrimoniais e nunca para o diminuir. É tão descabida e sem qualquer apoio legal a pretensão do recorrente de que a lesada não deve ser indemnizada a tal título, que não nos merece quaisquer outras considerações. Pelo exposto, acorda-se em: - negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida; - julgar improcedente a apelação e confirmar, na íntegra a decisão recorrida, embora com fundamentação algo diversa. Custa do agravo pela agravante. Custas da apelação pelo apelante. Lisboa, 24 de Novembro de 2009. Teresa Soares Rosa Barroso Márcia Portela. [1] O Prof. Vaz Serra esclarece, na nota de rodapé (15) a pág. 31, que emprega a expressão “guarda” à falta de melhor, informando que no direito alemão fala-se em tenedor (Halter)e que a expressão guarda é usual em França. |