Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20335/09.6T2SNT.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS
FALTA DE CONTESTAÇÃO
MARCAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRAZO
NULIDADE PROCESSUAL
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A falta de contestação do requerido no procedimento cautelar de alimentos provisórios tem o efeito cominatório semi-pleno, nos termos do art. 385º, nº 5 do CPC.
2. Prevendo a lei expressamente que, no procedimento cautelar de alimentos provisórios, o requerido tem de ser convocado para a audiência de julgamento e pode apresentar contestação na mesma, não se estatuindo qualquer prazo especial para marcação daquela, deve a data para julgamento ser designada tendo em atenção o prazo para contestar, o qual é de 10 dias, por força do disposto no art. 303º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 384º, nº 3 do mesmo diploma legal.
3. Não sendo respeitado tal prazo, tendo ocorrido o encurtamento do prazo para o requerido apresentar a contestação, verifica-se a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, que influi no exame e decisão da causa (porque viola o exercício pleno do direito ao contraditório), e gera nulidade processual, nos termos do disposto no art. 201º, nº 1 do CPC.
4. Tal nulidade processual resulta do próprio despacho que designou data para a diligência, pelo que o meio próprio de a atacar é o recurso do referido despacho.
5. A declaração feita, aquando do divórcio por mútuo consentimento, de que se prescinde de alimentos só pode significar que, naquele momento, se não pedem alimentos, nunca podendo constituir renuncia aos mesmos, pois a lei não o permite.
6. O ex-cônjuge pode vir, posteriormente, pedi-los, sem que tenha de alegar alteração superveniente das circunstâncias, apenas tendo de alegar e demonstrar que, no momento em que pede os alimentos, se mostra carecido deles.
7. Ao requerente de alimentos cabe provar que carece de alimentos, e em que medida, bem como que o demandado tem possibilidades de os satisfazer.
8. A prestação alimentícia provisória é fixada em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente, segundo o prudente arbítrio do tribunal, o qual terá de ponderar os meios daquele que houver de prestar alimentos e as necessidades daquele que houver de recebê-los.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            Por apenso aos autos de inventário nº …., T intentou contra C, procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo que o requerido seja notificado para prestar alimentos provisórios à requerente no valor mensal de € 687,34.
            Fundamenta a sua pretensão nos seguintes factos:
            Em 18.01.2004, a requerente intentou acção de divórcio litigioso contra o requerido, vindo a ser decretado o divórcio por mútuo consentimento, após a respectiva convolação.
            Durante o tempo em que viveram juntos, o requerido sempre se opôs a que a requerente desenvolvesse qualquer actividade remunerada.
            O requerido dedica-se ao exercício de actividade profissional de transformação e comércio de mármores e granitos, através de uma sociedade, auferindo rendimentos médios mensais de € 3.500,00, aos quais acrescem cerca de € 5.000,00 de rendimentos provenientes do arrendamento de prédios que fazem parte do património comum do ex-casal, sendo que é o requerido que tem a posse de todos os bens comuns do casal, à excepção da fracção onde a requerente reside, não prestando quaisquer contas à requerente, não lhe entregando qualquer montante desses rendimentos, encontrando-se a correr o inventário para partilha dos bens.
            A requerente não tem meios de prover à sua subsistência, e atenta a sua idade - 54 anos- e ter, apenas a 4ª classe, não tem possibilidade de arranjar emprego, contando, apenas, com a ajuda dos filhos, para além de ter sofrido uma ameaça de AVC que deixou limitada a mobilidade do seu braço esquerdo.
            Para fazer face às despesas com água, gás, electricidade, telefone, condomínio, vestuário, calçado, alimentos e produtos de higiene, necessita de € 687,34 mensais.
           
            Foi proferido despacho a ordenar a desapensação do procedimento cautelar em causa, (por inexistir fundamento legal para tal apensação) e a remessa dos autos à distribuição.
            Foi, então, proferido despacho, datado de 10.07.2009, a designar o dia 20.07.2009 para a inquirição das testemunhas, à qual se procedeu no dia agendado, sem a presença do requerido, que não compareceu apesar de convocado nos termos do art. 400º, nº 1 do CPC, por carta registada com AR recebida no dia 16.07.2009.
            Oportunamente foi proferida decisão que julgou a providência parcialmente procedente, condenando o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios, o valor mensal de € 600,00, por transferência ou depósito bancário para conta a indicar pela requerente, até ao dia 30 de cada mês.
            Inconformado com esta decisão, dela apelou o requerido, formulando, a final, as seguintes conclusões:
            Artigo 1º
            Não estando expressa e directamente previsto prazo específico para o requerido contestar o prazo aplicável é o supletivamente fixado no nº 1 do artigo 153º do Código de Processo Civil.
            Donde, entre a citação do requerido e a realização da audiência de julgamento na qual este deve apresentar a contestação devem mediar, pelo menos, dez dias.
            Ora, tendo o requerido sido citado em 16.07.2009 a realização do julgamento em 20.07.2009 não cumpre aquele prazo, pelo que existe ilegalidade traduzida no encurtamento do prazo para contestar, o que gera nulidade a determinar a anulação de todo o processado a partir da citação, devendo designar-se nova data para julgamento (arts. 153º, nº 1, 201º, nº 1 e 2 e 205, nº 1, todos do Código de Processo Civil).
            Além de que o requerido nem sequer pode encontrar advogado disponível para o patrocinar pois que entre a citação e a data designada para julgamento mediou apenas um dia útil.
            Artigo 2º.
            Depois, documentando os autos que a requerente prescindiu de alimentos quando em 09.03.2006 convolou para mútuo consentimento o processo de divórcio litigioso que então pendia entre ambos, deveria ter alegado e provado alteração das circunstâncias então vigentes.
            Não o tendo feito, não deveria ter sido deferido o pedido.
Isto, naturalmente, para que a lei não cubra o artifício de qualquer cônjuge poder declarar que prescinde de alimentos para obter o consentimento do outro e, obtido o consentimento, se sentir livre para os reclamar, dando o dito por não dito.
            Artigo 3º.
            A douta sentença violou, também, o disposto na primeira parte do nº 1 do artigo 2004º do Código Civil, pois que fixou uma prestação alimentar sem que o processo revele que o requerido a pode pagar.
            Com efeito, não pode partir-se do facto provado de que o recorrido retira rendimentos de uma actividade que exerce para logo se condenar na prestação de alimentos.
            Necessário se torna que a prova permita a conclusão de que os rendimentos daquele que está obrigado à prestação de alimentos são excedentários relativamente às suas próprias necessidades. E esta prova não está feita nos autos.
            Não está, nem poderia estar: o requerido não tem vencimento, pensão ou outro rendimento que lhe permitam suportar o pagamento.
            Artigo 4º.
            De todo o modo, sempre na circunstância há-de ter-se por excessiva a prestação fixada pois não tendo a requerente despesas de habitação, a quantia fixada, ultrapassando largamente a pensão mínima de sobrevivência, mesmo o salário mínimo nacional, peca por excesso.
            E, daí, resultou violado, também, o disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 2004º e nº 1 do artigo 2007º, ambos do Código Civil, já que esta normas deverão interpretar-se, no âmbito da prestação de alimentos provisórios, por forma a garantir o mínimo de sobrevivência.
            E € 600,00, para quem dispõe de casa gratuita é, nas circunstâncias concretas do nosso país, excessivo.
            A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais propugna pela manutenção da decisão recorrida.

QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente ( arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ) as questões a decidir são:
a) se o encurtamento do prazo para contestar gera nulidade processual que determina que todo o processado seja anulado desde a citação;
b) se existe a obrigação do requerido prestar alimentos;
c) se o processo não contém elementos que revelem que o requerido pode pagar a prestação de alimentos;
d) se a prestação fixada é excessiva.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            Questão prévia.
            O tribunal recorrido, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, fixou a matéria de facto, dando como provados parte dos factos alegados no requerimento inicial e julgou não provados outros.
            Contudo, haveria que atentar no disposto no artigo 385º, nº 5 do CPC, que estatui que “a revelia do requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração”, ou seja, tem o efeito cominatório semi-pleno - art. 484º, nº 1 do CPC [1]-, não se verificando qualquer das excepções previstas no art. 485º do mesmo diploma legal.
            Efectivamente, o requerido foi citado e não apresentou contestação [2].
            Assim sendo, nos termos do disposto nos arts. 713º, nº 3 e 659º, nº 3 do CPC, dão-se como assentes os seguintes factos:
            1. Por decisão de 9 de Março de 2006 foi decretado o divórcio entre a requerente e o requerido por mútuo consentimento e no âmbito do qual os cônjuges declararam prescindir de pensão de alimentos – processo nº …. (1º).
            2. Durante o tempo em que viveram juntos, o requerido sempre se opôs a que a requerente desenvolvesse qualquer actividade remunerada (2º).
3. A requerente cuidava da família e da lida doméstica, ajudando também o requerido no estabelecimento comercial de venda de lareiras, churrasqueiras e mármores, bem como na fábrica de granitos e mármores geridas por este último, não recebendo qualquer remuneração por essas funções (3º e 4º).
            3. O requerido dedica-se ao exercício da actividade profissional de transformação e comércio de mármores e granitos , exercendo, ainda, através de uma sociedade para o efeito, a actividade de construção civil (5º).
            4. Dessa actividade o requerido retira rendimentos médios mensais de € 3.500,00 (6º).
            5. Aos quais acrescem cerca de € 5.000,00 de rendimentos provenientes do arrendamento dos prédios que fazem parte do património do ex-casal (7º).
            6. É o requerido que tem a posse e usufruto de todos os bens comuns do casal dos quais obtém todos os seus frutos e rendimentos, e dos quais não presta quaisquer contas à requerente (8º e 9º).
            7. O requerido não entrega à requerente qualquer montante desses rendimentos (10º).
            8. A requerente reside num dos apartamentos de que o casal é dono (11º).
            9. A requerente não aufere qualquer rendimento (14º).
10. Até à separação de facto, a requerente nunca exerceu qualquer actividade laboral para além da referida sob o nº 2 supra (15º).
11. A requerente tem como escolaridade a 4ª classe (16º).
12. A requerente nasceu em 25 de Abril de 1954 (17º).
13. A requerente sofreu uma ameaça de AVC tendo ficado limitada na mobilidade do seu braço esquerdo (20º e 21º).
14. A requerente evita ir ao médico e fazer exames que necessita, pois não tem dinheiro para prover a tais despesas (22º).
15. A requerente tem de recorrer aos filhos para fazer face às suas despesas (23º).
16. Para fazer face às despesas que suporta com água, electricidade, gás e telefone, a requerente necessita de cerca de € 100,00 mensais (25º).
17. Suporta, anualmente, quotas do condomínio relativas à fracção onde reside, cerca de € 448,08, sendo a quota mensal no valor de € 37,34 (26º).
18. A requerente despende em vestuário e calçado um montante mínimo mensal de € 150,00 (27º).
19. Carece, mensalmente, para se alimentar de um montante mínimo de € 300,00 (28º).
20. Na aquisição de produtos de higiene e limpeza pessoais, bem como para a casa, despende cerca de € 100,00 mensais (29º).
            21. Em Março de 2009, o requerido apresentou uma relação de bens comuns no processo de inventário para separação do património comum do requerente e do requerido que corre termos sob o nº…., de onde constam os seguintes bens:
1. Saldo da conta bancária - € 6.492,60
2. Saldo da conta bancária - € 544,62
3. Saldo da conta bancária - € 70,39
4. Saldo da conta bancária - € 5,31
5. Saldo da conta bancária - € 26,64
6. Saldo da conta bancária - € 649,44
7. Saldo da conta bancária - € 1.491,55
8. Saldo da conta bancária - € 98,79
9. Uma quota no valor de € 12.500,00 na Sociedade R, Lda.
10. Duas máquinas de polir mármore - € 500,00
11. Uma máquina corta topos - € 250,00
12. Uma máquina de corte - € 500,00
13. Uma máquina gravadora de pedra - € 50,00
14. Uma empilhadora de marca Nissan - € 2.500,00
15. Uma maquina corta topos - € 500,00
16. Um compressor de ar líquido, cor vermelha - € 250,00
17. Um compressor de marca Rubete, modelo 100 MR - € 75,00
18. Um máquina de corte de blocos de mármore - € 5.000,00
19. Um pórtico de 12 toneladas - € 30.000,00
20. Um máquina de corte com mono de lâmina - € 5.000,00
21. Veículo automóvel  - € 350,00
22. Veículo automóvel - € 500,00
23. Veículo automóvel - € 1.000,00
24. Veículo de marca - € 600,00
25. Veículo automóvel - € 1.500,00
26. Veículo automóvel - € 1.500,00
27. Cinco lareira nº 12 - € 2.000,00
28. Três lareira nº 1 - € 2.250,00
29. Três lareiras nº 156 - € 1.350,00
30. Seis recuperadores de calor - € 2.400,00
31. Várias mobílias e electrodomésticos - € 6.175,00
32. Usufruto simultâneo e sucessivo a favor de ambos sobre as fracções C e F do prédio urbano - € 21.348,34
33. Prédio urbano – fracção E, - € 44.025,65
34. Prédio urbano – fracção F, - € 74.181,22
35. Prédio rústico –- € 41,73
36. Prédio rústico, - € 30,42
37. Prédio rústico, no qual estão construídas duas moradias - € 700.002,89
38. Prédio rústico, - € 44,50
39. Seiscentos e vinte e sete dois mil quatrocentos e cinquenta avos do prédio rústico denominado - € 520,14
40. Dívida ao Banco…, S.A. - € 25.000,00

            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
            Começa o recorrente por invocar nulidade processual, consubstanciada no encurtamento do prazo legal para contestar, que determinaria a anulação de todos os actos processuais posteriores à citação.
            Recebido o presente procedimento cautelar de alimentos provisórios, foi designado dia para inquirição das testemunhas arroladas, tendo-se ordenado a convocação das partes nos termos do art. 400º, nº 1 do CPC.
Dispõe este artigo que “Recebida em juízo a petição de alimentos provisórios, é logo designado dia para o julgamento, sendo as partes advertidas de que devem comparecer pessoalmente na audiência ou nela se fazer representar por procurador com poderes especiais para transigir”.
Por seu turno, o nº 2 da mesma disposição legal estatui que a contestação é apresentada na própria audiência.
O recorrente foi citado para a audiência designada para o dia 20.07.09, no dia 16.07.09.
Alega o recorrente que tendo em atenção que o prazo para apresentar a contestação é de 10 dias (art. 153º, nº 1 do CPC), a marcação da audiência sem respeitar tal prazo constitui nulidade processual, que influiu no exame e decisão da causa (art. 201º do CPC).
            Afigura-se-nos que, efectivamente, prevendo a lei expressamente que, no procedimento cautelar de alimentos provisórios, o requerido tem de ser convocado para a audiência de julgamento e pode apresentar contestação na mesma [3], não se estatuindo qualquer prazo especial para marcação daquela, deve a data para julgamento ser designada tendo em atenção o prazo para contestar, o qual é de 10 dias, por força do disposto no art. 303º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 384º, nº 3 do mesmo diploma legal.
            Ao estabelecer que, recebida em juízo a petição é logo designado dia para julgamento, o legislador teve em mente imprimir maior celeridade processual ao procedimento, atentos os interesses em causa, com a marcação imediata do dia para julgamento, e não a realização imediata do julgamento.
            Tal vontade de maior celeridade processual resulta, também, da estipulação de que a contestação será apresentada em julgamento.
            Ou seja, não se prescindiu da audição prévia do requerido de alimentos provisórios, mas, para obstar a delongas, determinou-se que se designasse logo data para julgamento, sendo a contestação apresentada nesta.
            Este procedimento não afasta, naturalmente, a regra do prazo para contestar nos procedimentos cautelares, pelo que na marcação da data para o julgamento deverá ser ponderado tal prazo [4] [5].
            Não tendo sido respeitado tal prazo – uma vez que o requerido foi citado para o julgamento 4 dias antes da sua realização [6] -, do que resultou o encurtamento do prazo para o requerido apresentar a contestação, verifica-se a omissão de uma formalidade que a lei prescreve, que influi no exame e decisão da causa (porque viola o exercício pleno do direito ao contraditório), gerando nulidade processual [7], nos termos do disposto no art. 201º, nº 1 do CPC, conforme invocado pelo recorrente.
Contudo, tal nulidade processual resulta do próprio despacho que designou a data para a diligência.
Efectivamente, ao proferir despacho, no dia 10.07.09 [8], a designar o dia 20.07.09 para o julgamento, sabia a Mma Juiz recorrida que nunca o requerido seria citado com a antecedência de 10 dias em relação à data agendada [9].
A nulidade em causa encontra-se, assim, a coberto do despacho referido.
Ora, como vem sendo entendido, dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se.
O Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, Vol. 2º, pág. 506, escrevia que “a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial”.
E explicava que se a infracção cometida foi efeito do despacho, então, “estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei de processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ... Se em vez de recorrer do despacho, se reclamasse contra a nulidade, ir-se-ia pedir ao juiz que alterasse ou revogasse o seu próprio despacho, o que é contrário ao princípio de que, proferida decisão, fica esgotado o poder jurisdicional de quem decidiu (art. 66º)”.
Também o Prof. Manuel de Andrade, in o. c. na nota 7, pág. 183, escrevia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo”.
Não recorreu o requerido do despacho que designou a data para o julgamento sem a dilação necessária para assegurar o seu direito de defesa, pelo que já não é admissível reclamação contra a nulidade cometida, tendo de considerar-se a mesma sanada.
Improcede, pois, a 1ª conclusão do recurso.
Sustenta o recorrente que, tendo recorrente e recorrida prescindido reciprocamente de alimentos, ao divorciarem-se por mútuo consentimento, o deferimento do pedido ora formulado só poderia assentar na alegação e prova por parte da requerente de alteração das circunstâncias existentes à data em que declarou prescindir de alimentos, o que não fez.
Apreciemos.
Resulta assente nos autos que por decisão de 9 de Março de 2006 foi decretado o divórcio entre a requerente e o requerido por mútuo consentimento, tendo, no âmbito deste, os cônjuges declarado prescindir de pensão de alimentos.
Não parece pôr o recorrente em causa que, mesmo tendo prescindido de alimentos, a recorrida possa, agora, vir peticioná-los.
O que defende é que só pode fazê-lo se alegar e demonstrar que entretanto se alteraram as circunstâncias que se verificavam à data em que prescindiu dos alimentos.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Nos termos do art. 2009º, nº 1, do CC, “Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: a) o cônjuge ou o ex-cônjuge” .
E, nessa sequência, estatui o art. 2016º do mesmo diploma legal, na redacção introduzida pela L. 61/08 de 31.10, que “2. Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos independentemente do tipo de divórcio” [10].
Por seu turno, o art. 2008º do CC, sob a epígrafe “Indisponibilidade e impenhorabilidade”, estabelece que “1. O direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido, bem que estes possam deixar de ser pedidos e possam renunciar-se as prestações vencidas”.
Daqui resulta que o direito a alimentos é um direito indisponível [11], não obstante a lei deixar na disponibilidade da pessoa a renúncia a prestações vencidas e que, se assim o entender, não os peça.
A declaração feita aquando do divórcio por mútuo consentimento de que se prescindia de alimentos só pode significar que, naquele momento, se não pediam alimentos [12].
Nunca poderá significar que se renunciam aos mesmos, pois a lei não o permite, podendo sempre o ex-cônjuge vir, posteriormente, pedi-los [13].
E se assim é, também não se cuida de saber porque se não pedem os alimentos naquele momento – se por não carecer dos mesmos, ou se, por qualquer outra razão, não se pretendem pedir [14].
Logo, também não faz sentido exigir-se que, quando o ex-cônjuge vem pedir alimentos, tenha de alegar e demonstrar uma alteração superveniente das circunstâncias.
Nem a lei faz tal exigência, que estaria em manifesta contradição com o princípio da indisponibilidade do direito a alimentos.
Basta que a requerente alegue e demonstre que, no momento em que pede os alimentos, se mostra carecida deles.
Só no caso de ter sido fixada uma prestação alimentícia, é que a lei faz depender a sua alteração (para mais ou para menos) da modificação das circunstâncias determinantes da sua fixação (art. 2012º do CC) [15].
Atenta a natureza irrenunciável e indisponível do direito a alimentos [16], não colhe o argumento do recorrente de que permitir o mero pedido de alimentos sem se invocar alteração superveniente das circunstâncias abre a porta a que o acordo quanto a alimentos no divórcio por mútuo consentimento se quede por mero artifício para obter aquele.
Improcede, pois, a conclusão 2ª do recurso.
Alega o recorrente que a sentença recorrida violou o disposto na 1ª parte do nº 1 do art. 2004º do CC, uma vez que fixou uma prestação alimentar sem que o processo revele que o requerido a pode pagar.
Dispõe o art. 2004º, nº 1 do CC que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.
Em anotação a este artigo explicam Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. V, pág. 580 que o legislador “procurou sintetizar as coordenadas fundamentais pelas quais o juiz, sempre apoiado nos critérios do bom senso, se há-de orientar para fixar o montante da prestação alimentícia. ... Muito significativamente, a primeira coordenada que a lei aponta para o cálculo do montante da prestação alimentícia é a dos meios de quem haja de prestá-los; não, obviamente, para permitir o recurso a eles até à exaustão, mas para prescrever, muito mais sensatamente, que os alimentos hão-de ser proporcionados a esses meios”.
Ao requerente de alimentos cabe provar que carece de alimentos, e em que medida, bem como que o demandado tem possibilidades de os satisfazer (art. 342º, nº 1 do CC) [17].
Assim, terão de resultar demonstrados factos que permitam concluir pela referida possibilidade, isto é deverá atender-se às receitas e despesas do obrigado, pois só assim se poderá concluir pela possibilidade de satisfazer os alimentos e a medida dessa possibilidade [18].
Conforme resulta da factualidade, ora, dada como provada, logrou a requerente fazer prova da possibilidade do recorrente lhe prestar alimentos.
Efectivamente, resultou provado que o requerido se dedica ao exercício de actividade profissional de transformação e comércio de mármores e granitos, exercendo, ainda, através de uma sociedade para o efeito, a actividade de construção civil, tendo como rendimentos médios mensais cerca de € 3.500,00, aos quais acrescem cerca de € 5.000,00 de rendimentos provenientes do arrendamento dos prédios que fazem parte do património comum do ex-casal.
Mais resultou provado que tem a posse e o usufruto de todos os bens comuns do casal, dos quais obtém todos os seus frutos e rendimentos, e dos quais não presta quaisquer contas à requerente, nem entrega qualquer montante desses rendimentos.
Embora não se tenham apurado quaisquer circunstâncias relativas à situação pessoal e familiar do requerido, no que a despesas concerne, relevantes para aquilatar da possibilidade do mesmo prestar alimentos, por não terem sido alegadas pela requerente, o que é certo é que face aos rendimentos auferidos pelo recorrente, e a sua exclusividade no gozo dos bens comuns, impõe-se concluir pela sua possibilidade de prestar alimentos.
Se o requerido “não tem vencimento, pensão ou outro rendimento que lhe permitam suportar o pagamento”, incumbia-lhe alegar tais factos e fazer prova dos mesmos [19], o que não fez.
Improcede, assim, a conclusão 3ª.
Por último suscita o recorrente a questão do montante dos alimentos fixado ser manifestamente excessivo “pois não tendo a requerente despesas de habitação, a quantia fixada, ultrapassando largamente a pensão mínima de sobrevivência, mesmo o salário mínimo nacional, peca por excesso”.
Também, nesta matéria, discordamos do recorrente.
Dispõe o art. 399º, nº 2 do CPC que “a prestação alimentícia provisória é fixada em função do estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário do requerente...”, estatuindo, por seu turno, o art. 2007º, nº 1 do CC que os alimentos provisórios serão taxados segundo o prudente arbítrio do tribunal.
Desde logo se dirá que o facto da lei fazer referência “ao estritamente necessário”, tal não implica que se tenha de ter por referência quer o salário mínimo nacional, quer a pensão mínima de sobrevivência.
O que se terá de ponderar são os meios daquele que houver de prestar alimentos e as necessidades daquele que houver de recebê-los (art. 2004º, nº 1 do CC).
Por outro lado, não obstante a requerente não pagar renda de casa, uma vez que vive em casa própria, tem despesas de habitação, com água, luz, gás, telefone e condomínio como resultou demonstrado.
A Mma Juiz recorrida fundamentou, de forma coerente, as premissas em que se baseou para fixar o montante dos alimentos provisórios.
Afigura-se-nos que os fixou de forma prudente e justificada, nada tendo o recorrente alegado que ponha em causa as premissas sobre que assentou o arbítrio do tribunal.
Assim sendo, nada há a censurar, sendo de manter o montante da prestação fixada.
Improcede, pois, na totalidade o recurso.

            DECISÃO.
            Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
            Custas pelo recorrente.
                                                                       *
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2010

Cristina Coelho
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes (com a declaração que segue)
Subscrevo a decisão, mas discordo da parte da fundamentação em que se admite a existência de uma nulidade da decisão que designou o dia para a audiência final por não ter assegurado a dilação mínima de 10 dias para a dedução da oposição.
A lei não impõe uma tal dilação. Prevendo o art. 400º, nº 1, do CPC, que, recebido o requerimento inicial, é “logo designado dia para julgamento”, tal preceito privilegia a celeridade, sem que tenha de ser preservado aquele prazo de 10 dias previsto no art. 303º, nº 2, ex vi art. 384º, nº 3.
Uma solução contrária encontra justificados motivos na natureza intrínseca, nos pressupostos e nos objectivos dos alimentos provisórios (factores também aplicáveis ao arbitramento de reparação provisória, nos termos do art. 404º, nº 1,). Constituindo uma providência cautelar que visa antecipar uma decisão que provisoriamente assegure as condições essenciais para a sobrevivência do requerente ligadas ao sustento, habitação ou vestuário, nos termos dos arts. 399º, nº 2, do CPC, e 2003º do CC, tal implica que se abrevie o momento em que deva ser proferida a decisão judicial que provisoriamente reconheça o direito a alimentos.
Ainda que a contraditoriedade corresponda a um princípio geral que deve ser assegurado, tal não colide com a possibilidade, que é convertida em necessidade nos alimentos provisórios, de acelerar a fase inicial do procedimento, assegurando-se ao requerido a apresentação da defesa e dos respectivos meios de prova na audiência final.
Atenta a morosidade endémica do processo civil, são dispensáveis juízos difusos que, na prática, agravem ainda mais os factores que arrastam a prolação das decisões, maxime quando isso ocorre relativamente a instrumentos processuais naturalmente céleres e em que a sua eficácia depende em larga medida dessa celeridade.
A. Abrantes Geraldes
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[1] Dispõe este artigo que “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
[2] Sem prejuízo da subsequente análise que se irá fazer da nulidade processual relativa à falta de prazo para contestar suscitada pelo recorrente nas alegações de recurso.
[3] Trata-se dum procedimento cautelar em que a lei não permite que seja dispensada a audição prévia do requerido.
[4] Neste sentido pronunciou-se já o Ac. da RG de 18.05.2005, P. 524/05-2, in www. dgsi.pt.
[5] Em termos práticos o que pode suceder é que o requerido tenha, até, mais dias para preparar a contestação.
[6] Sendo que dos mesmos apenas 2 correspondiam a dias úteis.
[7] Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 176 define as nulidades processuais como “quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais”.
[8] Cfr. fls. 34.
[9] Ainda que o despacho fosse cumprido no próprio dia.
[10] Na redacção anterior à referida alteração também se estipulava, no nº 1, al. c), que “têm direito a alimentos em caso de divórcio: c) qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido decretado por mútuo consentimento”.
[11] O que se justifica pela natureza do direito em questão, que visa salvaguardar as necessidades essenciais da pessoa relacionadas com uma subsistência digna.
[12] Cfr., entre outros, o Ac. da RP de 11.11.2004, P. 0435565,in www. dgsi.pt.
[13] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 24.04.85, P. 072252, da RP de 3.06.91, P. 0501067, ambos in www.dgsi.pt.
[14] Ainda que carecendo dos mesmos.
[15] Neste sentido, cfr. o Ac. da RL de 10.04.2008, P. 1399/2008-2, in www. dgsi.pt.
[16] Que não permite, sequer, concluir pela aplicação do instituto do abuso de direito às situações em apreço – neste sentido, cfr. o Ac. da RP de 11.11.2004, referido na nota 10.
[17] Como referia Moitinho de Almeida, in Os Alimentos no Código Civil de 1966, ROA, Ano 28, pág. 101, referenciando Vaz Serra, “a prova das possibilidades do obrigado incumbe ao alimentando, na sua qualidade de autor”.
[18] Moitinho de Almeida, na ob. cit., págs. 99 e 100 refere que se deve atender “à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas”.
[19] Por constituírem matéria de excepção – art. 342º, nº 2 do CC.